A dama Do Labirinto



Yüklə 0,88 Mb.
səhifə7/12
tarix07.04.2018
ölçüsü0,88 Mb.
#47083
1   2   3   4   5   6   7   8   9   ...   12

Capítulo VII

O grupo de barões de olhar matreiro que havia permanecido na companhia de Simon de Montfort agora se misturava aos membros do séquito do rei, e todos se aglomeravam no pátio interno do castelo e ao longo do passeio que levava à capela, fazendo o grande gramado resplendecer ao colorido de seus mantos, suas túnicas e suas jóias.

Naquela noite seriam presenteados ou com um casamento ou com uma decapitação.

A corte de Henrique III era um caldo de intrigas e seu filho, Eduardo, um guerreiro na aparência e na alma. Todos sabiam que o príncipe alto e musculoso esperava com imensa ansie­dade pelo dia em que afinal pudesse colocar suas mãos tanto sobre os barões e rebeldes como sobre o clero insidioso. Em meio a essa rede de ardis e maledicências, o barão de Mereworth tratava de se manter com toda á imparcialidade e sen­satez que as circunstâncias lhe permitiam.

O rumor de vozes e risadas chegava a ser estridente quando ele chegou ao pátio. Junto de Coy, Desmond dirigiu-se ao local onde o rei aguardava pelos acontecimentos. Mas antes que ali chegassem, ele reparou que seu amigo, de um instante para outro, parecia ter perdido toda a cor do rosto.

— Erga esse queixo, Coy. Estou firme no propósito de re­ceber a morte com coragem e dignidade. Não vou fraquejar, creia-me.

— Não se trata disso. Uma coisa é morrer em combate, outra, muito diferente, é perder a própria cabeça porque o rei se sente contrariado — Coy murmurou junto à orelha dele. — Diga uma só palavra, e nós nos ergueremos em armas, provoca­remos um confronto. Uns pelos outros, acabaremos com mais de uma dezena deles. É possível que você morra, mas pelo menos morrerá com uma espada na mão.

— Não, Coy, não quero que você levante um dedo em meu nome. No final das contas, mais cedo ou mais tarde um homem encontra seu fim. E eu pelo menos proverei um bom espetáculo para essa turba de insensíveis.

— Eu esperava... Eu tinha certeza de que a dama... — Coy olhava ao redor, estudando cada rosto que via.

— Esqueça. Ela não me quer por esposo.

Desmond subiu o primeiro degrau que levava à capela. Quando seu pé tocou o segundo e gasto degrau de calcário, um silêncio pesado e profundo caiu sobre a multidão de nobres e plebeus.

— Ah, Vaudry du Luc, vejo que está pronto. Fico contente. Bem, se a dama aparecer, o abade de Tunbridge Wells dirá uma prece pela saúde de vocês dois, e nós então passaremos ao banquete. Meu estômago está roncando de vazio. — O mo­narca estava bem-humorado, parecia.

— Majestade, com relação a Sevenoaks... — interveio Giles, gesticulando com as mãos envoltas num par de luvas de punhos longos, confeccionadas de fina pelica tingida de açafrão e que, à claridade do crepúsculo, tinham um aspecto meio espalhafa­toso. — Gostaria que me concedesse a honra de comprar a fortaleza para...

— Não diga mais nada, abade — Henrique o interrompeu. — Não nos deixe pensar que você está ansioso para ver du Luc na sepultura. O sol ainda não desapareceu de todo no ho­rizonte. Esperemos... um pouco mais.

— Sim, pai, não há pressa — observou o príncipe Eduardo erguendo uma sobrancelha. — O carrasco maneja o machado bastante bem tanto à luz do dia como à chama dos archotes.

Desmond ouviu Coy engolir um punhado de ar. Então se virou para admirar a esfera cor de ouro com a orla avermelhada que imergia mansamente por trás das muralhas guarnecidas de ameias do castelo. Um lindo pôr-do-sol, sem sombra de dúvida. Daqueles que todo homem merecia contemplar em seu último dia na Terra...

Um estranho murmúrio irrompeu pela multidão. E foi cre­scendo, avolumando-se, a ponto de fazer lembrar o rugir das ondas do mar a projetar-se por uma praia rochosa. Desmond ouvia seu nome sussurrado por um sem-número de lábios, e então se virou para ver por quê.

De um ponto do gramado perto dali, envolta da cabeça aos pés num véu de pálido marfim em, intricada renda, vinha vindo uma mulher de compleição delicada. Constituído de várias ca­madas de tecido, dobrado e disposto de modo a ocultar, o véu era seguro no lugar por uma diadema de ouro acima da linha das sobrancelhas.

Embora não pudesse distinguir as feições da dama, por entre as dobras do tecido leve, Desmond vislumbrou algumas ma­deixas de longos cabelos avermelhados.

— Aislin?

— Lady Aislin. — O rei ergueu a mão repleta de anéis numa saudação amável. — Você está bastante atrasada, mesmo assim chegou a tempo de salvar o pescoço de Desmond. Venha, va­mos nos apressar com o casamento, o banquete de comemo­ração está à nossa espera.

Sem uma palavra sequer, a pequena e encoberta figura subiu os degraus diante da capela para postar-se ao lado de seu noivo. Com a sensação de que ela não parecia pertencer àquele mun­do, Desmond lembrou os boatos que falavam em feitiçaria. No instante seguinte, porém, o coração dele encheu-se de orgulho.

Aquela mulher possuía coragem, determinação e compai­xão. Dispunha-se a desposar um homem que não queria apenas para salvá-lo da lâmina do machado. Estava pronta para sacri­ficar-se no altar do matrimônio em troca da vida dele. Desmond não se sentia merecedor de tão nobre dama.

— Abade, apresse a oração — ordenou Henrique. — A ceia me espera.

Giles começou a rezar. Seu tom de voz se elevava e decres­cia à medida que ele ia invocando aos Céus e aos anjos que destinassem felicidade ao casal. As preces se estenderam por um bom tempo, então se encerraram tão abruptamente quanto haviam se iniciado.

Desmond Vaudry du Luc estava casado com Aislin de Sevenoaks.

— Pronto — decretou o rei. — E já não era sem tempo.

— Pena. O carrasco é novo e precisava praticar o uso do machado. Quem sabe ele não se desincumbiria da missão com menos de cinco golpes, como ocorreu na última vez? — A rigidez do semblante do príncipe se dissolvera num sorriso largo. Após provocar Desmond com uma piscadela, Eduardo concluiu: — Não sei se lhe ofereço minha piedade ou meus votos de felicidade, du Luc. Há quem diga que o casamento é muito pior do que uma morte ligeira.

— Em breve irei descobrir a verdade — respondeu Des­mond, que no momento se via tomado de apreço e gratidão pela mulher que era agora sua esposa.

A julgar pelo corpo camuflado pelas camadas sobrepostas do véu rendado, além de idosa, Aislin tinha uma constituição física delicada. Iria necessitar que ele a amparasse e protegesse. Mais do que cuidados, porém, Desmond sabia que lhe devia também toda a boa-vontade que um homem pudesse ter para com sua esposa. Não compartilhariam de um lar festivo nem de um leito ardoroso, tampouco haveria filhos para dar pros­seguimento à linhagem dos Vaudry du Luc.

Apesar disso tudo, estava decidido a recompensá-la pelo sacrifício daquele dia com companheirismo, respeito e fideli­dade incondicionais.

Giles, o abade de Tunbridge Wells, estendeu o braço para apertar a mão de Desmond, mas então o rei ergueu-se de súbito, interpondo-se entre o clérigo e o noivo.

— Não vejo a hora de provar das cozinhas de Sevenoaks. Vamos nos acomodar a nossas mesas. — Como a voz impe­riosa de Henrique fosse quase sempre uma ordem sutil, boa parte dos presentes se pôs em direção ao salão nobre. — Vá-se agora, barão, leve sua esposa aos aposentos senhoriais e con­sume essa união. Faça o que diz seu soberano.

— Mas, Majestade, o banquete... o hidromel... Ainda não brindamos à saúde deles — interveio Giles, fazendo menção de levar a mão ao ombro do noivo, porém sem conseguir al­cançá-lo. — E Desmond planeja levar Aislin para Mereworth.

— Abade, por acaso está me contrariando? — O tom brin­calhão do monarca não passava de velada ameaça.

O clérigo tinha os olhos arregalados e a mão trêmula. Agia como alguém atormentado pela preocupação, mas Desmond não fazia idéia do que estaria a incomodá-lo daquela maneira.

— Não, Majestade — Giles respondeu ao rei —, mas se eles pretendem partir para Mereworth ainda hoje...

— Tolice. Ninguém deixará Sevenoaks esta noite. Quero ver esse casamento selado, santificado e consumado antes que o novo dia amanheça, quando então partirei para o palácio de Eltham. Ordeno que o casal suba para os aposentos da castelã agora mesmo e consume o sacramento. O príncipe Eduardo e eu pernoitaremos nos aposentos do castelão. Você tem a chave, Desmond?

Após menear a cabeça num gesto assertivo, Desmond tirou do cinto a chave que mantinha presa ali.

— Bela peça de ferro. — Depositando o artefato na palma da mão, Henrique examinou as curvas e reentrâncias cinzeladas no metal antes de passar a chave a Eduardo, depois ergueu o braço e esperou que dois de seus guardas reais dessem um passo adiante para declarar: — Não tolerarei mais discussões, protelações ou mortes em Sevenoaks. Se meu caro Desmond não estiver forte e saudável ao amanhecer, várias cabeças irão rolar, a começar pela da dama e de todos os familiares dela. Quanto a isso, estejam todos certos.

— Ah, então ainda há esperanças de que o carrasco venha a se aprimorar no desempenho de suas funções — observou Eduardo, visivelmente entusiasmado. — Se nosso lorde Desmond não sobreviver a esta noite, o machado será empregado assim que o dia clarear.

Desmond virou-se para sua noiva e tomou-lhe a mão. Que estava rígida e fria. Sob a escolta de guardas armados, ambos passaram em meio às pessoas que ainda permaneciam no pátio a caminho da escadaria interna do castelo.

Só ao girar a argola de ferro e abrir a pesada porta de car­valho dos aposentos da castelã, foi que Desmond percebeu que também não tinha a mão nem quente nem firme. Depois de esperar que Aislin entrasse no dormitório, o que ela fez sem nem um único suspiro, Desmond seguiu-a de perto e fechou a porta, bloqueando-a com a barra de madeira. Então se virou e olhou ao redor.

A lareira estava apagada. Embora menores, os aposentos da castelã eram bastante parecidos com os seus, com o mesmo compartimento onde ficavam as instalações sanitárias, as mes­mas vidraças trabalhadas nas janelas, os mesmos painéis enta­lhados em madeira. Desmond amaldiçoou seu descuido. De­veria ter providenciado para que acendessem a lareira, colo­cassem roupas de cama limpas, espalhassem alguns buquês de flores pelo ambiente, trouxessem o prato favorito dela, todos esses pequenos detalhes que agradavam a uma mulher. Mas a verdade era que não imaginara que iriam precisar de tudo aquilo, nem que ele próprio ainda estaria respirando, depois que o sol se pusesse.

As palavras saltaram-lhe da boca sem que tivesse tempo para prepará-las melhor:

— Você salvou minha vida. Lady Aislin, nem sei bem o que dizer. Mas quero que saiba que eu gostaria de tê-la poupado disto... do sacrifício de casar-se comigo. — A emoção por pou­co não o fazia engasgar-se. Ela era tão generosa! Como haveria de fazer para recompensá-la por tamanho ato de nobreza? — "Obrigado" é uma palavra muito pequena para expressar minha imensa gratidão.

A dama não havia se movido desde que ele trancara a porta. Continuava parada ali, pequena, altiva, calada.

— Minha garganta está seca. Não gostaria de tomar um pouco de vinho comigo? — Desmond foi servir-se da jarra alta que estava sobre uma arca, junto a duas taças.

A dama oculta sob a massa de tecido rendado gesticulou com a cabeça, mas ele não conseguiu entender se aquilo era um "sim" ou um "não".

— Tire seus véus enquanto sirvo um pouco de vinho para nós. Seja do seu agrado ou não, somos agora marido e mulher. Eu me sentiria muito honrado de poder admirar seu rosto, mi­nha dama. E olhar nos seus olhos para que possa lhe agradecer uma vez mais pelo que fez por mim.

Aislin sentia o coração bater com tanta força que chegava a temer que seu peito não fosse capaz de contê-lo. Fizera o inconcebível. Casara-se com Desmond para livrá-lo do carras­co do rei. E por desposá-lo o condenara a morrer como os outros quatro homens que a tinham tomado por esposa. Jesus, como desarmar aquela irônica e cruel armadilha?

— Vamos, retire seus véus, silente esposa.

"Esposa". A palavra era um doce suplício aos ouvidos de­la. Queria tornar-se esposa de Desmond em todos os sentidos. Queria que ele a possuísse, que a reclamasse para si, que fizesse de seus corpos e suas almas uma só entidade. Mas quando Desmond descobrisse quem ela era e qual sina o aguardava, iria odiá-la.

— Lady Aislin? — A voz dele denotava ao mesmo tempo estranheza e impaciência.

Ela amava aquela voz que, ali no aconchego de seus apo­sentos, era ainda mais atrativa, mais poderosa, mais envolvente do que no jardim do labirinto.

— Venha, não se acanhe.

Aislin deu-lhe as costas. Não havia para onde fugir, nem mesmo se usasse a passagem secreta. Ele iria atrás.

Seus dedos tremiam enquanto retirava da cabeça o diadema de ouro. Tinha certeza de que os olhos de Desmond estavam fixos nela. Jesus, estava gelada de tanto medo e desejo, suas mãos não paravam de tremer. Os segundos passavam, cada qual assinalado por uma dolorosa batida de seu coração. O véu então esvoaçou como uma pesada teia de aranha antes de tom­bar a seus pés. Estava feito. O destino de ambos estava selado.

Desmond deslizou os olhos pelas costas dela. Lady Aislin era esguia, bem-feita de corpo. Talvez só uma mulher que nun­ca tivesse tido filhos fosse capaz de manter um quadril estreito como aquele e as ancas levemente arredondadas, mas os cabe­los... As belas madeixas mais pareciam cascatas tortuosas banhadas pela luz do fogo. Como uma velha encarquilhada podia ter cabelos tão sedosos como aqueles?

Levando as mãos aos ombros dela, Desmond a fez virar-se lentamente.

Os olhos verdes estavam arregalados, os lábios tão adoráveis se achavam entreabertos. Ela o fitava intensamente.

— Pela Cruz Sagrada! É você! — Seu olhar estupefato a percorreu de cima a baixo enquanto sua alma, com a rapidez de uma vela que se apaga de repente, via a alegria dar lugar a um brutal assomo de raiva. — É você.

— Sim. — Como forma de evitar por alguns instantes a frieza nos olhos que a interpelavam, Aislin recolheu o véu do chão.

— Que espécie de brincadeira você fez comigo, minha dama?

— Não fiz brincadeira nenhuma.

— Ir ao meu encontro noite após noite, não revelar sua ver­dadeira identidade... Você me enganou. Por que não me disse seu nome? Por que teve de ser obrigada a casar-se se achava meus lábios e meus carinhos tão bem-vindos no labirinto? Se eu era agradável o bastante para que você brincasse comigo em segredo, por que não era bom o suficiente para ser seu marido?

— Você deprecia o tempo que passamos juntos no jardim secreto com suas palavras, mas eu as compreendo porque sei que está zangado comigo.

— "Zangado" talvez seja pouco para descrever o que estou sentindo. Por quê, Aislin? Por que não me disse quem era na noite em que nos conhecemos?

Desmond tentava ignorar que tinha o coração a ponto de arrebentar de tão disparado. Diante de seus olhos estava a don­zela do labirinto e a dama Aislin, a quem ele aprendera a ad­mirar. Ou seria ela a Flor Venenosa que havia sepultado quatro maridos? Fora ferido no orgulho pela traição. Ele a amava. Não, odiava-a. Ela era seu sonho, sua miragem. Não, era seu pesadelo.

Com uma dama tão jovem e bela poderia ter filhos, filhas, e uma esposa amorosa que talvez aprendesse a amá-lo mais do que tudo na vida... Se conseguisse perdoá-la.

— Você ria às minhas costas enquanto me enganava com sua perfídia?

— Não, eu jamais...

— Você não me queria por esposo, e deixou isso bem claro. Largou-me à sua espera nos degraus da capela, diante da gente de Mereworth e Sevenoaks. Fiz papel de tolo.

— Não, eu não podia...

— Então Henrique prometeu cortar minha cabeça fora e apoderar-se de sua preciosa fortaleza. Foi por isso que você se casou comigo? Para salvar Sevenoaks?

— Não, eu o fiz para...

— Poupe suas mentiras, Flor Venenosa. Poupe todas as suas explicações, pois agora estamos casados. E você irá me ter como seu marido, quer queira, quer não.

Desmond tomou-a nos braços, levando a mão à parte pos­terior da cabeça dela para obrigá-la a aceitar seu beijo. Estava furioso, estava magoado; desejava-a com toda a força de sua alma.

Sonhara com aquele instante. Noite após noite, seu corpo havia chamado uma centena de sonhos pecaminosos com sua donzela do labirinto e o momento em que faria amor com ela. Bem, agora a dama era sua esposa pela lei dos homens e de Deus. Poderia fazer o que quisesse com ela. Tinha todo o di­reito de possuí-la.

Forçou os lábios dela a se separarem, e pouco lhe importou se haviam se aberto por conta da sua insistência. Então imergiu a língua na boca que tanto o recebera como declarara que não o queria. O hálito dela recendia levemente às especiarias do hidromel.

— Você bebeu em busca de fortalecer sua coragem antes de descer aos degraus da capela... Não quer beber um pouco mais agora, mulher traiçoeira? Uma caneca de hidromel irá ajudá-la a suportar fazer amor comigo?

Examinou o rosto dela. Parecia o mesmo, e ainda assim distinto. Os cabelos soltos a emoldurá-lo evocavam uma dife­rença que Desmond não sabia explicar. Tentou conciliar o de­sejo que sentia por ela com a raiva pela traição que lhe fora imposta. Em algum lugar da mente tentou buscar a Aislin que possuía coragem e determinação.

— Por que não me contou a verdade?

Ela não respondeu. Tinha os olhos turvos, a respiração en­trecortada.

— Você me quer. Pelo sangue sagrado de Deus, você me deseja tanto quanto eu a desejo. — Desmond percebeu que soara mais surpreso do que gostaria. Cobiçava-a ou a odiava? Talvez um pouco de cada. — Diga que você me deseja, Aislin, donzela da noite, Flor Venenosa. Seja quem for você neste instante, diga que me quer. Implore para que eu possua seu corpo.

Iria mostrar a ela que não era homem de aceitar menosprezo. Iria lhe mostrar as conseqüências daquela brincadeira de mau gosto. Iria fazê-la suplicar de tanta paixão. Iria... iria lhe dar prazer como ela jamais ousara imaginar em toda a vida. Iria reverenciar o corpo dela com o seu. Iria lhe mostrar o quanto gostava dela apesar de tudo o que havia acontecido. Ela ainda era a valorosa Aislin que o desposara para lhe salvar o pesco­ço... e também a encantadora donzela que parecia tão tristonha à luz das estrelas.

— Diga, Aislin.

Embora não deixasse de fitá-lo, ela continuou calada.

— Você será minha esposa de todas as maneiras. — Aba­fando um gemido, Desmond tomou-a nos braços e levou-a até a cama, para depois depositá-la sobre a beirada do colchão. — Dispa-se para mim.

Para evitar que acabasse por assisti-la, cruzou os braços sobre o peito e endireitou os ombros. Esperaria. Iria lhe dar a chance de vir para ele de vontade própria. Ela o desejava; tomaria a iniciativa de aproximar-se dele; imploraria seus ca­rinhos.

Aislin engoliu em seco. Aquilo era tudo o que mais queria. Havia muito, ansiava pela glória do casamento. Por anos a fio rezara por um marido que reclamasse seus direitos sobre o corpo dela, que a preenchesse com suas sementes, que lhe desse filhos e um motivo para viver, mas... Desmond tomava aquela atitude porque queria unir-se a ela de corpo e alma ou porque o rei lhe ordenara que assim o fizesse? Ou fazia tudo aquilo porque esse era o modo como um homem se vingava da hu­milhação que ela havia lhe imposto? E se ele morresse? E se estivesse morto antes que o dia clareasse?

— Aislin? Obedeça-me.

— Sim, meu lorde e esposo.

Trêmulos e indecisos, os dedos dela começaram a puxar com força os laços à lateral do vestido de tecido leve. E se Desmond estivesse morto antes que o dia clareasse? E se con­sumassem o casamento e ele morresse? E se morresse depois de ter plantado a semente de um filho nas entranhas dela? Mas um filho não iria compensar a ausência de Desmond.

— Lágrimas? — O tom dele era destituído de emoção. — Da forte e valente Aislin? Por que a dama que se sacrificou para salvar minha vida está chorando?

— Meu lorde...

— Como ansiei por abraçá-la, como quis ter seu corpo sob o meu... Mas você não é a jovem inocente e virginal que eu imaginava, não é verdade? É uma viúva. Quatro vezes viúva. O leito nupcial não lhe é estranho, é, brava Aislin?

Com a respiração presa na garganta, ela o encarou. Aquele era um Desmond que ainda não conhecia. Ele fervia de raiva, e tinha os olhos tomados por uma indiferença que chegava a assustar. Mas aquele semblante carregado também transmitia outras emoções além da ira: mágoa, desejo, decepção... e um sentimento em carne viva que ela não sabia identificar.

— Sou amaldiçoada. Por causa dos meus cabelos. — A con­fissão escapou-lhe dos lábios antes que Aislin se desse conta do que ia dizendo. E como não houvesse como voltar atrás, ela afirmou: — Sou amaldiçoada, e como todos os outros homens que se casaram comigo, você está condenado a morrer antes que o dia amanheça.

Por um momento Desmond ficou olhando para ela. Então deu uma gostosa gargalhada.

— Amaldiçoada? E desde quando cabelos bonitos são uma maldição? Que bobagem é essa, Aislin?

— Não é bobagem. Você irá morrer antes do amanhecer.

— Devo tomar suas palavras como uma ameaça ou como um aviso?

Ela se pôs a chorar copiosamente. Não lhe bastava ter reve­lado seu segredo mais íntimo, tinha também de receber o es­cárnio por fazê-lo.

As lágrimas de uma mulher provocavam em Desmond uma sensação de inutilidade, de impotência. Era preferível enfrentar um exército de sarracenos nas areias escaldantes do deserto a ouvir uma dama chorar. Quando num confronto, sempre sabia o que fazer; lutava; tomava as atitudes para as quais um cava­leiro era treinado. Mas quando uma mulher derramava lágrimas de tristeza... Ninguém o preparara para o pranto feminino.

Foi então que ouviram uma leve, quase inaudível, pancadinha à porta dos aposentos. Ainda que estranhasse o fato de que viessem incomodar o senhor da fortaleza na noite de suas núp­cias, Desmond sentiu-se imensamente grato a quem quer que fosse que exigia uma pausa àquele momento tão constrangedor.

Erguendo a trava que cruzava a porta de lado a lado, ele a abriu. O corredor estava deserto, mas alguém havia deixado uma bandeja de madeira junto à porta. Desmond levou-a para dentro, depositando-a sobre um aparador próximo a um painel de madeira esculpida quase tão grande como o que havia nos aposentos do castelão. Ao se virar, encontrou os olhos de Ais­lin, agora injetados pelo choro, a fitá-lo.

— Eu não queria colocar sua vida em perigo. — Tomando entre os dedos uma mecha dos longos cabelos, ela disse bai­xinho: — Esta é a minha maldição.

Ele nunca havia se deparado com imagem tão encantadora. Aislin tinha o nariz rosado, os olhos úmidos, o vestido aberto pela metade, os cabelos de aparência tão sedosa em suave de­salinho. Parecia uma donzela que acabara de fazer amor sobre uma montanha de feno num galpão... ou que devia ser possuída a noite inteira pelo marido em sua própria cama.

Desmond tentou não pensar que o ponto nevrálgico de sua masculinidade latejava de desejo. Como não conseguisse, tra­tou de afastar tais pensamentos, indagando:

— Onde foi que você ouviu tamanha tolice?

— As pessoas falam...

— Quem lhe disse isso? Quem falou o quê?

— Giles me contou sobre os boatos que correm por todo o castelo.

— Sei. Aislin, você me deixou profundamente aborrecido. Brincou comigo como se eu fosse um rapazola leviano.

— Eu não queria...

— Você é feiticeira?

— Não. Juro que não.

— Quatro homens morreram... e você afirma que foi por causa de seus cabelos. Eu digo que não. Mas se você imaginava que pudesse me convencer a deixar de Consumar nossa união com essa história absurda, saiba que se enganou redondamente.

— Não é uma história absurda, é a verdade. Sou amaldi­çoada.

— Claro que não é!

— Sou, sim! Todos aqueles que me desposaram morreram antes mesmo que dividíssemos o leito nupcial.

— Como? — A pergunta era pouco mais do que um sus­surro.

Ela apertou os lábios tão bonitos até transformá-los numa linha firme. Talvez com isso quisesse indicar que não estava disposta a conversar, ou que falara o que não queria. Mesmo assim, Desmond resolveu insistir:

— Isso é verdade? Você ainda é virgem? — Ao vê-la evitar seu olhar e corar suavemente, ele concluiu a resposta. E não pôde deixar de sentir uma grande satisfação. — Por Deus.

A novidade fazia seu desejo crescer ainda mais. Imaginara que o rei o obrigava a casar-se com uma velha encarquilhada que passara pelos braços de não menos do que quatro maridos. Abandonara seus sonhos de formar um lar repleto de herdeiros ao lado de uma dama jovem que o tratasse com carinho e de­ferência. E agora descobria que lhe fora designada uma bela mulher, um pouco tímida e intocada... Jesus! O sonho que aca­lentara estava novamente ao seu alcance. Seria o primeiro ho­mem de sua esposa. Poderia preenchê-la com suas sementes. E enquanto ela ia lhe dando herdeiros e herdeiras, iria lhe en­sinar a amá-lo.

Seu coração se enterneceu. Seu sangue se inflamou. Rece­bera um prêmio inestimável. Talvez Henrique também pensava o que ele havia suposto: que Aislin mantivera relações carnais com pelo menos um, senão todos, de seus quatro maridos mortos. No entanto... era estranho que nenhum deles tivesse con­sumado o casamento antes de morrer. Bem, esse assunto teria de ficar para uma outra oportunidade.

— Aislin, alguém sabe que você ainda é virgem?

De coradas, as faces dela passaram a rubras.

— Tive vergonha de contar a quem quer que fosse. Até mesmo Giles, que é meu confessor e meu primo adorado, não sabe de mais essa estranheza minha. Mas isso é parte da mal­dição. Sou intocada... Nenhum homem nunca me amou.

Desmond aproximou-se para erguer o rosto dela.

— Você não é estranha. Nem amaldiçoada. Aislin, embora eu esteja profundamente irritado com você, acredite em mim: seus cabelos não são sinal de maldição, e as conversas estúpi­das que andou ouvindo são coisa de pessoas maldosas ou não passam de uma brincadeira cruel.

— Como pode dizer isso depois que quatro homens morre­ram por minha causa?

— O motivo pelo qual eles morreram certamente não tem a menor relação com seus cabelos. — Embora a desejasse com todo o ímpeto e todo o vigor de sua virilidade, Desmond sabia que não podia aproveitar-se das circunstâncias. Como podia possuí-la se havia tanta tristeza e tanto medo nos olhos dela? — Aislin. A donzela do labirinto. Duas mulheres num só corpo. Diga-me por que dá ouvidos a essas tolices.

— Os boatos e os cochichos começaram após a morte de Theron. — Ela gesticulou de um modo que a fez parecer ainda mais frágil e desamparada.

Ao lembrar que a cozinheira havia dito que Aislin era uma jovem feliz quando chegara a Sevenoaks, Desmond teve vontade de colocar diante da ponta de sua espada todas as pessoas que tinham contribuído para aniquilar aquela felicidade.

— A princípio eu não queria acreditar, mas a verdade é que quatro homens perderam a vida depois de casarem-se comigo. Os quatro estão lá, sob as pedras da capela.

Franzindo as sobrancelhas, ele tentou relembrar os relatos que havia ouvido: cada um dos finados cavaleiros aparente­mente morrera de forma diversa, os quatro na noite de núpcias. Seus olhos foram atraídos para a bandeja de madeira, em que havia um jarro de vinho tinto, frutas cristalizadas e pão preto. Desmond então se lembrou de Coy e seus cuidados em provar de tudo o que ele estava prestes a comer e a beber.

Fizera pouco caso do excessivo zelo de seu amigo, mas ago­ra se dava conta de que talvez houvesse de fato sérios motivos para Coy preocupar-se.

— Não comeremos nem beberemos nada esta noite. — Afastando-se de Aislin, ele foi tirar do apoio a barra que cru­zava a porta de lado a lado.

— Não será difícil. — Ela suspirou. — Nada do que está naquela bandeja é do meu agrado. Prefiro vinho branco e pão comum e detesto frutas cristalizadas. A cozinheira devia estar muito ocupada para não ter se lembrado disso.

Desmond cuidou de levar a bandeja para fora do quarto, deixando-a onde a tinha encontrado, depois tornou a fechar e trancar a porta. Algo lhe dizia que não fora a cozinheira quem havia preparado aquela refeição ligeira, mas ele escolheu man­ter suas desconfianças para si, comentando com toda a natu­ralidade de que foi capaz:

— Estaremos seguros aqui nos seus aposentos. Há somente uma porta por onde entrar e sair, e que se acha bem trancada.

O olhar de Aislin escorregou para o painel de madeira. A verdade sobre as passagens secretas que levavam aos aposentos do castelão e ao labirinto de arbustos assomou-lhe ao nó na garganta, porém ela tratou de afastar tais pensamentos da men­te. Precisava convencer Desmond de que a vida dele corria perigo. Se não se mantivesse alerta, ele estaria morto antes do nascer do dia.



Yüklə 0,88 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   2   3   4   5   6   7   8   9   ...   12




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©muhaz.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

gir | qeydiyyatdan keç
    Ana səhifə


yükləyin