8. Apresentem suas criações e deixem espaço para que todos joguem, testem, aprendam e divirtam-se com elas.
167
Capítulo 12 - "O mercado exclui como o gás carbônico polui": capital, desenvolvimento econômico e a questão ambiental
LEGENDA: Você sabe dizer de que forma as indústrias afetam o clima do planeta Terra?
FONTE: Renato Stockler/Folhapress
No início do ano de 2007, o tema do aquecimento global surgiu em todos os meios de comunicação como um grande alerta para a humanidade; o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (ou IPCC, sua sigla em inglês), elaborado por 2.500 cientistas de 130 países, sob a coordenação da Organização das Nações Unidas (ONU), anunciou que as mudanças no clima da Terra são irreversíveis e colocam em risco a própria sobrevivência do ser humano. Segundo o relatório, a temperatura média do planeta poderá aumentar, neste século XXI, de acordo com os cientistas mais "otimistas", entre 1,8 e 4 graus Celsius...
"Só isso?!" - você deve ter pensado. Parece pouco mesmo, é verdade! Afinal, esse tipo de variação de temperatura ocorre frequentemente em várias regiões do Brasil, de um dia para o outro, não é mesmo?! Bem, mas, segundo esses mesmos cientistas, na última vez em que ocorreu um resfriamento acentuado da Terra, há doze mil anos, a temperatura média do planeta era apenas cinco graus Celsius mais frio do que é hoje... Então...
Não estamos falando dos cientistas mais "pessimistas", ou seja, daqueles que dizem que a temperatura média do planeta poderá aumentar entre 1,1ºC (maravilha!) e 6,4ºC (estaremos todos fritos!).
168
Na verdade, um aumento de 1,1ºC - seria o que de "melhor" poderia ocorrer - já está acontecendo há algum tempo: dos doze anos mais quentes registrados pelas estações climáticas de todo o planeta (esses registros são feitos desde 1850), onze deles foram percebidos entre 1995 e 2006. Como consequência direta do aumento da temperatura, as geleiras existentes na Antártica, no Ártico, na Groenlândia e no Alasca estão derretendo e se desprendendo dos continentes. Da mesma forma, isso está ocorrendo com o gelo que cobria os cumes das montanhas mais altas do mundo, como as cordilheiras dos Andes (América do Sul) e do Himalaia (Ásia Central), assim como o Monte Kilimanjaro (África). Isso explica o porquê do nível do mar ter se elevado em dezessete centímetros, no século XX...
Então, percebe-se que o aquecimento global vem ocorrendo há algum tempo e diversos sinais de alerta já haviam sido identificados, tais como o aumento dos períodos de secas, cada vez mais frequentes; o aumento da temperatura dos oceanos, provocando chuvas mais intensas e a maior ocorrência de furacões, tufões e ciclones, que passaram a afetar várias regiões do planeta - até o Brasil. Em março de 2004, no Sul do país, tivemos o registro do nosso primeiro furacão, com ventos acima de 120 km/h, batizado de Catarina.
De fato, o clima parece "ter enlouquecido"! Ainda no Brasil, neste século XXI, uma seca inesperada fez com que barcos encalhassem nos rios da Amazônia, algo que nunca poderia se imaginar, tempos atrás. No resto do mundo, tivemos notícias de grandes tempestades de neve, inclusive em pleno verão, na Austrália; de incêndios devastadores na Califórnia, nos EUA; da completa destruição da cidade de Nova Orleans, também nos EUA, pelo violentíssimo furacão Katrina, em 2005; e de alagamentos monstruosos provocados por temporais, na Indonésia, na Índia, na China e até em alguns países europeus, como ocorreu no início de 2010. Estes são apenas alguns exemplos, cujos detalhes podem ser encontrados na Internet - assim como outros fenômenos climáticos tão ou mais inesperados quanto os citados.
Mas, chega de fazer "terror"! Vamos tentar responder por que está ocorrendo tudo isso? O que causa o aquecimento global do planeta? Todos nós morreremos de calor? Há como evitar todas essas catástrofes?
Ah! E a pergunta que não poderia faltar, mais uma vez: este não seria um tema para ser estudado em outra disciplina - como, por exemplo, Geografia? Isto tem a ver mesmo com a Sociologia? Por quê?
FONTE: Duke
Entendendo as causas do aquecimento global
Mudanças climáticas não são novidade na Terra. Além da Era do Gelo, retratada em uma série de filmes de animação de grande sucesso, que ocorreu há 1,8 milhões de anos, nosso planeta passou por muitas transformações drásticas em sua trajetória de bilhões de anos. Você já deve ter estudado, por exemplo, que grandes répteis, conhecidos como dinossauros, dominaram o planeta durante um grande período - a Era Mesozoica -, entre cerca de 220 milhões e 65 milhões de anos atrás. E por que desapareceram? A teoria científica mais aceita explica que isso ocorreu em razão do choque de um enorme asteroide com a Terra, com 14 km de diâmetro, na região onde hoje se localiza o México.
169
Esse impacto foi tão grande que levantou uma espessa nuvem de poeira que impediu a passagem da luz solar durante meses, trazendo a morte e a extinção para milhares de plantas e animais - entre eles, os imensos dinossauros, que não resistiram à escassez de alimentos provocada por essa brutal mudança climática... Já imaginaram o que seria dos seres humanos se existissem nessa época?
Por outro lado, cientistas já admitem que o fim da civilização mesopotâmica pode ter sido provocado por uma mudança brusca na temperatura do planeta, por volta do ano 1.100 a.C., em que um processo de esfriamento do Oceano Atlântico teve relação direta com o colapso do sistema de irrigação baseado nos rios Tigre e Eufrates, localizados na Ásia, na região onde hoje é o Iraque. Uma forte queda no volume dos rios e a consequente perda das colheitas ocasionaram a fome da sua população, levando-a à migração em m assa e à derrocada do império mesopotâmico.
Diferentemente dos eventos que citamos acima e das outras mudanças climáticas que afetaram o planeta, as atuais alterações do clima não são fenômenos naturais, previstos para acontecer com a Terra: o aquecimento global está sendo provocado e acelerado pelo próprio homem.
Antes de tudo, vamos ver mais exatamente o que está sendo chamado de aquecimento global? Para isso, precisaremos recorrer um pouco aos estudos de outras disciplinas, como a História e a Química (para maiores detalhes, peça ajuda aos professores dessas disciplinas).
Em primeiro lugar, a Terra está esquentando por causa da intensificação do chamado efeito estufa. Este não é sinônimo de aquecimento global, mas trata-se de um processo natural, importante para a vida no planeta, tornando-o mais quente e, podemos dizer, "aconchegante". Explicando melhor: diversos gases presentes na atmosfera têm o papel de impedir que parte da radiação solar seja refletida de volta para o espaço, retendo o calor nas camadas mais baixas. Entre esses gases-estufa, destacam-se o dióxido de carbono, o óxido de nitrogênio, o metano e os CFCs (clorofluorcarbonos).
LEGENDA: O que está em jogo no debate sobre o aquecimento global?
FONTE: Marlon Falcão/Fotoarena/Folhapress
O aquecimento global começa a ocorrer quando a maior parte do calor do Sol é refletida de volta para a Terra, por causa da formação de uma camada bem mais espessa de gases-estufa. Assim, na medida em que aumenta esse processo de emissão desses gases, a temperatura passa a aumentar de forma descontrolada.
FONTE: Dalcio/ Correio popular
170
Por que ocorreu esse aumento descontrolado de gases-estufa? Por causa da Revolução Industrial e da acelerada urbanização da vida humana que tomou o planeta desde o século XIX. Ou seja, não são somente as indústrias as responsáveis pela intensificação da produção de dióxido de carbono e de metano - os dois principais gases-estufa -, mas elas têm uma relação direta com a mudança da qualidade de vida na Terra. Esses gases são produzidos, também, pela larga utilização de combustíveis fósseis (carvão, gás natural, petróleo); pelo uso de veículos movidos à gasolina (derivada do petróleo); pela larga produção de todos os tipos de lixos e rejeitos, como o esgoto; pela agricultura e pelo mau uso da terra, como mostra a prática das queimadas e o desmatamento generalizado - também com o objetivo de dar lugar às lucrativas empresas de criação e abate de gado....
São as queimadas, por sinal, que fazem do Brasil o quinto maior emissor de dióxido de carbono (CO2) do mundo, apesar das suas emissões industriais e de veículos não serem tão significativas, se comparadas aos quatro países ou regiões que mais contribuem para o aquecimento global, pela ordem: EUA, China, União Europeia e Indonésia.
Dessa forma, em 2007, segundo estudos da organização WWF-Brasil, enquanto a "emissão per capita" de gás carbônico do Brasil, ou seja, o total de gases emitido dividido pelo número de habitantes, era de 1,8 tonelada por ano, quando considera-se a destruição das florestas ela sobe para 12,8 toneladas por ano! Já os EUA, o país mais industrializado do mundo, eram responsáveis pela emissão de 35% de CO2 do planeta, ou seja, 22,9 toneladas por habitante/ ano (O Globo, 03/02/07, p. 42). Para completar, de acordo com dados apresentados aos líderes dos 147 países participantes da Conferência do Clima realizada em Paris, em 2015 (COP21), a concentração de CO2 presente no ar que respiramos é a maior dos últimos 650 mil anos! (cf. GRANDELLE, 2015).
Depois destas últimas informações, será que já percebeu onde é que entra a Sociologia nessa história?
LEGENDA: Queimadas - um dos fatores que contribui para o descontrole do clima da Terra.
FONTE: Rodrigo Baleia/Folhapress
O surgimento da Sociologia Ambiental
Tudo o que vimos até o momento, neste capítulo, é apenas um exemplo das temáticas que são tratadas pela Sociologia a respeito das relações envolvendo as diversas sociedades e o meio ambiente. A partir de 1970, esses estudos passaram a fazer parte do que se chamou de Sociologia Ambiental.
Segundo o professor Gustavo Lima, em estudo elaborado com Fátima Portilho, a Sociologia Ambiental...
Boxe complementar:
Surge a reboque dos movimentos de contestação à depredação dos recursos naturais e da constatação científica das consequências ambientais destrutivas resultantes dos processos de crescimento econômico, associados ao uso de tecnologias ambientalmente predatórias (urbanização caótica, crescimento demográfico exponencial, aprofundamento de desigualdades sociais e de estilos de vida, produção e consumo característicos do desenvolvimento industrial).
(LIMA; PORTILHO, 2001, p. 242)
Fim do complemento.
171
Portanto, ela não seria exatamente nova, como vimos na explicação acima, pois reuniria preocupações manifestadas em estudos anteriores sobre o tema Ecologia Humana e de áreas de pesquisa mais tradicionais da Sociologia, como a Sociologia Urbana, os Movimentos Sociais e a Sociologia do Desenvolvimento, entre outras.
Uma das pesquisadoras que se destaca no estudo do tema, no Brasil, a professora Selene Herculano chama a nossa atenção para o fato de que a Sociologia Ambiental vai tratar as questões ambientais de forma integradora, utilizando o conhecimento acumulado e a produção científica de diversas disciplinas. Dessa forma, segundo ela, uma determinada política pública, como o saneamento básico, por exemplo, "passou a ser visto como uma dimensão ambiental (assim como de saúde coletiva) e não apenas uma questão urbana, de engenharia ou de medicina sanitária" (HERCULANO, 2000, p. 46).
FONTE: Waldez Duarte
Outra perspectiva para se analisar a questão do meio ambiente, sob o ponto de vista sociológico, é a percepção de que a poluição não é "democrática", ou seja, ela não atinge a todas as pessoas da mesma forma. Os mais pobres são exatamente os que mais são afetados pela exposição aos riscos ambientais, como podemos ver, cotidianamente, nas comunidades de baixíssima renda (favelas e regiões muito pobres), com moradias situadas em locais de risco, nas encostas das montanhas ou nas margens de rios poluídos, com ventilação inadequada, sem água potável ou saneamento básico, com esgoto correndo a céu aberto.
Tratar do tema meio ambiente, portanto, não significa somente a preocupação com a possível extinção do mico-leão-dourado brasileiro, do urso polar que habita a Groelândia ou do urso panda chinês. Trata-se de um tema relacionado à qualidade da vida de toda a população, que envolve a organização da cidade, o transporte, a saúde pública e a alimentação das famílias.
Pelo que você também já deve ter percebido, essas preocupações não se iniciaram com o relatório dos cientistas que anunciava o aquecimento global, mas remontam, por exemplo, ao desmatamento das margens dos rios e ao surgimento e crescimento sem planejamento das cidades, com a proliferação de inúmeras doenças causadas pelos dejetos humanos e pelo acúmulo de lixo sem tratamento adequado. Esses problemas foram bastante agravados pela Revolução Industrial (como mostra Friedrich Engels, no seu livro A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, publicado pela primeira vez em 1845) e estão presentes em todas as nossas cidades, até os dias atuais. Por falar nisso: você sabe onde, na sua cidade, são depositados os lixos químicos, hospitalares e/ou radioativos? Converse com o seu professor e faça uma breve pesquisa a respeito, lembrando-se que lixo radioativo, por exemplo, não é apenas o dejeto oriundo das Usinas Nucleares de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro... (Voltando rapidamente à Química: o que você sabe sobre o elemento químico césio?
LEGENDA: Ato organizado pelo Greenpeace e a Fundação SOS Mata Atlântica diante do Teatro Municipal de São Paulo, em 2007, lembrando as vítimas do acidente com o césio-137, em Goiânia (1987).
FONTE: Rodrigo Baleia/Folhapress
172
Ouviu falar do acidente com o césio-137, encontrado por crianças, no lixo, em 1987, em Goiânia? Procure se informar na Internet!).
Já que fizemos referência a um elemento químico, não podemos deixar de registrar que o Brasil bateu um "recorde" num determinado tipo de devastação ambiental: o rompimento de duas barragens de rejeitos da exploração de minério de ferro no estado das Minas Gerais, gerando um "tsunami de lama tóxica" que, além de destruir completamente o distrito de Bento Rodrigues, no município de Mariana, em 05 de novembro de 2015, e todas as demais localidades que encontrou pelo caminho, deixou mais de vinte pessoas mortas ou desaparecidas, e poluiu completamente o rio Doce, matando seus peixes e impedindo a distribuição de água potável para as cidades que ele banha, em Minas e no Espírito Santo - em cujo litoral se localiza a sua foz - atingindo cerca de 800 mil habitantes. O "recorde" a que nos referimos é na verdade "triplo": segundo dados divulgados pela Bowker Associates, empresa norte-americana de consultoria de gestão de riscos, especialista em desastres desse tipo, a tragédia ocorrida em Mariana foi a maior do mundo nos últimos 100 anos, comparando-se com outros 129 eventos conhecidos, destacando-se em três quesitos: volume de rejeitos despejados, distância percorrida e custos - no caso, o investimento necessário para a reposição do prejuízo financeiro da empresa, ocasionado pelo desastre, ou seja, sem levar em conta a "limpeza" das regiões afetadas, a "recuperação" do meio ambiente e as indenizações à população atingida (cf. LUCENA, 2015). A empresa responsável por essas e outras barragens na região é a SAMARCO, cujas ações são divididas entre a VALE - ex-Vale do Rio Doce, estatal privatizada durante o Governo FHC (pesquise a respeito) - e a anglo-australiana BHP Billiton, a maior mineradora do planeta. Sobre a tragédia, enquanto a mineradora afirmava que não existiam componentes tóxicos nos 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro liberados, pesquisas efetuadas na região pelo Serviço de Água e Esgoto da cidade de Governador Valadares (MG) encontraram resíduos de metais pesados, com índices "acima do tolerável" em 1.366.666% de ferro, em 118.000% de manganês e em 645.000% de alumínio (cf. BOGNAR, 2015; MENEZES, 2015. Leia também a reportagem de MANENTI, 2015).
LEGENDA: Imagem da tragédia ocorrida com o rompimento de duas barragens de rejeitos de minério de ferro, em Mariana (MG), em novembro de 2015. O que ocorreu foi um acidente?
FONTE: Moacyr Lopes Júnior/Folhapress
173
Para concluir, a pergunta que "não quer se calar": podemos considerar essa tragédia ambiental como um "acidente", uma "fatalidade"? Podemos dizer, no sentido contrário, que houve "negligência" por parte da VALE/SAMARCO na construção e na manutenção das barragens? (Existem dezenas de outras na região, por sinal). Se a resposta para esta segunda pergunta for "sim", saiba, de qualquer forma, que o crime de poluição ambiental não é punido em nosso país (veja a respeito em TINOCO, 2015). Na contramão desta informação, o Brasil detinha outro "recorde" triste em 2014: segundo a ONG Global Witness, o país era considerado o campeão mundial em assassinato de ambientalistas - 456 pessoas, entre 2002 e 2014 (cf. FREITAS, 2015) -, ou seja, exatamente aqueles militantes que denunciam os diversos tipos de crimes ambientais praticados principalmente por fazendeiros, mas também por empresas e por representantes dos poderes públicos envolvidos em práticas de corrupção em áreas de conflito. O caso brasileiro de maior repercussão mundial para crimes desse tipo foi o assassinato do seringueiro Chico Mendes, em Xapuri, no Acre, em 1988. Então, colocamos aqui diversas questões para você debater com seus colegas.
Capital, desenvolvimento econômico e a questão ambiental
O uso dos recursos existentes na natureza, através da extração de minérios e de produtos vegetais - como o desmatamento de regiões de florestas para a agricultura e para a pecuária, assim como a utilização dos recursos existentes em rios, mares e lagoas - faz parte, historicamente, da própria sobrevivência humana. O homem, através do trabalho, dominou a natureza e colocou-a a seu serviço. Nesse processo de domínio e controle da natureza, os seres humanos criaram novas tecnologias que permitiram a multiplicação da população e a melhoria da qualidade de vida, sem dúvida!
Porém, a exploração desenfreada, sem qualquer forma de controle, causando a destruição dos recursos naturais, com a degradação do meio ambiente, está inserida numa determinada lógica que passou a imperar a partir de certo momento da História: a lógica do capital.
FONTE: © Angeli - FSP 22.02.2005
Já citamos a Revolução Industrial, que impulsionou o desenvolvimento econômico capitalista através da evolução incessante dos instrumentos de produção, como já anunciavam Marx e Engels, em 1848: "A necessidade de mercados sempre crescentes para seus produtos impele a burguesia a conquistar todo o globo terrestre. Ela precisa estabelecer-se, explorar e criar vínculos em todos os lugares" (MARX; ENGELS, 1998, p. 11).
A ideia de desenvolvimento, até pouco tempo, não havia sido colocada em questão pelos sociólogos, nem pelos governantes, nem pela população em geral. Desenvolvimento sempre foi sinônimo de "progresso", de "crescimento", de maior oferta de empregos, da possibilidade de consumo de novos produtos por camadas cada vez maiores da população. No capitalismo, sabemos o quanto essa ideia sempre foi ilusória, em razão da brutal desigualdade no acesso ao consumo, existente entre as classes sociais.
Mas, apesar do abismo, a olhos vistos, existente nas desigualdades sociais que foram geradas nas diversas sociedades, o desenvolvimento capitalista, segundo propagado pelos meios de comunicação, é sempre anunciado como "igual para todos!" Não importa, aqui, que uns poucos sejam os verdadeiros beneficiados, e não a grande maioria de trabalhadores - aqueles que de fato produzem a riqueza.
174
Esse tipo de visão não era exclusivo das nações capitalistas. O ultrarrápido desenvolvimento econômico da União Soviética, entre as décadas de 1920 e 1950, com a melhoria acentuada da qualidade de vida da sua população, parecia deixar claro que o desenvolvimento era um componente inquestionável e vital para a existência das diversas sociedades, independentemente de qualquer ideologia. O recente crescimento econômico da China acompanha, em parte, esse mesmo raciocínio.
Entretanto, a grande contradição, que está por trás do desenvolvimento econômico sem freios das forças produtivas, segundo a visão acima, é a destruição da própria sociedade!
LEGENDA: István Mészáros afirma que o desenvolvimento capitalista representa o caminho para a destruição completa da natureza e a instauração da barbárie social.
FONTE: Ana Yumi Kajiki
Apresentamos, a seguir, duas reflexões bem interessantes do filósofo húngaro István Mészáros sobre este assunto:
1- Não existiriam freios possíveis à expansão destruidora do capital. Sua história sempre foi, desde seu surgimento, uma história de crescimento incontrolável, capaz de derrubar todas as barreiras que se colocavam à sua frente, uma por uma, conforme demonstrou Karl Marx em seus estudos. Mas, segundo Mészáros, a continuidade da expansão das forças produtivas do capital, no atual momento, passou a representar a destruição completa da natureza e, por conseguinte, da própria espécie humana. O autor intitula essa possibilidade como sendo, para a sociedade, o caminho da barbárie (cf. MÉSZÁROS, 2003).
2- A lógica que esteve presente e acompanhou todo o desenvolvimento soviético - e o atual desenvolvimento chinês, pode-se dizer - era, na verdade, a mesma lógica de desenvolvimento e reprodução do capital, descrita antes (ver também MÉSZÁROS, 2002). Apesar desses países se constituírem formalmente como socialistas, eles não tiveram como se libertar do poder destrutivo do capital, presente no interior dessas sociedades. O exemplo da China atual é interessante para que percebamos isso: seu maior parceiro econômico - e vice-versa - são os EUA. As duas potências econômicas dependem uma da outra e se complementam no mercado mundial; e o preço imbatível dos produtos chineses, no mercado internacional, somente é possível de ser mantido graças a uma brutal exploração do trabalho da sua gigantesca população - algo impensável no socialismo imaginado por Marx.
Se essas considerações de Mészáros são pertinentes, pode-se concluir que a destruição do meio ambiente, causada pelo homem, poderia ser impedida pelo próprio homem, desde que se modifique radicalmente o modelo econômico que vem sendo imposto à sociedade nestes últimos dois séculos? O que você acha?
Entretanto, pensemos: a lógica que está presente na destruição da natureza é a mesma lógica baseada na acumulação sem freios do capital. São irmãos siameses; um não existe sem o outro. Interromper a devastação do meio ambiente significa colocar freios à expansão do capital - o que significa, simplesmente, provocar a sua crise e, consequentemente, o seu fim. Para István Mészáros, portanto, as opções são apenas duas, uma excluindo a outra: ou a humanidade aposta na construção de um novo modelo de sociedade, ou caminha, de olhos fechados, para a sua autodestruição.
175
Vamos ver o que diz outro pensador, o geógrafo David Harvey, num recente livro intitulado O enigma do capital (2011), que argumenta que o chamado mundo natural é objeto de grandes transformações pela atividade humana. Num trecho desse livro ele diz:
Boxe complementar:
Os campos são preparados para a agricultura; os pântanos, drenados; as cidades, estradas e pontes, construídas; as plantas e os animais são domesticados e criados; os habitats, transformados; as florestas, cortadas; as terras, irrigadas; os rios, represados; as paisagens, devastadas (servindo de alimento para ovinos e caprinos); os climas, alterados. Montanhas inteiras são cortadas ao meio à medida que minerais são extraídos, criando cicatrizes de pedreiras nas paisagens, com fluxos de resíduos em córregos, rios e oceanos; a agricultura devasta o solo e, por centenas de quilômetros quadrados, florestas e matos são erradicados acidentalmente como resultado da ação humana, enquanto a queima das florestas na Amazônia, consequência da ação voraz e ilegal de pecuaristas e produtores de soja, leva à erosão da terra (...).
(HARVEY, 2011, p. 151)
Fim do complemento.
Harvey chama as ações relacionadas no trecho citado de "destruição criativa da terra" e isso, ao longo da História, produziu uma "segunda natureza": a natureza remodelada pela ação humana. Entretanto, nos últimos dois séculos, com o capitalismo, o crescimento dessa "destruição criativa" sobre a Terra tem aumentado enormemente.
Repare nos termos que o autor utiliza: destruição, no sentido de acabar, aniquilar, exterminar; e criativa, no sentido de inventar, conceber, arquitetar. Ou seja, segundo o autor há uma dupla ação dos homens sobre o meio ambiente.
Na opinião de Harvey, por mais que muitos agentes (instituições, empresas etc.) atuem na produção dessa "segunda natureza", os dois principais agentes da nossa época, que promovem a "destruição criativa da Terra", são o Estado e o Capital. E mais: as modificações no meio ambiente são cada vez mais impulsionadas, principalmente no último século, porque o "capitalista que detém dinheiro deseja colocá-lo em qualquer lugar em que os lucros estejam" (HARVEY, 2011, p. 167).
Se pensarmos em algumas cidades e territórios que são verdadeiros exemplos dessa "segunda natureza" modificada pelos homens, podemos verificar que, por exemplo, a cidade de Detroit, nos EUA, significa (ou significou) carros; o Vale do Silício, na Califórnia, computadores; Seattle, nos EUA, e Bangalore, na Índia, desenvolvimento de software; a Baviera, na Alemanha, engenharia automotiva; a "Terceira Itália", na região norte da Itália, microengenharia e roupas de marca; Taipei, em Taiwan, significa chip de computador e eletrodomésticos; e por aí vai.
Se as afirmações de David Harvey nos parecem coerentes, essa chamada "segunda natureza" trata-se de um projeto voltado para as pessoas ou para os lucros?
Enfim, podemos observar que o tema da questão ambiental é essencial para pensar nossas vidas. Qual é a sua opinião sobre tudo isso que abordamos aqui? Converse com seus professores de História, de Geografia, de Filosofia, de Biologia e de Química. Que tal um debate na sua escola?
LEGENDA: O geógrafo inglês David Harvey em palestra na 9a edição do Fórum Social Mundial, em Bélem, Pará, 2009.
FONTE: Janduari Simões/Folhapress
176
Dostları ilə paylaş: |