A voz do passado



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Na prática, essas regras são menos observadas do que deve-riam. Quanto a isso, o historiador oral leva grande vantagem, por ter a possibilidade de se valer da experiência de uma outra disci-plina. Há muito tempo os pesquisadores sociais utilizam entrevis-tas, de modo que existe farta discussão sociológica sobre o mé-todo de entrevista, as fontes dos vieses que aí podem ocorrer, e como estes podem ser estimados e minimizados. Comparativa-mente, é escassa a discussão sobre os vieses que, de modo seme-lhante, são inerentes a toda documentação escrita. Pouca orienta-139

ção se encontra a respeito dessas falhas em qualquer uma da5 fontes de informação favoritas dos historiadores modernos.


Os jornais proporcionam um exemplo característico. Poucos historiadores negariam o viés existente nas reportagens contem-porâneas, ou aceitariam literalmente o que a imprensa oferece; porém, ao utilizar jornais para reconstruir o passado, mostram-se em geral muito menos cautelosos. Isto se dá porque raramente têm condições de destrinchar as possíveis fontes de distorção em jornais antigos. Podemos saber quem era o proprietário do jorna] e, talvez, identificar seus vieses políticos ou sociais; nunca, porém se poderá mais do que conjeturar sobre se o colaborador anônimo que redigiu determinada matéria partilhava daqueles vieses. Assim a imprecisão de sua fonte, geralmente o relato de uma testemunha ocular, ou uma entrevista feita pelo jornalista, não é a mica de que padece a evidência que os historiadores citam a partir de jornais. Ela é também selecionada, moldada e filtrada por um determinado viés, a respeito do qual, no entanto, o historiador não está seguro. Por exemplo, quando Bonar Law pronunciou sei célebre discurso num gigantesco comício dos conservadores, no Palácio de Blenheim, em julho de 1912, declarando que apoiaria a Irlanda do Norte na resistência pela força à Irish Home Rule houve ligeiras diferenças entre as transcrições das palavras exatas por ele escolhidas para compor as principais frases que utilizou. Essas diferenças de transcrição podem ter sido acidentais, ou intencionais. Nem todos os historiadores modernos utilizam a versão que The Times publicou na manhã seguinte. Contudo, também não é hábito indicar essas variantes, nem mesmo num livro de "documentos", ou num a biografia de Bonar Law? Esse caso revela-nos mais sobre o modo como atua normalmente o historiador do que sobre suas conseqüências, porque o efeito histórico das palavras de Bonar Law deu-se mais por meio das notícias jornais do que de seu impacto direto em Blenheim. Mas há outro exemplo que talvez nos mostre como a evidência jornalística pode ser sistematicamente enganosa, tanto quanto imprecisa Lawrence Goodwin utilizou jornais e outras fontes escritas em

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combinação com entrevistas para um estudo político sobre um condado do leste do Texas, no qual, na década de 1890, um par-tido democrata, exclusivamente de brancos, expulsou do poder os populistas, que eram inter-raciais. A partir da imprensa demo-crata local, era impossível dizer quer como isso aconteceu, quer, na verdade, como os populistas haviam, de início, conseguido apoio, e quem havia sido a maioria de seus líderes políticos. Good-win conseguiu descobrir três tradições orais distintas, oriundas de posições políticas diferentes na comunidade, as quais, quando liga-das às notícias da imprensa, mostraram que o contragolpe demo-crata se baseara numa campanha sistemática de assassinato e inti-midação. Não só o jornal omitira deliberadamente a significação política do que noticiava, como também alguns dos "eventos" noticiados não haviam ocorrido e foram publicados como parte da intimidação. Por exemplo, um determinado político, cuja morte foi noticiada, na verdade escapou de seus assassinos e viveu por mais trinta anos.4 Mas a recusa de Goodwin em basear-se na evi-dência dos jornais é rara entre historiadores - e ela tem um funda-mento curioso, visto que, anteriormente, ele próprio fora jornalista.
A maioria dos historiadores se sentiria mais próxima do cerne das coisas com a correspondência. Certamente, as cartas têm a vantagem de constituir, muitas vezes, a própria comunica-ção original. Isso, porém, não as livra do problema do viés, nem garante que o que as cartas dizem seja verdade, ou transmita os verdadeiros sentimentos de quem as escreve. De fato, elas estão sujeitas ao mesmo tipo de influência social que tem sido obser-vada em entrevistas, porém de forma exagerada, porque rara-mente se escreve uma carta a um destinatário que esteja tentando ser neutro corno um entrevistador. Contudo, raramente os histo-riadores param para pensar até que ponto determinada carta foi formulada por quem a escreveu para atender às expectativas de seu imaginado destinatário, fosse este um inimigo político ou um amigo político, ou um amante, ou, talvez, até mesmo, o fiscal do imposto de renda. E se isso é verdade em relação a cartas, ainda é mais verdadeiro em relação a outras fontes primárias, tais como

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relatórios de informantes pagos, ou depoimentos - declarações de evidência feitas na expectativa de urna possível audiência judicial.
Autobiografias publicadas são outro tipo de fonte muito co-mumente citada. Neste caso, os problemas de fidedignidade são mais geralmente reconhecidos. Alguns deles são partilhados com a entrevista oral de história de vida. Na opinião de A. J. P. Taylor, "As memórias escritas são uma forma de história oral feita para enganar os historiadores" e são "inúteis, exceto no que diz res-peito à atmosfera".5 Carecem de algumas das vantagens da entre-vista e pouco oferecem em compensação. O autor não pode ser interrogado, nem se pode pedir-lhe que se estenda sobre algum assunto de especial interesse. A autobiografia publicada é uma comunicação de mão única, cujo conteúdo é positivamente sele-cionado tendo em mente o gosto do público leitor. Não se pode considerar reveladora de segredos. Se parece expor intimidades1 ela o faz consciente de um público, do mesmo modo que um ator sobre o palco, ou num filme. Como confissão pública, é contida, e raramente inclui algo que o autor perceba ser realmente desabonador. Nos casos em que é possível cotejar uma entrevista confidencial com uma história de vida escrita para ser publicada, parece uniforme a tendência a omitir alguns dos detalhes na íntimos, a esquecer o aborrecimento que causavam aquelas crianças malcriadas da rua, por exemplo, o que seria muito mais esclarecedor do que a generalização "cor-de-rosa" de que "naquele tempo, as crianças tinham mais respeito pelos mais velhos". Não obstante, exatamente por ser impressa e não gravada em fita muitos historiadores se sentiriam mais felizes citando uma auto biografia publicada do que uma entrevista.
Muitas das fontes clássicas para os historiadores sociais tais como o censo, os registros de nascimento, casamento morte, as Royal Commissions e os levantamentos sociais, como os de Booth e Rowntree, são, elas mesmas, baseadas em entrevistas feitas na época. Os volumes das Royal Commissions, que desfrutam de tanta autoridade, apóiam-se num método que era duvidoso, mesmo quando um Francis Place ou uma Beatrice Webb

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ainda não atuavam nos bastidores na manipulação de testemu-nlias. Eles empregavam uma forma particularmente intimidativa de entrevista, em que o informante era posto sozinho diante de toda a comissão - tal como se uma viúva em busca de ajuda tivesse de enfrentar o Board of Guardians.
A maioria das estatísticas sociais básicas também procedem de interações humanas e, em conseqüência, raramente oferecem uni simples registro de meros fatos. Ao escrever seu estudo clás-sico sobre o Suicídio, Émile Durkheim acreditava ser possível tratar "os fatos sociais como coisas": como verdade imutável e absoluta. Atualmente, porém, admite-se que as estatísticas de sui-cídio que utilizou variam tanto com o grau em que o suicídio era encarado como vergonha social a ser encoberta, quanto com a proporção em que as pessoas se matavam.6 Analogamente, temos conhecimento - a partir de outras entrevistas, retrospectivas -de que os registros de casamento de fins do século XIX e come-ços do século XX subestimavam grosseiramente as taxas de casa-mento dos grupos etários mais jovens, que tinham que obter con-sentimento dos pais para casar-se. Os que julgavam que os pais poderiam opor-se, simplesmente falseavam a declaração de idade para os escrivães. Cifras posteriores demonstram que as verda-deiras taxas dos mais jovens eram o dobro das que se registraram na época.7 Estatísticas relativas a alimentação, tais como as sobre o consumo de diferentes espécies de peixe, eram distorcidas pela necessidade de vender novos tipos de peixe sob velhos nomes: constituía prática habitual, por exemplo, vender bagre ou ca-brinha como hadoque, ou filé de hadoque. Cifras relativas à pro-porção da mão-de-obra que era qualificada apresentam discre-pâncias assustadoras, só explicáveis como sendo pontos de vista sociais: assim, as estatísticas do censo, baseadas na declaração do próprio indivíduo, mantiveram-se elevadas e ligeiramente ascen-dentes, enquanto as dos informes dos empregadores caíram rapi-damente. Problemas semelhantes atingem até mesmo o registro de fatos físicos, como moradia. A definição de "um cômodo", dada pelo censo, utilizada para medir a superlotação, foi uma

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definição social, o que determinou a exclusão das copas e a soli-dez que deviam ter os tabiques para que um cômodo fosse com-putado como dois. Os historiadores sociais, porém, talvez por se terem aproximado dos dados estatísticos relativamente há pouco tempo, caem com demasiada facilidade na armadilha de Durk-heim de tratá-los como "coisas
Isto é verdade até mesmo em relação aos demógrafos histó-ricos. Neste caso, seguramente, poderia esperar-se encontrar his-toriadores lidando com fatos rigorosos. Tome-se, porém, a tabela de "Tamanho completo de família por ano de casamento" de 1860 a 1960, publicada com toda a segurança por E. A. Wrigley em seu Population and History. Ela se baseia em diversos con-juntos de entrevistas retrospectivas com mães, presumindo que elas sejam precisas ao lembrar-se do número de partos de crian-ças vivas que tiveram. Porém, não se leva em consideração quantas foram as crianças nascidas vivas que morreram na primeira infância ou no início da meninice, de modo que a tabela não mede o numero. médio de crianças realmente criadas - o "tamanho completo" de família como o percebem seus membros Devido á mortalidade infantil elevada, o tamanho médio de família antes de 1900 foi muito menor do que sugere a tabela, e nunca realmente tão elevado quanto o chamado tamanho completo m' de família da tabulação. Em outros termos, "tamanho completo família" é uma abstração do demógrafo, não um fato social histórico. Os historiadores e sociólogos de mentalidade estatísticas têm ignorado esse fato. Não têm mostrado possuir qualquer consciência de que, enquanto a tendência na tabela é indiscutível, cifras reais - por mais fundamentais que sejam para os estudos populacionais - não o são. Elas são estimativas que, nos últimos anos, têm sido, ocasionalmente, objeto de revisões significativas pelo Registrar-General, mesmo para os anos anteriores a 1914- de tal modo que se podem encontrar justapostos (sem qualquer explicação) conjuntos mutuamente contraditórios de tabelas na recente coletânea estatística de A. H. Halsey, Trends in Briti Society Since 1900.

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Em suma, as estatísticas sociais não representam fatos abso-lutos mais do que notícias de jornais, cartas privadas, ou biogra-fias publicadas. Do mesmo modo que o material de entrevistas gravadas, todos eles representam, quer a partir de posições pes-soais ou de agregados, a percepção social dos fatos; além disso, estão todos sujeitos a pressões sociais do contexto em que são obtidos. Com essas formas de evidência, o que chega até nós é o significado social, e este é que deve ser avaliado.


Exatamente a mesma cautela deve experimentar o historia-dor que, em algum arquivo, se vê diante de urna coleção de docu-mentos empacotados: escrituras, contratos, livros de registro de empregados, cartas, etc. Certamente não é por acaso que esses documentos e registros vieram a estar ao dispor do historiador. Houve um objetivo social por trás de sua criação original, tanto quanto de sua posterior preservação. Os historiadores que tratam esses achados como depósitos inocentes, como objetos lançados numa praia, estão simplesmente enganando a si próprios. Nova-mente, é necessário cogitar de como se terá constituído determi-nada evidência. Assim, por exemplo, a informação oficial tirada de registros do School Board e do County Council não indica que fosse exigido das professoras que se demitissem ao se casar, antes da década de 1920, ocasião em que esta se tornou urna política oficial; dessa data em diante, porém, registra isso como prática constante. Contudo, histórias de vida individuais documentam pedidos de demissão bastante freqüentes por ocasião do casa-mento antes de 1914, bem como nomeações de mulheres casadas para o cargo durante a vigência desse impedimento. Analoga-mente, pode-se mostrar também, recorrendo a fontes alternativas, que os relatórios oficiais dos membros da Poor Law Comissio-ners do Labour Migration Scheme exageraram enormemente as cifras relativas ao número de pobres demitidos e afirmaram falsa-mente que todos os demitidos haviam encontrado emprego, para fazer pensar que o plano estava sendo bem-sucedido. Em outro nível, até mesmo documentos sociais aparentemente casuais, como fotografias e filmes, são na verdade muito cuidadosamente

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montados. Tanto assim que, por exemplo, quase toda a sonoriza-ção de filmes da Segunda Guerra Mundial é simulada. E, ocasiões especiais, pode-se descobrir que, para um instantâneo "casual" de família, todos os que aparecem na fotografia fo obrigados a trocar de roupa, abandonando seus trajes habituais. não apenas isso, mas decisão semelhante é tomada quanto a com que fotos ficar para pôr no álbum. A mesma espécie de expurgo dá forma ao arquivo público. O processo de descartar e de confundir as memórias para ajustar-se a necessidades modernas, q tem sido identificado como uma forma de conquista genealógica na tradição africana, possui seu equivalente, nos países ocidentais, na prática de adulteração sistemática, ainda que semiconsciente, das coleções de registros. Não se pode senão refu tar como inteiramente equivocada, a afirmação de Royden Harris de que as fontes escritas de arquivos, "o tipo de evidência a q os historiadores dão maior valor", possuem particular superioridade sobre o material oral, por constituírem "uma espécie evidência primária que toma a forma de pedaços de papel q nos foram legados não intencionalmente, inconscientemente; guardados por instituições ou por pessoas no correr de suas atividade práticas". Contrariamente ao que ele afirma, esta é "uma questão de um certo preconceito supersticioso em favor da palavra escrita sobre a palavra falada"8
O que verdadeiramente distingue a evidência~ procede de razões bastante diferentes. A_primeir~i que ela ~apresenta sob forma oral. Como forma imediata çkregistro

o tem tanto vantagens quanto desvantagens. Leva-se muito tempo para escutar do que para ler, e se o que foi gravado que ser citado num livro ou artigo, é preciso primeiro fa transcrição. Por outro lado, a gravação é um registro muito fidedigno e preciso_de um encontro do que um r~istro &. niente escrito. Todas as palavras empregadas estio ~ali~ ,.mente como foram faladas; e a elas se somam pistas soc nuances da incerteza, do humor ou do fingimento, bem como

- textura do dialeto. Ela transmitç todas as qualidades distintj~
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da.comunicação oral em vez da escrita - sua empatia ou-combatividade humana, sua natureza essencialmente tentativa inacabada. Por continuar sendo sempre exatamente o mesmo texto não pode ser definitivamente refutado; essa a razão por que se queimam livros. Um falante, porém, pode sempre ser imediata-mente_contestado; e, à diferença do texto escrito, o testemunho -falado jamais se repetirá exatamente do mesmo modo. Essa autêntica ambivalência o aproxima muito mais da condição humana. Paradoxalmente em certo sentido, algo dessa qualidade se perde , pela cristalização da fala numa fita gravada. Não obstante, a fita registro muito melhor e mais. completo do que jamais- se encontrará nas anotações rascunhadas ou no formulário preenchido pelo mais honesto entrevistador , e menos ainda- nas atas oficiais de uma reunião. Vimos anteriormente quão aceita se tomou a "adulteração" de- registro oficiais a .ponto de que até mesmo as atas de reuniões do Ministério documentam menos o que aconteceu na reunião do que "o que a administração pública quer que se acredite que aconteceu". Isso é igualmente- verdadeiro no nível mais humilde de uma câmara de vereadores. George Ewart Evans come ou a ficar "cético a respeito de registros oficiais" durante o tempo em que, ele próprio, foi vereador. "Não que houvesse alguma imprecisão gritante (...) Mas, desde o momento em que a

era assim registrada, passara a funcionar uma inteligên-cia seletiva que omitia quase tudo que não contribuísse para reforçar as decisões -principais a que se havia chegado." Disso resultava um conjunto de atas "a tal ponto 'maquiladas' que pareciam o registro de uma reunião diferente"9 Do mesmo modo, as anotações do entrevistador procuram colaborar com a hipótese do levantamento, preencher as lacunas do formulário. Ou o registro

de uma "troca de opiniões" entre políticos é expurgada de suas pas-sagens e escorregadelas prejudiciais. A precisão excepcionalmente eficaz da fita gravada, como evidência, já não exige mais tanta defesa, desde Nixon nela tropeçou no caso Watergate.


Nesses casos, uma vez que a comunicação original foi oral, o registro oral propicia o documento mais preciso. Inversamente,

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quando a comunicação original foi, ela mesma, escrita, como numa carta, esta deve continuar a ser o melhor registro. Contudo, a distinção em geral é menos clara, porque nos comunicamos por ambos os meios. Por vezes, um momento "sagrado" define uma determinada forma como a de mais autoridade: o juiz pronuncia a sentença, mas a condenação à morte é assinada; o sacerdote reza a missa a partir do livro, mas o acordo internacional é assinado como um tratado. Como classificar, porém, uma carta, original mente ditada a uma secretária, conferida pela leitura, descoberta por um historiador entre os papéis pessoais do destinatário, e citada em voz alta aos estudantes que assistem a uma aula de história? Ou as recordações pessoais de alguém que conhece muito história recente, registradas numa entrevista gravada, de que feita uma transcrição que é devolvida com comentários escritos? Ou as práticas especialmente intrigantes dos tribunais, onde prova se faz por meio de testemunhos e debates orais, e documentos escritos são lidos em voz alta; mas onde, muito incoeretemente, processos jamais são gravados, mas sim parafraseados por escrito por um funcionário, e os juízes tendem a levar em conta a evidência escrita do que a oral, como se a manifestação oral não passasse de um teatro retórico que justifica as verdades transpostas para o papel? 10 Certamente, em cada caso, há ei orais e escritos na corrente de transmissão; e tanto uns quanto outros podem modificar ou corromper o original. E em nenhum caso fica evidente qual é o original.
Em relação a algumas eras históricas pode-se estar mais seguro. Assim, mesmo depois da Reforma, o principal meio de comunicação na Europa era oral. De modo geral, as pessoas percebiam o mundo pelo som, e pelo cheiro, de seus parceiros ou animais, tanto quanto com os olhos. Em relação a essa era, o documento é em geral um registro subsidiário. Com a disseminação da alfabetização, e com o uso crescente da carta, do jornal e do livro, o meio de comunicação predominante passou a ser pela palavra escrita ou impressa. O documento escrito pode ser então primário; e a palavra falada uma forma subsidiária. Hoje a pa148

lavra impressa está novamente cedendo lugar a um meio mais poderoso de comunicação audiovisual, na televisão e no cinema. Assim, a forma visual-verbal tornou-se por sua vez subsidiária; e, à medida que o telefone cada vez mais substitui a carta, a comu-nicação original no intercâmbio entre indivíduos torna-se mais uma vez a comunicação oral. Naturalmente, em cada uma dessas etapas, há diferenças entre as classes sociais e entre os temas da comunicação. O ponto principal, porém, é que o original da evi-dência é por vezes oral, e por vezes não, e, igualmente, pode ou não apresentar-se, após transmutações, sob a mesma forma; e nem da evidência oral, nem da escrita, se pode dizer que seja de modo geral superior: isso depende do contexto.


Contudo, a evidência da história oral caracteriza-se também por ser geralmente retrospectiva por um intervalo de tempo mais longo. Isto não se deve a que suas fontes sejam faladas. Ao con-trário, o gravador possibilita tomar declarações durante ou ime-diatamente após um evento, enquanto o texto escrito quase sempre exige um intervalo. E a maioria das fontes escritas - quer de jornais, audiências judiciais, entrevistas de Royal Commissions, ou atas de comissões - também são retrospectivas. Nem a evi-dência contemporânea nem a histórica constituem reflexo direto de fatos materiais ou comportamentos. Fatos e eventos são relata-dos de um modo que lhes atribui um significado social. Pode-se supor que a informação oferecida pela evidência da entrevista sobre eventos recentes, ou situações em curso, situa-se em algum ponto entre o comportamento social concreto e as expectativas ou normas sociais da época. Porém, quanto a entrevistas que re-montam a muito tempo atrás, existe a possibilidade adicional de distorções influenciadas pelas sucessivas mudanças de valores e normas que podem, talvez, inconscientemente, alterar as percep-ções. Seria de esperar que, com o passar do tempo, esse perigo aumentasse. Do mesmo modo, com o correr do tempo, a con-fiança na memória parece tornar-se mais acentuada. Para com-preénder a dimensão desses problemas, podemos felizmente bus-149

car a ajuda da literatura da psicologia social da memória e, tam-bém, da gerontologia.


Admite-se em geral e o processo da memória depende do da percepção. Para aprendemos alguma coisa, .temos . que compreendê-la. Nós a aprendemos em categorias, perce-bendo como as informações se ajustam, e isso nos possibilita construí-la numa ocasião futura, ou reconstruir alguma aproxima-ção daquilo que compreendemos. Na verdade, como afirmou Bartlet em seu trabalho pioneiro Remembering (1932) , apenas por meio desse processo básico de ordenação é que a mente humana tem vencido a tirania da sujeição à memória cronológica.. Se não pudéssemos organizar nossas percepções, só teríamos consciència daquilo que nos tivesse acontecido mais recente-mente. Imediatamente após um evento, parece de fato que pode-mos lembrar muito mais coisas do que mais tarde. Por um muito curto temos algo próximo a uma memória fotográfica . Isso porém só dura alguns minutos._ É de importância crucial o fato de que essa primeira fase é extremamente breve . A seguir , o processo de seleção organiza a memória e estableece alguma es-pécie de marca duradoura mediante um processo químico. Infe-lizmente, o conhecimento bioquímico do cérebro,. Apesar dos rápido progressos ocorridos ultimamente, não consegue ainda -responder às perguntas específicas que um dentista social gostaria de fazer sobre o processo da memória. Contudo 'dá-se uma alteração na microestratura do cérebro, a qual, certamente é capaz de resistir a supressões completas de atividade mental, como a anestesia. Depois, quando o material é. Recuperado tem lugar alguma espécie de processo inverso: uma outra situação

reconhecida e o cérebro retoma o material e, em certa medida, o reconstrói.


De fato, o processo de descarte, que constitui a contrapartida da seleção, continua pelo tempo afora. Evidentemente, isso representa um problema para a história oral. Porém, o descarta inicial é, de longe, o mais drástico e violento, e afeta todo tipo de testemunho contemporâneo. Isso pode ser demonstrado pelos

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poucos estudos longitudinais que existem. Consideremos pri-meiro um experimento artificial de laboratório realizado por Dai-lenbach com figuras, em 1913. Por ser artificial, ele oferece, como a maioria dos testes de laboratório, um indicador insatisfa-tório da fidedignidade da memória social. Não obstante, é sur-preendente que o número de erros permaneça mais ou menos es-tável depois dos primeiros dias. Isso indica o que pode ser uma "curva de esquecimento" bastante típica.

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