A dama Do Labirinto



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Capítulo XII

Trazido às pressas de Mereworth, o trio de magas empregou seu esforços até o cair da noite e depois até o dia seguinte para manter lady Margaret respirando. Prepararam-se caldos, poções e bebidas feitas de leite coalhado ou vinho, oferece­ram-se orações, votos de vingança foram proferidos. Com tudo isso, Aislin não tinha mais como negar o óbvio: realmente ha­via um assassino entre as muralhas de seu castelo.

Mas, quem? E por quê?

Ninguém ali haveria de querer o mal de uma dama tão sim­pática, a quem pouco conheciam. E Giles deixara a fortaleza antes de lady Margaret ser envenenada. Outra explicação pos­sível era que o vinho deixado à porta de seus aposentos fosse para ela mesma e não para sua hóspede. Nesse caso... Tomada por um calafrio, Aislin olhou para seu marido. Com os punhos cerrados sobre as coxas, ele estava ao pé da cama em que a pobre lady Margaret jazia como morta, com o pescoço e o colo cobertos por cataplasmas.

Ao erguer a cabeça, Desmond deparou com o olhar de sua esposa. Então ergueu levemente os punhos e abriu as mãos, como a lhe a oferecer o conforto de seus braços. Aislin não vacilou: deixou as sombras do canto escuro em que se encon­trava para ir-se aninhar de encontro ao peito dele.

― Shh, não chore. ― Desmond afagou-lhe os cabelos. ― Lady Margaret é forte. Ela já enfrentou coisas piores do que esta na vida e saiu-se bem, não há por que ser diferente agora.

― Oh, estou tão assustada... Acho que o vinho envenenado era para mim.

― Eu mataria e esquartejaria com minhas próprias mãos quem ousasse lhe fazer mal, Aislin. Não se preocupe, meu corpo e minha vida estão comprometidos com a sua proteção.

Afastando-se do leito, a mais mirrada das três magas de­clarou:

― Se sobreviver a esta noite, ela viverá.

O soluço de alívio que escapou da garganta de sua esposa fez Desmond dizer-lhe:

― Venha, você precisa descansar. Vou levá-la aos meus aposentos.

Aislin se deixou conduzir até lá. O esforço que fazia para conter as lágrimas chegava a doer. Giles partira para Tunbridge Wells logo cedo, não podia ter sido ele o responsável por aquela desgraça. E isso talvez significasse que a próxima vítima pu­desse ser ela própria.

Nos dias que se seguiram Aislin mal era capaz de pregar os olhos. E sempre que as três magas desciam para fazer as re­feições no salão nobre, ela usava da passagem secreta que li­gava os dormitórios do lorde e da castelã para ir a seus apo­sentos e sentar-se um pouco à cabeceira de lady Margaret. Alimentada com as poções que as feiticeiras lhe davam e com quase todo o corpo recoberto por cataplasmas, a dama parecia te recuperado um pouco da cor.

À noite Aislin contava com o conforto de Desmond, tanto nos aposentos dele como no labirinto. Durante o dia, era Tom quem lhe fazia companhia, contando-lhe histórias que a dis­traíam do momento tão penoso que o castelo atravessava. Numa dessas ocasiões, o rapazinho relatava episódios dos tem­pos em que se recuperava do acidente com a carroça que lhe esmagara os joelhos quando ela se lembrou de perguntar:

― Onde foi que você passou o período de sua convalesça, Tom?

― Na abadia de Battle. Frei Giles... ele ainda não era abade, dava-me poções e deixava que eu ficasse num catre entre os leitos de dois grandes cavaleiros que haviam retornado da guer­ra na Terra Santa.

― E as histórias que eles rememoravam ajudavam você a não pensar na própria dor?

― É verdade, milady.

― Nosso lorde Theron foi ferido na Cruzada, você sabia?

― Sim, o corte de espada que ele tinha no peito trazia-lhe dores insuportáveis, e quase ninguém acreditava que o pobre fosse sobreviver à febre do ferimento. Frei Giles usou de todo o seu dom de cura para salvá-lo, passava horas secando a testa de nosso lorde e ouvindo as coisas confusas que ele dizia.

Aislin endireitou-se na poltrona. Já nem se lembrava de que Theron havia passado um longo período de convalesça na aba­dia de Battle.

― Ele falava de um grande tesouro que encontrara enterrado numa ruína no deserto... de jóias... ― A voz de Tom foi se apagando, e o rapazinho sucumbiu ao sono.

Aislin continuou onde estava, só que agora olhava para Tom, mas era como se não o visse. Theron tinha estado na abadia de Battle. Giles também, e ouvira o lorde contar das riquezas que encontrara. Fora Giles o religioso que celebrara todos os casamentos dela. Fora ele quem a confortara após a morte de seus maridos e quem lhe contara sobre os boatos maldosos a seu respeito.

― Até que, covarde que fui, trancafiei-me em meus apo­sentos.

Pouco antes que Desmond a levasse para Mereworth, Giles lhe pedira que assinasse um documento transferindo Sevenoaks e tudo o que havia na fortaleza para a Igreja para o caso de algum infortúnio se abater sobre ela ou seu marido.

Era isso!

Engolindo o orgulho e a raiva, Aislin deixou os aposentos à procura de Desmond. Era hora de, juntos, arquitetarem um plano e cuidarem de pô-lo em prática. Pois agora ela sabia por que seu vinho tinha sido envenenado.

― Não permitirei que você se exponha a tal perigo. ― Des­mond deu um murro na velha mesa de carvalho.

Coy ergueu uma sobrancelha, porém se manteve calado.

― Desmond, não há outra solução. Se não trouxermos Giles de volta a Sevenoaks para tentar expor tudo o que ele fez, não teremos provas para levá-lo ao rei ― argumentou Aislin.

― Se você estiver certa, então ele tentou matá-la... Mais de uma vez, provavelmente. ― Desmond correu a mão pelos cabelos. ― Ordenarei que os portões se fechem para Giles pa­ra sempre. Nunca mais ele terá oportunidade de lhe fazer al­gum mal.

― Esqueça que ele é meu parente e pense que se trata de um clérigo muito importante. Se fecharmos os portões para Giles, nossa atitude chegará ao rei e, sem provas, que motivos alegaremos para proibi-lo de entrar em Sevenoaks? A verdade será distorcida de tal forma que seremos nós os obrigados a prestar contas a Henrique.

― Você fala com sensatez, dama ― interveio Coy. ― O abade de Tunbridge Wells é muito influente.

― E parece que pretende tornar-se ainda mais rico do que já é ― desdenhou Desmond. ― Como é possível que um ho­mem inteligente como Giles esteja atrás de riquezas imaginá­rias? Decerto ele não acredita que Theron possa ter trazido um grande tesouro para cá sem que ninguém soubesse, e que um tesouro assim formidável pudesse ser escondido longe das vis­tas de todos. E como tamanha riqueza nunca foi descoberta? Ora, essa história não deve ter passado de invencionice da men­te de um cavaleiro tomado pela febre.

― Desmond, vamos nos ater ao que é realmente importante neste momento ― Aislin assinalou. ― Temos de trazer Giles de volta a Sevenoaks. Precisamos fazer com que ele...

― Não irei colocá-la no caminho do perigo.

― Não, meu lorde, não serei eu o alvo dele. Temos de fazer com que meu primo se volte contra você.

― Eu? Giles só se voltaria contra mim se imaginasse que sou uma ameaça a seus planos... ― Desmond ficou pensativo. ― Envie um mensageiro a Tunbridge Wells, Coy. Mande dizer que peço ao primo de minha esposa que venha falar comigo em Sevenoaks.

― Que motivo o mensageiro deve alegar?

― Nenhum. Antes de mais nada, quero ver como o abade se comporta ao descobrir que Aislin está viva e passa bem. Depois, direi a ele com muita naturalidade que os aposentos do lorde serão destruídos e reerguidos em outro local do cas­telo. Se Giles realmente acredita que há um tesouro escondido lá, isso será suficiente para deixá-lo desesperado a ponto de querer a minha morte.

― Vou falar com a cozinheira ― disse Aislin, sorrindo ― Para lhe pedir que prepare uma boa quantidade de pastelões de carne e separe um pouco de vinho branco das despensas para nós antes que ele chegue.

Desmond passou o restante do dia com as três magas, ao lado de lady Margaret. Embora agora se mantivesse desperta por breves espaços de tempo, a dama não era ela mesma: falava de quando era jovem e do período passado como prisioneira, junto de Rowanne, entre as muralhas de Sherborne.

Apesar disso, Desmond estava satisfeito por vê-la um pou­co melhor. E mais satisfeito ainda se sentia por constatar que Aislin passara a acreditar e a confiar nele, dispondo-se a aju­dá-lo a obter provas contra Giles para levar ao rei. Provas que tinham de ser bastante convincentes, pois Henrique devia an­dar com um humor medonho: os barões rebelados haviam lhe preparado uma bela de uma surpresa no parlamento, o que limitara consideravelmente os poderes do monarca. Havia ain­da os rumores dando conta da fúria sanguinária com que o príncipe Eduardo pretendia enfrentar a traição dos nobres.

― Pronto, meu lorde.

A voz da maga tirou Desmond de seus pensamentos.

― Descobriram um antídoto? ― ele indagou.

― Antídoto? Não, mas talvez tenhamos encontrado uma maneira de fazer com que o veneno não venha a matar.

― Que Deus a ouça, pois não posso correr o risco de ver minha esposa novamente viúva.

― O abade de Tunbridge Wells ― anunciou o arauto.

Ao adentrar o salão nobre, Giles não conseguiu deixar de olhar para o lugar vago ao lado de Desmond enquanto se apro­ximava da mesa alta.

― Recebi sua mensagem, meu lorde, e aqui estou. Aconte­ceu alguma coisa com minha prima Aislin?

― Não foi esse o recado que lhe enviei. ― Por mais que se esforçasse, Desmond não era capaz de identificar alguma alteração no semblante de seu interlocutor.

― E por que foi que me chamou?

― Porque estou necessitando de seus conhecimentos, Giles.

― Vejo pelo seu modo de falar que algo terrível deve ter acontecido por aqui. ― O clérigo se aproximou mais um passo. ― Pode contar comigo, barão.

― Sente-se. ― Desmond indicou uma cadeira e esperou que Giles se acomodasse, depois deu um gole em sua taça e estendeu-a para o abade. ― Beba.

Sem conseguir dissimular a impaciência, o clérigo fez o que lhe foi pedido.

― Agora me fale do seu problema, barão.

― Oh, não há problema algum, Giles; nós só queríamos que você estivesse aqui para abençoar o castelão e os novos apo­sentos que serão erguidos para ele ― disse Aislin às costas do primo. ― Amanhã o antigo dormitório do lorde começará a ser demolido.

Olhos esgazeados, o abade pôs-se em pé. A taça escorregou de seus dedos, e o vinho foi se espalhar pelo chão.

― Aislin... Mas você...

― Sim? ― ela o interpelou antes de ir tomar seu assento ao lado de Desmond. Por mais que quisesse negá-lo, doía-lhe saber que seu primo esperava que tivesse sido chamado para rezar sobre seu cadáver.

― Você... Você me parece bem, prima.

― De fato, estou bastante bem. Meu marido cuida de minha saúde e de minha proteção com muito zelo.

― Esta noite teremos um banquete e amanhã começaremos a trabalhar no velho dormitório do castelão. ― Desmond lan­çou um olhar pelo salão, tomado por cavaleiros e guardas vin­dos de Mereworth. ― Mandei vir de minha fortaleza um bom número de trabalhadores para ajudarem na retirada do piso daqueles aposentos. Quem sabe não possamos reutilizar algu­mas das pedras?

― Sim, farei preces pedindo bênção e proteção para a nova empreitada ― disse Giles. ― Agora, se me dão licença, há um assunto de que preciso tratar.

Assim que ele deixou o salão, Desmond fez um sinal para Coy, que imediatamente partiu atrás do clérigo.

― Vamos subir aos aposentos e ficar por lá, minha dama, assim impediremos que Giles possa fazer suas buscas. Se nos­sas suposições estiverem corretas, seu primo não terá outra escolha senão me matar.

Depois de passar um bom tempo na companhia das feiticei­ras, Desmond retomou ao dormitório do castelão com a pele reluzente e odor de mel silvestre. Depois de se sentar junto de Aislin num banco baixo, ele contou:

― As magas irão preparar um novo medicamento para lady Margaret. ― Percebendo que ela parecia sentir-se responsável pelo estado em que a dama se encontrava, emendou: ― Não fique triste. Não tome para si uma culpa que não lhe pertence.

Aislin sorriu para ele. E beijou-o apaixonadamente.

Bem mais tarde, ao ouvir as pancadinhas que combinara com Coy, Desmond abriu a porta ao amigo e o fez entrar antes de tornar a fechá-la silenciosamente.

― O abade foi para o chalé do arrendatário, que supúnhamos abandonado. Quando vim de lá, uma fumaça densa escapava pelo telhado.

― Evidente. O chalé se achava repleto de plantas e raízes ― lembrou Desmond com um franzir da testa. ― Quando es­tivemos lá, não sei como não percebi que se tratava da habi­tação de algum curandeiro.

― Ou assassino. ― Coy passou a mão pelo rosto. ― Mas isso não é tudo, ao lado do chalé existem sinais de que ali havia uma carroça, e o rastro das rodas é uma linha que vem de lá diretamente a Sevenoaks.

― A carroça com o cavaleiro acidentado que seguia para Rye?

― Provavelmente ― confirmou Coy. ― Tudo leva a crer que o abade deixou a carroça com o ferido, mergulhado num sono profundo, junto ao chalé para voltar ao castelo e fazer o que queria enquanto o julgávamos a caminho de Rye.

― Desmond, estou profundamente preocupada com a sua segurança ― Aislin admitiu. ― Será que não há outra maneira de expormos as maldades de meu primo?

― Não, minha bela. Precisamos de provas.

― Você confia de verdade naquelas três velhas? ― indagou Coy.

― Sim, e também em você e em Aislin. ― Desmond tentou sorrir, mas não percebia o quanto tinha o semblante carregado.

Aislin trajava o vestido negro de veludo com arminho ao redor da gola e dos punhos que Desmond escolhera para ela, e no pescoço trazia uma corrente de malha de prata que ia do queixo ao colo.

― Ah, você está linda. ― Vestido com igual requinte, ele usava uma túnica com o brasão dos Vaudry bordado em pra­ta. ― Aislin, se por acaso nossos planos escaparem ao nosso controle...

― Não, não diga isso.

― Ouça, por favor: se eu falhar, quero que você vá com lady Margaret para Letchworth. Galen e Coy irão cuidar de vocês. Deixe esta maldita pilha de pedras para Giles e nunca mais torne a se aproximar dele.

― Você não vai falhar. Não pode falhar, porque...

― Porque você me ama?

― Não, porque eu ainda não amo você, seu pavão presun­çoso. Por isso, se quiser que eu venha a amá-lo, você tem de viver... por muitos e muitos e muitos anos.

Tomando o braço dela, Desmond depositou-lhe um suave beijo na palma da mão.

Os acordes dos alaúdes se erguiam às vigas manchadas de fumaça do salão nobre. A abundância de vinho, compotas, pão, queijo, frutas frescas, pudins e carne assada de todos os tipos fazia pensar que as mesas não suportariam tanto peso por muito tempo.

Sem nada comer, Aislin vigiava com olhos de águia a taça e a travessa de seu esposo, especialmente preparada pela co­zinheira sob os olhos atentos de Tom. Sentado do outro lado de Desmond, Giles sorria. Usava as opulentas vestes de seu ofício, e vistosas luvas de punho longo cor de açafrão comple­tavam a indumentária eclesial; Talvez fosse para não se sujar que ele também não comia nada.

― Sorria, esposa. Esta ocasião é motivo para alegria.

― Sim, sorria, Aislin, afinal seu marido é tão próspero que pretende aumentar Sevenoaks ― observou Giles. ― Vamos tomar mais uma taça, barão, e então eu o abençoarei.

Meneando a cabeça em sinal de anuência, Desmond tomou seu cálice entre os dedos e ergueu-o no ar.

Num tom uniforme e modorrento, Giles evocava a proteção e a bênção de Deus sobre Desmond e seus feitos como lorde de Sevenoaks. Misturada à sua gente, Aislin acompanhava as preces em silêncio.

Ao término da oração, o abençoado sorriu e os habitantes do castelo irromperam em vivas. Depois de olhar de relance para a prima, o abade aproximou-se de Desmond com a mão coberta pela luva estendida. Num rompante de clareza, Aislin então se lembrou de que Giles usara aquelas mesmas luvas em todos os casamentos dela. E apertara a mão de todos os seus maridos... exceto um.

― Não... ― Ela deu um passo em direção a Desmond, po­rém logo a seguir uma certa mão firme a fez estacar no lugar.

― Não os interrompa, minha dama ― pediu Coy. ― Não seria bom que despertássemos as suspeitas do abade.

― Creio que sei como ele faz para ministrar o veneno, Coy.

― O que foi que disse, minha dama?

― É a luva. Meu esposo não pode tocar naquela luva. Mas era tarde demais: ao olharem para Desmond, ela e Coy o viram aceitar a mão enluvada que o abade lhe oferecia. E, com um sorriso inefável, Giles punha-se a bater de leve com a outra mão no dorso da mão que apertava a sua. De tão ner­vosa, Aislin teve a impressão que algo lhe turvava a visão.

Quando ela enfim recobrou as forças para abrir caminho em meio à aglomeração à sua frente e chegar até seu marido, o abade já se preparava para afastar-se dali, dizendo em voz alta:

― Estou muito cansado. Peço que me perdoem por eu me retirar. ― Então Giles se misturou às pessoas reunidas ao redor do castelão.

― Oh, Desmond, você tem de correr a buscar o auxílio das magas!... ― Aislin soprou no ouvido dele.

― Não há mais tempo, minha dama. Já posso sentir o ve­neno. ― Virando a mão para cima, Desmond examinou por um instante a mancha que se formava em sua palma, depois ergueu os olhos para sua esposa... e desabou desacordado no chão.

― Desmond! ― Aislin caiu de joelhos ao lado dele. Como que surgido do nada, Coy abaixou-se para passar a mão pelo rosto do amigo.

― Não há mais nada a fazer, minha dama. Meu lorde Des­mond está morto.

Com os olhos fixos no rosto de seu adorado marido, ela teve a sensação de que o salão nobre movia-se para um lado e para o outro. Então tudo sumiu.

Aislin abriu os olhos. Achava-se num lugar escuro, onde não havia um único círio, uma só vela para orientá-la. Melhor assim, pois luz alguma poderia mitigar as trevas em seu cora­ção. Desmond estava morto. Ela não tinha mais por que viver.

Por que não lhe dissera o que sentia por ele? Por que não confessara que o amava desde o instante em que o vira em seu jardim secreto?

Prestes a fechar os olhos novamente, percebeu que lá em cima estava o firmamento, onde uma estrela surgira como por encanto. O arfar de seu peito lhe trazia o perfume das flores da noite. Estou no labirinto. Mas como vim parar aqui, se so­mente Desmond e eu sabíamos da existência deste lugar?

Ao sentar-se, descobriu que estava no banco de pedra... O banco onde tinham feito amor pela primeira vez. Com o cora­ção acelerado por uma dor lancinante, Aislin deixou que seus olhos vagassem pelo jardim que guardava tantas recordações indeléveis. Foi então que viu surgir, como o amanhecer ras­gando a noite após tenebrosa tempestade, o rosto tão amado, agora como que bosquejado pela meia-luz do luar.

― Desmond? ― sussurrou. ― Desmond, é você de verdade, meu amado? Ou um espírito que veio me assombrar?

― Ah, então você declara seu amor a um fantasma e não a um homem de carne e sangue? ― indagou uma voz suave em meio às sombras.

― Amo você, sim. Embora eu saiba que isso será a causa de minha ruína, não consigo deixar de amá-lo.

― Como esperei ouvi-la pronunciar essas palavras! ― Des­mond deixou a penumbra junto ao muro coberto pelas videiras para ir tomá-la entre os braços.

― Você está vivo... ― Ela lhe beijou o rosto, o nariz, os lábios. ― Mas como?

― As magas me ensinaram várias maneiras de envenenar uma pessoa, mas apenas uma delas faz com que vítimas diver­sas morram de um modo diferente, em diferentes intervalos de tempo. ― Desmond afagava os cabelos dela. ― Por ocasião da morte daqueles quatro homens, somente duas ocorrência se repetiam: a sua presença e a presença de Giles, o devoto abade de Tunbridge Wells. E como eu tinha certeza de não ser você a responsável pela morte de seus esposos, só podia ser Giles. Mas como era evidente que ele não os envenenara por meio da comida ou da bebida, restava um punhado de outras possi­bilidades. As magas e eu examinamos uma a uma e...

― Por que não me contou o que pretendia fazer? Coy sabia de tudo, não sabia? Ele foi parte da farsa, anunciando sua morte diante de todos.

― Eu não podia. Não havia garantias de que minhas supo­sições estivessem correias.

― Sei que Giles faz o que faz por intermédio das luvas cor de açafrão. Lembrei que ele as usou em todos os meus casa­mentos. Mas... como?

— A palma da luva está coberta por uma pasta feita de gordura de carneiro e um veneno muito poderoso. Quando Giles abençoa uma pessoa e lhe toca a cabeça, o rosto ou as mãos, o ungüento infiltra-se pela pele dela e o veneno começa a fazer efeito.

― E como você...

― Cera de abelha, minha bela. As magas derreteram uma porção de favos e besuntaram minha pele com essa substância. Todas as partes expostas de meu corpo foram cobertas com cera de abelha, mesmo assim não tínhamos certeza de que isso seria suficiente para barrar o veneno. ― Ele sorriu. ― Mas já removi tudo, fique sossegada.

Trocaram um beijo apaixonado. Um gesto de amor e cari­nho, mas também de união, concordância e alívio. Desmond estava radiante: agora ela era sua de verdade, para todas as circunstâncias que adviessem. Pena que não pudesse possuí-la ali no jardim do labirinto, como da primeira vez...

― Venha, Aislin, precisamos nos apressar. Não podemos deixar que o assassino de Sevenoaks nos escape.

De mãos dadas, embrenharam-se pela passagem secreta e, ao atingirem o local onde o corredor se bifurcava em direção aos aposentos do castelão ou da castelã, rumaram para o dor­mitório de Aislin. Uma vez no amplo cômodo, foram juntos até a porta para abri-la somente uma fresta.

Pouco depois, ouviam o ruído de botas pelo corredor. Era Giles. Após olhar rapidamente ao redor, o abade tomou na mão o crucifixo de ouro que lhe pendia do pescoço e com a haste longa da peça abriu a fechadura da câmara do lorde para em seguida desaparecer lá dentro. No instante seguinte Desmond escancarava a porta do dormitório de sua esposa.

― Agora vamos saber o que tanto ele faz lá dentro.

Entrelaçando os dedos aos de Aislin, trouxe-a consigo pelo corredor até deter-se diante de seus aposentos, então soltou a mão dela e fez um sinal pedindo-lhe que permanecesse ali.

Antes que ela se pusesse a protestar, Desmond entreabriu a porta o suficiente para conseguir passar pela fresta e deslizou para o interior do dormitório com o corpo colado à parede.

Lá dentro Giles continuava absorto em seus esforços de, com um vergalhão estreito, sondar as pedras do piso ao lado da lareira. À luz tremulante da vela, suas feições já demais por si descarnadas faziam lembrar um demônio. Fosse o tesouro um fato ou uma lenda, era evidente que o abade acreditava piamente na existência daquelas riquezas. Do mesmo modo como julgava que o respeito, o poder e a fortuna incalculável de que dispunha não lhe eram suficientes.

― Giles ― Desmond o chamou num tom suave.

O clérigo levantou a cabeça e espreitou à sua volta, como se não estivesse certo de ter ouvido alguma coisa.

― Giles, abade de Tunbridge Wells ― disse Desmond um pouco mais alto.

Com o rosto transformado numa máscara aterrorizada, Giles virou-se com o vergalhão erguido no ar.

― Giles, o assassino, o envenenador, o mentiroso. ― Des­mond foi se colocar diante dele.

― Não, você está morto. Não poderia ter sobrevivido.

― De fato, você me tocou com sua luva coberta de veneno, sua arma de morte. Mas eis que estou aqui. Tive mais sorte do que os outros quatro, não é verdade? Diga-me, Giles: por quê?

― Você não iria entender. ― O religioso apertou os olhos. ― É um homem que se dispõe a obedecer ao rei, por mais ultrajantes que sejam as ordens dele.

― E você, abade, que tipo de homem é?

― Tenho lutado para derrubar a monarquia. Tenho me empenhado para tornar a Igreja e as Cruzadas mais poderosas do que o rei. Henrique é um bronco, como o pai. Sem-Terra perdeu metade da França, e o guerreiro irmão dele não passou mais do que um par de meses na Inglaterra enquanto corria atrás de rapazes bonitos e confrontos armados. Não quero mais que um só homem detenha o poder, e há outros como eu que acreditam que um governo do parlamento será melhor para todos. Para isso, preciso de dinheiro.

― Mas você é muito rico.

― Como pode saber quanto custa derrubar um rei? ― Giles riu. ― É preciso tudo o que tenho e muito mais. Só me falta encontrar o tesouro de que Theron falava para que a Inglaterra seja um lugar melhor. Deixe-me procurá-lo... Procure comigo. Você irá ajudar uma causa nobre.

― Não, Giles, você foi longe demais quando tentou fazer mal a Aislin. Posso fazer vista grossa a uma série de coisas, mas jamais poderia deixar passar um pecado como aquele.

― Ah, sempre pomposo, não? Pois não se iluda, barão: você não sairá vivo deste aposento. E sua esposa não demorará a lhe fazer companhia, afinal ela já prometeu Sevenoaks à Igreja. E quando Henrique vier a inteirar-se da tragédia que se abateu sobre este castelo, eu já terei descoberto o tesouro.

Assim que Giles ergueu o vergalhão no ar, Desmond inves­tiu contra o clérigo. O golpe chegou a atingi-lo no pescoço, mesmo assim ele conseguiu derrubar Giles sobre um baú de roupas aberto e ir resgatar a adaga que deixara junto da arma­dura. Mas ao virar-se, Desmond se deparou com o punhal que o abade brandia em sua direção.

― Por que quis ferir Aislin afirmando que ela era amaldi­çoada e odiada por sua gente, Giles?

― Minha intenção não era feri-la, e sim fazê-la submeter-se a mim e a tudo o que eu dizia. Eu precisava tirá-la do meu caminho para poder procurar o tesouro sem que ninguém me incomodasse, não concorda comigo?

― Por isso inventou todas aquelas mentiras... Não teria sido mais fácil pedir a permissão de Aislin para investigar estes aposentos?

Por um momento o rosto de Giles ficou destituído de qual­quer expressão, como se aquela fosse a primeira vez que ele cogitasse tal possibilidade. Desmond aproveitou-se daquele instante de hesitação para lançar-se contra o clérigo, mas aca­bou escorregando numa peça de roupa caída no chão. Ao vê-lo a ponto de perder o equilíbrio, Giles agarrou-o pelo pescoço.

— Agora você vai morrer de verdade, barão.

Deixando o refúgio de onde assistia à cena macabra, Aislin saltou às costas do primo para cravar-lhe um punhal entre as costelas. Com os olhos esbugalhados, Giles largou o pescoço de Desmond e tombou ao chão sem um suspiro.

― Ele está morto? ― indagou Aislin, os olhos fixos no homem que amara e em quem confiara desde menina.

Desmond abaixou-se para tocar o pescoço do abade em bus­ca de um sinal de pulsação.

― Sim, ele está morto.

― Agora Theron e os outros que ele matou poderão des­cansar em paz.

Coy e alguns guardas levaram o corpo de Giles para a capela. Ele, as magas e alguns cavaleiros de Mereworth achavam-se no corredor quando o abade confessara seus delitos, e esse testemunho seria mais do suficiente para que Henrique se con­vencesse da culpabilidade do religioso que pretendia apeá-lo do trono.

Agora, já na paz dos aposentos da castelã, Desmond estrei­tava sua esposa junto ao peito.

― Não chore, minha bela. Você fez justiça. Giles era um assassino.

― Não é por ele que estou chorando, e sim pela aflição de pensar que você também poderia estar morto.

― Ah, Aislin... Creio que não me resta outro caminho senão amar você. ― Ele sorriu para si. ― Sim, seria tolice continuar negando o quanto a amo. E que vou continuar a amá-la e a cuidar de você todos os dias, até o fim de meus dias.

Erguendo a cabeça, Aislin fitou-o com olhos tão surpresos quanto sonhadores.

― Nada neste mundo poderia me fazer mais feliz, meu lorde.

― O verdadeiro tesouro de Sevenoaks está aqui, entre meus braços. Eu sempre soube disso. Aquele que tem seu amor e seu coração não necessita de nenhuma outra riqueza.

Desmond beijou-a apaixonadamente. Lá fora, o amanhecer se derramava sobre as ásperas muralhas de Sevenoaks.

Epílogo

Ao chegar ao coração do labirinto, onde foi recebido pelo perfume das flores da noite, Desmond levou o olhar ao relógio de sol e ao banco de pedra junto do dispositivo. Era lá que sua esposa esperava por ele.

O rei havia se inteirado dos delitos de Giles, o corpo do abade fora levado para sepultamento em Tunbridge Wells, e lady Margaret já conseguia alimentar-se sozinha.

― Tudo acabou bem, não é mesmo? ― comentou Aislin, assim que Desmond sentou-se no banco e entrelaçou os dedos aos dela.

A lufada de brisa que passava por ali agitou as folhagens num murmúrio indolente. Uma nuvem se sobrepôs à lua e, por alguns instantes, o labirinto ficou mergulhado em misteriosa penumbra. Logo a seguir, porém, a nuvem prosseguiu seu ca­minho e a lua voltou a agasalhar o jardim secreto com seu manto prateado.

De repente foi como se a claridade que incidia na superfície metálica do relógio de sol se dividisse, criando novos feixes de luar que foram se projetar no muro do castelo. Ali, uma pedra cintilou mais do que as outras. Desmond e Aislin se entreolharam e, numa só voz, puseram-se a recitar:

― A ocasião propícia surge à lua inteira / Renuncia às estrelas e leva teu lume.

― Renunciar às estrelas seria o mesmo que ir lá para dentro ― deduziu Desmond.

― Leva teu lume... Você tem uma vela?

― Não.


― Vá buscá-la na passagem secreta, por favor.

Aislin correu à passagem e pegou a primeira vela que viu pela frente, depois foi para junto de seu esposo. Ele passava os dedos pela pedra que ambos tinham visto cintilar.

― Veja, há uma pequena alavanca de ferro aqui. ― Des­mond a puxou.

Uma outra porta, encoberta pelas videiras, abriu-se com um ruído áspero.

― Theron não me falou disto aqui ― disse Aislin num sus­surro.

― O lorde e a dama compartilham o gume... Gume... o lado afiado de uma faca... e também a malícia, a sagacidade... O lorde e a dama atuam juntos... Venha, Aislin, vamos ver aonde isto vai dar.

Sinuoso, o corredor estava coberto de poeira e teias de ara­nha. A passagem terminava abruptamente. À procura de outra alavanca, Desmond correu as mãos pelo teto e pelas paredes enquanto Aislin erguia a vela no ar.

― Veja aquele desenho ali no alto ― ela indicou. ― O que é aquilo?

Ele tomou da vela para examinar o local que Aislin apontara.

Os desenhos gravados na pedra pareciam... mãos. Duas mãos, uma menor do que a outra.

― O lorde e a dama compartilham... Coloque sua mão aqui, Aislin. Vou colocar a minha sobre o outro desenho. Agora... Empurre.

No instante seguinte ouviram o ranger de engrenagens que havia muito não se moviam, seguido pelo ruído de pedra atritando contra pedra. Salpicando pó para todos os lados, a parede à frente deles começou a girar sobre si mesma.

Boquiabertos, Aislin e Desmond ficaram a admirar a pro­fusão de jóias, pérolas, pedras preciosas, ouro e prata descor­tinada diante de seus olhos. Um verdadeiro tesouro, de valor inestimável.

― Oh, Desmond... Você encontrou o tesouro de Sevenoaks!



Estreitando-a junto ao peito, ele a beijou. Aislin tinha gosto de espanto e júbilo.

― Concordo, minha bela. Encontrei, sim, o tesouro mais precioso de todos, o único que realmente me importa: você. Você, minha adorada dama.
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