A dama Do Labirinto



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Capítulo III

Com Pointisbright nos braços, Aislin caminhava tão depres­sa pela passagem secreta que quase ia resvalando nas velas que iluminavam o caminho. Nunca havia encontrado ninguém no labirinto, nem uma única vez sequer. Somente ela conhecia aquele estreito corredor que ligava seus aposentos ao lado de fora do castelo. Theron tinha jurado que ninguém mais sabia da existência do labirinto de arbusto. Em todos aqueles anos, nem uma só pessoa havia descoberto o acesso ao jardim oculto.

— A não ser Desmond Vaudry du Luc — disse a si mesma. — Ele é um homem raro. Mas saberá guardar um segredo? Ou estará contando tudo ao amigo neste exato momento?

Se o labirinto fosse descoberto, não demoraria a que as pas­sagens secretas também o fossem. Theron a fizera prometer que jamais revelaria os segredos de Sevenoaks a ninguém. Ela não sabia por que, porém empenhara sua palavra e precisava mantê-la a qualquer custo.

Ofegante, Aislin dobrou a última curva do corredor e pôs-se a subir os degraus de volta aos aposentos da castelã. Após abrir o painel deslizante e cruzá-lo, girou a pesada argola de ferro pelo lado de dentro de seu dormitório, fazendo a escura pas­sagem desaparecer como por magia. O aposento estava como o tinha deixado, à exceção do fogo na lareira, agora mais cinzas do que achas incandescentes. A porta que dava para o corredor interno continuava trancada com a barra de madeira, o que assegurava que ninguém estivera ali na sua ausência.

Ao lembrar o rosto de Desmond, ela suspirou; sua pele ainda trazia o calor do toque dele, seus lábios ainda guardavam a sensação do beijo roubado. Empurrando o pesado manto dos ombros para deixá-lo cair sobre o piso de pedras, tratou de ignorar que tinha a mão trêmula. Depois de colocar Pointisbright no chão, sacudiu a cabeça com força. Em pesadas ma­deixas, seus cabelos tombaram-lhe pelas costas, as pontas ane­ladas cobrindo a parte traseira de seu cinto de castelã.

Pointisbright saltou para a cama, acomodando-se entre as peles.

— Ninguém tem como saber que deixei meus aposentos. Des­mond não sabe quem sou, pois eu não lhe disse meu nome. Ele não sabe que sou Aislin, a amaldiçoada, com quem lhe orde­naram casar-se. A mulher que certamente irá levá-lo à morte.

Ela tinha como salvá-lo: bastaria nunca mais tornar a vê-lo. Só que seu coração ansiava por estar próximo àquele homem novamente. O mais breve possível.

Por diversas vezes em seguida Desmond viu-se num corre­dor sem saída, diante de uma espessa parede de folhas e espi­nhos, sem outra opção senão retroceder sobre seus passos e experimentar um caminho diferente. O tempo passava, e ele continuava a dobrar nessa e naquela direção na tentativa de libertar-se da emaranhada e sólida sebe. O fato de Coy ter deixado de chamá-lo para talvez ir procurá-lo no interior do castelo o levava a perguntar-se se por acaso não estaria perdido naquele labirinto de cerca-viva pelo resto de seus dias.

O que era força de expressão, evidentemente, pois se o pior acontecesse, poderia simplesmente usar de sua adaga para ras­gar uma saída através daquela muralha de plantas. Essa, porém, seria sua última opção, não fazia sentido estragar aquela bela obra de arte constituída a partir da vegetação. Além do quê, mais interessante do que destruí-lo seria solucionar o enigma e vencer o labirinto.

— Quero provar a mim mesmo que sou capaz de me orientar por este entrelaçado de caminhos, já que assim poderei retor­nar outras vezes. Porque meu desejo é voltar a este jardim para desfrutar da companhia da cativante donzela que rubo­riza tão graciosamente ao mesmo tempo em que desdenha da minha companhia. E pensar que ela sumiu daqui num piscar de olhos... Estranho. Muito estranho.

Caminhando por esse corredor e por aquele, tratou de se concentrar no percurso que fazia a fim de memorizá-lo. Sempre que errava a saída, começava tudo de novo. E assim continuou por mais um bom espaço de tempo.

A lua já se achava num ponto bem baixo do céu quando Desmond enfim emergiu do emaranhado de corredores. Apesar do cansaço, ele se afastou alguns passos para estudar a compacta massa de sebe. A entrada para o labirinto era de fato bastante bem dissimulada... Ou melhor, praticamente invisível. Tratava-se de um artifício engenhoso: a parede exterior do emaranhado de alamedas formadas por videiras em flor e cerca-viva se confundia com o sólido muro de pedras sobre o qual se debruçava. Admirável. O trabalho fora executado com mestria.

Não seria de se admirar se, como a jovem tímida dissera, ninguém soubesse da existência daquele labirinto. Mas então como ela sabia? E por que lhe implorara para não contar a mais ninguém? Quanto mais pensava nela, mais se convencia de que havia outros mistérios a cercá-la além daqueles ocultos em seus olhos suplicantes.

— Preciso vê-la outra vez. — Desmond ergueu o olhar às estrelas no firmamento. — Guardarei seu segredo, e este será nosso pacto de confiança. Quando a noite chegar novamente, estarei esperando por ela no coração do jardim sob a magia das estrelas.

O abade de Tunbridge Wells não havia exagerado ao se referir aos confortos dos aposentos destinados ao castelão da fortaleza. O desenho, a decoração, as comodidades e a priva­cidade eram únicos. Em nenhum outro lugar, nem mesmo em Mereworth, desfrutava-se do luxo de instalações sanitárias tão bem concebidas, as reservadas ao senhor de Sevenoaks eram protegidas do restante do aposento por uma parede de pedras e gesso.

Theron, ao que tudo indicava, fora um lorde de gosto raro e talentos bastante incomuns. Do dossel sustentado por pilares que se erguiam a partir dos pés do grande leito pendia um cortinado tão elegante quanto bonito. Pequenas arcas se ali­nhavam junto às paredes. Sobre a vistosa cômoda entalhada em madeira ficava um jarro cinzelado em prata nobre e uma bacia que lhe fazia par. Uma das paredes era enfeitada por bonitos painéis de madeira; num deles o artesão gravara dese­nhos que lembravam pessoas a dançar sob a lua crescente, noutro as imagens retratavam cavaleiros em marcha rumo a algum confronto.

Desmond não demorou a concluir que o peculiar costume de Sevenoaks de reservar aposentos particulares para seu castelão tinha outro ponto a seu favor: poupá-lo de passar a noite ouvindo o ronco e os murmúrios de pajens e criados. Certa­mente fora por isso e tudo o mais que ele acordara descansado e bem-disposto como havia muito não se sentia.

Ao deixar seus aposentos, reparou que o corredor de pedras também se achava deserto, fresco e silencioso. A estranha Se­venoaks começava a cair no seu agrado. Parecia que a fortaleza tinha muito a oferecer, de donzelas misteriosas a um isolamen­to reconfortante...

Assim que girou a grande chave de ferro no espelho de fe­chaduras da porta de seu dormitório, Desmond ouviu o rústico mecanismo do ferrolho assentar-se com firmeza no lugar, então ergueu entre os dedos a chave que trazia presa a uma tira de couro no cinturão de sua adaga. Após examiná-la por alguns instantes, deixou que seu olhar escorregasse até a outra porta que havia naquele piso do castelo: a dos aposentos da castelã. Estava fechada, assim como na noite anterior, quando ele viera se deitar.

— Parece que a idosa Aislin ainda se encontra acamada — murmurou consigo. — Nosso encontro terá de ser postergado mais uma vez.

Um perverso arrepio de alívio percorreu-o de cima a baixo. Se antes já não estava nem um pouco ansioso por conhecer sua noiva decrépita, agora, depois que a bela jovem despertara seu interesse à luz do luar, menos ainda. Se dependesse de sua vontade, aquele encontro com a castelã de Sevenoaks seria adiado indefinidamente.

Desmond ainda cogitava essa possibilidade quando um mia­do se interpôs entre seus pensamentos. Após se aproximar com seu elegante caminhar felino, Pointisbright se pôs a passar de um lado para outro por entre os calcanhares dele.

— Ah, meu amigo mal-humorado. — Ignorando que o ar­ranhão em sua mão ainda estava bastante dolorido, Desmond pegou o gato no colo e acariciou-lhe o pêlo até que o animalzinho começasse a ronronar. — Quer dizer então que você se comporta como um bichano muito camarada quando não estou roubando beijos, é? Onde está sua linda dona? Lá embaixo, fazendo o desjejum? O que acha de saltar no colo dela para me mostrar quem ela é?

Como em resposta, Pointisbright ronronou ainda mais alto. Desmond riu. De repente se via ansioso por misturar-se entre as pessoas que habitavam Sevenoaks. Com um pouco de sorte, poderia descobrir quem era a misteriosa dama do labirinto. Seria ela tão bela à luz do dia, ou a noite lhe pregara uma peça? A deliciosa tentação evocada pelos arredores e pelas circuns­tâncias daquele encontro resistiria a uma manhã de sol?

Com um suspiro, ele colocou o gato de novo no chão.

— Vá, leve-me até sua dona. Conduza-me à dama da noite.

Pointisbright lançou-lhe um olhar que indicava pura teimo­sia e, em vez de descer a escadaria rumo ao salão de refeições, partiu correndo para um nicho encravado na parede do corre­dor, não muito distante dali. Lá, deitou-se sobre as patinhas e fechou os olhos, deixando claro que, no que dependesse dele, não haveria revelação alguma naquela manhã.

Agora bem menos animado, Desmond arrastou-se em direção à escadaria.

O salão nobre parecia uma colméia em plena atividade. Um grande número de cavaleiros, criados e guardas, além da co­mitiva vinda de Mereworth, quebrava o longo jejum da noite com pão e cerveja. As mulheres sentavam-se juntas em várias mesas. Desmond examinou-as uma por uma, mas nenhuma delas lhe pareceu familiar. Nenhuma era a linda donzela da noite anterior.

Coy se achava à longa mesa disposta sobre o tablado do outro lado do salão, ao lado da cadeira mais alta e toda traba­lhada: a cadeira do senhor do castelo. Que estava ocupada pelo abade de Tunbridge Wells.

Desmond viu-se tomado por profundo mal-estar. O clérigo evidentemente fazia às vezes de castelão da fortaleza enquanto Aislin se mantinha trancada em seus aposentos. Não havia por que aborrecer-se com isso, mas custava-lhe encarar o fato com naturalidade. Ainda não era o verdadeiro senhor de Sevenoaks, nem o seria antes de desposar Aislin, mesmo assim ver o abade refestelado naquela cadeira mexia com seus brios.

Pois a verdade era uma só: desejava Sevenoaks para si. Essa constatação, ocorrida num momento de fria clareza, deixou-o estupefato. Cobiçava aquele castelo e tudo o que havia nele. Não era mais uma questão do que Henrique ordenava ou dei­xava de ordenar, ele, Desmond, queria aquela propriedade com seus jardins secretos e singulares aposentos. Só que para pos­suí-la por fato e direito, teria de casar-se com a idosa castelã.

Mas o que iria fazer com relação à dama do labirinto depois que tomasse Aislin por esposa?

Desmond ainda tentava apaziguar o estranho conflito de emoções que o acometia quando ouviu o abade declarar:

— Meu lorde barão, espero que tenha dormido bem. — Giles trazia um sorriso satisfeito no rosto rubicundo, e não se levantou da cadeira que havia usurpado. — Seus aposentos lhe pareceram solitários demais para o seu gosto?

— A solidão foi revigorante-. — Com o cenho carregado, Desmond puxou a cadeira destinada à castelã de Sevenoaks e sentou-se à esquerda do clérigo. — Vejo que este assento se encontrava desocupado.

Se o abade de Tunbridge Wells percebeu a irritação dele, foi um mestre na arte de dissimular o que pensava: após sorrir com brandura, simplesmente comeu um figo. E só depois de alguns instantes voltou a falar:

— Peço-lhe que conceda mais alguns dias de descanso à minha prima enquanto você se acomoda aqui em Sevenoaks. — Partindo um pedaço de pão branco, Giles o mergulhou em sua taça de vinho. — Ela tem uma alma delicada e ainda pran­teia a morte do último esposo.

— Não é minha intenção causar mais pesar à viúva abre­viando-lhe seu período de luto. — Desmond fez um gesto afir­mativo ao criado que lhe oferecia um cálice da bebida. — Mas não se iluda, abade. Henrique determinou que eu a desposasse e tomasse posse desta fortaleza. Minha lealdade ao rei me im­põe fazer o que me foi ordenado, custe o que custar.

Giles pestanejou.

Certamente, barão. Peço perdão se por acaso o ofendi, Eu jamais me oporia à vontade do rei, mesmo que...

Desmond ergueu a mão num gesto de impaciência. O clérigo agora o incomodava por motivos que ele não sabia definir nem explicar. De súbito, vieram-lhe à mente as histórias sobre a ambição de Giles. Dizia-se que a ganância daquele homem não conhecia limites.

— Não costumo me ofender por qualquer coisa, abade. Sou um homem que fala às claras o que pensa e espero que todos aqueles à minha volta façam o mesmo. Se você tiver algo a dizer a respeito do meu casamento com sua prima, dou-lhe a oportunidade de manifestar-se neste momento.

— Você é um homem generoso. — Giles tomou um gole de sua taça. — Minha única preocupação, evidentemente, é com relação ao bem-estar e à felicidade de minha prima Aislin. Ela já sofreu muito.

— Então pode ficar tranqüilo, pois não pretendo nada além de fazer a vontade do rei. Não é minha intenção causar algum tipo de embaraço a Aislin. Assim que o casamento estiver ce­lebrado e consumado, ela pode continuar a levar a vida como antes.

— Está dizendo que não pretende obrigá-la a cumprir os votos núpciais? — Giles tinha a testa franzida de um modo quase cômico.

— Estou dizendo que não pretendo controlar a vida dela. Desde que nós dois façamos o que Henrique nos designou, não vejo por que não poderíamos nos dar bem. Aislin verá que sou um companheiro afável. Na verdade, com Mereworth a pouca distância daqui, é provável que eu passe a maior parte do tempo por lá e de lá acompanhe o que se passa por Sevenoaks. É evidente que a pessoa que vem administrando este castelo está mais do que apta a fazê-lo.

— Ah, eu não esperava essa atitude de sua parte, barão.

— É estranho que diga isso. Como você poderia ter alguma expectativa a meu respeito? — Desmond esticou o braço na direção de sua taça, porém seus dedos se fecharam no vazio: seu vinho fora parar na mão de Coy. — Por todos os santos, Coy! Estou começando a achar que você esqueceu os bons modos que tinha. Devolva-me essa maldita taça.

Primeiro Coy demonstrou levar um susto, em seguida apa­rentou preocupação, então o cálice escorregou de seus dedos. Um líquido claro se espalhou pela fina toalha de linho que cobria a mesa antes de começar a pingar sobre o piso coberto de junco. Erguendo-se num pulo, Desmond se pôs a limpar o vinho que ensopava sua túnica e as calças estreitas que lhe iam da cintura à ponta dos pés. Ao lado dele Giles também tentava secar-se, afastando o compacto crucifixo de ouro das marcas rosadas em suas vestes.

— Coy, encontre-me no pátio sem demora. Algo me diz que você precisa afiar seus reflexos por meio dos exercícios com a espada, pois anda tão desastrado quanto um novilho recém-nascido. — Sem conseguir livrar-se da impressão de que seu amigo deixara a taça cair de propósito, ele emendou: — A menos que haja algum outro motivo para tanta incivilidade?

— Não, meu lorde. Você tem razão: faz muito tempo que não empunho uma espada — Coy concordou prontamente.

Tão prontamente que Desmond se admirou.

— Aislin, abra a porta. Precisamos conversar.

Ela ergueu a barra que atravessava a porta de um lado a outro para admitir o primo em seus aposentos.

— Bom dia, Giles. Como tem passado? — Aislin estranhou as manchas úmidas pelas vestes clericais, pois sabia que ele odiava ser visto com uma aparência menos do que impecável.

— Você precisa abandonar essas idéias tolas, Aislin. E ca­sar-se com Desmond Vaudry du Luc imediatamente.

— Não, Giles. Não vou me casar com ele.

— Olhe, eu falei com o barão ainda há pouco, e ele me garantiu que retornará a Mereworth assim que a boda for ce­lebrada e consumada. — Giles deu um sorriso largo, como se a notícia fosse motivo de grande satisfação.

— O que você está dizendo? Que ele se casará comigo ape­nas para acatar um decreto do rei?

— É o que tudo indica. O barão deu a entender que não se interessa por Sevenoaks. A bem da verdade, ele não parece interessado nem mesmo numa esposa. — Giles uniu as palmas das mãos. — Pense bem, Aislin. Você se casa com Desmond e ele vai embora, deixando-a livre para fazer o que bem lhe aprouver e liberta das exigências do rei. O que poderia ser melhor para você?

— Não, Giles, isso não me agrada. Você esquece que ne­nhum dos meus maridos jamais continuou vivo para rever a luz do dia após o casamento. Por que acredita que com Desmond Vaudry du Luc haveria de ser diferente?

Aislin avançava pela passagem secreta que ligava seus apo­sentos aos aposentos do castelão de Sevenoaks... a câmara que Desmond Vaudry du Luc vinha utilizando como dormitório.

Depois que Giles se fora, vira-se atormentada por emoções dolorosas. Desejava ver Desmond novamente, mas não queria colocar a vida dele em perigo. Por conta dessa contradição, algo a impelira a ir buscar uma solução nos aposentos que ele ocupava.

Ao deparar-se com um obstáculo, correu os dedos pela pa­rede até encontrar a argola de ferro. Girou-a e ouviu o pesado pino soltar-se. O painel entalhado com imagens de cavaleiros em marcha deslizou para o espaço vazio cinzelado na parede de pedras. Com Pointisbright em seus calcanhares, ela então emergiu escuridão para o espaçoso e ensolarado aposento. Fa­zia anos que não ia àquela câmara de seu castelo. Simplesmen­te porque não havia o que a atraísse para lá... Até encontrar Desmond no labirinto e ele lhe aprisionar os pensamentos.

Com um suspiro, olhou ao redor. Uns poucos objetos pes­soais achavam-se espalhados de qualquer maneira pelo am­biente. Uma armadura fora escorada sem muito cuidado de encontro a uma arca baixa e larga. Ainda que limpa e reluzente, a proteção metálica tinha marcas de golpes e sinais de batalha renhida.

Sentindo-se uma criança malcriada, Aislin continuou a ob­servar e a tocar alguns pertences. Quando ergueu a tampa do estojo de marfim em cima da arca junto aos pés da cama, en­controu umas poucas jóias e uma bolsinha de pelica. Mas o que realmente atraiu sua atenção foi uma pedra em particular, sem nenhuma lapidação. Incapaz de resistir ao impulso, ela tomou a gema na mão. Refletindo a claridade do sol que entrava pela janela, a pedra devolvia o feixe luminoso em mais de mil pontos de luz colorida.

— Veja, Pointisbright: é linda como um arco-íris.

No mesmo instante o grande gato alaranjado saltou para a cama em busca de melhor admirar o que sua dona tinha entre os dedos. E foi logo esticando a patinha em direção à mão dela.

— Nada disso, bichano. Isto aqui não é para você.

O retinir de espadas que se chocavam no ar levou-a a de­volver o cristal ao estojo. Pé ante pé, Aislin aproximou-se de uma janela que estava aberta. Lá embaixo, no gramado, um grupo de homens e rapazinhos brandia espadas. Algumas eram toscas, feitas de madeira, outras eram de metal porém tinham o gume sem fio e as pontas cegas, o que indicava que só ser­viam para treinar. Desde a morte de Theron que ela não assistia a exercícios como aquele, uma atividade que apreciava muito, pois gostava de ver o entusiasmo dos homens que disputavam as competições de força e flexibilidade.

Uma barreira feita de sacas e feno fora erguida à esquerda da área escolhida para o treinamento. Cavaleiros ágeis se re­vezavam na missão de desferir estocadas contra o obstáculo e tentar escapar antes de serem golpeados por "inimigos" que investiam contra eles de surpresa. Aislin não conseguiu deixar de sorrir quando um deles, tomado de assalto, despencou do cavalo e estatelou-se no chão, largando-se esparramado ali com a expressão de uma criança de quem tivessem tirado o brinquedo.

— Não fique assim tão carrancudo, rapaz. Até o melhor dos cavaleiros já sentiu gosto de terra na boca — um homem ten­tava animá-lo entre risadas.

Desmond Vaudry du Luc. O barão com quem o rei lhe or­denara casar-se.

O coração dela deu um pulo. Jovial, intensa, sincera, a risada de Desmond expressava companheirismo e afeição. E ele era mais encantador à luz do dia do que parecera à claridade do luar.

— Você se saiu bastante bem, Gwillem. — Depois de fincar a espada na terra, ele ofereceu a mão ao rapaz caído no chão. — Venha, ponha-se em pé e deixe-me ver se está ferido.

Sem perceber que o fazia, Aislin debruçou-se sobre o estreito peitoril de pedra queimada para melhor assistir à cena que transcorria a uma boa distância de seus olhos. A brisa quente que lhe acariciava o rosto e agitava-lhe os cabelos tam­bém trazia aos seus ouvidos as risadas e as palavras amáveis de Desmond para com os companheiros.

— Gwillem, trate de se animar. Aposto que amanhã você se sairá melhor ainda, afinal hoje foi sua primeira experiência com a barreira.

— Mas deixei que me tirassem da garupa de meu cavalo, milorde. — O rapaz esfregava a parte posterior da cabeça.

— Da próxima vez você saberá de que ameaças deverá se proteger. — Segurando no queixo dele, Desmond o fez virar a cabeça para um lado e para outro, em seguida para baixo e para cima. — O aprendizado às vezes nos causa algumas dores.

— De fato, milorde. Muitas dores, eu diria.

Batendo no ombro de Gwillem, Desmond tornou a rir. En­quanto isso, a uma das janelas dos aposentos do castelão, Aislin sentia o coração prestes a lhe estourar o peito. Ele era tão forte e ao mesmo tempo tão delicado! Deus, tratava-se de um homem extremamente incomum. Era impossível tirar os olhos dele.

— Sua investida foi bastante boa, ainda que um tanto audaciosa. — Desmond afastou uma mecha de cabelo da testa do rapazote. — Basta que você acerte um único golpe, bem dado, para derrubar seu oponente do cavalo e ter tempo de se preparar para o revide.

Aislin sentia os joelhos moles como geléia. A lembrança do toque dele ainda estava viva em sua pele.

— E quando ele me beijou... — ela sussurrou. — Por todos os santos, pensei que fosse morrer!

Ao longe, Desmond tornava a rir. Ao lhe banhar os cabelos de dourado, o sol lhe conferia uma aura quase sobrenatural. Como uma divindade pagã, ele arrancou do solo a espada que ali havia fincado. Brandiu-a para lá e para cá, rasgando o ar com zunidos secos. A cada movimento, seu punho largo de­notava grande força e maleabilidade. Suas mãos prometiam prazeres pecaminosos, delícias com as quais uma mulher como ela não tinha o direito de sonhar.

Um outro homem, moreno e mais magro, surgiu à margem da área de treinamento. Também ele portava uma espada.

— Ah, eis que enfim você aparece para cumprir seu castigo, Coy.

O sorriso largo com que Desmond saudava o amigo parecia capaz de trespassai- o coração dela. Como era possível que aque­le homem tivesse lhe conquistado completamente a alma após um único encontro? O que havia nele que fazia seu sangue zumbir de desejo e sua mente cobiçar algo que não poderia ter?

— Venha, Coy, mas seja cauteloso, pois hoje você me pa­rece mais desastrado do que de costume. E se eu não tomar cuidado, irei acabar com seu fígado na ponta de minha espada antes que me dê conta do que está acontecendo.

Coy. Então aquele era o amigo que estivera procurando pelo barão na noite passada. Oh, que ele não tivesse revelado o segredo do labirinto...

— É chegada a hora de prestar contas, patife. Nem quando era um rapazola inexperiente você se mostrava tão descuidado como tem andado desde que chegamos aqui. Ou será que há algo por trás desse seu comportamento negligente?

— Veja, já estou pronto para enfrentá-lo espada a espada. — Coy evitava a pergunta e fazia uma saudação com a arma que tinha na mão.

Aislin não entendia a graça que os homens viam em exer­cícios nos quais tinham de investir uns contra os outros com espadas, clavas e punhais, mas aqueles dois em particular di­vertiam-se como crianças enquanto se desafiavam no meio do campo de treinamento. Não demorou a que todos os jovens escudeiros e demais residentes do castelo acorressem ao local, colocando-se ombro a ombro à volta de ambos com gritos de encorajamento a um e a outro ou aos dois.

― Ele tem prazer em viver — Aislin murmurou consigo. ― Diverte-se e encontra motivos para ser feliz numa manhã de verão como nenhum outro homem que já conheci. Ou será que é tão alegre e bem-disposto porque sabe que é jovem e tem a vida inteira pela frente? Será que se julga imortal, como aparenta ser?

E então Desmond despiu a túnica que vestia, permitindo ao sol deslizar por seu peito largo e musculoso, por seu abdome rígido e seco. Partes do corpo de Aislin que ela julgava ador­mecidas saltaram à vida: seus seios ficaram túmidos e pesados, seu baixo-ventre se inflamou. Jesus, ele era tão belo. E ela o desejava tanto...

Mas se o desposar ele irá morrer, lembrou-a a voz sombria que habitava as profundezas de seu ser.

Apesar de tudo, Aislin continuou a mirá-lo com olhos pre­nhes de cobiça e desejo. Desmond Vaudry du Luc era o marido com que sempre sonhara. A simples idéia de que pudesse ser declarada sua esposa e fazer amor com ele a deixava trêmula da cabeça aos pés. Gostava muito do físico bem-feito, do rosto, dos modos e das atitudes de Desmond. Ele a excitava, provo­ca-lhe desejos carnais que ela não confessaria nem mesmo a Giles.

― Mas se ele se casar comigo sua vida terá fim. Se eu fizer o que Henrique ordenou, então aquele belo homem perecerá como a chama de uma vela que sucumbe a uma lufada de vento.

Desmond e Coy lançavam-se um contra o outro com bra­vatas provocadoras, suas espadas sibilando ao encontrarem-se aparando investidas. O choque de metal contra metal retinia pelo ar a cada golpe. Como que hipnotizada pela cena que se descortinava no gramado, Aislin agarrava o peitoril da janela com ambas as mãos.

― Desmond é tão descuidado, Pointisbright!... Veja só co­mo ele se arrisca. Ainda há pouco quase foi atingido pela arma do amigo.

Após se abaixar, ele se lançou em novo contra-ataque. Coy deu um passo para trás, girou sobre si e logo em seguida revi­dou o golpe, a ponta de sua espada numa linha reta em direção ao coração de seu oponente.

― Cuidado, Desmond! ― gritou Aislin.

Ele, porém, não precisou mais do que um ligeiro movimento do punho para mandar a arma de Coy pelos ares. E enquanto era saudado por uma salva de palmas e bramidos, tinha os olhos a varrer a torre à procura da mulher que gritara seu nome.

Aislin se afastou da janela com um pulo. Mas era tarde de­mais: Desmond a vira ali.

Com o coração na garganta e tremendo ao ponto de arfar, ela correu a deixar o dormitório do castelão da mesma maneira como chegara até ali. Senhor, como pudera ser tão descuidada?

― É impressão minha ou você está examinando atentamente uma das janelas dos aposentos do lorde? ― indagou Coy, tam­bém ele olhando para lá.

Desmond meneou a cabeça para indicar que sim.

― Posso saber por quê? ― Coy agora olhava para ele. Largando a espada, Desmond disparou em direção à forta­leza. O amigo foi atrás dele.

― Desmond, o que foi que você viu naquela janela?

― Um vulto. Um vulto de mulher. E uma torrente de cabelos avermelhados.

― É mesmo? Alguém que você conhece? ― Coy não pa­recia muito convencido. ― Nos seus aposentos?

― Sim.

― Mas os aposentos do castelão não ficam sempre tran­cados?



― E há uma única chave capaz de abrir aquela porta... Ou pelo menos era isso que queriam que eu pensasse. Mas vou descobrir o que está acontecendo e de que modo o vulto de uma mulher surgiu àquela janela.

No pátio do castelo, ignorando os olhares admirados que recebia, Desmond passou por entre as senhoras que recolhiam bambus velhos usados na iluminação e desviou dos rapazinhos que carregavam cestas de lenha para as lareiras.

― Barão? Algo não está bem? ― indagou o abade de Cunbridge Wells ao ver o noivo de sua prima passar por ele como um pé de vento.

Sem a menor disposição para dar satisfações ao clérigo, Desmond lançou-se à escadaria de pedras que levava ao segundo piso da edificação, galgando os degraus de dois em dois com Toy em seus calcanhares. Giles também não perdeu tempo em seguir no encalço de ambos.

Já no alto da escada, Desmond resmungou alto o suficiente para que seu amigo e o abade ouvissem:

― Parece-me que Sevenoaks está repleta de jovens misteriosas. E uma delas se acha em meus aposentos.

Mas se antes já estava surpreso, ao encontrar seu dormitório trancado ele ficou cego de raiva. Alguém estava lhe pregando uma peça, era isso? Com a chave que trazia no cinturão, des­travou a fechadura de metal e escancarou a sólida porta de carvalho, pronto para confrontar Aislin e exigir explicações. Por que todos ali haviam mentido sobre haver uma só chave para a porta dos aposentos do castelão? E por que sua noiva invadira seu dormitório se vinha se recusando a recebê-lo desde que ele chegara ao castelo?

Desmond entrou no aposento pisando duro, mas parou de repente para examinar atentamente tudo à sua volta. A câmara estava vazia... A não ser pelo gato alaranjado, Pointisbright, que se banhava displicentemente bem no meio do grande leito com dossel.

― Pela cruz de Cristo! ― ele exclamou.

― Não há mulher nenhuma aqui, barão. ― O abade olhava para Desmond com indisfarçável satisfação. ― É como eu lhe disse: há uma única chave que abre a porta deste cômodo do castelo. E ela está com você.

Pointisbright, que também o observava, só que com uma expressão inefável, acomodou-se entre as peles sobre a cama E após longo bocejo, escondeu a cabeça entre as patinhas com a indicar que se preparava para tirar uma soneca.

Desmond lançou minucioso olhar sobre seus pertences. O estojo de jóias estava aberto, e ele não o deixara aberto. E quando ele trancara a porta dos aposentos senhoriais naquela manhã, Pointisbright se achava do lado de fora, no corredor. Estava certo disso, não era imaginação. Como também não imaginara ter visto um vulto a uma das janelas da câmara. Um vulto com cabelos avermelhados, portanto só poderia tratar-se de Aislin.

― Há uma só chave, barão du Luc, essa que está na sua mão. Todos conhecem a história: quando estava na Cruzada, Theron pediu a um artesão turco que fizesse á fechadura para a porta destes aposentos, e trouxe consigo outro artesão para instalar a peça. Não existe em toda a Inglaterra nenhuma outra fechadura como essa, nem nenhum outro ferreiro que conheça o funcionamento do mecanismo. Se essa chave se perder, a única maneira de entrar neste cômodo é pôr abaixo essa porta de carvalho maciço que, você já deve ter reparado, tem quase um palmo de espessura.

Desmond estreitou os olhos para o clérigo. O fato de perder tanto tempo com explicações sobre uma simples porta e sua fechadura não seria sinal de que Giles mentia? Mas, com que propósito? Seu primeiro impulso foi indagar ao abade o motivo daquela pequena récita, mas logo a seguir achou mais prudente deixar o assunto de lado... por enquanto. Ainda assim, não conseguiu evitar olhar de relance para Pointisbright, o leão protetor da misteriosa donzela.

― Talvez tenha sido um golpe de vista, vai ver meus olhos me enganaram.

― E o gato? ― perguntou Coy, desconfiado. ― Foi você quem trouxe o bichano para seus aposentos?

― É óbvio que ele entrou aqui antes que o barão fechasse a porta ― inferiu o abade. ― Não há outra explicação.

― Sim, deve ter sido como você falou, abade... se há mesmo uma só chave para essa porta ― observou Desmond.

Apesar de ter usado um tom conciliador, pois estava farto de saber que Pointisbright dormia num nicho no corredor no momento em que ele trancava a porta, não quis levar aquela discussão adiante. Só uma coisa explicava o que se passava ali: mais alguém tinha a chave da porta dos aposentos do castelão. A castelã, evidentemente, o que seria bastante natural. Mas então por que todos ali faziam questão de deixar claro que Aislin não tinha acesso ao dormitório do senhor de Sevenoaks? Que tipo de intriga aquela mentira tentava encobrir?

Desmond pegou Pointisbright no colo. Aislin estivera em seus aposentos, e o bichano fora parar ali porque viera atrás dela. Só que nenhuma mulher era capaz de atravessar sólidas paredes de pedras. Nem ele acreditava em magia. Havia algo estranho sob o teto de Sevenoaks, sim, e se tratava de alguma brincadeira de mau gosto, não de feitiçaria.

O longo e ensolarado dia custara a dar espaço ao crepúsculo. Aislin havia mordiscado um pouco do pão e do queijo deixados à sua porta. Não voltara a deixar seus aposentos. E quando Giles veio vê-la, já era noite, fingiu não ouvi-lo.

― Aislin, precisamos conversar.

As batidas e os sussurros do abade tornaram-se mais insistentes, mesmo assim ela se manteve silente, na esperança de que seu primo a presumisse adormecida. Por fim o escutou afastar-se, até que o ruído de passos sumiu pelo corredor que separava os aposentos senhoriais do castelão e da castelã.

Aquela era a primeira vez que não atendia aos apelos de Giles, a primeira vez que mantinha a porta cerrada para ele. Por outro lado, já fazia um bom tempinho que enganava seu primo. Não, "enganar" não era a palavra adequada. O certo seria dizer que omitia certas informações dele, segredos que Theron lhe confiara antes de morrer.

― Theron era meu senhor e meu marido, as leis de Deus e dos homens me obrigam a fazer o que ele me pediu ― Aislin justificou suas atitudes. ― Mas Desmond Vaudry du Luc não é nem meu senhor nem meu marido, e mesmo assim me sinto imensamente leal a ele. Como isso é possível?

Admirada com as emoções confusas que a assaltavam, debateu consigo mesma à busca de compreender seus sentimentos. E não demorou a concluir que o barão du Luc conquistara seu coração no instante em que começara a falar.

― Como numa balada de trovador.

Lembrar do corpo dele reluzindo ao sol fazia sua garganta secar e se apertar. Nunca sentira nada parecido, nada tão assustador, nada que a ameaçasse tanto. E embora lutasse parai recusar a intensidade dessa sensação, ansiava por conhecê-la melhor.

― Desejo Desmond como uma mulher deseja um homem. Depois de todos esses anos e todos os casamentos que tive, finalmente me sinto atraída por um homem.

Antes era natural aceitar a vontade do rei e casar-se por vantagens políticas e questões de estado, afinal não tinha ilusões quanto a vir a desejar seus esposos. Queria manter rela­ções carnais para que pudesse ter filhos, mas agora, quando olhava para o barão seu noivo, desejava que ele a possuísse por motivos que nada tinham a ver com procriação. Queria sentir a força do corpo de Desmond. Suas mãos comichavam por conhecer a textura da pele e dos cabelos dele. Era como uma enfermidade, como uma necessidade que ameaçava con­sumi-la por dentro.

Entretanto jamais poderia tê-lo. Não podia colocar a vida de Desmond em perigo casando-se com ele. E nunca pecaria contra Deus deitando-se com um homem que não fosse seu esposo.

De modo que só lhe restava encarcerar seus ardentes anseios no coração, ainda que continuassem a crescer e a se avolumar ao ponto de fazê-la arder em labaredas de paixão. Além das confidências de Theron sobre as paredes de Sevenoaks, aquele seria mais um segredo que levaria para a sepultura: o desejo desatinado que sentia por Desmond du Luc.

― Venha, Coy, vamos da uma volta pela propriedade ― chamou Desmond, ajeitando as luvas de couro de punho largo e longo enquanto cruzava o salão nobre. Sentia-se impaciente e desassossegado até a alma, e a única forma de aquietar seu humor seria saltar à garupa de Nevoeiro e dar umas voltas pelas imediações.

― Como quiser. ― Sempre pronto para qualquer aventura, Coy correu a se levantar.

Gwillem preparou ambas as montarias rapidamente e, lado a lado, os dois amigos dispararam em direção à ponte levadiça. O sol já bastante quente transformara a bruma em vapor, e o mormaço se espalhava pelos vales e várzeas abaixo da forta­leza, envolvendo todo o relevo como o hálito de um dragão.

A paisagem era bonita e misteriosa, com as faixas de cerração que se erguiam dos córregos elevando-se ao céu para tudo encobrir tal qual a proteção de um telhado.

― Olhe, deve ser o chalé de algum arrendatário ― observou Coy, apontando a habitação campesina.

― Vamos descansar um pouco por lá. Nevoeiro irá gostar de beber água fresca, e eu terei a oportunidade de conhecer um dos servos que arrenda terras de Sevenoaks. Quero que todos por aqui saibam que estou morando no castelo, para o caso de alguém precisar de mim.

Ao se aproximarem do chalé, Coy anunciou:

― Ô de casa! O novo senhor de Sevenoaks está aqui.

O lugar permaneceu silente. Não havia ovelhas ou cabritos no pequeno cercado adjacente ao chalé. Nem colunas de fu­maça a se desprenderem da abertura do telhado de junco.

― Apesar de todo este silêncio, o lugar não parece aban­donado.

― Sim, talvez seja melhor eu ir ver se o morador não está com algum problema. ― Depois de apear, Desmond lançou as rédeas de Nevoeiro para Coy e, num ato reflexo, jogou o manto sobre o ombro direito para deixar livre o braço com que em­punhava a espada. ― Ô de casa! Está tudo bem aí?

Após esperar mais alguns instantes, ele se resolveu por des­fazer o nó da corda que prendia a porta ao batente e abri-la. O chalé se achava parcamente iluminado pelo feixe de luz que se infiltrava pela abertura destinada à saída de fumaça no meio do teto. Junto a uma das paredes havia uma mesa baixa e um único banco, acima dos quais uma prateleira rústica ostentava ervas secas, flores e brotos de plantas, e uma grande variedade de caules e talos. À parede dos fundos havia um leito estreito protegido por uma coberta fina.

― Mesmo vazio, este lugar tem sinais de haver sido ocupado não faz muito tempo ― assinalou Coy, espiando por sobre o ombro dele. ― Repare que não há teias de aranha pelos cantos. Nem poeira sobre a superfície dos móveis.

― E verdade. E ainda que não haja nenhuma tigela, jarro ou quaisquer outros utensílios, as plantas parecem frescas e seu aroma é bom. ― Fechando a porta, Desmond tornou a prendê-la com a corda como a tinha encontrado. ― Vai ver a pessoa que mora aqui está viajando e alguém levou embora seus pertences.

― Pode ser. Voltaremos algum outro dia para verificar se está tudo em ordem.

Após uma última espiadela pelos arredores da moradia de­serta, Desmond saltou ao lombo de Nevoeiro e, na companhia de Coy, prosseguiu na vistoria pelos campos nas imediações de Sevenoaks.



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