Mudanças de hábitos e de relações sociais
As novas tecnologias da informação, como dissemos no início deste capítulo, estão revolucionando as relações sociais, os hábitos cotidianos e os costumes das pessoas. Aqui vamos ativar nossa imaginação sociológica com alguns exemplos.
Um primeiro exemplo é sobre a utilização de celulares. A massificação, que significa a expansão acelerada dessa nova tecnologia, possibilitou o surgimento de certas formas de interação entre as pessoas, formas essas impossíveis há alguns anos. O interessante é que o uso dos celulares passou a ser quase uma regra nas grandes cidades, relegando àqueles que não os usam a uma categoria de pessoas antissociais. O celular nos dá muita mobilidade nas relações sociais e alterou certos comportamentos. Pais, agora, podem controlar seus filhos adolescentes quando estes estão fora de casa. Atualmente, nos trens, nos ônibus, nas ruas, podemos escutar as conversas de pessoas que, quando falam nos seus celulares, estão expressando fatos pessoais e íntimos. Há alguns anos essas conversas eram restritas ao espaço privado da casa ou do trabalho. Agora, cada vez mais, questões até então privadas invadem os espaços públicos e os diálogos íntimos começam a fazer parte da poluição sonora das cidades.
LEGENDA: Os celulares revolucionaram nossa vida cotidiana mesmo nas escolas e, até, nas prisões.
FONTE: Image Source
Nas salas de aula, alguns alunos levam seus celulares e têm sua aula interrompida por alguém telefonando para eles. Mães e pais, com essa prática, desviam a atenção dos filhos na hora da aula.
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Até as quadrilhas de dentro das prisões usam os celulares. O presidiário já não está tão "isolado" assim do mundo fora da prisão - quando a segregação deveria ser um dos efeitos impostos pela pena de reclusão. Ele, agora, com acesso ao celular, pode organizar roubos, sequestros e até fugas e rebeliões. Você se lembra do papel que o celular passou a ter, de uns tempos para cá, nas rebeliões de presidiários? Basta assistirmos aos noticiários diários.
Vamos a outro exemplo.
Boxe complementar:
Certa vez, um professor de Sociologia fez um comentário muito interessante. Ele dizia que quando era jovem viveu numa época em que a pessoa que procurava emprego ia até o local indicado, gastando muito tempo com isso. Ele contou que, em 2003, estava precisando aumentar sua renda e, ao voltar para casa de ônibus, tarde da noite, recebeu uma chamada no celular de uma faculdade oferecendo-lhe emprego. Ele comentou: "muita coisa mudou hoje, eu consegui esse trabalho enviando meu currículo por e-mail e no dia seguinte recebi um telefonema me oferecendo um trabalho quando estava fora de casa". Relacionado a este fato, o mesmo professor comentou: "as pessoas hoje não são mais procuradas, elas são achadas".
Fim do complemento.
Um grande irmão que não é de carne e osso: "Big Brother Brasil"
Já que estamos falando de mudanças nas relações sociais, podemos afirmar que algumas das programações da TV estão também revolucionando certas ideias sobre vigilância e controle das pessoas. Um exemplo bem concreto é o programa exibido pela Rede Globo, Big Brother Brasil - BBB.
Não foi a Rede Globo que inventou este programa. Em 1999, o executivo de uma TV holandesa, John de Mol, teve a ideia de criar um reality show (show da realidade), onde pessoas comuns seriam selecionadas para conviverem juntas dentro de uma mesma casa, vigiadas por diversas câmeras, vinte e quatro horas por dia. O nome do programa - Big Brother - teve como inspiração uma antiga obra de ficção científica.
Big Brother é um reality show onde, durante cerca de três meses, um grupo de pessoas tenta se manter o máximo de tempo possível em uma casa fechada, sem acesso a TV, jornais, rádio, amigos e familiares e, assim, conseguir um grande prêmio em dinheiro. A decisão sobre quem sai e quem fica é tomada pela audiência que acompanha o programa e que, por algum motivo, toma partido de um ou mais membros da casa, votando através do telefone fixo, do celular ou pela internet.
FONTE: © Angeli - FSP 18.12.2001
O termo "Grande Irmão" (Big Brother) representa um personagem fictício no romance 1984, escrito por George Orwell e publicado em 1949. Esse romance retrata o cotidiano dos indivíduos numa sociedade totalitária. Nessa sociedade, todas as pessoas estão sob constante vigilância das autoridades, e sendo sempre alertadas pelo Estado com as seguintes frases: "o Grande Irmão zela por ti" ou "o Grande Irmão está te observando". O livro denuncia o totalitarismo do Estado que, na figura de um homem, através das chamadas, governa de forma arbitrária e manipula a forma de pensar das pessoas.
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Pois bem, o programa é inspirado nesse romance, mas no BBB informa-se que não há intenção de governar, vigiar e controlar as mentes, mas sim mostrar "as pessoas como elas verdadeiramente são", com suas virtudes e, principalmente, com os seus defeitos. O programa apresenta-se como um entretenimento, uma diversão, um passatempo marcado pelas "espiadas" no comportamento dos seus participantes. Será que essa exposição no programa não faria parte de uma teatralização da TV?
Ao contrário do romance, que passava a ideia de que numa sociedade futura seríamos todos vigiados, controlados e manipulados, hoje o BBB estaria representando uma nova realidade social, ou seja, nós somos vigiados, mas não no sentido de que perdemos nossa liberdade, e sim de que no mundo de hoje o fato de ser visto sempre passa a ser entendido como uma qualidade, a visibilidade ao extremo como algo muito valorizado. Dessa forma, quanto mais você é visto e olhado, mais você participa do mundo.
Há, também, a mistura entre o que é público e o que é privado. Então, um fato que poderia ser considerado tempos atrás como uma invasão de privacidade, hoje está se transformando cada vez mais em um espetáculo para a diversão do público.
LEGENDA: Nas grandes cidades as câmeras de vídeo estão por quase todos os lados. Na foto, policiais do Centro de Operações da Polícia Militar monitoram imagens de câmeras de vigilância na cidade de São Paulo.
FONTE: Eduardo Anizelli/Folhapress
Hoje, não é somente no BBB que existem câmeras de vídeo por quase todos os lados. Nas ruas das grandes cidades, nos shoppings, nos elevadores, nas lojas, nos supermercados, nos ônibus, até nas escolas, enfim. Muitos atos e comportamentos de nossa vida privada se transformam em coisa pública. Às vezes, certas cenas de nosso cotidiano vão parar no site You Tube ou em ferramentas semelhantes.
Há alguns anos, diversos sociólogos, ao discutir os meios de comunicação, apontavam para a existência de uma esfera pública e de uma esfera privada dos indivíduos, ou melhor, que todos nós vivíamos e nos relacionávamos com outras pessoas de forma diferente em espaços diferentes. E hoje? O que nossa imaginação sociológica poderia afirmar? Seria a mesma coisa? Se não, quais seriam as diferenças? Discuta com seus colegas e professores.
As mídias e as salas de aula no século XXI
Nas sociedades atuais, o conhecimento é fortemente valorizado, mas muitas são as formas de ascender a ele, não se podendo atribuir à escola e à família a exclusividade desta função. O impacto dos meios de comunicação de massa - e, particularmente, da informática - está revolucionando as formas de adquirir conhecimento. E essas formas vão se multiplicar nos próximos anos.
Hoje, por exemplo, temos os filmes infantis que inculcam valores; temos a internet que nos apresenta um mundo de informações, jogos, imagens etc. É importante notar que as crianças e os jovens interagem com essas novas ferramentas de uma forma muito diferente, na qual os adultos não foram socializados.
Não faz muito tempo, certas informações demoravam dias para chegar ao nosso conhecimento. Por outro lado, alguns programas de TV não eram ao vivo. Por exemplo, em alguns locais do interior do Brasil, em 1970, só alguns dias depois da final da Copa do Mundo de futebol é que se soube que o Brasil havia sido tricampeão. Muitos outros programas de televisão eram gravados numa semana e exibidos ao público em outra, ou até mesmo um mês depois. Assim, certas informações chegavam muito tempo depois de terem acontecido.
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E hoje? Chegamos a um ponto em que podemos ver os fatos no momento em que estão acontecendo, ao vivo, como no caso da ocorrência de terremotos, furacões, grandes enchentes e outras catástrofes da natureza que atingem o planeta praticamente todos os anos, pois os satélites têm a capacidade de nos transmitir as informações rapidamente. No mesmo instante em que as imagens são produzidas, são recebidas e transmitidas.
Estamos falando de televisão e transmissões via satélite que estão aproximando pessoas, produtos e informações. Mas, também podemos falar da internet. Este é um sistema de comunicação entre computadores que liga o mundo inteiro com conhecimentos, leituras, mensagens visuais e textuais e também audiovisuais. É o chamado mundo virtual, ou seja, ele não se concretiza em objetos, mas existe apenas visualmente, no momento em que acessamos a rede de comunicação interligada pela tecnologia da informática.
Assim, podemos ler um livro ou texto recém-lançado, sem que esteja escrito em papel algum. Temos as chamadas revistas eletrônicas, ou seja, revistas de informações, que podem ter o mesmo formato de revistas em papel, mas que estão apenas expostas na tela do computador. Algumas revistas impressas, jornais e livros agora são comercializados somente em formato digital, podendo ser lidos no celular ou em tablets, que são quase que "livros digitais". Sem falar na propagação cada vez mais acentuada de cursos à distância, ou seja, que não são presenciais, mas virtuais. Virtual não no sentido de que ele não exista, mas no sentido de que é cursado pelo aluno através do sistema informacional, por computadores ligados à internet.
LEGENDA: No mundo atual, muitos livros, revistas e jornais são lidos num suporte computacional.
FONTE: Carlos Cecconello/Folhapress
Enfim, estamos destacando essas novas tecnologias por entendermos que elas representam, atualmente, um dos instrumentos que mais influenciam os processos de socialização e educação, além da escola e da família.
Boxe complementar:
Vamos dar um exemplo bem real de um menino de seis anos, cursando a classe de alfabetização, que começava a aprender a ler e escrever. Para surpresa de sua professora, em menos de dois meses ele começou a ler quase tudo. A professora marcou uma reunião com os pais do menino, pois, segundo sua experiência, o menino estaria tendo apoio em casa ou aulas particulares. No entanto, os pais relataram que sempre ficavam pouco tempo em casa e que só podiam dar atenção ao filho nos finais de semana. Então, qual foi o motivo para que aquela criança aprendesse tão rapidamente a ler?
O pai relatou que seu filho estava muito curioso para aprender a mexer na internet e no computador. Assim, num final de semana, ensinou-o como funcionava o computador e como "navegar" na internet. Ajudou, ainda, o fato da irmã de nove anos sempre trabalhar com o computador, ver figuras animadas, vídeos, brincadeiras e jogos. Aprendeu rápido e começou a descobrir a leitura, incentivado pela internet, através de jogos e brincadeiras, dos quais precisava ler as várias regras. A consequência disso foi que ele se transformou no "primeiro aluno" de sua turma, alfabetizando-se muito mais rapidamente que todos os demais.
Fim do complemento.
A internet e o computador ajudaram uma criança a acelerar seu processo de alfabetização. Mas, isso não é uma regra ou uma coisa que aconteça sempre. Existem casos em que o computador afasta crianças e adolescentes da escola. Depende muito de cada caso, de cada família. Sem contar o fato de que nem todos no Brasil têm acesso a um computador, mas somente à televisão ou ao rádio.
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Todos esses novos instrumentos - programação de TV ao vivo, internet etc. - podem ser considerados novos agentes de socialização na educação das novas gerações, ao lado da família e da escola. É preciso estudar, compreender e reconhecer o papel educativo dessas mídias para estudantes e também para professores.
Os agentes de socialização têm características bem delimitadas, ou seja, passam informações, socializam experiências e formam novas mentes pensantes, inculcando valores e dando exemplos de atitudes a serem adotadas. A família e a escola têm estas características mas, se pensarmos bem, os novos meios de comunicação e informação também cumprem estes papéis. Eles não servem somente para diversão ou lazer.
LEGENDA: As novas mídias utilizadas como instrumentos educativos. Na foto, de 13/10/2005, creche "Lar de Rebeca", no Rio de Janeiro, com computadores conectados à internet.
FONTE: Luciana Whitaker/Folhapress
Quem já não presenciou numa escola, por exemplo, uma polêmica sobre direitos da mulher, em algumas ideias que foram dramatizadas numa novela de TV e que se tornou assunto de debate durante a semana, dentro da sala de aula e no recreio? Certamente, estudantes e professores deram suas opiniões sobre a polêmica e conversaram sobre suas impressões. Essas conversas e mobilizações, em torno desse debate, também educam e formam eticamente os indivíduos.
Estamos destacando estes novos meios de comunicação como agentes de socialização porque, em alguns momentos, eles competem com as famílias e a escola ou as ajudam na formação de crianças e jovens. São os meios mais presentes, atualmente, ao lado da escola e da família, que promovem socialização, difundem opiniões e propõem concepções e modos de lidar com as pessoas e a realidade humana.
Existem outros agentes de socialização como as igrejas, as associações de moradores, os sindicatos, os grupos de amigos, os clubes etc. Eles também passam informações, socializam experiências e formam novas mentes pensantes. Entretanto, nem todos têm a capacidade de mobilização que têm os novos meios de comunicação e informação, pois estes últimos conseguem penetrar no mais íntimo cotidiano das pessoas, seja nas famílias ou nas escolas.
Por outro lado, as novas tecnologias chegam a interferir em rotinas já consagradas por um ritual familiar ou escolar. Vejamos o exemplo de certos professores das grandes cidades brasileiras, nos últimos anos, que reclamam da dificuldade que têm em prender a atenção das turmas por mais de vinte minutos numa aula expositiva, ou seja, os alunos ficam dispersos e não prestam atenção no que eles dizem.
Será que a mídia, principalmente a televisão, não tem nenhum tipo de responsabilidade no que se refere a esta dificuldade de concentração e abstração dos estudantes?
Marilena Chauí (2000) comenta a relação existente entre a dispersão da atenção das pessoas em geral, nos dias atuais, com o hábito gerado pela programação da TV, desde 1960, de concentrar as informações em blocos que podem durar, por exemplo, quinze minutos, com pausas para a publicidade.
Ora, será que essa reflexão não está relacionada à dispersão que os professores em geral percebem nas salas de aula? Não podemos dizer que as crianças, adolescentes e jovens de hoje estão sendo habituados desde bem pequenos a se concentrarem em programas de televisão durante quinze ou vinte minutos, relaxando depois durante os intervalos comerciais? Assim, na sala de aula, depois de quinze ou vinte minutos, eles se cansam, não conseguem prestar mais atenção no professor e se dispersam em conversas ou em outras atividades fora do contexto da aula.
Para agravar este quadro, a grande maioria dos professores brasileiros não conta com recursos de utilização de imagens para ilustrar os conteúdos que deseja apresentar nas suas aulas.
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Afinal, um programa de TV - com cores, músicas, movimentos e efeitos especiais - pode ser muito mais atrativo visualmente para uma criança ou adolescente do que uma aula com um adulto falando e anotando no quadro de giz.
Este é um exemplo de como outras formas de socialização podem interferir em práticas cotidianas de uma escola. O que fazer, então?
Vimos, por um lado, que essas novas formas de socialização podem contribuir com a escola e a família, mas, por outro lado, interferem de forma negativa em situações de aprendizagem já consagradas pelos educadores.
A globalização e o mercado dos grandes negócios
As novas tecnologias dos meios de comunicação de massa estão revolucionando nossas vidas. No entanto, devemos também analisar sociologicamente que um dos grandes fatores que faz movimentar essas transformações é o interesse econômico das grandes empresas transnacionais e globalizadas. Esses interesses, que mexem com nossas vidas cotidianas, também têm uma interferência de governos e de Estados.
Podemos dizer, então, que o controle da informação é, ao mesmo tempo, um instrumento de poder, por parte dos grupos políticos e econômicos dominantes, além de se constituir como um grande negócio capitalista. Isto é constatado pelo sociólogo e ex-diretor do jornal francês Le Monde Diplomatique, Ignacio Ramonet, quando afirma que "a comunicação tornou-se uma indústria pesada, comparável à indústria siderúrgica da segunda metade do século XIX, ou à do automóvel na década de 20: hoje, é nesse setor que são feitos os investimentos mais importantes" (RAMONET, 2002).
Ainda segundo Ramonet, os grandes conglomerados formados pelas empresas de comunicação se transformaram nos "novos donos do mundo", controlando jornais, revistas, livros, cinema, televisão e etc., reunindo diversas empresas de informática e de telecomunicações. Entre esses conglomerados estão a América OnLine (que comprou a Netscape, a Intel e o grupo Time-Warner-CNN), a Vivendi - Universal (resultado da fusão da Havas, Canal Plus, USA Networks e o grupo Seagram), a Viacom e a News Corporation.
LEGENDA: Os interesses econômicos movimentam o crescimento dos meios de comunicação de massa e influenciam nossa vida cotidiana e as decisões políticas. Na foto, a Times Square, região central de Manhattan, Nova York - EUA, onde se concentram algumas das empresas de comunicação mais influentes do mundo.
FONTE: Juliana Laurino/Folhapress
É claro que no Brasil a situação não poderia ser diferente. Basta pensarmos no mais poderoso desses grandes conglomerados de comunicação, as Organizações Globo, para termos uma ideia do que significa esse cenário de monopolização e controle da informação. Da mesma forma como apontamos, essa concentração econômica é acompanhada passo a passo pelos grupos e famílias que controlam as políticas regionais, com influência direta no centro do poder, em Brasília.
FONTE: André Dahmer
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Para ilustrar, uma pesquisa realizada por Israel Bayma, a partir de dados da ANATEL - Agência Nacional de Telecomunicações, do Ministério das Comunicações e do Tribunal Superior Eleitoral, mostrava, em 2002, que 73,75% das emissoras de radiodifusão brasileiras estavam em poder dessas famílias políticas tradicionais. Só o sobrenome Sarney, por exemplo, segundo Bayma, aparecia como sócio em 56 emissoras de rádio e TV (cf. BAYMA, 2002).
Bayma se refere a esse tipo de exercício do poder político como "coronelismo eletrônico":
Boxe complementar:
A literatura política brasileira tem utilizado o termo coronelismo como uma forma peculiar de manifestação do poder privado, com base no compromisso e na troca de proveitos com o poder público. A ciência política trata como coronelismo a relação entre os coronéis locais, líderes das oligarquias regionais, que buscavam tirar proveito do poder público, no século XIX e início do século XX. Hoje, não há como deixar de se associar esse termo aos atuais impérios de comunicação mantidos por chefes políticos oligárquicos, que têm, inclusive, forte influência nacional.
(BAYMA, 2002)
Fim do complemento.
Assim, percebe-se que o controle dos meios de comunicação caminha ao lado das estruturas de poder presentes nas sociedades, significando um instrumento de privilegiamento de alguns grupos e de troca de favores entre o empresariado e o poder público. As concessões de emissoras de TV ou de estações de rádio cumprem esse papel, na medida em que é necessário ter autorização do governo, mas essa autorização só sai para alguns - amigos ou prestadores de favores dos governantes. Por este motivo é que podemos utilizar o termo "clientelismo" como referência ao tipo de relação política que se estabelece entre o que deveria ser público (uma concessão do Estado), mas que assume um caráter privado (já que defende os interesses de determinados grupos econômicos).
Por outro lado, quando se fala em "coronelismo eletrônico", está se afirmando que alguns políticos dominam e divulgam informações para promoverem a si mesmos e seus aliados, além de hostilizar e censurar as iniciativas dos adversários, mantendo uma dominação política através do monopólio das concessões das rádios e televisões pelo governo. É uma troca de favores: o governo concede a alguns políticos a abertura de rádios e canais de TV e esses mantêm o controle eleitoral da população a favor dos governos.
Voltando às afirmações de Pierre Bourdieu (1997), apresentadas no início deste capítulo, podemos constatar no texto anterior que há uma relação íntima entre poder e mídia e que, ao longo da História brasileira, a televisão, as emissoras de rádio e os jornais impressos e, nos dias de hoje, os boletins eletrônicos divulgados via internet têm interesses comerciais e políticos. Eles exercem influências significativas sobre comportamentos, visões de mundo, política, moral etc. Parece que aquilo que chamamos de liberdade de expressão está bastante limitado por esses interesses. O que você acha disso? Estamos exagerando? Ou estamos tentando, como dizia Bourdieu no texto citado, fazer da Sociologia um instrumento científico que tem como uma das suas tarefas desvelar coisas ocultas?
LEGENDA: Para Pierre Bourdieu (1930-2002), o estudo dos meios de comunicação de massa pode nos ajudar a desvelar uma série de questões ocultas - como, por exemplo, as relações entre a mídia e o poder econômico.
FONTE: Shutterstock
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Interdisciplinaridade
Conversando com a Arte
A voz do dono e o dono da voz
Dione Lins & Ricardo Pereira
E nossa voz tem um dono. No mundo em que vivemos todas as coisas têm de certa forma um dono, mesmo as coisas que não vemos, como, por exemplo, o pensamento. Na nossa sociedade, é fundamental o controle do pensamento e uma parte desse controle é feito através da mídia. As mídias na "democracia" são os agentes da propaganda e da censura do sistema.
Ficou surpreso com a palavra censura? Sim? Sim, a censura existe. O conceito não está só associado aos regimes ditatoriais quando a censura é assumida claramente e as pessoas sabem que existem informações que o governo esconde.
Nas "democracias", a censura também é "democrática": escondem de nós as informações, em geral, com o excesso de informações. Somos bombardeados diariamente com milhares de propagandas para ocultar as informações realmente essenciais.
Nos EUA, já se sabe que um cidadão americano assiste a 4000 propagandas por dia, bem como as informações vinculadas aos programas chamadas merchandising. Nas "democracias", as pessoas acreditam na imparcialidade dos meios de comunicação, porém é na publicidade que se esconde a "censura".
O grande objetivo do sistema é, portanto, tentar que a população tenha pouca ou nenhuma informação para ser mais submissa e passiva. Daí ser importante que a maioria não tenha acesso aos meios alternativos como a internet, mas que fique apenas com as informações repassadas pela TV.
Na TV, os telejornais não têm o objetivo de informar, mas sim entreter e, sobretudo, distrair as pessoas. São notícias vinculadas sem as devidas contextualizações no espaço e no tempo. Com prejuízo de critérios de qualidade, prevalece o sensacionalismo. A tônica recai nos casos do dia, aqueles que supostamente "interessam" ao grande público, mas que não tocam em nada de importante.
No capitalismo, os meios de comunicação estão a serviço de todas as espécies imagináveis de consumo: de mercadorias a ideias. O consumo referido é um consumo cotidiano, que não implica quase nunca intenção, nem decisão, nem pagamentos. Foi para chamar a atenção desse poder midiático da publicidade sobre a população que a artista plástica americana Barbara Krugger (1945) usa fotografias de fontes existentes (revistas e propagandas) com texto conciso e agressivo que envolve o espectador em questionamentos sobre a sua visão da luta pelo poder e o consumismo. Você pode acessar os sites, a seguir, e conferir o trabalho desta artista plástica.
Quem é Barbara Kruger? http://bit.ly/16hEwRc
BARBARA KRUGER-HIRSHHORN MUSEUM AND SCULPTURE GARDEN http://bit.ly/11oqOvU
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