1 Luiz Fernandes de Oliveira


Religiosidade, juventude e o



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Religiosidade, juventude e o novo milênio

Como vimos acima, mais do que a religião em si, a religiosidade é muito importante para grupos e indivíduos. Entende-se por religiosidade uma qualidade do indivíduo que é caracterizada pela disposição ou tendência do mesmo para perseguir a sua própria religião ou a integrar-se às coisas sagradas.

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Portanto, há religiões organizadas em Igrejas, cultos e outros tipos de instituições e há a religiosidade dos indivíduos. Essa diferença é bem marcante quanto observamos a expressão de religiosidade entre os jovens.



Em pesquisa do Instituto de Estudos da Religião (ISER) de 2001, verificou-se que entre 800 brasileiros, com idade entre 15 e 24 anos, 98% deles responderam que acreditam em Deus. Trata-se de uma grande maioria, capaz de pôr em questão qualquer ceticismo em relação à religiosidade dessa geração de jovens.

Essa pesquisa foi conduzida pela socióloga Regina Novaes, da UFRJ (cf., entre outras obras, o artigo publicado posteriormente em NOVAES, 2005). Para ela, esses números são surpreendentes. Numa entrevista dada ao Caderno B, do Jornal do Brasil, ela afirmou que:

Boxe complementar:

Os jovens estão à procura da religião. Crer é uma coisa que se coloca de uma maneira forte para esta geração. Existem ateus que acreditam em Deus. É uma coisa incrível. Eles acreditam em tudo. (...) todos os itens tiveram percentual alto. Por exemplo: mais de 30% acreditam em orixás, uma taxa muito mais alta do que os que declararam ser do candomblé (1,8%). O que é espantoso é que, entre os jovens que disseram que gostariam de procurar alguma religião (32%), a que mais atrai a curiosidade (32%) é a evangélica, seguida do espiritismo (23,3%). (...)

Os jovens precisam disso. O que se esperava é que, a partir do desenvolvimento da ciência e do avanço tecnológico, estas explicações fossem surgir. Mas isso não aconteceu. As pessoas continuam procurando um sentido para vida e uma forma para lidar com suas angústias e sofrimentos.

(NOVAES, 2001, p.2)

Fim do complemento.

Esta última constatação revela o fato de que os jovens, o tempo todo, estão preocupados com o futuro, querem uma explicação para o sentido da vida.

Para esta geração, o futuro, o mercado de trabalho e as drogas são fatores de sofrimento. A religiosidade ajuda a tornar isto suportável. Diante da competição do mercado de trabalho, que é muito dura e, consequentemente, cria muitas angústias, somente o acesso à informação tecnológica e científica não alivia o sofrimento.

Regina Novaes afirma, ainda, na mesma entrevista, que todas as religiões formam grupos jovens e que isso é muito positivo, pois, é um lugar de trocas, no qual o lazer se associa à religião: "Jovem precisa de turma, precisa encontrar uma identidade. Jovem e isolamento não combinam. Nestes grupos, eles partilham suas angústias e encontram esse sentido para a vida." (NOVAES, 2001, p.2).

Ao contrário do que aparece no senso comum, e mesmo com as novas tecnologias que seduzem essa nova geração, a religiosidade fornece aos indivíduos concepções sobre a vida, a sociedade, seu passado, presente e futuro, não se restringindo à crença individual, ao culto aos deuses, ou a Deus. Como vimos em Durkheim (1973a), Marx (1960), Weber (1974) e Gramsci (2007), a religiosidade nos orienta a ter normas, regras de comportamento, mas, também, pode demonstrar os interesses de grupos subjugando outros, além de interferir em outras atividades humanas, incluindo a luta contra as injustiças e explorações.

O brasileiro sempre teve na religião um dos recursos mais fortes para manter suas culturas, suas relações com a realidade social e suas lutas por uma vida mais digna.

Religiosidade e política sempre se envolveram mutuamente. Observamos que, na História do Brasil, isto ocorreu com frequência: na resistência dos africanos e seus descendentes para manter suas culturas; no caso da Teologia da Libertação; e, ainda hoje, quando os pentecostais cumprem um papel onde o Estado se encontra ausente, suprindo, assim, as necessidades de muitos brasileiros excluídos.

Como veremos a seguir, quando ocorrem pesquisas a respeito da religiosidade dos brasileiros, os resultados são sempre expressivos, ou seja, a grande maioria declara sua crença:

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FONTES: Directoria Geral de Estatística, Recenseamento do Brasil 1872/1890; e IBGE, Censo Demográfico 1940/1991.



FONTE: Gráficos reproduzidos de IBGE, 2012, p. 90-91.

Como podemos observar em um dos dados apresentados nesses gráficos, a evolução dos "sem religião" cresceu nos últimos 30 anos, mas muito pouco. Essa pesquisa confirma aquilo que dissemos no início deste capítulo, ou seja, o Brasil é um dos países mais religiosos do mundo. Portanto, o desenvolvimento de um mundo globalizado e tecnologizado não significou o fim das religiões e da religiosidade. Pelo contrário, a nova geração de brasileiros demonstra que o mundo tecnologizado e a religiosidade se movem no sentido de descobrir as várias dimensões do mistério da vida e dos níveis de profundidade das perguntas humanas. Isto porque a marca de todas as religiões é o esforço para pensar a realidade a partir da exigência de que a vida faça sentido.

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Interdisciplinaridade

Conversando com a Arte



Arte e religião: tudo a ver

Christiane Ribeiro

Houve um tempo em que religião e vida foram indissociáveis. O indivíduo nascia totalmente inserido em certa crença e ao entorno disso eram norteadas condutas sociais e individuais. A autoridade religiosa era máxima e soberana.

Com os avanços tecnológicos, há uma mudança de direção nesse panorama e o pensamento antes teocêntrico (Deus como centro) transforma-se aos poucos em antropocêntrico (o homem como centro, a razão) e depois científico (a ciência e a tecnologia como centro). Mas este fenômeno social não foi o suficiente para que a religiosidade fosse abolida da vida cotidiana, uma vez que se trata de um processo interno e individual, diferente da religião, que possui dogmas, preceitos e práticas próprias, estando ligada a um grupo social.

Ao longo da nossa História mudanças significativas ocorrem e elas resultam de um ciclo interminável em que o homem é modificado e modifica o tempo todo e neste processo mantém viva uma busca constante. Este fato pode ser notado em diversas esferas, inclusive e principalmente na Arte.

A humanidade se utiliza de símbolos e signos a serviço de sua expressão ou quando não mais acha palavras para descrever algo.

Desde os primórdios da História da Arte, as suas produções estão intimamente ligadas à religião e à religiosidade. Há estudos que indicam um caráter religioso às pinturas rupestres ocorridas em lugares diversos do mundo e evidencia esse caráter como universal. No mundo ocidental, com a união do Império Romano ao Cristianismo, a Arte vincula-se fortemente à religião e isso perdura até poucos séculos atrás. No período que compreende a Idade Média, a Arte era utilizada para propiciar o ensinamento religioso e a de exaltação dos sentimentos da cristandade. Após o período do Renascimento, com todas as mudanças ocorridas nas Ciências e com o surgimento do Estado laico (o Estado não mais assume uma religião oficial), a Arte desvencilhou-se das representações cristãs, surgindo então manifestações artísticas desassociadas da religião.

No Brasil, as representações religiosas também serão "função" da Arte, durante séculos seguindo um modelo europeu e estas são evidenciadas nas construções religiosas que se espalham ao longo de todo território. Podemos citar as igrejas barrocas, que possuem toda a sua arquitetura e decoração (utilizando-se inclusive de certa teatralidade) voltadas para o sentimento de exaltação do Divino e a subordinação humana a ele.

Como religião e religiosidade se apresentam socialmente como fatores que podem estar interligados ou não, em algumas decorações barrocas notaremos imagens como conchas, estrelas e búzios que são elementos simbólicos pertencentes às religiões de matrizes africanas e à religiosidade dos africanos escravizados (a Igreja de Santa Efigênia, atribuída à Chico Rei e localizada em Ouro Preto, é um rico exemplo). Deixar esses vestígios em construções religiosas cristãs era uma forma de estar à serviço de uma crença que não era a sua, mas preservar sua fé e prestar homenagem aos seus guias espirituais e religiosos.

Hoje, é consenso geral que a Arte e a religião estão totalmente desvinculadas, mas se partimos do conceito de eternas mudanças concomitantes entre homem e seu meio sociocultural poderemos chegar à conclusão de que a religião e religiosidade fazem parte do processo individual, interferindo na nossa formação ética-social e, portanto, também modificando a cada dia esse homem que produz a Arte.

Christiane Cardoso Ribeiro é professora de Artes no Município do Rio de Janeiro. Graduada em Artes Plásticas pela UFRJ (Escola de Belas Artes) e MBA em Gestão Pedagógica e Institucional (Faculdade de Maringá e DDG Educação).

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Interatividade



Revendo o capítulo

1 - Explique a importância da religião para Durkheim, Marx e Weber.

2 - Qual a importância do estudo das religiões para a Sociologia?

3 - A religiosidade é um fator importante na vida dos jovens de hoje? Por quê?



Dialogando com a turma

1 - Você acredita que algumas lideranças religiosas manipulam de alguma forma os seus fiéis, como de vez em quando denuncia parte da mídia? Realize um debate sobre este tema com seus colegas, a partir das informações contidas no texto.

2 - Em sua opinião, considerando as questões apresentadas neste capítulo, você acha possível considerar que no atual mundo globalizado as religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, poderão se extinguir? Justifique a sua resposta.

Verificando o seu conhecimento

1 - Durkheim, Marx e Weber desenvolveram pesquisas e reflexões a respeito do papel da religião nas sociedades. Dentre as formulações e conclusões que esses pensadores apresentaram, assinale abaixo a única que deve ser considerada como incorreta:

(A) Para Marx, a religião é uma criação humana, relacionada à necessidade que os homens têm de acreditar em algo que alivie o seu sofrimento.

(B) Para Durkheim, a religião é uma criação humana e social, sendo importante por estabelecer regras de comportamento que contribuem para a organização da sociedade.

(C) Segundo Weber, a compreensão dos comportamentos religiosos torna possível um melhor entendimento das atividades humanas.

(D) Para Durkheim, a religião não pode ser negada pela ciência, pois ela é um fato social.

(E) De acordo com Weber, o surgimento do capitalismo foi determinante para a mudança nas concepções religiosas a respeito do papel desempenhado pelo trabalho nas diversas sociedades.

2 - (ENEM, 2000)

Os quatro calendários apresentados abaixo mostram a variedade na contagem do tempo em diversas sociedades.

FONTE: Adaptado pelos autores, de revista Época, n° 55, 7 de junho de 1999.

Com base nas informações apresentadas, pode-se afirmar que:

(A) o final do milênio, 1999/2000, é um fator comum às diferentes culturas e tradições.

(B) embora o calendário cristão seja hoje adotado em âmbito internacional, cada cultura registra seus eventos marcantes em calendário próprio.

(C) o calendário cristão foi adotado universalmente porque, sendo solar, é mais preciso que os demais.

(D) a religião não foi determinante na definição dos calendários.

(E) o calendário cristão tornou-se dominante por sua antiguidade.



Pesquisando e refletindo

LIVROS

ALVES, Rubem. O que é religião. São Paulo: Brasiliense, 1984.

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Deus existe? Qual é o sentido da vida? E da morte? O livro responde a estas e outras perguntas, numa linguagem bastante acessível e atraente.



GASPAR, Eneida Duarte. Guia de religiões populares do Brasil: rezas, símbolos, santos, ancestrais, deuses afro-brasileiros, ciganos, histórias. Rio de Janeiro: Pallas, 2002.

Inventário de diversas manifestações religiosas populares espalhadas pelo país, com a descrição de suas principais características.



FILMES

ATLÂNTICO NEGRO - NA ROTA DOS ORIXÁS (Brasil, 1998). Direção: Renato Barbieri. Duração: 54 min.

Documentário que faz uma viagem no espaço e no tempo em busca das origens africanas da cultura brasileira. Historiadores, antropólogos e sacerdotes africanos e brasileiros relatam fatos históricos e dados surpreendentes sobre as inúmeras afinidades culturais que unem os dois lados do Atlântico.

O AUTO DA COMPADECIDA (Brasil, 2000).

Direção: Guel Arraes. Elenco: Matheus Nachtergaele, Selton Mello, Fernanda Montenegro, Marco Nanini. Duração: 104 min.

A religiosidade característica do povo nordestino está presente nessa comédia que denuncia tanto as desigualdades sociais do sertão, a discriminação e o racismo, quanto as hipocrisias comportamentais da sociedade e das autoridades religiosas. Baseado na obra de Ariano Suassuna.



INTERNET

RELIGIOSIDADE POPULAR: http://goo.gl/UMxRQA

Página apresentando diversos materiais de pesquisa sobre a religiosidade popular, com artigos, notícias, bibliografia e um Dicionário da Religiosidade Popular. Acesso: janeiro/2016.

Portal ADITAL - NOTÍCIAS DA AMÉRICA LATINA E CARIBE: http://bit.ly/1aip1wN

Este Portal de notícias apresenta uma seção específica reunindo um clipping de notícias sobre todos os acontecimentos que envolvem igrejas e religiões. Oferece também outros links de interesse sobre o tema ECUMENISMO. Acesso: janeiro/2016.

MÚSICAS

PROCISSÃO - Autor e intérprete: Gilberto Gil.

A excelente letra de Gil apresenta uma reflexão política sobre a condição social do sertanejo nordestino e sua religiosidade.

REZA VELA - Autores: Marcos Lobato, Rodrigo Valle, Marcelo Lobato, Marcelo Falcão, Xandão, Lauro Farias. Intérpretes: O Rappa.

A manifestação da religiosidade popular diante da condição social na favela marcada pela realidade cotidiana de violência.

FILME DESTAQUE



IGREJA DOS OPRIMIDOS

FICHA TÉCNICA:

Direção: Jorge Bodanszky

Duração: 75 min.

(Brasil, 1986)

FONTE: Luiz Carlos Barreto Produções Cinematográficas

SINOPSE:

Documentário que relata as ações das comunidades eclesiais de base e a Comissão Pastoral da Terra no Araguaia-Tocantins, com inúmeros conflitos violentos entre trabalhadores rurais em situação de miséria e pistoleiros a mando de latifundiários. O filme discute o papel desempenhado pela Igreja católica e pelos seguidores da Teologia da Libertação, entrevistando lideranças rurais e das comunidades, teólogos como Leonardo Boff, e padres que atuam na região, como François Gouriou, Aristides Camio e Ricardo Rezende Figueira.

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Aprendendo com jogos



Contos de Ifá

(Ilê Axé Oxum Karê, do Centro Cultural Coco de Umbigada de Guadalupe / 3Ecologias, 2014)

CONHECER PARA RESPEITAR. RESPEITAR PARA CONVIVER

FONTE: Divulgação: 3Ecologias

Esta é uma aventura baseada na mitologia de matriz africana, construída a partir de uma narrativa lúdica com quatro fases que representam, cada uma, a história de um orixá: Exu, Ogun, Oxóssi e Omolu. A plataforma Contos de Ifá visa a formação cultural como forma de combater o preconceito, o racismo e a intolerância religiosa. O projeto está baseado na Lei 10.639/03, que insere o estudo da História da África, dos Africanos e da Cultura Afro-Brasileira nos currículos escolares, a fim de valorizar a cultura afrodescendente e romper preconceitos. O jogo é, em verdade, uma plataforma que experimenta novas mídias e busca proporcionar experiências imersivas.

Como jogar:



1. Jogue diretamente no site, construído em software livre e de acesso gratuito: contosdeifa.com

2. Após jogar, realize uma pesquisa sobre diferentes religiões, suas origens, principais preceitos, ritos e crenças, e apresente as suas descobertas por meio de uma exposição de imagens representativas desses aspectos nos corredores de sua escola, de modo que às imagens estejam associadas pequenas narrativas do próprio universo de crenças da religião pesquisada. Mas a exposição deve priorizar as imagens! E que sejam representativas da religião pesquisada, que ajudem a quebrar preconceitos e que estejam bem associadas aos curtos textos que as acompanham.

3. Por fim, inicie o esboço de um "site-jogo" similar para diferentes religiões - você deve somente apresentar um esboço com a concepção, a "mecânica do jogo" (o que deve fazer o jogador ao jogar, o percurso do jogador pelo site, o objetivo que ele deve alcançar), as imagens ou os desenhos e alguns textos, além das narrativas mais representativas que constituirão o conteúdo de sua proposta de "site-jogo".

4. Debata com os seus colegas em sala de aula a sua proposta de jogo para a religião escolhida.

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Capítulo 21 - "Onde você esconde seu racismo?" Desnaturalizando as desigualdades raciais

LEGENDA: Ku Klux Klan, organização racista norte-americana que defende com violência a ideia da "supremacia branca" sobre todas as demais "raças". Imagem de 1915.

FONTE: Public-domain-image.com

Em reportagem divulgada pelo site do jornal O Globo, em novembro de 2009, foi noticiado que um estudante de Psicologia em Aracaju, Sergipe, foi preso em flagrante por ter chamado um vigilante de um posto de gasolina de "macaco, neguinho e urubu". Naquele mesmo mês, na mesma cidade de Aracaju, o Jornal Nacional, da Rede Globo, informou sobre o caso de uma mulher que ofendeu um funcionário negro de uma empresa de aviação com o uso de termos como "nego", "morto de fome" e "analfabeto". Ela fez isso depois de insistir em embarcar num voo para a Argentina, mas o funcionário não permitiu, pois ela estava atrasada e tinha perdido o prazo/horário do check-in - apresentação, antes da viagem, à companhia aérea, dos documentos de identificação pessoal para retirada do bilhete de embarque.

Em fevereiro de 2010, durante uma das apresentações que a cantora norte-americana Beyoncé realizou no Brasil, o antropólogo Jocélio Teles utilizou a internet para denunciar a humilhação sofrida por um amigo que ele havia convidado para assistir ao show na ala VIP, do Parque de Exposições de Salvador. Como o seu amigo era, segundo Teles, praticamente o único "negro retinto" naquela ala, foi o alvo de uma agressiva abordagem policial que buscava identificar o responsável por um delito que havia sido denunciado momentos antes. Um dos policiais que fez a revista justificou a sua atitude afirmando, para a vítima, que havia ocorrido um roubo na área VIP e que a pessoa era do seu estilo.

Os relatos expressam a existência em nosso país de um mal que muitas pessoas não gostam de discutir e conversar: o racismo.

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Mas por que discutir racismo quando já nos encontramos no terceiro milênio? Quem faz este tipo de pergunta talvez considere essa discussão desnecessária, tendo em vista o entendimento de que a humanidade, de certa forma, tenha "aprendido" com as experiências de extermínio vividas durante séculos de História, e que envolveram episódios de ódio, perseguição e morte, tendo como origem muitas vezes a questão racial.



A resposta à pergunta, na verdade, é bem simples: ainda vivemos os desastres desse fenômeno social intitulado racismo em escala mundial, que se manifesta em novas formas. Ainda convivemos com os diversos estereótipos contra negros, indígenas, judeus, palestinos e demais grupos que são percebidos como sendo "outros"no interior de nossa sociedade.

E não é mera coincidência. A maioria dos povos não brancos passa fome, é exterminada por políticas internacionais dos Estados poderosos, são vítimas da barbárie econômica do mercado global, não tendo nenhuma perspectiva de futuro. Enfim, além das desigualdades sociais, as pessoas não brancas, na sua grande maioria, sofrem com o fenômeno do racismo.



O que é realmente o racismo?

Para iniciarmos nossa reflexão, é conveniente que saibamos o significado de alguns termos - preconceito, discriminação e racismo - que são normalmente utilizados nas discussões sobre este tema tão polêmico:

Boxe complementar:

Preconceito: conceito ou opinião formada antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos; julgamento ou opinião formada sem levar em conta os fatos que o contestem. Trata-se de um pré-julgamento, isto é, algo já previamente julgado.

Discriminação: separar; distinguir; estabelecer diferenças. A discriminação racial corresponde ao ato de apartar, separar, segregar pessoas consideradas racialmente diferentes, partindo do princípio de que há raças "superiores" e "inferiores" - o que ficou definitivamente comprovado pela ciência que não existem. Nós, seres humanos, fazemos parte de uma única espécie - o Homo sapiens.

Racismo: teoria que sustenta a superioridade de certas "raças" em relação a outras, preconizando ou não a segregação racial ou até mesmo a extinção de determinadas minorias.

Fim do complemento.

De acordo com essas definições, o preconceito se expressa na sociedade, mas não necessariamente segrega ou discrimina; já a discriminação promove, baseada em certos preconceitos, a separação de grupos ou pessoas. Por outro lado, o racismo mata, extermina, produz o ódio entre grupos e indivíduos.

A História da sociedade brasileira é marcada pelo racismo desde a chegada dos portugueses em nossa terra. Primeiro foram os índios, exterminados pelo branco europeu; depois, o tráfico de africanos escravizados, que representou um dos maiores extermínios humanos da História mundial.

O racismo, hoje, se manifesta ainda de forma aberta ou em formas sutilmente elaboradas. Teoricamente, o racismo é uma ideia ocidental (europeia) excludente, porque versa sobre a universalização do conceito de humanidade. Universalizar, segundo Muniz Sodré:

Boxe complementar:

(...) significa reduzir as diferenças a um equivalente geral, um mesmo valor. É a universalização racionalista do conceito de homem que inaugura, no século XIX, o racismo doutrinário. Até então, as raças ou as etnias podem ter sempre alimentado ódios ou desconfianças mútuas - que frequentemente culminavam em massacres cruéis -, mas nunca sob alegações científicas, sob o critério de uma razão universal. (...) A palavra racismo é fruto do século XIX, consequência de um conceito de cultura fundado na visão indiferenciada do humano.

(SODRÉ, 2005, p. 27-28)

Fim do complemento.

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O racismo, portanto, é o conceito pretensamente universal de classificação dos seres humanos, pois foi elaborado a partir de um centro europeu. Construído em bases pseudofilosóficas e pseudocientíficas, o racismo nega a capacidade de razão do outro fora da Europa. Esse movimento teórico tem característica etnocêntrica, em que o outro foi estigmatizado e racializado nas ciências sociais - influenciando e gerando consequências para a compreensão do senso comum -, até meados do século XX.

No pós-guerra, ganham força os conceitos de "etnia" ou "etnicidade", para definir um conjunto de indivíduos ou grupos identificados pela língua, mitos, religiosidade e instituições comuns. Posteriormente, inventa-se o termo "fator étnico", denominando aqueles grupos de imigrantes que se encontram à margem das sociedades ou que são reservas econômicas de trabalhadores fora da cadeia de produção dominante. Em tempos de globalização, o termo etnicidade vem denominando também as manifestações regionalistas como as de tibetanos, croatas, catalães etc.

Entretanto, o termo etnicidade surgiu na França no início do século XX. Sua definição inicial refere-se a um tipo de solidariedade particular, laços intelectuais de língua e cultura, diferente do termo nação, atribuída à organização política, e o termo raça, atribuída às semelhanças físicas. Este conceito - etnicidade - é resultado de uma invenção dos países colonizadores, para melhor descrição dos povos dominados. Muitas vezes, as diversas definições se confundem com termos como raça, nação, sociedade e identidade.

As formas sutis de racismo se manifestam através de piadas, brincadeiras, olhares, frases de duplo sentido, etc. A forma aberta se expressou na história do regime de apartheid da África do Sul até inícios dos anos 1990; em alguns estados do sul dos EUA, como o Mississipi e o Alabama, cujas constituições segregavam negros; na repressão a árabes palestinos pelos judeus israelenses e no extermínio de judeus na Alemanha nazista.



LEGENDA: O conceito de etnicidade refere-se a um tipo de solidariedade particular, laços intelectuais de língua e cultura. Na foto, manifestação cultural em frente ao monumento em homenagem a Zumbi dos Palmares, no Rio de Janeiro, em 2001.

FONTE: Marcelo Reis

No Brasil, presenciamos diversas formas de racismo, preconceito e discriminação, majoritariamente contra os negros. Elas se expressam nos índices estatísticos de escolaridade de jovens negros, que se apresentam inferiores aos brancos; no nível de renda, em que negros e negras recebem os menores salários na mesma profissão em relação aos brancos; nos bairros pobres onde moram, que são menos assistidos pelo Estado, ao contrário, por exemplo, de bairros mais luxuosos, onde moram predominantemente brancos.



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