A voz do passado



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Antes deste século, o enfoque da história era essencialmente político: uma documentação da luta pelo poder, onde pouca aten­ção mereceram as vidas das pessoas comuns, ou as realizações da economia ou da religião, a não ser em tempos de crise, como a Reforma, a Guerra Civil inglesa, ou a Revolução Francesa, O tempo histórico dividia-se segundo reinados e dinastias. Até mesmo a história local preocupava-se mais com o governo do distrito ou da freguesia do que com o dia-a-dia da vida da comu­nidade e das ruas. Isso se devia, em parte, porque os historiado­res, eles mesmos pertencentes às classes que administravam e governavam, consideravam ser isso o que mais importava. Não haviam desenvolvido qualquer interesse pelo ponto de vista do trabalhador, a menos que este fosse especialmente importuno; nem - sendo homens - tinham vontade de investigar sobre as experiências da vida, então em mudança, das mulheres. Porém, mesmo que tivessem desejado escrever um tipo diferente de his­22

tória, isso não teria sido nada fácil, pois a matéria-prima a partir da qual a história era escrita, os documentos, haviam sido preser­vados ou destruídos por pessoas que tinham as mesmas priorida­des. Quanto mais um documento fosse pessoal, local ou não-ofi­cial, menor a probabilidade de que continuasse a existir. A própria estrutura de poder funcionava como um grande gravador, que modelava o passado a sua própria imagem.


Isso continuou sendo assim mesmo após a instalação de re­partições locais de registro. Os registros de nascimentos e casa­mentos, as atas de conselhos e a administração de ajuda e assis­tência social aos pobres, jornais de âmbito nacional e local, diários escolares dos professores - registros legais de todo tipo são preservados em quantidade; muito freqüentemente, há também arquivos de igrejas e balanços e outros livros de grandes firmas privadas e de propriedades rurais, e até mesmo correspon­dência particular da classe fundiária dominante. Porém, onde quer que seja, muito pouco foi preservado dos inúmeros cartões-postais, cartas, diários e outros registros do dia-a-dia de homens e mulheres da classe operária, ou dos documentos de pequenos ne­gócios, como lojas ou propriedades agrícolas de pequeno porte, por exemplo.
Em conseqüência, mesmo com a ampliação do campo de interesse da história, permaneceu igual o enfoque político e ad­ministrativo original. Nos casos em que as pessoas comuns foram consideradas, isso em geral ocorreu sob a forma de agregados estatísticos provenientes de alguma investigação administrativa anterior. Assim, a história econômica construiu-se em torno de três tipos de fonte: taxas agregadas de salários, preços e desem­prego; intervenções políticas nacionais e internacionais na econo­mia e a informação decorrente destas; e estudos sobre determina­dos ramos do comércio e da indústria, que dependiam das firmas maiores e mais bem-sucedidas para os registros de empresas in­dividuais. Analogamente, a história operária consistiu, durante muito tempo, de estudos, por um lado, sobre a relação entre as classes trabalhadoras e o Estado em geral e, por outro, sobre de23

terminados relatos, essencialmente institucionais, de sindicatos e de organizações políticas da classe operária; e, inevitavelmente, são as organizações maiores e mais bem-sucedidas que normal­mente deixam registros ou encomendam suas próprias histórias. A história social tem continuado a ocupar-se especialmente dos (acontecimentos administrativos e legislativos, como o surgi­mento do welfare state; ou dos dados agregados, tais como popu­lação total, taxas de nascimento, idade de casamento, estrutura doméstica e familiar. E dentre as especialidades históricas mais recentes, a demografia tem-se ocupado quase que exclusivamente de agregados; a história da família, a despeito de alguns ensaios ambiciosos e malvistos para partir para uma história da emoção e do sentimento, tendeu a seguir as linhas da história social tradi­cional; enquanto, pelo menos até pouco tempo atrás, a história das mulheres se centrava, em muito grande medida, na luta polí­tica pela igualdade civil e, sobretudo, pelo voto.


Por certo, há exceções importantes em cada um desses cam­pos, que demonstram serem possíveis abordagens diferentes mesmo com as fontes de que se dispõe. E há quantidade conside­rável de informação pessoal e comum inexplorada, até mesmo em registros oficiais - tais como documentos judiciários -, que pode ser utilizada de novas maneiras. O padrão que persiste na produção de textos históricos reflete, provavelmente, as priorida­des da maioria dos historiadores profissionais - ainda que não mais pertencentes á classe dirigente propriamente dita - numa. era de burocracia, poder estatal, ciência e estatística. Não obs­tante, continua sendo verdade que escrever qualquer outro tipo de história a partir de fontes documentais continua a ser tarefa muito difícil, que requer especial criatividade. Esclarece bem essa situa­ção o fato de que The Making ofEnglish Working Cla.ss (1963), de E. P. Thompson, e The First Shop Stewards’ Movement (1973), de James Hinton, dependeram ambos, em grande medida, de relatos de informantes governamentais pagos do início do sé­culo XIX e da Primeira Guerra Mundial, respectivamente. Se his­toriadores socialistas são constrangidos a escrever história a par24

tir de registros de espiões do governo, fica bem evidente que as restrições impostas são extremas. Infelizmente não podemos en­trevistar as lápides dos túmulos, mas, pelo menos para o período da Primeira Guerra Mundial e, ainda antes, até fins do século XIX, a utilização da história oral fornece imediatamente uma fonte rica e variada para o historiador criativo.


No sentido mais geral, uma vez que a experiência de vida das pessoas de todo tipo possa ser utilizada como matéria-prima,. a história ganha nova dimensão. A história oral oferece, quanto a sua natureza, uma fonte bastante semelhante à autobiografia pu­blicada, mas de muito maior alcance. A maioria esmagadora das autobiografias publicadas são de um grupo restrito de líderes po­líticos, sociais e intelectuais e, mesmo quando o historiador tem a grande sorte de encontrar uma autobiografia exatamente do local, época e grupo social de que esteja precisando, pode muito bem acontecer que ela dê pouca ou nenhuma atenção ao tema objeto de seu interesse. Em contraposição, os historiadores orais podem escolher exatamente a quem entrevistar e a respeito de que per­guntar. A entrevista propiciará, também, um meio de descobrir documentos escritos e fotografias que, de outro modo, não teriam sido localizados. A fronteira do mundo acadêmico já não são mais os volumes tão manuseados do velho catálogo bibliográfico. Os historiadores orais podem pensar agora como se eles próprios fossem editores: imaginar qual a evidência de que precisam, ir procurá-la e obtê-la.

Para a maior parte dos tipos existentes de história, provavel­mente o resultado crítico dessa nova abordagem será propiciar evidência vinda de uma nova direção. O historiador de política da classe operária pode justapor as afirmações do governo ou dos dirigentes do sindicato e a voz das pessoas do povo - sejam elas apáticas, ou militantes. Não há dúvida alguma de que isso deve contribuir para uma reconstrução mais realista do passado. A rea­lidade é complexa e multifacetada; e um mérito principal da his­tória oral é que, em muito maior amplitude do que a maioria das fontes, permite que se recrie a multiplicidade original de pontos

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de vista. Mas essa vantagem não é importante apenas para escre­ver história. Em sua maioria, os historiadores fazem julgamentos implícitos ou explícitos - o que é muito certo, uma vez que a finalidade social da história requer uma compreensão do passado que, direta ou indiretamente, se relaciona com o presente. Os his­toriadores profissionais modernos são menos francos quanto a suas mensagens sociais do que Macaulay ou Marx, uma vez que se considera que os padrões acadêmicos conflitam com um viés declarado. De modo geral, porém, a mensagem social está pre­sente, ainda que dissimulada. É bastante fácil a um historiador dedicar a maior parte de sua atenção e de suas citações aos lide­res sociais que admira, sem emitir diretamente nenhuma opinião pessoal. Uma vez que é da natureza da maior parte dos registros existentes refletir o ponto de vista da autoridade, não é de admi­rar que o julgamento da história tenha, o mais das vezes, defen­dido a sabedoria dos poderes existentes. A história oral, ao con­trário, torna possível um julgamento muito mais imparcial: as testemunhas podem, agora, ser convocadas também de entre as classes subalternas, os desprivilegiados e os derrotados. Isso pro­picia uma reconstrução mais realista e mais imparcial, do pas­sado, uma contestação ao relato tido como verdadeiro. Ao fazê­lo, a história oral tem um compromisso radical em favor da mensagem social da história como um todo.


Ao mesmo tempo, a história oral implica, para a maioria dos tipos de história, uma certa mudança de enfoque. Assim, o historiador da educação passa a preocupar-se com as experiên­cias dos alunos e estudantes, bem como com os problemas dos professores e administradores. O historiador militar e naval pode olhar, para além da estratégia em nível de comando e do equipa­mento, para as condições, recreações e moral dos soldados rasos e do convés inferior. O historiador social pode passar dos buro­cratas e políticos para o mundo dos pobres, e aprender como o pobre via o funcionário da assistência social e de que modo so­brevivia a suas negativas. O historiador político pode abordar o eleitor cm casa ou no trabalho; e pode esperar compreender até

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mesmo o operário conservador, que não criou nem jornais nem organizações que possam ser investigados. O economista pode observar tanto o empregador quanto o operário como seres so­ciais e em seu trabalho costumeiro e, desse modo, chegar mais perto da compreensão do processo econômico típico e de seus êxitos e contradições.


Em alguns campos, a história oral pode resultar não apenas numa mudança de enfoque, mas também na abertura de novas áreas importantes de investigação. Os historiadores do movimento operário, por exemplo, estão pela primeira vez capacitados a empreender estudos convincentes sobre a maioria não-sindica­lizada dos operários, e sobre a experiência normal de trabalho e seu impacto sobre a família e a comunidade. Já não estão mais confinados às categorias sindicalizadas, ou àquelas que, em sua época, mereceram publicidade e investigação devido às greves que fizeram ou à extrema pobreza em que viviam. De modo se­melhante, os historiadores urbanos podem deixar as áreas proble­máticas já bem estudadas, como as favelas, para olhar para outras formas típicas da vida social urbana: a pequena cidade industrial ou comercial, por exemplo, ou o subúrbio de classe média, onde se criam padrões locais de distinção social, de ajuda mútua entre vizinhos e parentes, de lazer e de trabalho. Podem, até mesmo, abordar por dentro a história dos grupos imigrantes - um tipo de história que certamente se tomará mais importante na Grã-Bre­tanha e é principalmente documentado apenas exteriormente como um problema social. Destas oportunidades - e de muitas outras -podem partilhar os historiadores orais: o estudo do lazer e da cultura da classe operaria, por exemplo; ou do crime, do ponto de vista do pequeno ladrão, gatuno ou pé-de-chinelo comuns, muitas vezes não identificados e socialmente semitojerados.
O traço mais surpreendente de todos, porém, talvez seja o impacto transformador da história oral sobre a história da família. Sem a evidência oral, o historiador pode, de fato, descobrir muito pouca coisa, quer sobre os contatos comuns da família com os vizinhos e parentes, quer sobre suas relações internas. Os papéis

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de marido e mulher, a educação de meninas e meninos, os confli­tos e dependência emocionais e materiais, a luta dos jovens pela independência, o namoro, o comportamento sexual dentro e fora do casamento, a contracepção e o aborto - todas essas eram, efetivamente, áreas secretas. As únicas pistas tinham que ser pro­curadas a partir de estatísticas agregadas e de uns poucos obser­vadores - em geral parciais. A pobreza histórica disso resultante estão bem sumariada no estudo especulativo e brilhante, mas abs­trato, de Michael Anderson, Family Structure in Nineteenth Cen­tury Lancashire (1971): uma construção irregular e vazia. Com o uso da entrevista, é possível agora desenvolver uma história muito mais completa da família através dos últimos noventa anos, e estabelecer seus padrões e mudanças principais no correr do tempo, de lugar para lugar, durante o ciclo de vida e entre os sexos. Pela primeira vez, toma-se viável a história da infância como um todo. E, dada a predominância da família na vida de muitas mulheres, pelo trabalho em casa, pelo serviço doméstico e pela maternidade, verifica-se um alargamento quase equivalente do campo de ação da história da mulher.


Em todos esses campos da história, com a introdução de nova evidência antes não disponível; com a mudança do enfoque da investigação e com a abertura de novas áreas para ela; con­testando alguns dos pressupostos dos historiadores e julgamentos por eles aceitos; reconhecendo grupos importantes de pessoas que haviam estado ignoradas, dá-se início a um processo cumula­tivo de transformações. Amplia-se e se enriquece o próprio campo de ação da produção histórica; e, ao mesmo tempo, sua mensagem social se modifica. Para ser claro, a história se torna mais democrática. A crônica dos reis introduziu entre suas preo­cupações a experiência de vida das pessoas comuns. Há, porém, uma outra dimensão igualmente importante dessa mudança. O processo de escrever história muda juntamente como conteúdo. A utilização da evidência oral rompe as barreiras entre os cronistas e seu público; entre a instituição educacional e o mundo exterior.

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Essa mudança brota da natureza essencialmente criativa e cooperativa do método da história oral. Ë claro que, uma vez gravada, a evidência oral pode ser utilizada por estudiosos solitá­rios nas bibliotecas, exatamente como qualquer outro tipo de fonte documental. Satisfazer-se com isso, porém, é perder uma vantagem essencial desse método: sua flexibilidade, a capacidade de dominar a evidência exatamente onde ela é necessária. Assim que os historiadores começam a entrevistar, vêem-se inevitavel­mente trabalhando com outras pessoas - quando menos com seus informantes. E para ser um entrevistador bem-sucedido é necessário um novo conjunto de habilidades, entre as quais uma compreensão das relações humanas. Alguns adquirem quase imediatamente essas habilidades, outros precisam aprendê-las; mas em contraposição ao processo cumulativo de conhecer e reunir informações que tanta vantagem oferece, na análise documen­tal e na interpretação, ao historiador profissional experiente, é possível aprender bem rapidamente a tomar-se um entrevistador eficiente. Assim, os historiadores em trabalho de campo, ainda que mantenham, sob muitos aspectos importantes, as vantagens do conhecimento profissional, vêem-se também longe de sua mesa de trabalho, compartilhando de experiências em nível humano.


Devido a esas características a história oral ajusta-se parti­cularmente ao trabalho por projeto - quer para estudantes em grupo, quer individualmente: em escolas, universidades, faculda­des, na educação de adultos, ou em centros comunitários. Pode ser realizado qualquer parte. Por todo o país, há uni sem-nú­mero de temas que podem ser estudados localmente a história de .uma indústria ou de um ofício local,, relações sociais em determi­nada comunidade, cultura e dialeto, mudança na família, o im­pacto das guerras e das greves, e assim por diante. Um projeto de história oral será certamente viável. Além disso, especialmente se o projeto enfocar as raízes históricas de alguma preocupação contemporânea, demonstrará muito bem a importância do estudo histórico para o meio ambiente imediato

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Nas escolas, têm sido desenvolvidos projetos sobre a história das famílias dos alunos, que oferecem um meio eficiente de vincu­lar seu próprio ambiente a uni passado mais amplo. A história da família possui dois outros méritos educacionais especiais. Contri­bui para urna abordagem centrada na criança, pois utiliza como base do projeto o conhecimento que a própria criança tem de sua família e de sua parentela e o acesso que tem a fotografias, velhas cartas e documentos, recortes de jornais e recordações. A história da família estimula, também, a participação dos pais na atividade escolar.


A história da família de uma criança talvez represente o tipo mais simples de tema para um projeto. Presta-se mais para suge­rir do que para resolver um problema histórico. Grupos mais ve­lhos provavelmente escolherão algum tema de maior interesse coletivo. No Corpus Christi College de Oxford, por exemplo, Brian Harrison conduziu um grupo de seus estudantes em uma pequena pesquisa sobre a história dos funcionários da faculdade, que são um grupo de trabalhadores cuja maneira antiquada de se comportar, com profundo respeito pelos patrões, lealdade e meti­culosidade no trabalho e formalismo nos modos de vestir e na conduta, causa compreensível perplexidade à maioria dos estu­dantes de hoje. Com o projeto, eles passaram a compreender me­lhor os funcionários - e vice-versa - e, ao mesmo tempo, a entender melhor o significado da própria história. Como comen­tou um deles: “Achei igualmente importante e interessante (...) ver o impacto da mudança social de maneira realmente detalhada como as mudanças no ambiente social geral mudaram o es­tilo de vida, os valores e as relações no interior de uma comuni­dade tradicional”.1 Pelo sentimento de descoberta nas entrevistas, o meio ambiente imediato também adquire uma dimensão histó­rica viva: uma percepção viva do passado, o qual não é apenas conhecido, mas sentido pessoalmente. Isto se dá particularmente com alguém que acaba de se mudar para uma comunidade ou bairro. Uma coisa é saber que as ruas ou campos em torno de uma casa tinham um passado antes que ali tivesse chegado; bem diferente é ter tido conhecimento, por meio das lembranças do

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passado, vivas ainda na memória dos mais velhos do lugar, das intimidades amorosas por aqueles campos, dos vizinhos e casas cru determinada rua, do trabalho em determinada loja.


Esses fatos isolados não são simplesmente evocativos por si mesmos, mas podem também ser utilizados como matéria-prima para uma história valiosa. É possível até que um estudante, so­zinho, num projeto de entrevistas durante as férias de verão, con­siga ampliar de maneira útil o conhecimento histórico - bem como criar novos recursos que, posteriomiente, outros poderão utilizar. Com um projeto em grupo, naturalmente as oportunida­des aumentarão. O numero de entrevistas pode ser maior, as bus­cas em arquivos mais amplas, o tema mais ambicioso.
O projeto em grupo possui algumas características peculia­res. Em vez da atmosfera de competição comum na educação, ele requer um espírito de cooperação intelectual. A leitura solitária, os exames e as aulas expositivas cedem lugar à pesquisa histórica em colaboração. A investigação em conjunto também leva pro­fessores e estudantes a um relacionamento muito mais íntimo, menos hierárquico, criando muito mais oportunidades de um contato informal entre eles. Sua dependência passa a ser recí­proca. O professor pode contribuir com a experiência específica na interpretação e no conhecimento de fontes existentes, mas contará com o apoio dos estudantes na organização e no trabalho de campo. Por essa via, alguns dos estudantes provavelmente de­tnonstrarão habilidades insuspeitadas. Não é o que faz as melho­res dissertações, nem o próprio professor, que será necessaria­mente o melhor entrevistador. Cria-se uma situação muito mais - igualitária. Ao mesmo tempo, porém paradoxalmente, ao resolver - ou pelo menos interromper - o conflito entre pesquisa e en­sino, isso possibilita que o professor seja um profissional melhor. O projeto em grupo é ao mesmo tempo pesquisa e ensino, inex­tricavelmente mesclados, em conseqüência do que ambos aca­bam sendo feitos com mais eficiência.
Contudo, o valor essencial dos projetos em grupo e dos pro­jetos individuais é semelhante. Os estudantes podem partilhar

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dos entusiasmos e das satisfações da pesquisa histórica criativa de valor intrínseco. Ao mesmo tempo, adquirem experiência pessoal sobre as dificuldades desse tipo de trabalho. Formulam uma in­terpretação ou teoria e logo descobrem fatos excepcionais que são difíceis de explicar satisfatoriamente. Descobrem que as pes­soas por eles entrevistadas não se ajustam facilmente aos tipos sociais apresentados pelas leituras preliminares. Precisam de fatos, ou pessoas, ou registros que se mostram exasperadoramente esquivos. Vêem-se diante de problemas de vieses, de con­tradição e de interpretação da evidência. Acima de tudo, são trazidos de volta dos modelos grandiosos da história escrita para as vidas humanas, incomodamente individuais, que são a base daqueles.


Ambos os tipos de projeto têm, também, a conseqüência importante de fazer a educação sair de seus refúgios institucio­nais para o mundo. Ambas as partes se beneficiam com isso. O processo de entrevista pode reunir pessoas de diferentes classes sociais e grupos de idade que, de outro modo, raramente se en­contrariam, e muito menos se conheceriam intimamente. Muito da hostilidade generalizada contra os estudantes baseia-se no co­nhecimento deficiente sobre aquilo que realmente são ou fazem, e esses encontros podem resultar numa apreciação da seriedade e do idealismo disseminados entre eles. Podem também mostrar às pessoas comuns que a história não precisa ser irrelevante para suas vidas. Inversamente, professores e estudantes podem tomar-se mais conscientes da imagem que representam para o grande público. E, entrando na vida de seus informantes, adquirem uma compreensão melhor dos valores de que não partilham e, fre­qüentemente, respeito pela coragem demonstrada em vidas muito menos privilegiadas do que as suas.
Contudo, mais fundamental do que isso, a natureza da entre­vista implica uma ruptura da fronteira entre a instituição educa­cional e o mundo, e entre o profissional e o público comum. Pois o historiador vem para a entrevista para aprender: sentar-se ao pé de outros que, por provirem de uma classe social diferente, ou por serem menos instruídos, ou mais velhos, sabem mais a res­32

peito de alguma coisa. A reconstrução da história torna-se, ela mesma, um processo de colaboração muito mais amplo, em que não-profissionais devem desempenhar papel crucial. Ao atribuir um lugar central, em seus textos e apresentações, a pessoas de toda espécie, a história se beneficia enormemente. E também se beneficiam, de maneira especial, as pessoas idosas. Um projeto de história oral, mais do que lhes propiciar novos contatos sociais e, às vezes, levar a amizades duradouras, pode prestar-lhes um inestimável serviço. Muito freqüentemente ignoradas, e fragiliza­das economicamente, podem adquirir dignidade e sentido de fi­nalidade ao rememorarem a própria vida e fornecerem informa­ções valiosas a uma geração mais jovem.


Essas mudanças que a história oral toma possíveis não se limitam à escrita de livros ou projetos. Metam também a apre­sentação da história em museus, arquivos e bibliotecas. Estes pos­suem agora um meio de infundir vida a suas coleções e, com isso, de se pôr em relação mais ativa com a comunidade. Podem elaborar seus próprios projetos de pesquisa, começo de Bimzing­ham a respeito dos banheiros e lavanderias da cidade, e o de Southampton sobre sua comunidade portuária antilhana, ou como os programas do Imperial War Museum a respeito das primícias da aviação e sobre os que se recusam ao serviço militar por ra­zões de consciência. Nos últimos anos, muitos museus britânicos têm estado entre os patrocinadores de projetos de história oral, oferecendo trabalho temporário a jovens desempregados através da Manpower Services Commission, de uma maneira que faz lem­brar os Federal Writers Projects do tempo do New Deal nos Esta­dos Unidos. Iniciativa especialmente notável é o programa do ecomusée realizado na Bélgica por Étienne Bernard, idealizado como um museu sem prédio, atuando pelas comunidades com projetos de gravação e exposições temporárias de fotografias e objetos da vizinhança, que, a seguir, eram devolvidos a seus pro­prietários. É interessante que o Museu Judaico de Manchcster tenha resultado do programa de história oral dos Manchester Studi es, lançado por Bill Williams, da Politécnica, que estimulou

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a comunidade judaica da cidade a preservar uma sinagoga vito­riana fechada. Ela foi reaberta como museu permanente onde, enquanto se olham os objetos em exposição, pode-se erguer um fone de ouvido e escutar as reminiscências relativas a eles. Em Erddig, um estabelecimento do National Trust recentemente aberto em Cheschire, entra-se pelos alojamentos dos criados, ao som das vozes da última geração de criados e de seus senhores.


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