A dama do tempo a wife in Time Cathie Linz desejo 77 como num passe de mágica, eles viveram uma inacreditável paixãO!



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CAPÍTULO DOIS

Então você sente que alguma coisa não está bem — retorquiu Kane. — Provavelmente a culpa é daquele patê de siri que comeu lá na festa.

— Muito engraçado. Não me diga que você não sente isso também.

— Eu não como patês de siri.

— Estou falando sério. Não viu aquele casal entrar naquela casa? — perguntou Suzana.

— Claro que vi. — Kane sacudiu os ombros. — E daí?

— Eles estavam vestidos...

— Com a mesma espécie de roupas estúpidas que estamos usando — ele a interrompeu. — Quer dizer que deve haver várias lojas de fantasias sen­do procuradas para a festa desta noite. A conven­ção de editores é grande. Devem estar se reali­zando um monte dessas festas por aí.

— Talvez, mas eu poderia jurar que aquele pré­dio estava todo lacrado com tábuas quando che­gamos. E como explicar a luz azul que vimos no terceiro andar?

— Ora, isso é truque. Nunca foi à Disney World?

Suzana não aceitou a explicação.

― Duvido que haja recursos para se investir com essa espécie de efeitos especiais em uma casa histórica como essa. Espere um pouco! Veja as luzes da rua! — continuou ela com voz trêmula. ― Elas não são elétricas.

― Claro que não são. Este é um bairro histórico.

Olhando à volta, Suzana murmurou:

― Também não há linhas telefônicas...

― A maioria delas hoje em dia é subterrânea.

― Não em todos os lugares. Estou lhe dizendo, havia linhas telefônicas aqui na hora em que che­gamos. Lembro-me perfeitamente de ter achado que elas arruinavam a vista.

Nesse momento, avistaram uma charrete pu­xada por um cavalo.

Antecipando-se, Kane explicou:

— Para turistas.

Uma outra surgiu, e depois dela, vários cava­leiros. Até então, nenhum sinal de algum carro, caminhão ou ônibus. Observando a expressão de Suzana, ele disse:

— Ok, admito que isso está começando a parecer um pouco estranho. Estão levando essa história de época a sério demais. Até me lembra Williamsburg. Lá também levam a extremos esse negócio de recriar o passado.

— Mas não estamos em uma cidade histórica, e sim em pleno centro de Savannah.

— Que tem uma lanchonete bem ali na esquina e um sanduíche maravilhoso — declarou Kane.

Vou com você — disse Suzana, apressadamente.

— Eu não a convidei.

Este ainda é um país livre — retorquiu ela, se defendendo, determinada a mantê-lo a seu lado — o que só mostrava o quanto se sentia insegura.

Normalmente, Kane Wilder seria o último homem com quem desejaria passar mais algum tempo. Mas agora, nada à sua volta parecia normal. Até mesmo a pavimentação da rua estava diferente.

Nada mais foi dito enquanto ambos caminha­vam rapidamente, Suzana tentando acompanhar os passos dele a despeito de sua longa saia. Con­centrando-se em segurar a barra para que não se arrastasse pelo chão, ela quase esbarrou em Kane, que se imobilizara no meio da calçada.

— Era bem aqui, e agora não está mais. — Virando-se para ela, perguntou: — O que está acontecendo?

— Não sei — replicou ela, tentando não entrar em pânico. — Eu lhe disse que estava sentindo que alguma coisa não estava certa.

— Devo ter tomado a direção errada — res­mungou Kane. — Talvez a lanchonete esteja da­quele lado.

Girando nos calcanhares, dirigiu-se para o lado de baixo da rua apenas para descobrir que ali não havia nada além de casas.

Franzindo a testa, Kane dirigiu a Suzana um olhar que claramente a responsabilizava pela situação.

— O que está acontecendo por aqui? Você co­locou alguma coisa na minha bebida? Ou então o ponche que tomei era muitíssimo mais forte do que eu pensei — resmungou, enquanto outra charrete passava por eles. — Devo estar bêbado ou tendo alucinações.

— Eu não bebi coisa alguma. E não me parece nada provável que ambos tenhamos a mesma alucinação — observou Suzana, tentando conservar o raciocínio claro.

― Então devo estar sonhando — murmurou Kane — É isso. Ou quem sabe eu esteja morto?

― E como é que vai descobrir? — perguntou ela, assustando-se com o comentário.

Mas ele não a ouvia mais.

— Só existe um meio.

Para espanto dela, Kane começou a andar em direção ao meio-fío.

— Cuidado! — gritou Suzana.

Kane ignorou seu grito e foi direto de encontro a um dos postes de iluminação.

Agarrando a saia, Suzana correu para o lado dele ao mesmo tempo que Kane tentava se erguer do chão, atordoado.

— Que coisa mais idiota! — disse ela. — Em que é que estava pensando?

— Pensei que, se estivesse sonhando, quando batesse no poste eu acordaria — disse ele em voz brinca. — E, se estivesse morto...

— Nós não .estamos mortos nem sonhando — interrompeu-o.

— Certo, então o que está havendo?

— Não sei bem — respondeu ela em voz suave. — Mas acho que Einstein tinha uma teoria sobre isso: a relatividade do tempo.

— Significando que...

— Alguma coisa aconteceu. Está mais do que claro que não estamos mais nos anos noventa des­te século — disse ela, tentando parecer calma.

A verdade era que sua intuição estava no alerta vermelho. Ela e Kane não estavam mortos. Tam­pouco tinham alucinações, tinha certeza disso. O que lhes deixava poucas alternativas.

Suzana fez uma pausa, reparando num papel grudado no poste em que Kane trombara. Che­gando mais perto, engasgou ao ler a data do cartaz que anunciava um circo chegando à cidade. Sua intuição estava certa.

— Veja este cartaz!

— Não estou interessado — afirmou Kane, es­fregando com força o galo que crescia rapidamente em sua testa.

Alguém se aproximava pela calçada. Um ho­mem, usando chapéu e bengala, e roupas que pa­reciam saídas de um filme.

— Desculpe, senhor — Suzana dirigiu-se ao ho­mem. — Poderia me dizer que horas são, por favor?

O homem olhou para ela. Suzana respirou fundo. Puxando um relógio de bolso do colete, o homem informou:

— São nove e quinze.

— Obrigada.

Podia ver que ele estava impaciente para conti­nuar seu caminho, por isso foi diretamente ao ponto.

— E estamos no ano de...

A essa pergunta, o olhar do cavalheiro tornou-se bastante desconfiado.

— Que espécie de brincadeira é essa? O ano é mil, oitocentos e oitenta e quatro, é claro.

Suzana ficou lívida. Era o mesmo ano que o cartaz mostrava. Tivera algumas dúvidas, mas agora, ouvindo a confirmação, sentia-se como se lhe tivessem puxado o tapete de sob os pés.

Olhando para Kane, o espantado senhor mur­murou alguma coisa sobre os efeitos prejudiciais do álcool, e seguiu rapidamente seu caminho.

Levou um momento para Suzana se recuperar e poder falar.

― Ouviu aquilo? — sussurrou para Kane.

― Ouvi, ele pensou que eu estava bêbado — replicou, irritado.

― Antes disso, sobre estarmos em... mil, oitocentos e oitenta e quatro.

Kane concordou, fazendo uma careta. Sua ca­beça doía demais.

— Ouvi o que ele disse. Certamente não regula bem. Você não acreditou no que ele disse, não é mesmo?

— Isso explicaria um monte de coisas.

— Ah, é claro — caçoou Kane.

— E se tivéssemos viajado no tempo?

— Isso é ridículo demais para sequer ser con­siderado. Vamos andando. — Agarrando-lhe a mão, Kane foi levando-a em direção a uma ave­nida maior, onde havia mais gente. — Vou provar a você.

Todos usavam roupas de fins do século dezeno­ve. A grande maioria era de homens. A luz a gás dos postes nas ruas não tinha o tom alaranjado das luzes usadas em tantas cidades dos dias de hoje. Todos os sentidos de Suzana estavam sendo bombardeados com a prova do tempo: o forte odor dos cavalos misturado com a transpiração huma­na, o som contínuo do trotar dos animais puxando charretes pela agitada avenida, que não era asfaltada, mais parecendo ser de terra ou areia. Até mesmo a calçada sob seus pés era diferente, feita com tijolos vermelhos. Todos usavam chapéu. Ex­ceto Kane e ela.

Enquanto Suzana reparava nas pessoas, Kane se aproximou de cada um que passava por eles e perguntou-lhes em que ano estavam.

Percebendo os olhares de desaprovação e des­confiança dirigidos a eles, Suzana sacudiu a mão que Kane agarrava fortemente, chamando-lhe a atenção.

— O que você pensa fazer? Continuar pergun­tando até que alguém lhe dê a resposta que quer ouvir ou até que chamem a polícia? — perguntou ela em voz baixa.

— Desde quando fazer uma simples pergunta é ilegal?

— Pare com isso — ordenou ela, soltando a mão que ele prendia. Puxando-o para a esquina, mais longe do trânsito de pedestres, ela disse: — Estou preocupada em sermos colocados em um hospício, pela maneira como você está se compor­tando! Acredite, eles não tratavam as pessoas muito bem no asilo de Bellevue, nessa época. Por isso, tente não dar um espetáculo gratuito, está bem? Não queremos chamar atenção.

Suzana dirigiu-o de volta para a rua, andando deliberadamente num passo vagaroso e descuida­do. Aliás, era só o que podia fazer, com a longa saia e o pesado vestido de veludo.

— Tudo isso é culpa sua — murmurou Kane, a cabeça ainda latejando. Ao passarem pelo infame poste de luz, ele olhou para cima ante de voltar-se para Suzana. — Alguma coisa deve ter acontecido quando nós pisamos naquela da­nada luz azul.

― Não havia pistola alguma apontada para a sua cabeça obrigando-o a entrar depois de mim. Escute, não tem sentido ficarmos agora nos acu­sando um ao outro. Precisamos é voltar para aque­le quarto.

Ele encaminhou-se para a porta de entrada da casa onde haviam visto a tal luz no andar superior.

— Está bem. Quanto antes, melhor.

― Espere um minuto. Como é que vamos voltar lá para dentro?

— Abrindo a porta. — E deu-lhe as costas, antes que ela pudesse protestar.

Uma empregada apressou-se em vir através do saguão para recebê-los.

— Posso ajudá-lo, senhor?

— Esquecemos uma coisa aqui — explicou Kane. — Nada para se preocupar. Vai ser só um minuto.

Por sorte, outro empregado carregando uma ban­deja cheia de comida chamou a empregada no salão da frente.

Ao entrar silenciosamente porta a dentro para o salão lotado de pessoas, Suzana se deu conta de que, apesar de a festa prosseguir, o ânimo dela definitivamente havia mudado, sendo agora muito mais sombrio do que festivo. Procurou Kane com o olhar e rapidamente tentou acompanhá-lo, ape­sar de ele já se encontrar no meio da escada.

Chegaram sem problemas ao terceiro andar. Ela voltou-se para ele e disse, desanimada: Não há mais nenhuma luz azul aqui.

— Não fique triste. Tente lembrar exatamente o que foi que fizemos. Quem sabe se repetirmos tudo exatamente igual...

Suzana concordou. Era uma sugestão tão boa como outra qualquer.

A medida que ia se lembrando, repetia os mesmos movimentos que fizera. Parou sob o batente da se­gunda porta, com Kane bem a seu lado, quase pi­sando na barra de veludo vermelho de seu vestido.

— Funcionou? — perguntou ele. — Será que voltamos ao nosso tempo?

Olhando para fora da janela, Suzana disse:

— Acho que não. Ei, você sabia que há um es­pelho pendurado aqui, dirigido para a porta da frente? Desse ângulo pode ver quem está à porta.

— Quer parar de tagarelar sobre a decoração? — Kane exasperou-se. — Trate de fazer alguma coisa útil.

— Eu nunca tagarelo - informou Suzana al­tivamente antes que outro pensamento lhe pas­sasse pela mente. — Lembro-me de outra coisa. Por um segundo, estou certa de que vi o rosto da mulher do retrato. Elsbeth.

— Olhe, estou pronto a reconhecer a possibili­dade da viagem no tempo aqui, mas nada de fan­tasmas — afirmou Kane, categórico.

"Ajude-me!"

Os olhos de Suzana se arregalaram.

— Ouviu isso? — sussurrou ela.

— Ouvi o quê? "Ajude-me!"

Suzana prendeu a respiração ao perceber a urgên­cia dolorosa na voz da mulher, e ao notar que a ouvia dentro de sua própria cabeça. Será que era... Elsbeth? Estaria entrando em contato com ela?

"Foi você que nos trouxe aqui?" Suzana tentava telepaticamente conversar com o dono da voz.

"Você está aí?" Suzana sentiu a silenciosa confirmação.

"Você nos trouxe aqui?"

Mais uma vez a confirmação silenciosa.

"Mas por quê?"

Dessa vez Suzana ouviu a resposta sussurrada em sua mente: "Para ajudar-me".

— Ajudá-la como? — perguntou em voz alta. Suas palavras articuladas cortaram o vínculo silencioso entre elas.

— Será que você poderia parar com esse sentimentalismo e tratar de me ajudar aqui? — pergun­tou Kane. Vendo a hesitação dela, acrescentou ra­pidamente: — Quer ficar presa no passado para sem­pre? As mulheres nem sequer podiam votar ainda.

Suspirando, Suzana achou que ele tinha razão. A prioridade deles tinha que ser descobrir um ca­minho para casa.

— O que quer que eu faça?

Voltando para dentro do quarto, Kane disse:

— Tente bater nas paredes para ouvir se são ocas. Ela assim fez, enquanto perguntava:

— O que estamos procurando?

— Não sei. Qualquer coisa fora do comum. Uma porta do tempo, talvez.

Parece ficção científica — reparou ela com um riso nervoso. A situação toda era bizarra demais. Os dois bateram em todas as paredes do quarto. Nada ocorreu. Suzana foi ficando mais e mais desencorajada.

O olhar de Kane pousou subitamente na linha baixa de seu decote, e o estudou com um interesse mais do que casual. Subitamente as palavras que ele lhe dissera no Centro de Convenções aquela tarde voltaram-lhe à mente: uma Mata Hari. Su­zana não gostou de maneira alguma do jeito como ele a olhava. Ergueu os ombros e o encarou, num mudo desafio. Quando ele falou, disse algo longe do que ela esperava ouvir:

— Onde você conseguiu o colar que está usando? Suas mãos voaram para cobrir o colar.

— Por que quer saber? —retornou ela, desconfiada.

— Porque a mulher no retrato da escada está usando um idêntico a ele.

— Elsbeth?

Saindo para o hall e descendo alguns degraus, Suzana estudou o retrato. Kane bloqueara sua visão quando ela correta para cima, uma hora antes. Agora pôde ver o tecido negro drapeado à volta do retrato. Aquilo não estivera ali quando a guia falara sobre a pintura. Suzana conhecia bastante a tradição vitoriana para saber que o tecido era somente usado em para indicar que a pessoa retratada morrera. Seu coração acelerou.

— Ela já morreu. E tarde demais para salvá-la.

— Salvá-la? — repetiu Kane. — Escute, até eu sei que não se pode mexer em nada como vida e morte.

— Então por que ela nos trouxe aqui?

— Quem disse que ela nos trouxe?

— Só digo. Posso sentir isso.

Também recebera confirmação de Elsbeth, mas não acreditava que essa fosse a melhor hora para confessar que se comunicara com um fantasma. Porque agora tinha certeza de que fora isso o que fizera: se comunicara com Elsbeth. Não havia sim­plesmente imaginado.

— Essa mulher é alguma parente sua? — per­guntou Kane.

Suzana sacudiu a cabeça.

— Não tenho nenhum parente em Savannah.

— Como pode ter certeza? — retorquiu.

— Porque fiz uma árvore genealógica da fa­mília, para o aniversário de casamento de meus pais, e tracei meus antepassados até o ano mil e setecentos. O nome de Elsbeth Whitaker não apareceu.

— Então, como explica o colar? E exatamente igual ao seu. Será que fizeram dois iguais?

Mais uma vez Suzana sacudiu a cabeça.

— Este foi feito especialmente para minha bi­savó. — Olhando para os tristes olhos da mulher do retrato, sentiu um forte aperto no coração.

Tentava colocar as peças do quebra-cabeça em seus lugares. Será que sua bisavó tinha recebido, de alguma maneira, o colar de Elsbeth? Quem sabe as duas mulheres se conhecessem? Qualquer que fosse o caso, Suzana sabia que estava ali por algum motivo. Tudo o que tinha que descobrir era que razão era essa. Não percebeu que dissera as palavras em voz alta até que Kane replicou:

— E como pensa em fazer isso?

— Conseguindo mais informações sobre Elsbeth Whitaker.

— Como? Perguntando às pessoas lá embaixo?

— Claro que não. Nada tão rude. Isso é mais o seu estilo do que meu.

Ele gemeu.

— Acontece que eu editei um livro ou dois dessa era, para sorte sua — informou ela.

— Oh, claro. Estou contando todas as graças que já obtive por isso — respondeu Kane, sarcástico.

— Apenas cale-se e ouça. Você pode aprender alguma coisa.

— Sobre você?

— Sobre o povo na festa lá em baixo. Quanto mais rápido conseguirmos descobrir o que se passa aqui, mais rápido poderemos voltar para nosso tempo — lembrou ela.

Suzana participara de vários coquetéis de pu­blicidade e sabia como se comportar neles: circular à volta da sala e ligar-se nas conversas ao seu redor. A sua direita, dois homens conversavam sobre algum livro que haviam comprado recente­mente. Suzana levou algum tempo para perceber que falavam sobre O Príncipe e o Pobre, de Mark Twain. A sua esquerda, duas mulheres comenta­vam as alegrias do matrimônio.

— Sempre fui de opinião que uma mulher pre­cisa renunciar a seus interesses e viver para o marido a fim de ter um casamento verdadeira­mente feliz.

— E isso mesmo. Talvez tenha sido por isso que Elsbeth não foi feliz. Mas para ter um fim assim tão trágico... — As palavras eram agora apenas um sussurro, e Suzana precisou esforçar para ouvi-las. — O escândalo é inimaginável. Coisas assim simplesmente não acontecem em nosso círculo de relações.

A outra mulher concordou.

― Eu não estava segura se deveria vir aqui hoje, mas meu marido disse que esta noite ia ser principalmente uma reunião de negócios. Achei que devia aceitar a opinião dele nesse assunto, por isso viemos.

― É o que você sempre deve fazer.

O sangue de Suzana estava fervendo, mas não havia tempo para isso agora. Comparando suas rou­pas com as das outras mulheres presentes, percebeu que sua toalete já estava fora de moda havia uns vinte anos, pelo menos. O problema era que ela estava chamando a atenção, e isso era o não queria.

Acenando com a cabeça para Kane, que se en­contrava alguns passos adiante, indicou a porta na esperança de estar sendo discreta, pretendendo fazer uma saída rápida. Para seu alívio, ele re­cebeu a mensagem silenciosa e, alguns minutos mais tarde, estavam do lado de fora outra vez.

— Então, o que descobriu? — perguntou Kane.

— Que as mulheres desta época eram total­mente reprimidas e sofriam lavagem cerebral — respondeu Suzana.

— Ótimo. Foi uma grande ajuda.

― Ok. E o que foi que você descobriu?

― Que ainda falam sobre o primeiro jogo de bei­sebol realizado sob luzes elétricas em junho do ano passado. No Fort Wayne, em Indiana, imagine!

— Só isso?

Não. Também descobri que essas pessoas não gostam dos republicanos e não aprovam o governo. Apesar de a guerra civil ter terminado há vinte anos, aparentemente eles ainda se ressentem e disputam com o Norte.

— Nós tivemos sorte de não chegar no meio da guerra — notou Suzana.

Caminhavam enquanto falavam. A noite estava abafada, e o ar, bastante úmido. Um grampo es­corregou para o chão e várias mechas de cabelo caíram sobre a orelha esquerda de Suzana, em espirais descontroladas. Resmungando baixo, ela tentou recolocar o grampo no lugar.

— Está me ouvindo? — perguntou Kane, impaciente.

— Não, não ouvi — admitiu, sincera. — E você pode parar de olhar para mim dessa maneira. Já fez isso tantas vezes nessas últimas doze horas que já não faz mais efeito.

Para sua surpresa, ele sorriu.

Estava muito elegante e vistoso. Suzana lem­brava-se de ter pensado isso quando o vira pela primeira vez na festa.

— O que está olhando? — perguntou ela, ten­tando esconder os pensamentos.

— Você. Há um grampo caindo em sua sobran­celha. Aqui. — Roçou-lhe a têmpora com o indi­cador. O mero toque tirou-a do sério.

— Bem... Precisamos decidir o que fazer agora.

— A resposta é óbvia. Precisamos de dinheiro.

— E como pretende conseguir isso? — per­guntou ela.

Aquela altura haviam chegado a uma área cheia de gente. Como antes, Suzana viu apenas uma mulher por ali. Estava em frente ao que parecia ser uma taverna. Apesar de não ser especialista em coisas desse tempo, Suzana imaginou que a quan­tidade de perna nua que a loura mostrava devia ser apropriada para uma dançarina da época.

Vendo Kane, a outra mulher se animou.

Ele reparou nela, o que aborreceu Suzana.

— O que vai fazer? — perguntou ela. — Per­guntar a ela em que ano estamos?

A mulher ouviu-a.

— Que ano deseja que seja? — perguntou, aproximando-se de Kane. — Posso fazer o que quiser.

Só dois dólares.

— Que pechincha! — disse Suzana cáustica. — Barata mesmo!

— Veja lá o que chama de barata! — exclamou a mulher em voz alta.

Um homem com um avental amarrado à cintura aproximou-se para averiguar.

— Vamos, Polly, sabe que não deve abordar os clientes. O patrão também pensa assim.

— Ok, Jed... — disse a mulher.

— Entre, senhor. E por favor, desculpe a indelicadeza dessa moça. Polly, leve sua colega — o homem apontou para Suzana — e vão em frente.

Suzana não acreditou. Em mil, novecentos e noVenta e cinco, Kane a chamara de Mata Hari, e aqui, em mil, oitocentos e oitenta e quatro, estava sendo confundida com uma mulher da rua.

— Ela está comigo — declarou Kane.

— Perdão, senhor — retificou o garçom. — Não quis faltar com o respeito. É que não recebemos muitas mulheres decentes aqui.

— Bem, estão recebendo uma agora — informou Suzana altivamente, passando pela porta apenas para estancar diante da força de uns trinta pares de olhos dirigidos para sua pessoa.

— Não era você que queria passar despercebida? — perguntou Kane, próximo à sua orelha.

O arrepio que sentiu não foi causado pelos olha­res sobre ela, mas pela morna respiração de Kane em sua orelha.

Quis sair do bar imediatamente, mas ele tinha outras idéias.

— Você não vai a parte alguma. Eu lhe disse que precisamos de dinheiro.

Ela fitou-o, incrédula.

— Não está pensando que eu vou... como Polly... Por um segundo os olhos dele passearam por seu corpo. Era o mesmo que os outros estavam fazendo, mas enquanto aqueles lhe provocavam nojo, o olhar de Kane fez com que sentisse um calor em todo o corpo.

— Pare de tirar conclusões apressadas — re­preendeu-a, num tom frio de voz. — Fique aqui.

Sem dizer mais nada, soltou-a foi falar com Jed. Suzana ficou perto de Kane para que os outros homens não tivessem idéias erradas sobre ela.

Alguns minutos mais tarde, Kane voltou para o seu lado.

—Vamos embora agora?—perguntou, esperançosa.

— Não. Vamos jogar pôquer. Ou melhor, eu vou. Você ficará ao meu lado, e bem quieta.

— Só pode estar brincando...

— De jeito nenhum.

— E como pretende jogar sem dinheiro? — lembrou ela.

— Acho que posso tentar usar você como aposta — provocou-a.

— Tente isso e morre na hora.

— Pensei mesmo que diria algo assim. Então, vamos usar suas jóias.

— Que negócio é esse? Você não vai colocar as mãos no que me pertence.

Ele riu.

— Tem idéia melhor?

— Deve haver algo melhor do que jogar.

— Se há, não temos tempo para descobrir — replicou Kane. — Jed disse que há uma partida começando agora na sala dos fundos. Se quiser, pode esperar lá fora, com Polly.

Suzana dirigiu-lhe um olhar que teria matado uma cobra, antes de informar:

— Preferia tomar um cappuccino gelado em frente a um ar-condicionado, mas essa não parece ser uma opção no momento.

— Tem razão. Você só pode contar comigo. Agarrando o braço dela, encaminhou-se, rindo, para a sala do fundo, enquanto murmurava:

— Não faça cenas. Lembre-se de Bellevue.

Bellevue? Claro, bem que ela merecia ser tran­cafiada num manicômio por concordar com aquele plano maluco. Mas não conseguia imaginar nada melhor.

Então, resolveu não reclamar quando Kane usou seus dois anéis como abertura de aposta. Suzana notava os olhares interessados que recebia dos homens da pequena sala. Mais uma vez, era a única mulher presente.

Seu mal-estar aumentou à medida que Kane começou a perder. A seguir, ele pediu sua pulseira.

Ela protestou.

— Essa era a minha...

— Pulseira favorita. Eu sei — disse Kane, rá­pido. — Eu compro outra, depois.

Então, foram os brincos. Mas ela se recusaria a entregar o colar de sua bisavó.

Olhava preocupada as apostas de moedas que Kane recebera em troca das jóias. Ele a avisara para não dizer nada, mas estava louco se achava que ia ficar ali de pé e vê-lo perder tudo.

Como se lesse os pensamentos de Suzana, ele lhe enviou um olhar de advertência antes de dizer:

— Senhores, parece que estou tendo problemas em conseguir recursos.

— Que pena — disse um senhor que fumava charutos, chamado J. P. Bellows, após soltar per­feitos aros de fumaça. — Parece então que ganhei.

— Não tão depressa — replicou Kane. — Ainda temos o colar de minha mulher.

Minha mulher? Suzana não podia crer. Estava exausta. Havia se levantado às quatro horas da manhã para apanhar o avião em Nova York e chegara ao Centro de Convenções pouco antes das nove; passara o dia em pé e comera pouco; isso sem mencionar a viagem de cento e onze anos. Uma pessoa tinha direito a estar um tanto ator­doada nessas circunstâncias.

Enquanto estivera distraída com seus pensa­mentos, Kane finalizara os arranjos para usar seu colar como suplemento para a sua última aposta. E, para seu horror, ele apostou tudo nas cartas que segurava.

— Vai precisar mais do que esse colar para cobrir minha aposta — disse J. P.

A sala ficou silenciosa de repente. Em meio ao silêncio, ouviu-se um súbito bip-bip.

— O que foi isso? — perguntou J. P.

— E o meu relógio — respondeu Kane.

— Nunca vi um com esse barulho.

— É mesmo um tanto incomum.

— Deixe-me vê-lo, então.

Kane estendeu o pulso e mostrou a eles seu relógio, com o mostrador digital e vários botões de funções.

— Isso não é um relógio — zombou J. P. — Onde estão os ponteiros?

— Não há necessidade deles. Veja, a hora é mostrada em números.

— Deixe seu relógio esquisito aí e a aposta está feita — declarou J. P.

— Combinado.

Suzana desejava entender as regras do jogo para saber se a mão que ele tinha era boa ou não. A expressão do rosto de Kane não deixava transparecer nenhuma emoção. O desespero no de Suzana, no entanto, sem dúvida encorajou o outro homem.

Num gesto instintivo, agarrou o colar. Fechando os olhos, ela começou a rezar silenciosamente.

Momentos depois, ouviu os gemidos do outro homem da mesa. Seria bom sinal ou não?

Abriu os olhos para ver Kane se apossando de uma enorme pilha de moedas e de notas, e trazendo-as para sua direção.

— Nós ganhamos?

— Sim.


Suzana sentiu uma onda de alívio. Gritou e gi­rou num pé só, para espanto dos homens à sua volta. Kane entendeu que tinha que agir depressa.

— Minha mulher é propensa a ter ataques — disse, sorrindo. — Só há um jeito de fazê-la parar.

— Ataques? — ela protestou.

Quando percebeu, ele a havia tomado nos braços e a beijava. Tendo sido pega totalmente desprevenida, Suzana não soube o que fazer. Jamais esperara isso de Kane. E muito menos imaginava que ele fosse capaz de beijar daquela forma, tão sedutoramente, apanhando seus lábios entreabertos com total confiança.

Ao afastar-se, piscou os olhos e viu nos dele o mesmo espanto que sentia. Aquele não fora um beijo comum. Sentia-se tão atordoada...

Observou em silêncio, enquanto Kane juntava seus ganhos.

— Obrigado, senhores — disse ele aos compa­nheiros de jogo. — Foi uma experiência e tanto.

— Espere — disse J. P. — Você deve nos dar uma chance de recuperar nossas perdas.

— Um outro dia, talvez. Preciso cuidar da saúde de minha mulher. Será que podem me indicar uma hospedaria respeitável por aqui?

— Há uma, duas quadras adiante — informou J. P. — Vire à direita ao sair, não há como―

Com um aceno, Kane devolveu a Suzana suas jóias e acompanhou-a para fora da taverna.

Ali chegando, ela respirou feliz o ar puro. Voltando-se para ele, indagou:

— Ataques? Sou sujeita a ataques?

— Tinha que lhes dizer alguma coisa.

— Mas não precisava ter me beijado!

— Precisava, sim. Eles já estavam desconfiados. Tinha que distraí-los.

— Bem, então... ― A verdade era que ele a havia distraído também. E como! — Você teve muita sorte por tudo ter saído tão bem.

— Sorte não tem nada a ver com isso — replicou, enfiando o resto do dinheiro no bolso interno do casaco antes de pegar o braço dela e sair andando rápido.

— Não me diga que você trapaceou! — exclamou Suzana, tentando acompanhá-lo.

— Claro que não.

— Então o que quis dizer?

— Que sou um jogador experiente.

— Claro que é. E foi por isso que estava perdendo?

— Exatamente. Atirei a isca e eles a engoliram. Vendo o ar de dúvida de Suzana, ele continuou:

— Veja, um dos programas de pôquer para com­putadores que inventei há alguns anos tornou-se o mais vendido do mercado. Por isso, acredite quando digo que sabia o que estava fazendo lá, está bem?

— Não, não está bem! — discordou Suzana. Deu um soco no braço dele.

— Ai! Por que fez isso? — reclamou ele.

— Por ter me apavorado até a morte não me avisando sobre o que pretendia fazer.

— E deixá-la estragar tudo? De jeito algum.

Em vez disso, tudo funcionou da maneira como imaginei. Você parecia tão apavorada que certa­mente ajudou nossa causa.

Ela não pôde deixar de se perguntar se o beijo fazia parte do plano. Tinha suas dúvidas. Kane parecera tão espantado quanto ela com a chama de desejo que surgira entre eles.

Sem querer pensar nisso, voltou-se para outro assunto.

— Espere aí. Por que estamos indo por este caminho? O homem disse que a hospedaria era do outro lado.

— Eu chequei com Jed, o garçom, antes do jogo. Aquela hospedaria é um horror. Mas não se preo­cupe, já tenho outro lugar na cabeça. Fica a ape­nas quinze minutos daqui.

Suzana tentou acompanhá-lo, mas a rapidez com que ele andava fazia seu vestido parecer pesadíssimo.

— Então, por que perguntou aos homens sobre a hospedaria?

— Queria que eles pensassem que era ali que iríamos ficar para o caso de algum deles ter a idéia de tentar recuperar o dinheiro que ganhamos hoje.

— Desconfiado, não?

— Cauteloso — replicou ele.

Suzana também ficou desconfiada e cautelosa ao ouvi-lo dizer:

— Já aluguei um quarto para nós.


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