A OPINIÃO DO JORNALISTA
José Carlos Aragão(*)
Outro dia, numa rede social, alguém postou: “Quando leio um jornal, não quero saber a opinião do jornalista: só quero saber da notícia”.
Rebati no ato: “Ao contrário, eu quero, sim, saber a opinião do jornalista!”
E de outras pessoas.
E a notícia também, por que não?
É que a minha opinião só se forma a partir do fato noticiado e da ponderação de todas as opiniões a respeito dele a que eu tiver acesso. E isso não significa que tenho que concordar necessariamente com a opinião de nenhum jornalista ou de quem quer que emita sua opinião. Como ninguém precisa concordar com o meu ponto de vista. Basta respeitar.
Está na essência da democracia, da tolerância e da convivência a pluralidade de ideias e o respeito à diversidade. Cada cabeça, uma sentença, diz a sabedoria popular. E somos cerca de sete bilhões de cabeças no mundo – 204 milhões delas só no Brasil. Por que deveria achar que a minha opinião é mais importante ou a única correta e que deveria ser seguida por todos?
Muita presunção.
Como é presunçoso e arrogante achar que a opinião alheia também seria irrelevante ou descartável. Como é injusto e antidemocrático vetar ao jornalista o direito de emitir juízo próprio. Como é ingênuo imaginar que toda notícia é isenta de manipulação por quem a publica.
TELEFONE SEM FIO
Sim, nenhuma notícia é a total expressão da verdade sobre um fato. Os livros de História estão aí, para comprovar isso. Entre o fato acontecido, o testemunho do fato, seu registro ou relato e sua chegada ao conhecimento do leitor ou espectador final, muita coisa é editada e se transforma, como aquela clássica brincadeira de telefone sem fio. Vamos a exemplos:
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Um repórter de tevê grava meia hora de entrevista com uma personalidade qualquer. No telejornal da noite, a entrevista que vai ao ar não dura mais que 15 segundos.
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Um fotógrafo faz mais de 100 fotos durante a cobertura de uma partida de futebol. Na manhã seguinte, o jornal publica uma.
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Um portal de notícias publica em sua capa cerca de 80 chamadas para notícias diversas, de política, esporte, cultura, comportamento, finanças, tecnologia, etc. Entre elas, uma chamada com foto dizendo que a pseudocelebridade Tal foi flagrada exibindo seu corpão na praia, no dia anterior.
O depoimento do ex-ministro sobre a crise econômica – que levou um dia inteiro para ser negociada pela produção do telejornal e incluída em sua apertada agenda – foi resumido a uma única frase, pinçada de meia hora de gravação bruta. Além disso, foi inserido em uma matéria de 48 segundos, em que o repórter incluiu ainda uma fala do ministro atual, de um economista independente e de uma dona de casa num supermercado.
Para o leitor que buscava apenas saber os detalhes do gol da vitória do seu time no jogo da véspera, o que ele viu, ao abrir o jornal, foi a foto da briga entre torcidas nas arquibancadas do estádio, em que morreu um inocente torcedor atingido na cabeça por um vaso sanitário e que, para o editor de esportes do jornal, foi o fato mais importante da partida.
O corpão exposto da ex-BBB na praia – como se “corpão” não fosse arroz de festa em qualquer praia brasileira – foi considerado pelo editor como algo digno de nota e chamada no portal, ainda que isso não tenha a menor relevância para milhões de leitores que, como eu, não curtem corpões ou celebridades instantâneas. (Mas o editor gosta e sabe que há outros milhões que pensam como ele e irão clicar no link só para ver a peladona famosa.)
O que há em comum em tudo isso? Todas essas informações foram, em alguma medida, editadas – ou manipuladas - antes de serem publicadas, segundo conveniências, gostos e convicções pessoais, limitações de tempo ou espaço e, mesmo, interesses insabidos.
Então – tirando-se a suposta ingenuidade de quem possa julgar que toda notícia publicada é isenta por si própria – o que move alguém a querer desancar a legítima opinião de um jornalista?
CHICO & FRANCISCO
De uns tempos para cá – mais precisamente com a profusão das redes sociais – muita gente achou confortável e oportuno culpar a chamada “grande mídia” pela mazelas do mundo. Cada um, com seu smartphone e pau de selfie na mão, julgando-se a única e confiável “testemunha ocular da História”, passou a divulgar pela internet a sua “isenta” versão dos acontecimentos.
“Pau que dá em Chico, dá em Francisco”, entretanto.
Nada é isento, nas redes sociais. Se a grande mídia é acusada de conivência com governos (a quem deve impostos), subserviência ao poder econômico (que a patrocina) ou de favorecer este ou aquele partido político (visando possíveis benesses pós-eleitorais), não se pode acreditar que as mídias chamadas “livres” também não tenham rabo preso, quer seja com ideologias e projetos próprios de poder, quer seja com grupos econômicos que as financiam sub-repticiamente.
Num passado não muito distante, tivemos no país um fenômeno similar, embora guarde muitas diferenças. Na década de 1970, tivemos no país o surgimento de vários jornais independentes, de clara oposição à ditadura em que vivíamos. A maior parte deles era em formato tabloide, o que os destacava dos jornalões tradicionais e que os levou a serem conhecidos como “imprensa nanica”.
Naquele tempo, contudo, mesmo os jornalões, em sua maioria, eram contrários ao governo militar e eram recorrentemente perseguidos pela Censura e pela prisão, tortura e morte de seus jornalistas. Havia também pressão e intimidação contra anunciantes, para que não veiculassem publicidade nesses veículos. Os “nanicos”, por seu lado, sobreviviam à custa de exemplares vendidos, não dependiam de anunciantes (não que não o desejassem, claro), ou teriam sido financiados pelo fabuloso “ouro de Moscou”. O fato é que a maioria se autopublicava na marra, sob risco de morte de seus editores e colaboradores, de apreensão de tiragens antes de chegarem às bancas, e de empastelamento de suas gráficas e redações. Tempos de coragem e medo, muito medo.
Mas hoje, a coragem de quem ataca a “grande mídia” reside no território sem lei das redes sociais, em que qualquer um se julga o herói da notícia e o dono da verdade. Abrigados no conforto e segurança do mundo virtual, franco-atiradores miram em quem não compartilha sua opinião e interesses próprios e, nessa batalha insana e míope, elegeram jornais e redes de TV como alvo principal – quando não, sua própria razão de viver.
Ao contrário do que pensam (pensam?), essa demonização da mídia tira o foco dos nossos reais problemas e canaliza para uma questão menor (não desprezível, porém) a energia e os esforços necessários para se mudar verdadeiramente o país. Mudança que só virá com a priorização de uma Educação de qualidade, que forme cidadão críticos, tolerantes com a diversidade e pluralidade de ideias, e impossíveis de serem manipulados pela mídia – seja ela de que tamanho for.
(*) Escritor, dramaturgo e cartunista, de Belo Horizonte
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