A voz do passado



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A pesquisa de história oral pode também levar a própria exposição a se aproximar mais do original histórico. A disposição de objetos por época é substituida pela reconstrução de um apo­sento verdadeiro, com, por exemplo, ferramentas e aparas e ces­tos semifabricados deixados por ali como se o artesão ainda os estivesse usando. Em alguns museus eles serão de fato usados de vez em quando; e há alguns poucos, como o museu de trabalho agrícola de Acton Scott, em Shropshire, em que o trabalho de gravação e o uso diário dos antigos processos são objetivos que fazem parte integrante do empreendimento como um todo. Quando as pessoas mais velhas do lugar vêem esse tipo de museu, prova­velmente têm comentários a fazer, e podem até colaborar para seu aperfeiçoamento cedendo objetos que possuem. Em um museu vivo de East London, há funcionários que, ao ouvir esse tipo de comentário, avisam um curador, e logo se oferece ao idoso uma xícara de chá e a ocasião de gravar algumas de suas impressões ali mesmo. Como na maioria dos projetos comunitá­rios, algumas dessas gravações serão utilizadas para fazer fitas educativas para as escolas locais; e organizam-se fins de semana para que as crianças - normalmente da sexta série - se encon­trem com os idosos. Desse modo, estabelece-se um diálogo ativo entre os idosos, sua história local e um museu que se tomou um centro social. Eis um modelo de papel social da história de grande potencial, que precisa ser difundido para outros lugares.
A utilização da entrevista para apresentações históricas no rádio é, naturalmente, algo que vem de longe. Aí há, de fato, uma bela tradição de técnicas de história oral bastante antiga - na verdade, de bem antes de se ter começado a usar a expressão

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“história oral”. Por certo, os historiadores profissionais tiveram sua chance de fazer apresentações breves nos intervalos entre os programas na Radio Three. Mas a maioria dos que conheço de­monstra muito mais interesse por aqueles programas de rádio e televisão que evocam a história por meio do uso de materiais, alguns datados do período original, outros gravados retrospecti­vamente. Para o historiador do futuro, a preservação de muitos desses programas, juntamente com outros que se encontram nos Arquivos de Som da BBC, propiciará uma fonte preciosa. Em contraposição, é lamentável que, atualmente, apenas pequena parcela do que se transmite por televisão esteja sendo preservada e que, estranhamente, os historiadores venham demonstrando pouco interesse por essa destruição sistemática de registros.


Nas transmissões de caráter histórico, o que toma os progra­mas vivos é a introdução das pessoas, os atores originais. Algu­mas emissoras de rádio locais têm utilizado intencionalmente esse tipo de programa para promover a ligação e o intercâmbio com sua comunidade local, por meio de programas de depoimen­tos que estimulam os ouvintes a enviar seus comentários e a se oferecerem para ser, por sua vez, entrevistados. Uma série sema­nal desse tipo na Radio Stoke-on-Trent teve duração de dois anos. A série “Making of Medem London” na Weekend Televi­sion de Londres esteve ligada a um concurso de projetos dos pró­prios telespectadores, a que concorreram escolas locais e centros de idosos, bem como indivíduos isolados. Para sua série “Maldng Cara”, a Television Histoiy Workshop abriu unia loja próximo àfábrica para arrecadar material e também opiniões sobre os pro­gramas. Mas talvez o experimento mais impressionante de radio­difusão tenha ocorrido na Suécia. Ali, Bengt Jansson teve a opor­tunidade de organizar, pela televisão educativa sueca, uma série sobre mudança social (“Bygd i fõrvardling”), concentrada cm duas regiões do país, onde se instalaram setecentos círculos lo­cais de debates, ligados aos programas, reunindo ao todo 80 mil pessoas no intercâmbio de sua experiência pessoal com a história no correr da vida.

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Têm havido também tentativas de utilizar a história oral no cinema. Na televisão e no cinema, um problema freqüente é que uma série de entrevistas ligadas entre si pode facilmente tornar-se visualmente repetitiva e - apesar de momentos animados - ca­recer de ação dramática. Quando disponíveis, filmes antigos podem proporcionar um contraste satisfatório. Utilizou-se uma aborda­gem alternativa para a filmagem de Akenfield, de Ronald Blythe, com pessoas do lugar reencenando algumas das cenas, com falas não previstas no roteiro. Elas trabalhavam no filme gratuitamente nos fins de semana e, para cada sessão, traziam roupas, acessó­rios e comida. Precisavam apenas ser avisadas com antecedência de que a cena estava para começar, de modo que pudessem pôr­-se nas roupas e no estado de espírito apropriados. O resultado foi um filme certamente notável, ainda que algo confuso. Tem mo­mentos profundamente comoventes exatamente por serem tão co­muns: como a seqüência do funeral, com seus silêncios embara­çosos, a impropriedade das palavras, quando ocorrem, o hino cantado com demasiada lentidão e, depois, as piadas e anedotas grosseiras, contadas repetidas vezes. Porém, alguns que assisti­ram ao filme acharam-no simplesmente aborrecido, medíocre, e sem qualquer atrativo. Sobretudo, falta-lhe um enredo vigoroso.


Por isso é que algumas das experiências no teatro têm resul­tado mais bem-sucedidas. The Dillen, de Angela Hewins, registra de maneira comovente a vida de George Hewins, um homem que escrevia com dificuldade, mas possuía raro dom para as palavras ao contar a própria história, criado como órfão por sua avó numa hospedaria pública, lutando para conseguir viver como trabalha­dor braçal eventual, cruelmente mutilado nas trincheiras da Pri­meira Guerra Mundial. Essa peça foi encenada pela companhia Royal Shakespeare, com ‘um núcleo central de atores profissio­nais apoiados por uns 150 voluntários locais, que fizeram suas próprias roupas e tinham até uma banda; e o espetáculo abando­nava o teatro para circular pela cidade, parando para a repre­sentação de cenas num parque, num prédio em construção, à margem do rio, e numa estrada de ferro desativada. A cada noite,

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juntava-se uma multidão, que logo ultrapassava o público origi­nal e acompanhava o espetáculo; e, na atmosfera descontraída do intervalo ao ar livre no campo, ouviam-se grupos trocando suas lembranças pessoais sobre aqueles mesmos lugares. Depois das cenas violentas da Primeira Guerra Mundial, que se passavam precariamente dentro de uma tenda militar, o espetáculo culmi­nava com os atores, público e curiosos, agora ao todo umas sete­centas pessoas, caminhando em direção à cidade numa silenciosa procissão à luz de tochas. Essa foi uma forma de teatro comunitá­rio inteiramente nova e fortemente tocante. Várias outras compa­nhias, como a Age Exchange, têm desenvolvido, de modo mais modesto, um trabalho baseado em material de história oral, para espetáculos em salas de reuniões e centros comunitários de pe­quenas cidades. Contudo, na maior parte dos trabalhos desse tipo, embora as palavras e até mesmo a atuação venha do povo do lugar, a direção tem permanecido basicamente em outras mãos. Se havia um objetivo comum, ele era imposto de fora.


Uma abordagem alternativa do teatro de reminiscência pode ser encontrada no teatro participativo, como o desenvolvido por Elyse Dodgson a serviço de escolas de Londres, e agora sediado no Royal Court Young People’s Theatre. Ali, as crianças reuni­ram material de suas famílias e a seguir trabalharam conjuntamente na produção de um espetáculo coletivo - de qualidade impressionantemente alta. Há, sem dúvida, dificuldades especiais no teatro e no cinema, devido aos requisitos técnicos e ao custo desses meios, bem como ao domínio exercido sobre eles por um profissionalismo internacional. Problema semelhante se verifica na radiodifusão em âmbito nacional. Não obstante, uma escolha, muitas vezes difícil, deve ser feita em muitos outros tipos de pro­jeto, particularmente em educação. Pois a natureza cooperativa da abordagem da história oral tem levado a um questionamento radical da relação básica entre história e comunidade. A informa­ção histórica não precisa ser levada para fora da comunidade para ser interpretada e apresentada pelo historiador profissional. Por

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meio da história oral, a comunidade pode, e deve, merecer con­fiança para escrever a própria história.


Alguns dos empreendimentos mais interessantes nesse sen­tido têm vindo, uma vez mais, da Suécia, especialmente pelo papel desempenhado pela organização estatal sueca de espetácu­los na promoção de eventos de iniciativa local, e pelo livro de Sven Linqvist, Grav dãr du stár (1978) [Escave onde você vive], que proporcionou um manual prático para os trabalhadores escre­verem as histórias de seu próprio local de trabalho - a partir de seu ponto de vista e não do de seus empregadores e acionistas -associando fontes documentais e orais.
Mas as amplas possibilidades dessa abordagem revelaram­-se de maneira mais marcante na Polônia. É verdade que lá o gra­vador tem tido pouco impacto até agora, de modo que o movi­mento da história de vida, que vem de uma tradição “humanística” da sociologia polonesa, instituída no período entre as guerras, ainda funciona pelo estímulo às memórias autobiográficas escri­tas, e não pelo testemunho oral. O que, sem dúvida, limita quem pode participar disso. Não obstante, desde 1945, escrever memó­rias tornou-se uma forma importante de auto-expressão popular na Polônia, admitindo a discussão não só da sociedade de antes da guerra e da experiência da ocupação nazista, mas também da radical reconstrução social que teve lugar sob o regime comu­nista que veio a seguir. A chave desse êxito tem sido o uso de concursos de memórias, organizados pelos jornais e rádios nacio­nais e por jornais locais de todas as grandes cidades. São propos­tos temas amplos e oferecem-se prêmios consideráveis, duas ou três vezes por ano. Cada concurso atrai em geral mil ou mais inscrições. Os melhores resultados são publicados em folhetins nos jornais e editados como coletâneas sob forma de livro. Até agora, várias centenas de milhares de poloneses já participaram desses concursos e foi organizado um arquivo nacional especial para o material assim coletado. Em suma, a memorialística popu­lar tornou-se parte reconhecida do novo modo de vida nacional, numa medida que quase não encontra paralelo cm outros países

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comunistas ou no mundo ocidental. E esse êxito polonês em pro­duzir uma espécie de entusiasmo democrático pela história levou também à formação de grupos coletivos memorialistas em algu­mas das grandes fábricas, minas e siderúrgicas. Podem ser de iniciativa de um sociólogo a reunião inicial, a ajuda com a suges­tão de temas e com a publicação posterior de livros produzidos pelo grupo; mas a dinâmica essencial é fornecida pela dedicação dos membros do grupo. Onde se poderia encontrar, hoje em dia, grupos cooperativos de operários da indústria, em número supe­rior a duzentos, que se reunem regularmente após o trabalho em encontros de debates que duram duas horas, para colaborar uns com os outros na correção e ampliação das primeiras versões que fizeram de sua história de vida?


Foi um desejo semelhante que inspirou, na Grã-Bretanha, alguns dos grupos locais cooperativos de história oral, relativa­mente pequenos, que têm editado folhetos mimeografados bara­tos com transcrições de gravações, projetos de história local de educação de adultos e projetos conjuntos de historiadores orais e sindicalistas. O florescimento desse tipo de grupo em todas as cidades mais importantes tem sido, na verdade, um dos aspectos mais marcantes do movimento da história oral: somente em Lon­dres, a exposição Exploring Living Memoiy, realizada em 1985 no Festival Hall, atraiu, em duas semanas, 100 mil visitantes que o impregnaram de permanente zoada de conversas enquanto viam e discutiam o trabalho de noventa projetos de grupos edito­riais e de história local, de hospitais e centros de idosos, de esco­las, e assim por diante. Entre eles, o modelo mais radical foi oferecido pela Pcople’s Autobiography de Hackney. Este surgiu de um grupo, originalmente ligado à WEA (Workers’Educational Association), que se reunia num centro local comunitário e de leitura chamado Centreprise. A idade dos membros do grupo ia de menos de 20 a 70 anos, todos moradores de Hackney ou vizi­nhanças, em East London. Eram de profissões muito variadas. O grupo era aberto e se constituíra por meio de notícias nos jornais locais, bibliotecas e outros lugares. Todo membro podia gravar

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qualquer outra pessoa. Nas reuniões do grupo, ouviam e discu­tiam as fitas gravadas - às vezes gravando também essas discus­sões - e planejavam a maneira como compartilhar com um pú­blico de Hackney o que fora coletada. Por esse motivo, deram ênfase especial à publicação e editaram urna série de folhetos baratos, subsidiados por uma biblioteca local, baseados em trans­crições e relatos escritos sobre vidas de pessoas, folhetos esses que tiveram ampla distribuição local. Esses folhetos, por sua vez, provocaram a reação de outras pessoas e levaram a mais debates e gravações. O grupo também recolhia fotografias e montava esse material em fitas e slides para apresentações históricas a certos públicos da comunidade, como pacientes em hospitais e associa­ções de aposentados - mais um meio de devolver às pessoas sua própria história, mostrando a elas que isso tinha valor, e estimu­lando sua colaboração. Assim, a People’s Autobiography visava, por um lado, construir, mediante uma série de relatos individuais, uma história geral da vida e do trabalho em Hackney e, por outro lado, fazer com que as pessoas confiassem nas próprias lembran­ças e interpretações do passado, em sua capacidade de colaborar para escrever a história - e confiar também em suas próprias palavras: em suma, em si mesmos.


Isso não se dá apenas com idosos ainda ativos e interessados pela vida. Outro desenvolvimento recente da história oral muito sur­preendente foi a terapia da reminiscência. Cada vez mais os espe­cialistas em envelhecimento têm reconhecido que entregar-se a reminiscências pode ser uma maneira interessante de os idosos manterem o sentimento de sua identidade em um mundo em mu­dança. Ainda mais notável, isso pode ser utilizado para reanimar o espírito de quem está profundamente alienado e deprimido, e até mesmo uma forma de tratamento de idosos psicóticos ou de­mentes. O Recall, conjunto de fitas gravadas de reminiscências e slides, criado pela historiadora oral Joanna Bornat na Help the Aged, desencadeou um movimento crescente entre os profissio­nais que cuidam de idosos, sobre o qual falaremos mais detalha­damente no capítulo 5.

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A possibilidade de utilizar a história para finalidades sociais e pessoais construtivas desse tipo vem da natureza intrínseca da abordagem oral. Ela trata devidas individuais - e todas as vidas são interessantes. E baseia-se na fala, e não na habilidade da es­crita, muito mais exigente e restritiva. Além disso, o gravador não só permite que a história seja registrada em palavras faladas, mas também que seja apresentada por meio delas. Numa apre­sentação de fitas e slides do Recall, ou numa apresentação de técnicas artesanais num museu, ou numa palestra histórica, o uso da voz humana, viva, pessoal, peculiar, faz o passado surgir no presente de maneira extraordinariamente imediata. As palavras podem ser emitidas de maneira idiossincrática, mas, por isso mesmo, são mais expressivas. Elas insuflam vida na história.


Com elas se aprende algo mais do que o simples conteúdo. As gravações demonstram como é rica a capacidade de expressão de pessoas de todas as condições sociais. George Ewart Evans demonstrou, em seus muitos livros, como o dialeto do agricultor da East Anglia, durante tanto tempo menosprezado pela classe fundiária do condado, traz consigo um vigor gramatical e expres­sivo chauceriano, dificilmente igualado pelo inglês convencional. Descobertas desse tipo têm sido compartilhadas pelos historiado­res orais onde quer que tenham trabalhado. O gravador tem per­mitido que a fala da gente comum - sua habilidade narrativa, por exemplo - seja, pela primeira vez, seriamente compreen­dida. Alguns anos atrás, educadores, sob a influência de Basil Bernstein, presumiam que a fala da classe operária representava urna desvantagem inevitável, uma limitação que impedia todo tipo de pensamento que não fosse o mais simples. Ora, com a ajuda dos gravadores, a revista Language and Class Workshop contesta as teorias de Berstein com as transcrições que publica; e nos Estados Unidos o “folclore urbano” tornou-se um gênero literário reconhecido. Contudo, ainda pode levar um bom tempo antes que esse tipo de reavaliação obtenha aceitação geral. En­quanto isso, uma das contribuições sociais essenciais que pode ser dada pelo historiador oral, quer em projetos, quer introdu­41

zindo citações diretas na história escrita, é ajudar a fazer com que as pessoas comuns confiem em sua própria fala.


Para descobrir uma finalidade como essa, os historiadores caminharam uma longa distância desde seu objetivo inicial - e sem dúvida existe algum perigo de conflito entre este e aquela. No nível da própria entrevista, por exemplo, têm havido críticas vigorosas quanto a certo tipo de relacionamento com informantes, no qual um profissional de classe média determina quem deve ser entrevistado, sobre o que se deve falar e, a seguir, desaparece com uma fita gravada da vida de alguém que nunca mais ouve falar a respeito dela - e, se ouvisse, seria com indignação pelos significados não pretendidos atribuídos a suas palavras. Há van­tagens sociais evidentes no modelo, contraposto a esse, de um grupo auto-selecionado, ou de uma reunião pública aberta, que se centra num debate igualitário e estimula a publicação local de seus resultados; e nas sessões individuais gravadas que são mais conversas do que entrevistas dirigidas. Contudo, também há inconvenientes nesta alternativa.
O grupo auto-selecionado raras vezes será inteiramente representativo de uma comunidade. É muito mais provável que seja composto de seus grupos principais - pessoas de uma classe operária qualificada ou de classe média inferior. A classe mais alta local raramente estar presente, como também não esta­rão os muito pobres, os menos seguros, especialmente entre as mulheres, ou os imigrantes de sua minoria racial. Cria -se -á uma forma de história oral local mais verdadeira e socialmente mais valiosa quando esses outros grupos passarem a participar. Suas publicações serão muito mais ricas se puderem aproximar a patroa da empregada doméstica, o dono da fábrica de seus operá­rios. Aí, sim, revelará a variedade da experiência soçial da comu­nidade os grupos que desfrutam do melhor e do pior dela - e talvez levará a uma reflexão sobre o que pode ser feito a esse respeito. A história local traçada a partir de um estrato social mais restrito tende a satisfazer-se com menos a ser uma reafirmação do mito da comunidade. Por certo isso deve ser registrado, e um

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grupo local auto-suficiente que possa fazê-lo estará, sem dúvida, ajudando muitos outros além dele próprio. Mas para o historiador radical isso dificilmente será o bastante. A história não deve ape­nas confortar; deve apresentar um desafio, e uma compreensão



-que ajude no sentido da mudança. Para isso, o mito precisa tor­nar-se dinâmico. Tem que abarcar as complexidade do conflito. E para historiador que deseja trabalhar e escrever como socia­lista, a tarefa não deve ser simplesmente louvar a classe operária , mas sim elevar sua consciência. Não se trata de substituir um mito conservador da sabedoria da classe superior por um mito da classe inferior. O que se requer é uma história que leve à ação; não

para confirmar, mas para o mundo.


Em princípio, não há razão alguma por que projetos locais não devam ter esse objetivo, ainda que, ao mesmo tempo, cont­iuem a promover a autoconfiança e a a produção da história a par­tir do interior da comunidade . Normalmente a maior a partir dos grupos terão alguns membros com mais. experiência histórica. Pre­cisam certamente ter muito tato; menosprezar mais do salienter essa sua vantagem. A longo prazo, porém, todo mundo sairá Perdendo se eles renunciarem a ela: sua colaboração deve ser ajudar o grupo a caminhar para uma perspectiva mais ampla. Ob­servações semelhantes se aplicam à sessão de gravação, em que a

contribui de modo algum para uma boa entrevista . O historiador oral tem que ser um bom ouvinte , e o informante um auxiliar ativo. Como diz Geoge Ewart Evans “muito em­bora os velhos sobreviventes fossem livros ambulantes, eu não podia apenas folheá-los. Ele eram pessoas”2. Também os historiadores são pessoas. .Eles vieram com um objetivo, obter infor- mação. e se no fundo, estão envergonhados disso, não deviam ter vindo. Um historiador que apenas se envolve com uma reminiscên­cia casual coletará informações interessantes, mas desperdiçará .oportunidade de obter a evidência crítica para a estrutura do debate

e da interpretação histórica.

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A relação entre a história e a comunidade não deve ter mão única em qualquer dos dois sentidos: antes, porém, ser uma série de trocas, uma dialética entre informação e interpretação, entre educadores e suas localidades, entre classes e.gerações. Haverá espaço para muitas espécies de história oral e isso terá muitas conseqüências sociais diferentes. No fundo, porém, todas elas se relacionam.


A história oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela lança a vida para dentro da própria história e isso alarga, seu campo de ação. Admite heróis vindos não só dentre os lideres mas a maioria desconhecida do povo. Estimula professores e alunos a se tomarem companheiros de trabalho. Traz a história para dentro da comunidade e extrai a história de dentro da comu­nidade. Ajuda os menos privilegiados, e especialmente os idosos, a conquistar dignidade e autoconfiança. Propicia o contato pois, a compreensão - entre classes sociais e entre gerações. E para cada um dos historiadores e outros que partilhem das mesmas intenções pode dar um sentimento de pertencer a determi­nado lugar e a determinada época. Em suma, contribui para for­mar seres humanos mais completos. Paralelamente, a história oral propõe um desafio aos mitos consagrados da história, ao juízo autoritário inerente a sua tradição. E oferece os meios para transformação radical do sentido social da história. 44
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HISTORIADORES E HISTÓRIA ORAL
O uso difundido da expressão “história oral” é novo, tanto quanto o gravador; e tem implicações radicais para o futuro. Isto não significa que ela não tenha um passado. Na verdade, a histó­ria oral é tão antiga quanto a própria história. Ela foi a primeira espécie de história. E apenas muito recentemente é que a habili­dade em usar a evidência oral deixou de ser urna das marcas do grande historiador. Quando o eminente historiador profissional francês de meados do século XIX Jules Michelet, professor da École Normale, da Sorbonne, e do Collêge de France e curador-chefe histórico dos Arquivos Nacionais, escreveu sua História da Revolução Francesa (1847-53), tinha por certo que os documen­tos escritos deviam ser apenas uma entre muitas outras fontes. Ele podia valer-se da própria memória, pois nascera em Paris em 1798, menos de dez anos depois da queda da Bastilha. Porém, durante dez anos também colheu sistematicamente evidência oral fora de Paris. Sua intenção era contrabalançar a evidência dos docu­mentos oficiais com o julgamento político da tradição oral popular:
Quando digo tradição oral, estou falando de tradição nacional, aquela que permaneceu espalhada de modo geral na boca do povo, que todos diziam e repetiam, camponeses, gente da cidade, velhos, mulheres, até mesmo crianças; aquela que podemos ouvir ao entrar à noite numa taverna de aldeia; aquela que podemos colher se, ao encontrar à beira da estrada um transeunte descansando, começamos a filar com ele da

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chuva, da estação, e do alto preço dos mantimentos, e da época do impe­rador, e da época da Revolução.


Evidentemente, Michelet tinha habilidade para escutar e para puxar pela língua de um informante. Possuía também idéias claras sobre em que áreas a evidência oral era mais, ou menos, confiável. Como estudioso de sua época, foi excepcional; mas certamente não era um caso único. No entanto, antes que se pas­sasse um século, a profissão de historiador se afastara tanto de suas habilidades tradicionais, que o professor James Westfall Thompson comentou essa passagem de Michelet, em sua monu­mental History of Historical Writing (1942), dizendo que “isso pode parecer uma estranha maneira de coletar dados históricos”.’ Como terá ocorrido essa guinada? Quais foram os estágios pelos quais a história oral perdeu sua preeminência original?


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