AS SUFRAGISTAS (Suffragette)
FICHA TÉCNICA:
Direção: Sarah Gavron
Elenco: Carey Mulligan, Helena Bonham Carter
Meryl Streep
Duração: 106 min.
(Reino Unido, 2015).
FONTE: Universal Pictures/Sarah Gavron
O filme se passa no início do século XX e trata da luta das mulheres britânicas pelo direito ao voto. Depois de décadas de manifestações pacíficas, um grupo de militantes decide organizar atos de insurgência, para chamar a atenção da população e dos parlamentares. Uma de suas novas líderes surge ao se engajar e adquirir formação política no próprio movimento pela igualdade de direitos.
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Aprendendo com jogos
O resgate da princesa
SALVE A PRINCESA... DO MACHISMO!
FONTE: Divulgação
FONTE: Divulgação
FONTE: Divulgação
FONTE: Divulgação
Jogos em que você assume o papel de um príncipe e o seu objetivo é salvar a princesa da bruxa ou do dragão são muito comuns. Mas você não irá encontrar com facilidade na história dos contos de fadas uma princesa que não queira ser resgatada - simplesmente porque a vontade dela parece não importar! Aqui o nosso objetivo será precisamente este: desconstruir noções preconceituosas relacionadas a gênero nos jogos tipo "resgate a princesa".
Como jogar:
1. Organize-se em quatro grupos com os seus colegas de sala. Cada grupo jogará um dos games online gratuitos apresentados acima. Todos os participantes dos grupos devem ter a experiência do jogo. Você acessa os jogos nos endereços:
a) http://goo.gl/98qtGB
b) http://goo.gl/aNqKW5
c) http://goo.gl/U6LeJo
d) http://goo.gl/RkKHNv
2. Cada grupo produzirá um relato das experiências dos jogadores em relação ao jogo, que pode ser por escrito ou filmado (até por um celular! Isso normalmente é conhecido como o gameplay do jogo). Após todas e todos do grupo jogarem, discutam nos grupos os diferentes papéis dos personagens do jogo e como a imagem da mulher frágil que precisa ser salva é apresentada. Respondam questões como: quais os pressupostos sobre as identidades sociais de gênero nos quais esses jogos se baseiam? Quais outros estereótipos encontramos nos games indicados? Como as histórias narradas nesses jogos poderiam ser diferentes, no que diz respeito às identidades de gênero?
3. Reconte o conto! Narre o jogo por meio de um conto, de quadrinhos, de uma peça teatral dramatizando a narrativa do game ou, também, através de uma exposição crítica de diversas fontes como jornais, revistas ou internet (blogs, redes sociais, sites de jornais etc.) que apresentem a mesma visão sobre gênero que o jogo pretende questionar.
4. Reconstrua a narrativa do jogo, de modo que se incluam elementos críticos à visão sobre gênero disseminada no jogo (por exemplo, um final surpreendente onde se descobre que a princesa não precisa nem deseja ser salva ou eventos no jogo que ensinem ao jogador sobre os estereótipos do personagem principal, o herói ou, ainda, a inversão dos papéis e até a inclusão de outras identidades de gênero na dinâmica do game).
5. As apresentações dos grupos terão de 5 a 15 minutos para exposição de suas ideias e ao final da atividade o (a) professor (a) poderá colocar a turma em círculo e discutir com os alunos o que aprendemos com os jogos sugeridos.
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Capítulo 23 - "Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é." Debatendo a diversidade sexual e de gênero
Boxe complementar:
PRIMEIRO CASAL HOMOSSEXUAL A ADOTAR CRIANÇA NO PAÍS FALA SOBRE DIA DOS PAIS
Marcos Lavezo - G1 Rio Preto e Araçatuba/SP 12/08/2012
Todo o Dia dos Pais é uma data que se comemora em dobro para a pequena Theodora Carvalho da Gama, de 11 anos, que mora em Catanduva (SP). Primeira criança adotada legalmente por um casal homossexual masculino no Brasil, a criança tem neste segundo domingo de agosto uma data especial, em que se comemora o fato de ser uma das poucas meninas criadas por dois pais no Brasil.
Mais do que Theodora, quem comemora muito este dia é o casal Dorival Pereira de Carvalho Júnior e Vasco Pedro da Gama Filho. Eles, que estão juntos há mais de 20 anos, brigaram até o fim na Justiça para conseguir a guarda legal da menina. "Esperamos bastante para conseguir a adoção, para que tudo desse certo. Então o Dia dos Pais é uma data muito bonita e importante para nós, representa a realização de um sonho", afirma Vasco.
A adoção de Theodora foi no final de 2005. Na época a menina tinha 4 anos. Ela não tem o sobrenome da mãe na certidão, mas de dois pais. (...) "Ficamos quase seis anos na luta para adotar. O juiz não autorizou na primeira vez. Depois entramos com o pedido novamente e embasado na área psicossocial o juiz foi favorável. Agora aproveitamos o Dia dos Pais para nos divertir e curtir a nossa família", diz Vasco.
Para não ter ciúmes no Dia dos Pais, na escola, Theodora sempre faz dois presentes, um para cada pai. No Dia das Mães quem ganha atenção e carinho são as tias do casal. "Até na escola ela já aprende que no Dia dos Pais ela tem de fazer duas lembranças. Se ela der presente para um pai só, sai briga", brinca Vasco.
Passada toda a "guerra" para conseguir a adoção, o casal afirma que o resto foi fácil. Mesmo sendo pais de primeira viagem, eles afirmam que não tiveram dificuldade para cuidar da menina. "Não tivemos problemas, mas sempre tinha aquele medo de saber se estamos fazendo a coisa certa na hora de educar ou cuidar dela. Mas nós dois tivemos uma boa educação e nossas famílias também ajudam na hora de cuidar", explica Vasco, que é cabeleireiro.
Theodora surgiu na vida deles em uma visita a uma instituição de crianças carentes do município. "Eu me apaixonei por ela ali. Eu bati uma foto dela escondido e cheguei em casa falando para o Júnior que tinha uma menina que era a nossa cara", conta.
Na escola, o preconceito passa longe de Theodora. Na verdade, os amigos até ficam com inveja dela por ter dois pais. "Eu tenho orgulho deles. Acho bacana ter uma família diferente. Gosto muito de beijar, abraçar e andar de bicicleta com eles. Eu e o Vasco fazemos a maior festa. Os meus amigos falam que também queriam ter dois pais", diz a menina.
Em Catanduva, o casal também não sofreu com o preconceito por tentar adotar uma criança. Na verdade, eles tiveram apoio da maioria dos moradores. "A cidade abraçou a causa. Todas as idades, de todos os sexos, adolescentes, senhoras. Todos nos cumprimentaram pela ação", diz.
Depois de brigar na justiça por tanto tempo e enfrentar o preconceito por parte da sociedade, o maior presente do Dia dos Pais, para Vasco e Dorival, é a pequena Theodora.
(Publicado pelo canal de notícias G 1. Disponível em: http://goo.gl/FEUxZi Acesso: janeiro/2016.)
Fim do complemento.
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Há alguns anos, seria impossível ler um relato como esse. No que diz respeito a gênero e sexualidade, nossa sociedade tem mudado bastante nas últimas décadas. A experiência de ser mulher hoje é muito diferente do que foi ser mulher no tempo das nossas mães e das nossas avós. Ser homem também não é mais a mesma coisa que era no início do século XX. Essas mudanças nas relações de gênero transformaram a forma como as pessoas vivem o afeto, o sexo, o casamento, a experiência de ter e criar filhos e filhas, as relações familiares. Muitos jeitos de amar, de se relacionar, de fazer sexo e de formar uma família, que já existiam antes, mas eram discriminados, proibidos ou simplesmente não se falava deles, ganharam visibilidade nos últimos anos.
Boxe complementar:
Visibilidade significa que alguma coisa sobre a qual não se falava, que nós mesmos nem percebíamos, ou que propositalmente fingíamos que não existia, passa a ser enxergada, vista e discutida por todas as pessoas. As Paradas do Orgulho, por exemplo, foram uma estratégia que gays, lésbicas, bissexuais e pessoas trans criaram para dar visibilidade a formas de ser, amar e se relacionar que já existiam, mas que estavam condenadas ao silêncio: não se podia falar de homossexualidade no almoço de família, não existiam casais do mesmo sexo na televisão e ninguém sabia o que era transexualidade. Hoje esses são assuntos que a gente discute na hora da novela, no facebook e na sala de aula.
Fim do complemento.
LEGENDA: "Parem a mistura de raças", dizem os cartazes de manifestantes americanos que protestavam contra o casamento entre brancos e negros nos Estados Unidos, nos anos 1950.
FONTE: Reprodução: www.baciadasalmas.com
Essas transformações têm sido acompanhadas também por muita reação conservadora, de pessoas, grupos e instituições que trabalham para que as coisas continuem sendo (ou melhor, voltem a ser) como eram antes. Foi assim também quando o Brasil aprovou o voto feminino (1932) e a Lei do Divórcio (1977).
LEGENDA: Manifestante exibe cartazes contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Brasil, 2015.
FONTE: Ellyo Teixeira/G1
Hoje parece absurdo que alguém seja contra um casamento entre duas pessoas simplesmente porque elas têm cores de pele diferentes. Como você acha que serão vistas daqui a 50 anos as pessoas que hoje protestam contra o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo?
Hoje conservadores defendem que existe um modelo (se não único, bastante restrito) de ser homem e de ser mulher - e que isso é um destino biológico - que casamento, adoção e reconhecimento como família são direitos apenas para heterossexuais e que é a heterossexualidade a única orientação sexual que deve ser visibilizada e valorizada. De outro lado, há quem defenda que qualquer pessoa tenha liberdade para amar e se relacionar segundo o seu desejo - e não sob uma imposição social. Que há muitos jeitos de ser e de viver e que nenhuma pessoa deve ser obrigada a se comportar ou se identificar segundo modelos pré-estabelecidos.
E você? O que você pensa sobre isso?
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Você já teve oportunidade de discutir sobre identidade de gênero e orientação sexual em casa, na escola ou no grupo de amigos? Muito do que a gente sabe ou escuta sobre sexualidade tem a ver com religião ou Biologia. Que tal conhecer um pouco sobre o que as Ciências Sociais falam sobre esse tema? Neste capítulo vamos aprender alguns conceitos, conhecer histórias e compartilhar experiências que nos ajudem a ter uma compreensão mais consistente sobre o assunto.
Sexo e gênero
Vamos rever o que você estudou no capítulo anterior: qual a diferença entre sexo e gênero? Sexo é tudo aquilo que está relacionado às características físicas de um ser humano. O órgão sexual, o genoma, o formato do corpo, enfim, tudo aquilo que é característica relacionada diretamente à materialidade corpórea. Assim, teríamos pessoas do sexo masculino, do sexo feminino e pessoas intersexuais, que possuem características físicas de ambos. Para sermos ainda mais precisos: de um ponto de vista estritamente biológico teríamos de falar em macho e fêmea, porque os termos masculino e feminino já nos remetem às representações socialmente elaboradas, agregando a esses termos características de comportamento e papéis sociais que nada têm a ver com os caracteres anatômicos e fisiológicos. E gênero? O conceito de gênero, por outro lado, tem a ver com a cultura e com como os sujeitos reinterpretam expectativas socialmente elaboradas, correspondendo mesmo a um espaço de negociação de sentidos em articulação sempre tensa entre interesses conflitantes. Ao invés de explicar as diferenças entre homens e mulheres pela anatomia, pelos hormônios ou pela genética, esse conceito fala sobre como essas diferenças são produzidas nas relações sociais. E por serem as identidades de gênero elaborações de relações sociais, estão inseridas em hierarquias e classificações ou, numa expressão, em relações de poder.
Entre um bebê humano do sexo masculino e um homem, na forma dominante como a nossa sociedade concebe um homem - no seu jeito de ser, de falar, de andar, de vestir, de agir - há uma grande distância. Antes mesmo de uma criança nascer ela já tem um nome, que é masculino ou feminino; já tem um enxoval, que é mais rosa ou mais azul; já tem expectativas de vida da família sobre ela, que tem a ver com como essa família entende que um homem ou uma mulher deva viver dentro dessa determinada sociedade. Não há nada na genética do cabelo da mulher que diga que ele é mais propenso a ficar comprido do que o do homem. Não há nada no formato do quadril de um homem que o impeça de usar uma saia. Se essas convenções existem, elas foram social, cultural e historicamente construídas.
Portanto, ainda que, como seres humanos, compartilhemos determinadas características físicas, as concepções de masculino e feminino mudam de cultura para cultura, de grupo para grupo e se transformam ao longo do tempo dentro do mesmo espaço social. O significado de ser homem ou mulher numa grande cidade do Brasil no início do século XXI é diferente do que significa ser homem ou mulher numa grande cidade do Irã ou numa vila pequena no interior da China, nessa mesma época. E também bastante diferente do que significava ser homem ou mulher aqui no início do século passado ou antes de 1500.
Boxe complementar:
E você? O que significa ser mulher para você? E ser homem? E o que justifica essas diferenças? A Biologia? O instinto? Ou a cultura?
Fim do complemento.
Identidade de gênero
Mesmo no nosso tempo e na nossa cultura hoje, as pessoas têm concepções diferentes de como são (ou deveriam ser) homens e mulheres. Dependendo da origem familiar, da religião, da idade, da filosofia de vida, do contexto cultural, das experiências que já viveram, as pessoas vão construindo formas diferentes de viver o gênero e de construir sua identidade de gênero.
Identidade de gênero é como você se relaciona com o masculino e o feminino no seu contexto cultural. Para as Ciências Sociais, não há, necessariamente, uma linha direta entre o sexo biológico e o comportamento de gênero porque as práticas afetivas e sexuais não decorrem por obrigação do sexo biológico. O jeito de agir e de se relacionar de homens e mulheres (e a própria divisão binária dos gêneros) não é algo natural, que já vem programado na genética, mas é fruto de uma norma social que estabelece modelos de masculinidade e de feminilidade a serem seguidos.
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Essa norma não está escrita em nenhuma lei - no Brasil não há nenhuma lei que diga como homens ou mulheres devem sentar, vestir, falar, trabalhar (embora nossa legislação seja marcada por questões de gênero). Mas essa norma é ensinada e aprendida a todo momento, nos programas de TV, nas postagens nas redes sociais, no cinema, no espaço de trabalho, no culto religioso, na escola.
Portanto, embora não exista uma norma legal, existe uma forte norma social que impinge às pessoas um determinado comportamento de gênero. Ás pessoas que seguem em boa parte essa norma, nós chamamos de cisgênero. Às pessoas que transgridem essa norma, nós chamamos de transgênero.
Boxe complementar:
Pessoas trans são pessoas que não se identificam com o modelo de comportamento de gênero que boa parte da sociedade espera delas. Pessoas que constroem uma identidade de gênero radicalmente diferente da que lhes impingiram no nascimento. São homens e mulheres trans, travestis, transexuais e pessoas que transitam pelos gêneros ou não querem se definir como masculino ou feminino.
Fim do complemento.
Orientação sexual
Outro conceito fundamental do conhecimento sociológico que estamos apresentando aqui é a orientação sexual e afetiva. Esse conceito tem a ver com por quem você se apaixona, por quem você sente atração sexual, com quem você quer transar e se relacionar. Embora geralmente se classifique as orientações sexuais em homo, hetero e bissexual, o desejo e o afeto são mais complexos e envolvem outras dimensões para além de sexo e gênero, de forma que há muitas (certamente mais que três) formas de viver a sua sexualidade.
Não há no Brasil nenhuma lei que estabeleça a heterossexualidade como orientação sexual a ser seguida, praticada ou ensinada. Mas, como nos modelos de gênero, existe uma forte pressão social para que as pessoas sejam heterossexuais. Esse é o modelo de relacionamento exibido e ensinado a todo momento, em praticamente todos os espaços sociais. E todas as práticas sexuais e formas de relacionamento que fogem do modelo heterossexual vão sofrer algum tipo de discriminação.
A combinação dessas duas normas, uma que divide as pessoas em homens e mulheres com modelos de comportamento pré-definidos e outra que toma a heterossexualidade compulsória a todas as pessoas, é que chamamos de heteronormatividade.
Boxe complementar:
Heteronormatividade é a norma social que hoje ainda regula a maior parte das relações de gênero e sexualidade na nossa sociedade. Essa norma funciona a partir de alguns pressupostos: 1. os seres humanos são divididos em sexo masculino e sexo feminino, 2. a cada sexo corresponderia um comportamento de gênero e uma prática social diferenciada, oposta e complementar, 3. A heterossexualidade é a única orientação possível, natural e compulsória para todas as pessoas, 4. Pela heterossexualidade compulsória o esquema binário masculino/feminino se completa e o modelo se reproduz, confundindo-se gênero e sexualidade.
Fim do complemento.
Nossa tradição cultural sexista e machista faz com que muitas pessoas confundam o desejo por alguém do mesmo sexo com a vontade de pertencer a outro gênero. Se um homem tem modos de se comportar que identificamos como feminino, boa parte das pessoas imagina que ele seja gay. Ao contrário, homens que mantém relações sexuais com outros homens como ativos e se mantém no estereótipo masculino, muitas vezes não vão se reconhecer como homossexuais. Nessa discussão, é importante não confundir identidade de gênero com orientação sexual. A primeira diz respeito a como eu me entendo, me identifico como sujeito nesse mundo dividido em masculino e feminino. A outra tem a ver com a direção do meu desejo por outras pessoas. Portanto, do mesmo modo que entre as pessoas cisgênero (não trans) há hetero, bi e homossexuais, as pessoas trans também podem ter variadas orientações sexuais, sem deixar de ser trans por causa disso.
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Transfobia e homofobia
Se nos últimos anos pessoas trans, homo e bissexuais ganharam visibilidade, também ficou mais evidente a violência dirigida a pessoas que vivem relacionamentos e práticas sexuais não heterossexuais e/ou que transgridam determinadas normas de comportamento de gênero. Quando o foco da discriminação é a orientação sexual - real ou presumida - chamamos de homofobia. Quando o foco é a identidade de gênero e o alvo são pessoas trans, o nome que damos é transfobia.
Boxe complementar:
Homofobia é a discriminação ou violência contra pessoas por conta de sua orientação sexual homossexual, real ou presumida. Não permitir que um casal de mulheres adote uma criança pelo fato de serem lésbicas é homofobia. Fazer piadas e comentários ofensivos a pessoas homossexuais, também.
Transfobia é a discriminação dirigida a pessoas em razão de sua identidade de gênero. Não reconhecer a identidade de gênero de uma pessoa trans ou dispensá-la de um processo de seleção para o emprego por conta de sua identidade são formas de transfobia.
Fim do complemento.
A pesquisa "Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil, Intolerância e Respeito às Diferenças Sexuais", realizada em 2008 pela Fundação Perseu Abramo, em parceria com a fundação alemã Rosa Luxemburg Stiftung, (VENTURI, 2009) investigou as percepções sobre as práticas sociais diante da orientação sexual e da identidade de gênero das pessoas. Perguntados sobre a existência ou não de preconceito contra as pessoas gays, lésbicas, bissexuais e trans no Brasil, quase a totalidade entrevistada respondeu acreditar que existe preconceito contra travestis (93%), contra transexuais (91%), contra gays (92%), contra lésbicas (92%) e 90% acham que há preconceito contra bissexuais. Porém, perguntados se são preconceituosos, apenas 29% admitiram ter preconceito contra travestis, 28% contra transexuais, 27% contra lésbicas e bissexuais e 26% contra gays. Isso lembra um fenômeno que acontece em relação ao racismo contra negros, pois é comum atribuir os preconceitos aos outros, sem reconhecer o próprio.
Para Gustavo Venturi (2009), professor de Sociologia da USP, a pesquisa indica o que os sociólogos já suspeitavam: por trás da imagem de liberalidade que o senso comum atribui ao povo brasileiro, particularmente em questões comportamentais e de sexualidade, há graus de intolerância com a diversidade sexual bastante elevados - coerentes, na verdade, com o grande número de crimes homofóbicos existentes no Brasil.
A homofobia e a transfobia se materializam de muitas maneiras. A invisibilidade, quando se age como se estas pessoas não existissem ou não devessem ser vistas - a ausência de personagens homossexuais e de demonstrações de seu afeto na televisão ou a falta de políticas públicas de saúde para homens trans são alguns exemplos. A estigmatização, que alimenta preconceitos contra essas pessoas (como doentes, perversas, imorais ou perigosas). A discriminação no acesso a direitos civis (como a liberdade de expressão, o reconhecimento legal do casamento, a adoção ou o reconhecimento da sua identidade de gênero) e sociais (como se matricular e ser respeitado na escola e não ser excluído de oportunidades de trabalho). A violência física e psicológica, que pode levar, em alguns casos, até mesmo à morte.
FONTE: Carlos Ruas
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A seguir você encontra um mapa sobre violência transfóbica que mostra casos conhecidos de assassinatos de pessoas trans, em razão da sua identidade de gênero, no ano de 2014. No mapa o Brasil aparece em primeiro lugar com o número mais alto de homicídios de pessoas trans. Apesar de não contar com dados oficiais e mesmo considerando a subnotificação ou a simples ausência de dados de países que criminalizam práticas que fujam da heteronormatividade, o levantamento dá uma ideia de como o Brasil é um país perigoso para pessoas trans, especialmente se comparado a outros países semelhantes, como México, Argentina ou Índia.
Segundo o Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil, produzido pelo governo brasileiro em 2011, foram citadas ao poder público federal 6.809 denúncias de violações de direitos humanos de caráter homofóbico, o que significa uma taxa de 3,46 denúncias efetuadas a cada 100 mil habitantes. Há várias pesquisas que mostram como a discriminação e a violência homo e transfóbica acontecem em vários espaços: na família, na comunidade, no trabalho e também na escola. E você? Já presenciou ou sofreu alguma discriminação ou violência homo/transfóbica? Você mesmo já discriminou ou agrediu alguém por sua identidade de gênero ou orientação sexual?
Essa violência é alimentada por uma série de preconceitos que estigmatizam homossexuais, bissexuais e pessoas trans. Um desses estigmas é de que a homossexualidade e a transexualidade são doenças. Esta ideia remonta à ascensão da Ciência, em especial da Medicina no século XIX. É a Psiquiatria quem vai começar a patologizar, ou seja, caracterizar como doença comportamentos que antes eram tratados como desvios no campo da moral e da religião. O que era pecado ou imoral passa a ser visto como transtorno mental, e quem antes era considerado pecador passa a ser tratado como um doente que precisa de tratamento. É nessa época, inclusive, que surge a palavra homossexualismo.
LEGENDA: Monitoramento de homicídios de trans realizado pela Transgender Europe (atualização 2014): 1.509 casos reportados de assassinatos de pessoas trans entre janeiro de 2008 e março de 2014. Na legenda: número de assassinatos de pessoas trans comunicados.
FONTE: Reprodução: tgeu.org
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Boxe complementar:
"(...) O sufixo ISMO é de origem grega e carrega dois sentidos principais: a ideia de uma doutrina, seita ou conjunto de ideias (Cristianismo, Judaísmo, Marxismo) ou a ideia de doença (tabagismo, alcoolismo, botulismo). Já o sufixo DADE traz um sentido de expressão, manifestação humana (identidade, felicidade, espontaneidade, sexualidade). Assim, o termo homossexualismo carrega uma ideia conservadora que enxerga os homossexuais como doentes ou desviantes. Já a palavra homossexualidade nos remete à ideia de que ela é apenas mais uma expressão da sexualidade ou da identidade humana. O termo homossexualismo foi criado no final do século XIX por médicos, como a classificação de uma doença. Nas últimas décadas do século XX, os códigos de doenças retiraram a homossexualidade de suas classificações e, em 1990, a Organização Mundial de Saúde aboliu a homossexualidade como doença de todas as suas listas. Além disso, em 2001 o Conselho Federal de Psicologia do Brasil proibiu profissionais da área de realizarem qualquer tratamento que vise uma possível "cura" da homossexualidade. O que não é doença não precisa ser curada."
(BORTOLINI, 2012, p. 3. Grifos dos autores)
Fim do complemento.
A transexualidade, no entanto, ainda é bastante patologizada. Para que uma pessoa possa fazer uma cirurgia de transgenitalização no Brasil, por exemplo, é preciso a aprovação de um grupo de profissionais de saúde. E ainda constam no Código Internacional de Doenças transtornos ligados à uma incompatibilidade entre o sexo biológico e a identidade de gênero. Para muitos pesquisadores e pesquisadoras, principalmente das Ciências Humanas, a experiência de viver um gênero diferente daquele designado no nascimento não tem relação com qualquer transtorno mental, mas é uma experiência de identidade. Uma das lutas hoje dos movimentos sociais que reúnem pessoas trans é para que a experiência trans deixe de ser tratada como uma questão médica e passe a ser encarada como direito. O conceito de identidade de gênero permite que se possa reconhecer o direito de cada pessoa à livre construção da sua personalidade na relação com as concepções de masculinidade e feminilidade disponíveis na cultura. Um direito que, reivindicam, não deve estar subjulgado a um diagnóstico psiquiátrico.
Mas essa realidade já está mudando. Em 2010, a França foi o primeiro país a deixar de considerar a transexualidade como transtorno mental. Em 2012, a Associação Americana de Psiquiatria revisou a forma como a transexualidade aparece no seu Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. E já há indicativos de que a própria OMS - Organização Mundial de Saúde reveja essa classificação na próxima revisão de sua Classificação Internacional de Doenças (CID).
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