A voz do passado



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Essa é a situação extrema do problema, mais próxima da situação de trabalho de campo do antropólogo. No caso deste, desconfia-se que, a longo prazo, as desvantagens do estranho eu-ropeu podem mostrar-se decisivas. Os códigos e as camadas de significado social terão que ser dominados tanto quanto a própria linguagem formal. Até mesmo a própria estrutura de conceituali-zação pode ser fundamentalmente diferente, e enganosas as no-ções ocidentais de tempo e espaço. "O estudioso que luta por compreender uma cultura estrangeira", diz Elizabeth Tonkin, "pode acabar se dando conta de que o que parecem ser respostas à pergunta 'de onde viemos?' estão realmente explicando 'por que estamos aqui "25. Por outro lado, a desvantagem do íntimo quanto à interpretação está mais na facilidade com que um mito da comunidade pode ser aceito literalmente. Os demais, muitas vezes no extremo superior ou inferior da escala social, que têm sobre ele um ponto de vista diferente, passam despercebidos. Como também a função social do mito pode não ser detectada. Para a interpretação, como veremos depois, isso pode se mostrar muito mais revelador do que as mensagens explícitas que transmite.
A mensagem também pode variar, dependendo de onde exa-tamente ela é ouvida. Assim, uma entrevista em casa aumentará as pressões dos ideais "respeitáveis" centrados no lar; uma entre-vista num bar mais provavelmente enfatizará atrevimentos e brin-cadeiras; e urna entrevista no local de trabalho apresentará a influência das convenções e atitudes ligadas ao trabalho. Juntamente com essas mudanças de ênfase, haverá mudanças na linguagem.

Uma gravação num bar, por exemplo, muitas vezes estará ornada de palavrões; transponha-se a soleira da casa e o vocabulário se transformará. Tanto a ênfase quanto a linguagem também varia-riam, caso a entrevista se transformasse de uma relação confiden-cial em, no outro extremo, uma gravação de televisão, com técnicos, luzes ofuscantes e um auditório cheio de gente.


São essas, pois, algumas das principais influências devidas à situação em que transcorre a entrevista. Elas são cruciais, pois são subjacentes às dificuldades que todo historiador ou sociólogo

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tem para penetrar a realidade social, passada ou presente. É quase impossível ao historiador medir a extensão dessas dificuldades, a não ser quando vêm à luz erros do passado. Mas há inúmeras réplicas de levantamentos sociológicos que indicam até que ponto deve ser tratada com cautela toda evidência histórica ou contemporânea originária de entrevistas. Em estudo levado a cabo por G. L. Palmer na Filadélfia, em 1943, verificou-se que, depois de apenas dez dias, 10% dos respondentes informaram a própria idade com diferença de um ano. Outra vez, o Opinion Research Center, em 1949, realizou em Denver uma comparação entre o material de um levantamento por entrevistas e os registros oficiais locais. Descobriu-se, também aqui, que eram incompatí-veis 10% das respostas sobre a idade; 10 a 15%, sobre a posse de objetos, como cartões de biblioteca, automóveis e sobre a marca do automóvel; e 5% até mesmo sobre a posse de um telefone. Esse estudo também põe em questão a fidedignidade das estatís-ticas oficiais. Um terceiro exemplo talvez seja mais encorajador para o historiador oral do que para o organizador de levanta-mento por questionário não gravado.

Fez-se um experimento em Nova York, durante um levanta-mento sobre atitudes raciais. Dos cinqüenta respondentes, oito eram "comparsas", e suas entrevistas foram secretamente grava-das em fita. Foram utilizados quinze entrevistadores, nenhum dos quais profissional em tempo integral. Quando se analisaram as entrevistas gravadas, descobriu-se que, nas cinqüenta perguntas que deviam ser feitas, cada entrevistador cometia em média ca-torze erros ao perguntar - isto é, alterava ou omitia as pergun-tas; treze erros ao aprofundar a questão; oito erros ao registrar as respostas no formulário; e ainda quatro meras "trapaças" (isto é, registrava urna resposta que não havia sido dada). Um dos res-pondentes "comparsas" atuou como um "intolerante hostil", tipo que se pode esperar que apareça na maioria das amostras aleató-rias. Diante do intolerante, metade dos entrevistadores inventa-ram metade do que puseram no questionário. Se essa é a espécie de matéria-prima que compõe o típico levantamento por questio-164

nário com amostra aleatória, podemos corretamente achar que as entrevistas gravadas de um historiador honesto, em comparação com grande parte da evidência convencionàl, provavelmente serão de rara fidedignidade.26
Com isso em mente, vejamos alguns casos em que se pode avaliar a precisão do material retrospectivo coletado em levanta-mentos em grande escala. De início, há o estudo sociológico de P. M.Blau e O. D. Duncan sobre The American Qccupational Structure (1967). Os autores realizaram um pré-teste de 570 ho-mens em Chicago e procuraram fazer corresponder seus nomes com o censo. Só conseguiram fazer isso com 137, e em menos da metade destes encontraram perfeita concordância entre ocupação e ramo de atividade entre as duas fontes. Relegando a um apên-dice essa avaliação bastante danosa dos fundamentos de sua so-fisticada análise estatística, afirmam os autores que essas discre-pâncias se devem em parte à elevada mobilidade profissional nos Estados Unidos (em 1945-46 ela chegou a 12% de todos os traba-lhadores que mudaram de emprego), e em parte - pobre consolo para os historiadores - às imprecisões de um censo pelo menos tio carente de fidedignidade quanto seu próprio levantamento. Eles citam um levantamento pós-censo, realizado pelo Bureau do Censo para conferir seus próprios resultados, que verificou que 17% das pessoas se classificaram num grande grupo ocupacional diferente nos dois levantamentos. Este é um achado que devia ser mais bem conhecido dos historiadores de orientação estatística. Blau e Duncan também tiveram condições de mostrar que as di-ferenças entre o censo e seu levantamento eram sistemáticas. Havia uma tendência a que trabalhadores não qualificados que apareciam no censo fossem descritos, no questionário deles, como oficiais ou técnicos, mas não se verificava erro semelhante em sentido contrário. Por outro lado, foi tranqüilizador descobrir que as discrepâncias e, assim, a presunção de imprecisão na en-trevista retrospectiva tomavam-se menores à medida que aumen-tava o intervalo de tempo. Era mais provável que as pessoas des-crevessem corretamente a ocupação de seu pai há cinqüenta anos

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do que há 25 anos. Por exemplo, segundo o censo, Blau e Dum-can deveriam ter descoberto que, em 1940, 12% dos pais ocupa-vam cargos de profissões superiores ou de gerência, e que 17% dos pais eram agricultores; mas, na verdade, foram registrados muito mais de profissões superiores e muito menos agricultores - 20% e 13%, respectivamente. Em relação a 1910, porém, em que o censo registrara 11% e 40%, seus resultados estavam muito mais próximos: 14% e 33%. 27 A razão desse aumento retrospec-tivo de fidedignidade é que urna pessoa mais velha possui menos motivos sociais para querer descrever erroneamente a ocupação do pai do que uma pessoa mais nova. É possível, pois, que sobre determinados temas o historiador obtenha informações mais fide-dignas do que o investigador sociológico contemporâneo.
Um segundo levantamento retrospectivo em grande escala é proporcionado pelo estudo da Political Change in Britain (1969), de David Butler e Donald Stokes. Neste caso, as informações históricas são analisadas com menos detalhes, mas suas tabelas a respeito de como cada geração se recordava das opiniões políti-cas dos pais são claramente compatíveis com a descrição mais ampla de que, a partir de outras fontes históricas, dispomos sobre um partido trabalhista que crescia rapidamente em fins do século XIX, a ponto de expulsar os liberais da posição de principais concorrentes com os conservadores na disputa pelo poder. Assim também são outras cifras que mostram que os conservadores con-tavam principalmente com o apoio das classes médias e da Igreja anglicana, enquanto seus adversários dependiam dos não-confor-mistas e das classes trabalhadoras. Igualmente tranqüilizadoras são as pormenorizadas comparações estatísticas feitas por Charles More, entre entrevistas de história oral, relatos de época e cifras do censo a respeito de qualificação e aprendizagem profissionais na virada do século7' Esse tipo de confirmação de relatos históricos tidos como verdadeiros indica claramente que o levantamento re-trospectivo em uma outra área proporciona informações sociais que, em suas amplas divisões, são fidedignas.
Se admitimos que a memória não é tão sujeita a erros a

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ponto de invalidar a utilidade das informações colhidas a partir de entrevistas retrospectivas, como superar uma outra crítica, bastante diferente - a de que nossos informantes não podem ser tomados como típicos ou representativos? Os levantamentos so-ciais baseiam-se em geral em amostras cuidadosamente escolhi-das, planejadas para garantir o quanto possível a representatividade de dado grupo de informantes. Isso coloca o historiador oral diante de um dilema. Um levantamento em que os informantes são pre-determinados, e entrevistados segundo um esquema inflexível, coletará um material de qualidade intrinsecamente inferior. Al-guns dos informantes potencialmente melhores serão deixados de lado, e outros, freqüentemente com menos boa vontade, serão escolhidos em vez deles; ao mesmo tempo que a própria entre-vista pode não ser suficientemente flexível para extrair o máximo deles. Por outro lado, uma das grandes vantagens da história oral é que ela possibilita ao historiador compensar o viés presente nas fontes históricas habituais; por exemplo, a tendência de a auto-biografia publicada provir das classes superiores ou dos profis-sionais de nível superior, que formulam e ordenam melhor as idéias, ou de líderes operários, e não de pessoas comuns do povo. Por isso, é importante considerar até que ponto o historiador oral poderia valer-se de algumas das técnicas de amostragem repre-sentativa desenvolvidas pelos sociólogos.
O historiador começa com uma dificuldade não compartilhada pelo sociólogo. Se as pessoas idosas que ainda hoje estão vivas representassem, elas mesmas, um corte transversal equili-brado de sua geração no passado, em princípio só precisaríamos extrair uma amostra aleatória de uma relação de seus nomes. Restaria apenas a dificuldade prática de conseguir uma relação inteiramente fidedigna de que, à diferença dos registros eleitorais, raramente se dispõe. Mas estamos certos de que uma "amostra aleatória" desse tipo, ainda que proporcionando a forma mais se-gura de representatividade presente, distorceria o passado. Ela não levaria em conta a migração local ou nacional, ou a mortali-dade diferencial. Sabemos que as pessoas morrem muito mais

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depressa em algumas profissões do que em outras. As taxas d mortalidade também podem ser afetadas por perdas pessoais como a viuvez; por hábitos pessoais, como o fumo ou a bebida talvez pela própria personalidade. Enquanto não se tiver estudado toda uma coorte de pessoas, desde a juventude até a velhice, não estaremos seguros sobre em que medida o efeito cumulativo d todos esses fatores distorce a representatividade do grupo sobre vivente. Dispomos, porém, de medidas de algumas das diferença mais importantes entre o presente e o passado, tais como a distribui-ção ocupacional e populacional. Isso toma possível que um grande projeto de história oral se baseie num esquema que, pelo menos em algumas de suas dimensões fundamentais, seja fidedigno.


Para nosso projeto de pesquisa sobre The Edwardians, gra-vamos entrevistas com cerca de quinhentos homens e mulheres, todos nascidos até 1906, o mais velho dos quais era de 1872. Thea Vigne e eu pretendemos selecionar um grupo o quanto possí-vel representativo da população edwardiana como um todo, e então planejamos urna "amostra por quotas" - uma lista de categorias de diversas proporções em que as pessoas tinham que se ajustar a fim de serem computadas. A amostra baseou-se no censo de 1911 e totalizou 444 pessoas. A proporção de homens e de mulheres correspondia à de 1911; assim também as proporções dos que, na época, viviam no campo, nas cidades e nas conurbações; e tam-bém o equilíbrio entre as principais regiões da Inglaterra, do País de Gales e da Escócia. Procuramos garantir uma distribuição ade-quada entre as classes, dividindo a amostra em seis grandes grupos ocupacionais, extraídos das categorias retificadas do censo em Occupation and Pay, 1906-65 (1965), de Guy Routh. Os informantes que não trabalhavam em 1911 entraram como dependentes do arrimo principal da família, em geral o pai ou o marido. Tivemos que realizar mais entrevistas do que o total de 444, a fim de preen-cher as quotas, em parte porque algumas pessoas acabavam perten-cendo a uma classificação diferente da que se esperava, e em parte porque nem todas as quotas estavam suficientemente completas.

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Amostra por ocupação e por sexo

Homens empregados


Desempregados
Mulheres

desempregados empregadas


Desempregadas

Desempregadas

Profissões

superiores 18


Empregadores e

gerentes 54


Escriturários e

capatazes 28


Ocupações

manuais


qualificadas 142 Ocupações

manuais semi-qualificadas 160

Ocupações

manuais


fio-qualificadas 42

142 172 58 172

214 230
Nosso objetivo era apresentar as pessoas da Grã-Bretanha edwardiana que estavam vivas em 1911, em parte por intermédio dos que sobreviveram, em parte por meio de seus filhos. No geral, o levantamento teve êxito quanto a isso, pois os padrões a que deu origem por região e por classe fazem sentido. Alguns dos defeitos no planejamento das quotas puderam, em outra ocasião, ser corrigidos. Por exemplo, deixamos de início de levar em conta o fato de que, devido ás mulheres edwardianas em geral pararem de trabalhar quando se casavam, as proporções de mu-lheres que trabalhavam era muito maior em alguns grupos etários adultos do que em outros.

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Amostra geográfica
Rural
144
Urbana

200
Conurbação

100

Londres


Sudeste

East Anglia

Oeste

Sudoeste


Sul do País de Gales

Norte do País de Gales

Midlands

Lancashire

Yorkshire

Noroeste e Nordeste

Baixa Escócia

Alta Escócia


É perfeitamente possível preencher uma categoria deu esquema, localmente, a partir de uma única rede social que ria, por exemplo, excluir os menos "respeitáveis". Por isso utilizamos grande variedade de meios para encontrar os informantes contato pessoal, cadastros médicos, centros de serviço concursos de redação, jornais e, até mesmo, o encontro Procuramos observar o viés social que cada um desses m de contato poderia apresentar, e compensá-los. E não há alguma de que a existência mesma do esquema de amos ajudou a levar a busca de informantes bem mais longe do outro modo, teria parecido suficiente. Os inteiramente sem qualificação, os "rústicos" e os 'não-respeitáveis", por exemplo ficaram socialmente invisíveis quase até o último momento.
A amostra por quotas tem, sobre o método aleatório vantagem inegável. Uma vez que a escolha de cada um formantes não é predeterminada, deixa de existir qualquer

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sidade de impor uma entrevista a um respondente que se man-tenha relutante mesmo depois de se haver explicado o objetivo da pesquisa e o valor potencial de sua colaboração. Só se tem a ganhar evitando uma entrevista que provavelmente gerará um material falso. Porém, embora seja evidentemente desejável gra-var apenas informantes de boa vontade, há um outro perigo que é o de ir longe demais no sentido oposto, e gravar apenas os espe-cialmente seguros e bem articulados. Mesmo dentro de determi-nado grupo social ou ocupação, estes podem ser um estrato dife-renciado de líderes, com cultura e atitudes intelectuais peculiares. Informantes desse tipo não só não são representativos, como podem mostrar-se muitas vezes menos fidedignos. Quanto mais uma pessoa esteja acostumada a apresentar uma imagem profis-sional pública, menos provável será que suas recordações pes-soais sejam honestas e francas; por isso é que os políticos são testemunhas particularmente difíceis. Assim também os que, por meio da leitura, optaram por uma visão do passado que propa-gam profissionalmente - os historiadores e os professores. Eles podem ser as fontes mais ricas de sugestões, mas também as mais enganadoras. Na verdade, na história da África, Vansina sugere que o testemunho de coletores amadores de tradições orais deve sempre ser evitado como "totalmente sem valor, por serem de segunda mão... 'Ouçam as palavras do ferreiro, não o que tem a dizer o homem que aciona o fole', como dizem os Bushongo". O informante ideal, para ele, é uma pessoa que vive ainda a vida de todo dia, de meia-idade ou idoso, "que relata as tradições sem muita hesitação, que compreende o conteúdo delas, mas não é muito bri-lhante - pois, se fosse, poder-se-ia suspeitar que introduzisse dis-torções".29 Essa questão - ainda que não seu ar indulgente -pode ser tida como relevante também na Grã-Bretanha. Para que a história oral seja efetivamente representativa, em todos os níveis sociais, justamente não serão os incomumente articulados e clara-mente reflexivos que devem ser gravados. A essência dela está em transmitir as palavras e os sentimentos da gente comum. A escolha ideal é uma escolha ampla, mas firmemente baseada no centro.

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Podemos estar seguros ao desejar evitar entrevistas com informantes relutantes. Mas e quanto àqueles que não são tanto relutantes, quanto lacônicos e retraídos? Eles proporcionarão um entrevistador simpático o esqueleto de uma história de vida, nunca, porém, o material mais compensador. Embora devam, evidentemente, ser incluídos em todo levantamento representativo, que se perderá se, deliberadamente, não os procurarmos? Ei parte, pode-se verificar isso, observando se suas histórias se deviam, em alguma direção consistente, das dos informantes comuns. Podemos obter uma indicação muito vaga a partir de um projeto de pesquisa norte-americano que estudou até que ponto personalidade se altera, à medida que as pessoas se aposentam envelhecem - o "Kansas City Study of Adult Life", de B. L Neugarten. Esse estudo classificou 59 respondentes antes e depois da aposentadoria, como se segue:30


Estudo sobre a vida adulta em Kansas

Antes da aposentadoria Depois

(a) 19 bem integrados 16 socialmente ativos

3 socialmente não engajados, porém

calmos, autônomos, satisfeitos
(b) 16 de tipo de personalidade 11 mantendo-se firmes - "Vou

"blindada", "defensiva", ambiciosos trabalhar até cair"

com alto grau de defesa 5 fechados em si mesmos, fugindo a

qualquer experiência


(c) 13 do tipo passivo dependente; 8 satisfeitos

buscam apoio emocional em uma ou 5 apáticos, prostrados (viúvos etc.)

duas pessoas
(d) 11 do tipo desintegrado 7 isolados

4 senis
Muito embora devam ser tratados com bastante cautela esses achados indicam que nem o informante retraído nem o relutante são essenciais para garantir um quadro representativo de

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experiências anteriores de vida. O primeiro grupo, dos bem inte-grados, não apresentaria dificuldade alguma. Quanto ao segundo e terceiro grupos, pouco se perderia em fazer uso de informantes de apenas urna das duas subcategorias pós-aposentadoria em cada caso. A incidência da viuvez, por exemplo, não se relaciona de maneira consistente com a experiência anterior de vida. E o último grupo produziria em geral informações não-fidedignas. Claro está que esse estudo tentativo não oferece a medida de mu-danças semelhantes de personalidade durante a infância, a juven-tude e o início da idade adulta. Se buscamos evidências desde a infância, podemos supor, com alguma segurança, que não existe nenhum tipo de vida familial que produza exclusivamente um único tipo, não entrevistável, de personalidade e que, portanto, seja inacessível ao historiador oral. As diferenças de tipos de per-sonalidade precisam ser levadas em conta, talvez com uma espe-rada sofisticação maior da medida das distribuições normais, mas não apresentam uma dificuldade insuperável.


Para enfrentar os diversos problemas propostos pela repre-sentatividade retrospectiva, o historiador oral tem que desenvol-ver, em vez da amostra aleatória padronizada, um método de amostragem estratégica: uma abordagem mais tática, tal como a "amostragem teórica" defendida por Glaser e Anselm Strauss, em seu Time Disco very of Grounded Theory. Vale a pena considerar várias abordagens diferentes. Para muitos projetos, como a res-peito de um evento, ou de um grupo pequeno de pessoas, a ques-t~o não é de representatividade, mas de quem sabe mais. Como diz o sociólogo Herbert Blurner, a busca deve ser mais de vali-dade do que de fidedignidade: "uns poucos indivíduos com esse tipo de conhecimento constituem uma 'amostra representativa' muito melhor do que mil indivíduos que estejam envolvidos na ação que se articula, mas que não tomam conhecimento dessa articulação". Para outros projetos, o objetivo global pode ser con-centrar a atenção sobre um grupo restrito: por exemplo, entrevis-tar membros de urna mesma família; ou entrevistar casais e es-tender-se investigando mais profundamente seus vizinhos e

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amigos. Isso permitiria criar um quadro de suas interações, atitudes, mitos e memórias sociais, relativamente aos quais a circularidade mesma do grupo fechado seria uma força e não uma fraqueza: como, por exemplo, no estudo sobre a memória coletivados metalúrgicos de Givors, ás margens do Reno, realizado por Yves Lequin.31 Para um estudo local mais abrangente, o método mais adequado poderia ser a "amostra estratificada de comunidade", na qual o objetivo não é obter um espelho de suas distribuições amplas, mas garantir a representação de todas as cair das sociais significativas em seu interior. Ou então, ambos objetivos podem ser conseguidos, trabalhando simultaneamente com duas amostras distintas, a segunda delas projetada pelo ir todo da "amostra por quota" que utilizamos para nosso levani mento nacional. Não há método de amostragem que possa arvorar-se no melhor para todas as situações.
A preocupação com a representatividade é fundamental para que a história oral realize seu potencial. A pior espécie de história oral é a que começa e termina com a empregada doméstica. Porém é igualmente importante não se deixar obcecar por essa questão perder de vista as questões substantivas no desenvolvimento metodologia. E também perder de vista a ocasião em que é melhor que estas sejam simplesmente esquecidas. Uma das nu profundas lições da história oral é a singularidade, tanto quanto a representatividade, de cada história de vida. Há algumas delas que são tão excepcionais e vivas que têm que ser gravadas, qualquer quer que seja o plano. Podemos, num átimo, ser transportados um outro mundo, normalmente para além até mesmo do pesquisador mais meticuloso: corno nas experiências de uma moça de Gla gow, filha de um orgulhoso artesão, um caldeireiro que fazia esboços de projetos sobre o piso de linóleo, mas que também obrigava e a seu irmão - quando tinham menos de 4 e 7 anos idade - a irem dormir na rua para agradar a madrasta deles:
Ela simplesmente nos dizia para dar o fora, só isso. É, sim, batia porta atrás de nós. Não nos dava nada (...) (para comer), primeiro a gente costumava roubar dinheiro dos trabalhadores. E daí, outras vez
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quando ficamos conhecidos demais (...) a gente costumava catar coisas no lixo e ir para o ferro-velho, conseguir umas moedas e então ir naque-les restaurantes e pegar, quem sabe uma gamela de sopa (...) e daí, outras vezes, Tomy e eu costumávamos ir numa confeitaria ou padaria e eu perguntava que horas eram, enquanto ele roubava bolinhos de aveia de cima da mesa. Era assim que a gente vivia. Entre isso e mendigar de porta em porta (...) (quanto a roupas e sapatos), a gente roubava no ves-tiário da escola (...)


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