Mas os trabalhadores do campo aos poucos se organizam...
O modelo citado de concentração fundiária somente começou a ser questionado na segunda metade do século XX, após o processo de industrialização que determinou o deslocamento dos trabalhadores e a crescente concentração urbana da população brasileira. Agora, diferentemente do que ocorrera em Canudos e em outras regiões do país, a população rural tinha "para onde ir": empregar-se como trabalhador assalariado nas empresas que comandaram o processo de modernização capitalista do Brasil.
Como operários, inclusive, esses trabalhadores tiveram acesso a benefícios adicionais e inéditos. A partir da Era Vargas, após a Revolução de 1930, todas as categorias profissionais reconhecidas pelo Estado tiveram a sua carteira de trabalho assinada, e uma legislação que lhes garantia o recebimento de um salário mínimo, férias remuneradas, a estabilidade no emprego e um sistema de previdência social que lhes assegurava a assistência médica e a posterior aposentadoria. Porém, para aqueles que permaneciam como lavradores, nada - o tempo estacionara no Brasil Império e na Primeira República, sem qualquer legislação trabalhista, sem acesso a quaisquer direitos previdenciários. Esse era o "pacto da classe dominante", iniciado pelo Estado Novo do presidente Getúlio Vargas (1937-1945) e seguido pela política da República Populista (1946-1964):
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a modernização capitalista brasileira - com as suas consequências para o trabalho assalariado - era um fenômeno exclusivamente urbano, sem qualquer incidência no meio rural.
O grande problema é que somente através de uma violência brutal seria possível manter uma realidade marcada por tanta desigualdade no campo, que pretendia a perpetuação da herança colonial do modelo com base no latifúndio, controlado pelos ricos proprietários que formavam as "oligarquias rurais".
Mas, os tempos eram outros - pelo menos, para os trabalhadores do campo. Em 1954, ao mesmo tempo em que o Partido Comunista lançava uma Campanha Nacional pela Reforma Agrária, em Vitória de Santo Antão, em Pernambuco, uma associação fundada originalmente pelos camponeses - com o objetivo de obter assistência jurídica, médica, educacional e funerária - entrou em confronto aberto com os proprietários de terra. Conseguiu, então, em 1959, como resultado da sua luta e da sua organização, a desapropriação do engenho Galileia que passou a ser administrado pelos próprios trabalhadores rurais. Esse movimento, sob a liderança do advogado Francisco Julião, ficou conhecido como Ligas Camponesas. Espalhou-se por treze estados brasileiros e tornou-se uma referência nacional e internacional pela luta dos trabalhadores rurais pela realização de uma reforma agrária no país - uma bandeira assumida pelo governo presidido por João Goulart (1961-1964), fazendeiro e ex-ministro do Trabalho de Getúlio Vargas. A "lei agrária" de Goulart fez parte da lista das prometidas "reformas de base" de seu governo, que tanto assustaram os interesses capitalistas e seus projetos em curso no Brasil. Estes projetos eram comandados por uma burguesia extremamente conservadora, incapaz de perceber que uma reforma agrária não seria contrária aos seus interesses de classe.
A experiência das Ligas Camponesas - assim como de outros movimentos e sindicatos rurais independentes da Liga, criados nesse período, como a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTABs) e o Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master) - foi praticamente encerrada com o golpe civil-militar de 1964 e a prisão das principais lideranças do movimento. Até hoje, pelo papel que acabaram exercendo, as Ligas são uma referência histórica para aqueles que participam da luta pela terra em nosso país.
A permanente tensão existente no campo, entretanto, fez com que o governo militar do Marechal Castello Branco aprovasse, com modificações, a "lei agrária" que se discutia no período anterior, resultando, ainda em novembro de 1964, no chamado Estatuto da Terra. Com isso, o governo pretendia, ao mesmo tempo, apaziguar os camponeses e tranquilizar os latifundiários. Nesse sentido, podemos dizer que as metas eram praticamente duas: para reduzir a pressão dos camponeses, prometia a execução de uma reforma agrária (o que não aconteceu); em benefício dos fazendeiros, planejava a modernização e o desenvolvimento capitalista da agricultura - política de fato implementada pelos governos militares que se seguiram. Como ressalta o sociólogo José de Souza Martins, especialista na questão agrária brasileira, no livro Não há terra para plantar neste verão:
Boxe complementar:
Essa opção de desenvolvimento capitalista implica numa composição de classes inteiramente desfavorável à participação política das classes trabalhadoras, pois diminui o seu papel político e marginaliza, uma vez mais, os trabalhadores rurais.
(...) No campo, a associação entre os militares e os grandes proprietários de terra se deu para concretizar transformações econômicas, baseadas na expansão do capital. Em outras palavras, a ditadura militar promoveu ou intensificou, quando foi o caso, a associação entre o grande capital e a propriedade da terra.
(MARTINS, 1986, p. 89; 91)
Fim do complemento.
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LEGENDA: O latifúndio, presente em toda a História do Brasil, é geralmente definido como uma propriedade agrícola de grande extensão, sob controle de famílias ou empresas, voltado para a monocultura - com baixa produtividade - ou destinado à criação de gado. Na foto, plantação de milho em Rio Verde - GO.
FONTE: Alf Ribeiro/Folhapress
Terra para quem nela trabalha: os trabalhadores sem-terra retomam a sua luta histórica...
Após uma fase de violenta repressão às suas lideranças, comandada pelo aparato militar que tomou o poder em 1964, a questão agrária voltou com força no final da década de 1970, impulsionada pelo aprofundamento da crise econômica capitalista mundial, com o aumento do desemprego, da miséria e, consequentemente, do êxodo da população do campo para a cidade. Neste contexto político explosivo, diversos movimentos sociais contra a alta do custo de vida eclodiram nas maiores cidades, sob o comando de um renovado movimento sindical em luta por melhores condições de trabalho e maiores salários.
Em relação a essa retomada das lutas do campo, teve grande destaque o papel exercido por lideranças leigas e religiosas da Igreja Católica que abraçaram as ideias da Teologia da Libertação (maiores detalhes no capítulo sobre Religiosidade), criando, em 1975, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), um órgão de assessoria política e jurídica que contribuiu, efetivamente, para a organização dos trabalhadores rurais, de norte a sul do país.
Através da ação organizada da CPT, no Sul do Brasil, que associou militantes católicos e luteranos, foi criado o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), a partir das lideranças que se reuniam no acampamento da Encruzilhada Natalino, em Ronda Alta, no Rio Grande do Sul, e o Movimento dos Agricultores Sem-Terra do Oeste do Paraná (MASTRO), no final dos anos 1970. Rapidamente, esses movimentos localizados se articularam nacionalmente com outras lutas isoladas que se desenvolviam no campo, em diferentes regiões do país - como, por exemplo, dos trabalhadores atingidos por barragens, obrigados a desocupar suas terras em decorrência de projetos de construção de grandes hidrelétricas por parte do Governo Federal -, fornecendo o corpo e a estrutura que viriam a formar o MST. Após a realização de várias reuniões regionais de organização, o Encontro Nacional, que é considerado como o marco de fundação do movimento, ocorre em janeiro de 1984, em Cascavel, no Paraná.
FONTE: Nico
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Com o lema "Terra para quem nela trabalha", esse primeiro encontro do MST reuniu lideranças de doze estados brasileiros, representantes da Abra - Associação Brasileira de Reforma Agrária, da CUT - Central Única dos Trabalhadores, do Cimi - Conselho Indigenista Missionário e da Pastoral Operária de São Paulo, comprovando a forte ligação do movimento com os militantes católicos da Teologia da Libertação. Segundo o site do MST, nesse encontro:
Boxe complementar:
(...) os participantes concluíram que a ocupação de terra era uma ferramenta fundamental e legítima das trabalhadoras e trabalhadores rurais em luta pela democratização da terra. A partir desse encontro, os trabalhadores rurais saíram com a tarefa de construir um movimento orgânico, em nível nacional. Os objetivos foram definidos: a luta pela terra, a luta pela Reforma Agrária e um novo modelo agrícola, e a luta por transformações na estrutura da sociedade brasileira e um projeto de desenvolvimento nacional com justiça social.
(MST, jan. 2009)
Fim do complemento.
LEGENDA: Cerca de 1.200 crianças e adolescentes, filhos de agricultores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), protestam contra a situação vivida pelos trabalhadores rurais e reivindicam por "Escola, Terra e Dignidade", em Curitiba (PR), 2007.
FONTE: Jonas Oliveira/folhapress
Desde então, o MST transformou-se numa referência internacional da luta dos trabalhadores rurais, encontrando-se atualmente organizado em vinte e quatro estados, por todas as regiões brasileiras, reunindo cerca de 350 mil famílias assentadas. Transcrevemos a seguir o texto oficial do próprio movimento, que apresenta a sua estrutura organizativa:
Boxe complementar:
Mesmo depois de assentadas, estas famílias permanecem organizadas no MST, pois a conquista da terra é apenas o primeiro passo para a realização da Reforma Agrária. Os latifúndios desapropriados para assentamentos normalmente possuem poucas benfeitorias e infraestrutura, como saneamento, energia elétrica, acesso à cultura e lazer. Por isso, as famílias assentadas seguem organizadas e realizam novas lutas para conquistarem estes direitos básicos.
Com esta dimensão nacional, as famílias assentadas e acampadas organizam-se numa estrutura participativa e democrática para tomar as decisões no MST. Nos assentamentos e acampamentos, as famílias organizam-se em núcleos que discutem a produção, a escola, as necessidades de cada área. Destes núcleos, saem os coordenadores e coordenadoras do assentamento ou do acampamento. A mesma estrutura se repete em nível regional, estadual e nacional. Um aspecto importante é que as instâncias de decisão são orientadas para garantir a participação das mulheres, sempre com dois coordenadores, um homem e uma mulher. E nas assembleias de acampamentos e assentamentos, todos têm direito a voto: adultos, jovens, homens e mulheres.
(MST, jul. 2009)
Fim do complemento.
Além dessa estrutura, o MST organiza, a cada cinco anos, o seu Congresso Nacional com a participação de mais de quinze mil militantes na avaliação e definição das linhas políticas do movimento. A cada dois anos, o MST também realiza o seu Encontro Nacional, que analisa e atualiza as deliberações do Congresso.
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A luta do MST ganhou notoriedade principalmente em 1995-1996. Ao lado das já históricas ocupações de terras improdutivas - ou seja, de terras férteis abandonadas ou subutilizadas para a produção de gêneros alimentícios -, o movimento promoveu uma caminhada de mil quilômetros até Brasília, em abril de 1996, em defesa da reforma agrária e do emprego, contra as políticas neoliberais do governo federal. Foi nesse período, entretanto, que ocorreram os massacres de Corumbiara, em Rondônia, e de Carajás, no Pará, com diversas lideranças do movimento entre os trabalhadores assassinados e presos.
A ocupação de terras avaliadas como "improdutivas" continua sendo a "tática" principal da ação política do MST, provocando sempre fortes reações dos proprietários de terras e dos grandes empresários dos meios de comunicação, que não reconhecem as terras como improdutivas e sempre se referem às ocupações como "invasões de propriedade", configurando-as como "crimes" contra o capital.
Uma revista semanal brasileira, por exemplo, além de publicar sistematicamente notícias condenando as ações do MST, reuniu uma série de informações sobre o movimento na matéria "Os 25 anos do MST: invasões, badernas e desafio à lei", publicada em 23 de janeiro de 2009. Nessa matéria, a revista Veja se posiciona dessa forma:
Boxe complementar:
Mantendo a falsa bandeira de sua incansável luta pela reforma agrária, o MST conseguiu permanecer impune das ações criminosas que cometeu ao longo de sua existência. Há tempos que a organização não quer mais apenas um pedaço de terra - e sim toda a terra. Em reportagens realizadas ao longo dos anos, VEJA acompanhou o crescimento, a desmoralização e os crimes cometidos por essa organização que não possui sede fixa e nem estatuto.
(VEJA, 23/01/09)
Fim do complemento.
A reportagem cita diversos episódios nos quais a "violência do MST" é destacada. O presidente José Sarney, por exemplo, é citado como "responsável" pelo desencadeamento de conflitos de terra quando anunciou, em 1985, o Plano Nacional de Reforma Agrária, que o seu governo se propunha a implementar. A revista, na época, afirmou que o governo, com isso, tocou em "um vespeiro que havia vinte anos não estava tão agitado" - traduzindo: a reportagem se referia ao golpe civil-militar de 1964, que reprimiu violentamente o movimento de luta pela terra, como vimos anteriormente.
LEGENDA: Cartaz do documentário retratando a vida dos personagens da ocupação da Fazenda Annoni, no Rio Grande do Sul, 10 anos depois da primeira ocupação, ocorrida em 1985.
FONTE: Vemver Brasil/Tetê Moraes
Enumerando os diversos conflitos que ocorreram na luta pela terra, a citada revista relata a ocupação ocorrida no Ceará, nesse ano de 1985, por 45 famílias armadas de facões e foices, como para justificar a decisão dos fazendeiros em armar os seus empregados e a sua ordem de "atirar primeiro e perguntar depois".
Além desse conflito que marcou o lançamento do Plano Nacional de Reforma Agrária, são destacados:
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o ato promovido por 400 agricultores no centro de Porto Alegre, em 1990, com a depredação de vidraças e a degola de um soldado da Polícia Militar; a marcha que o MST realizou em 1997, com 40.000 pessoas, que realçava o caráter de rebeldia do movimento e suas ações contra a ordem capitalista e a sua base de sustentação, a propriedade privada; a entrevista concedida por um dos líderes do MST, que admitia o recurso à luta armada, em determinadas circunstâncias; e, por fim, a revista se referia à ação "mais espetacular" promovida pelo movimento, ocorrida em 10 de maio de 2000:
Boxe complementar:
Numa operação relâmpago e inédita, cerca de 5.000 sem-terra ocuparam prédios públicos em catorze capitais. Outros 25.000 realizaram invasões pelo interior e passeatas. Em três lugares, foram atacadas sedes regionais do INCRA, o órgão do governo federal encarregado da reforma agrária. Em onze, o MST escolheu escritórios do Ministério da Fazenda.
(VEJA, 10/05/2000)
Fim do complemento.
A reportagem finaliza afirmando que, com essas ações, no ano 2000, "o MST pretendia tomar o poder por meio da revolução".
Em outubro de 2009, em outra ação que gerou bastante polêmica, militantes do MST, dirigindo tratores, destruíram plantações de laranja em uma fazenda da empresa Cutrale, no interior de São Paulo. Ocuparam as terras com o objetivo de plantar feijão e milho para subsistência dos seus acampamentos na região. Os meios de comunicação condenaram com veemência a ação, mas ignoraram a informação de que essas terras pertenciam à União, tendo sido "griladas" (invadidas) anos atrás pela Cutrale - um dos maiores produtores mundiais de suco de laranja, contando com a conivência dos governos brasileiros. A destruição de pés de laranja, no entanto, "chocou" grande parte da "opinião pública". Podemos, então, diante desses fatos, dizer que o Movimento Sem-Terra é uma organização criminosa?
Como hoje em dia, graças à possibilidade de acesso à tecnologia da internet, todos os estudantes podem recolher informações sobre esses e outros acontecimentos que envolveram o MST (esperamos que o acesso à internet seja uma realidade presente na sua escola!). Confrontando as posições conflitantes ou divergentes, propomos, como sugestão para um trabalho de pesquisa, chegar a um posicionamento: afinal de contas, as ações do MST são legítimas ou são criminosas? Quem tem razão, as lideranças do movimento ou os proprietários de terra? Qual é o papel desempenhado pelos meios de comunicação em relação ao problema da terra no Brasil?
LEGENDA: Em outubro de 2009, a destruição de plantações de laranja da empresa Cutrale jogou grande parte da opinião pública contra o MST. Na foto, colheita de laranjas na fazenda Santa Maria, da Cutrale, em Analândia (SP), em 2010.
FONTE: Silva Junior/Folhapress
O que as grandes empresas de comunicação quase nunca destacam é a quantidade de assassinatos de trabalhadores rurais, ocorridos em conflitos de luta pela terra. A título de exemplo, segundo levantamento da Comissão Pastoral da Terra, somente no ano de 2012 ocorreram 1067 conflitos, com 36 assassinatos e 77 tentativas de assassinato, 88 agressões e 296 ameaças de morte. Esses números mantêm uma certa regularidade macabra no país, ano após ano (CANUTO; LUZ; LAZZARIN, 2013). Você tinha conhecimento dessa informação? Não? Então, procure fazer um levantamento a respeito, pesquisando também sobre lideranças assassinadas ao longo da história da luta pela terra, como foram os casos de Margarida Maria Alves, em Alagoa Grande, na Paraíba, em 1983, do padre Josimo Tavares, em Imperatriz, no Maranhão, em 1986, e da missionária norte-americana Dorothy Stang, em Anapu, no Pará, em 2005.
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LEGENDA: Capa de Cordel em homenagem à Margarida Maria Alves, lançado por ocasião da luta pela punição dos culpados pelo seu assassinato, que em 2013 completou 30 anos. À direita, Dorothy Stang, morta em 2005.
FONTE: (1) Reprodução/Jailson (2) Reprodução: Wikipedia.org
Devemos destacar, por fim, que o MST não é um movimento isolado de outros setores da sociedade, pois desenvolve diversos projetos na área de formação política e educacional, muitos deles em parceria com universidades públicas brasileiras e com a UNICEF - United Nations Children's Fund (Fundo das Nações Unidas para a Infância) que é uma agência da ONU - Organização das Nações Unidas - voltada para a defesa dos direitos e o pleno desenvolvimento das crianças.
LEGENDA: Uma das iniciativas do MST, na área da educação, foi a criação da Escola Nacional Florestan Fernandes - ENFF, em Guararema (SP), que oferece cursos técnicos específicos e encontros de formação política. Na foto, turma em aula na ENFF, em 2003.
FONTE: Jorge Araujo /Folhapress
Além da preocupação com a educação, o MST também promove a formação técnica dos assentados, com o objetivo de proporcionar o aumento do poder aquisitivo das famílias dos militantes do movimento.
O exercício dessas parcerias, porém, também é acompanhado pelas mesmas polêmicas citadas anteriormente: como os proprietários de terras e os meios de comunicação denunciam o MST como uma instituição criminosa e ilegal, o movimento não poderia, no entendimento deles, receber benefícios governamentais de qualquer tipo e utilizar recursos públicos - ainda por cima, sem fiscalização da sociedade. Nesse sentido, ainda em março de 2010, parlamentares de alguns partidos de oposição procuravam instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) - no Congresso Nacional, com o objetivo de averiguar as verbas recebidas pelo movimento e denunciar as suas relações com o Governo Lula (2003-2010).
Como se pode perceber pelo que escrevemos, trata-se de uma história que, da mesma forma como a luta pela terra no Brasil, está muito longe de terminar.
A Sociologia e a questão da terra no Brasil
Neste capítulo, nos preocupamos em apresentar informações gerais sobre o modelo de concentração de terras implantado historicamente em nosso país pelas classes sociais dominantes que, mesmo sob o ponto de vista do desenvolvimento capitalista, resultou em um projeto politicamente conservador. Afirmar isto significa o entendimento que a não realização de uma reforma agrária, durante séculos de nossa História, significou uma opção por um modelo de capitalismo atrasado, dependente e subalterno em relação aos interesses do capital internacional. Mas, o que isso tem a ver com os que moram nas cidades?
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LEGENDA: José de Souza Martins, professor da USP e um dos sociólogos brasileiros mais reconhecidos na área de estudos da Sociologia Rural.
FONTE: Matuiti Mayezo/Folhapress
Entre as consequências da opção por esse modelo, podemos citar não só a manutenção da condição de pobreza entre os camponeses brasileiros, como as migrações contínuas do campo para as periferias das cidades, levando ao "inchaço" das regiões metropolitanas, com a multiplicação de favelas, a ocupação desordenada do espaço urbano e o aumento da violência. A ausência de políticas públicas adequadas contribui para o agravamento da questão social brasileira, onde a situação do uso e da distribuição da terra é um dos elementos mais importantes e que precisa constar em todos os debates sobre o presente e o futuro do nosso país.
Achamos importante destacar o processo de organização dos trabalhadores do campo na luta contra um modelo altamente concentrador e excludente, mesmo sob a perspectiva capitalista. Assim, nos preocupamos em apresentar o MST como um exemplo da luta e da organização dos trabalhadores rurais, que se articula com as lutas urbanas, mas cujas ações geram inúmeros conflitos no campo e produzem polêmicas de peso em diversos setores da sociedade brasileira. Um exemplo, nesse sentido, pode ser encontrado nas condenações que o MST tem recebido em algumas instâncias do Poder Judiciário, interpretadas como uma tentativa de "criminalização" do movimento social.
No campo de estudo da Sociologia, o investimento em pesquisas sobre esse tema é entendido como parte da Sociologia Rural, disciplina presente em diversas universidades públicas brasileiras. Em termos gerais, podemos dizer que a Sociologia Rural é o estudo da organização social do camponês - termo que significa "homem do campo" (derivado do latim campus ) -, sujeito que se diferencia do "homem da cidade" em função do seu contexto social e histórico específico; das sociedades rurais em geral ou ainda o estudo do "modo de vida rural e a natureza das diferenças rurais e urbanas"(LAKATOS; MARCONI, 1999, p. 29-30). Nesses estudos, tem especial destaque as mudanças sociais provocadas pela penetração do modo de produção capitalista no campo, com as suas opções pela monocultura e pelo latifúndio, ou pela modernização tecnológica e mecanização das lavouras, assim como a implantação de empresas multinacionais e do agronegócio e o papel assumido pelo Estado nesse processo.
Então, como se pôde perceber neste capítulo, a questão da terra no Brasil não se trata de um assunto "menor" neste país cada vez mais urbanizado ou que diga respeito apenas a quem vive no campo ou que vivencia os conflitos apontados no texto. O que você pensa a respeito?
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