A voz do passado



Yüklə 1,22 Mb.
səhifə9/32
tarix25.10.2017
ölçüsü1,22 Mb.
#12925
1   ...   5   6   7   8   9   10   11   12   ...   32
(...) ela implica uma analogia enganosa com aspectos já diferenciados da história - econômico, agrícola, médico, legal, e assim por diante. Ao passo que a história oral não pode nunca ser um compartimento da história, propriamente; é uma técnica que, presumivelmente, pode ser utilizada em qualquer ramo da disciplina. Sua denominação também su-gere - na verdade requer - uma área de trabalho diferenciada, quando de fato, para quem quer que tenha coletado evidência oral em campo,

104


durante qualquer espaço de tempo, é evidente que compilar fontes orais é uma atividade que aponta para a conexão existente entre todos os as-pectos da história e não pata as divisões entre eles.1
Se se concretizar todo o potencial da história oral, disso re-sultará não tanto uma lista específica de títulos relacionados numa seção das bibliografias históricas, como uma mudança fun-damental no modo pelo qual a história é escrita e estudada, cm suas questões e julgamentos e em sua natureza. O que se segue é uma exposição sobre apenas uma das dimensões da história oral - o impacto da nova evidência oral nos campos existentes do estudo de história - e os exemplos citados limitam-se delibera-damente a obras modernas. Mesmo assim, é difícil fazer urna escolha equilibrada satisfatória entre, por um lado, o enorme nú-mero de artigos muitas vezes breves, particularmente a respeito de pesquisas em andamento, de que se toma conhecimento pela publicação em revistas especializadas e bibliografias do movi-mento formal de história oral e, por outro lado, as publicações, em número ilimitado, mas freqüentemente importantes, em sociologia, antropologia, folclore, história contemporânea, política biografia, que se situam nas fronteiras da história oral. Por sua vez, um levantamento completo de cada um desses campos seria, i verdade, insuportavelmente longo, e esta será uma exposição apenas ilustrativa.
Comecemos com a história econômica. Poucos precisarão competir com a ousadia - em mais de um sentido - de historia-da África central pré-colonial explorando os afluentes do Congo em sua própria canoa, como Robcrt Harms, os quais reuniram os padrões emergentes de produção, comércio e mer-cado em suas regiões, principalmente a partir de tradições orais

- comunidades e das famílias. O papel da evidência oral na econômica tem sido, em geral, relativamente modesto: como um corretivo e um suplemento às fontes existentes e -, segundo, na proposição de novos problemas a serem consi-derados. Para alguns aspectos da história econômica, tais como as do governo, comércio exterior, ou atividade bancária e

105

de seguros, a documentação existente é abundante, ainda que às vezes de enfoque restrito. Porém, alguns dos mais importantes índices estatísticos históricos agregados, por exemplo, de salários reais, de horários e de produtividade, são compilações que se ba-seiam, em grande parte, ou em documentação inadequada, ou em simples conjetura, apesar da segurança com que em geral são apresentados. Constituem a base, por exemplo, dos grandes deba-tes sobre o padrão de vida na Grã-Bretanha industrial: mas Eliza-beth Roberts, a partir de entrevistas com famílias operárias de duas cidades de Lancashire, demonstrou como muitos fatores têm sido mal interpretados ou excluídos dos cálculos dos índices estatísticos de padrão de vida. As fontes também têm mostrado ser insatisfatórias para o estudo da história de muitas atividades importantes: a mineração, por exemplo. Christopher 'Storm-Clark demonstrou quão insuficientes e enganosos são os registros docu-mentais existentes. A atividade de mineração, antes do final do século XIX, consistia principalmente de poços locais pequenos, pouco profundos e muitas vezes de vida curta; contudo, a evidên-cia remanescente não só é escassa e fragmentária, mas também fortemente enviesada na direção dos atípicos poços de grande porte, intensivos em capital, e instalações a eles associadas. O fechamento de poços e a conseqüente destruição de seus regis-tros, a partir dos anos de depressão entre as Grandes Guerras, a relutância de seus proprietários em permitir que sejam examina-dos e, a seguir, temores semelhantes por parte do National Coal Board em nada melhoraram sua disponibilidade, nem seu con-teúdo informativo. Por isso, em sua pesquisa, Storm-Clark utili-zou entrevistas, em parte para colher informações básicas sobre a tecnologia e a organização do trabalho do tipo de poço sobre o que não havia registros. Mas as entrevistas também fornecem evidência sobre os processos de recrutamento para os poços e da migração para os distritos mineiros, muito mais completa do que qualquer outro tipo de registro sobre as minas de carvão. Mais surpreendente ainda, porém, talvez tenha sido seu valor para a elucidação e correção das próprias informações que, pelo menos



106

quanto a certos poços, os Colliery Wage Books fornecem a res-peito de horários de trabalho e salários. As entrevistas indicam que, para os mineiros, o horário continuava a ser muito flexível; enquanto o sistema de pagamentos por empreitada, divididos entre grupos de trabalho de mineiros, era tão complexo e variá-vel, que o conceito de uma taxa de salário para o período anterior a 1914 é "quase inteiramente sem sentido".2


O mesmo tipo de argumento em favor do valor da evidência oral em relação a documentos aplica-se a outras atividades eco-nômicas. Assim, a vasta biografia social e industrial de Henty Ford, sua empresa e a indústria automobilística, escrita por Allan Nevins, demonstra como a evidência oral pode expor, com muito mais clareza do que documentos, os métodos de trabalho de um grande inovador. E quanto ao nosso Living the Fishing (1983) -a respeito de uma atividade em que predominam as pequenas empresas e o trabalho sazonal -, o processo de entrevistas mos-trou ser. o modo mais rápido de construir um esboço de história econômica local de cada comunidade e de cada empresa familiar, e também nos ajudou a perceber alguns dos erros das abundantes documentação e estatística governamentais, que, ao fornecer in-formações para os registros oficiais, haviam refletido o orgulho local, a dissimulação, ou a conjetura; mais importante ainda, porém, propiciou-nos a informação essencial a respeito dos con-trastes entre a cultura empresarial das comunidades, que ajuda-ram a explicar por que algumas delas haviam perecido, enquanto outras continuavam a prosperar. De modo mais geral, na verdade também é importante conhecer, em contraposição à história do êxito, a pequena firma - como a fundição de ferro de pequena cidade do interior - que mio chegou a ser uma companhia; e, retrocedendo um pouco mais, os artífices - os que consertam rodas, os que, fazem telhados de os ferreiros, e assim por diante - em relação aos quais a

ação escrita é ainda mais escassa, mas a respeito dos existe atualmente abundante literatura que se abebera em medida de fontes orais. E muitas vezes somente a evidên-107

cia oral é que permite o estudo adequado de uma atividade eco-nômica transitória que pode ser parte essencial do quadro mais amplo. Assim, não há praticamente registro escrito algum a res-peito de profissões itinerantes - mascateação, armarinho, feira, e assim por diante - e, até mesmo para a indústria de bebidas fermentadas, extremamente organizada, só havia a mais pobre do-cumentação a respeito da habitual migração sazonal organizada de trabalhadores rurais da East Anglia para Burton-on-Trent.
Contudo, o trabalho de história oral mais sistemático, de decisiva importância para a história econômica, tem sido a res-peito da agricultura. Também aqui, registros, livros de salários e diários só se encontram em geral para as fazendas maiores, tec-nologicamente mais avançadas. A existência mesma desses regis-tros denota um grau incomum de eficiência. Mesmo onde exis-tem registros, as informações oferecidas sobre taxas de salários ou técnicas de trabalho, por exemplo, são em geral inadequadas e, freqüentemente, incompreensíveis ou enganosas. Para garantir alguma indicação confiável dos padrões normais de trabalho ou das variações em nível tecnológico num determinado distrito, a evidência oral é essencial. A coleta desse material tem sido le-vada a cabo de maneira mais sistemática no País de Gales e na Escócia, antes porém como sociologia, antropologia ou folclore, do que como história econômica. Mais recentemente, David Jen-kins e Eric Cregeen realizaram um trabalho notável sobre a eco-nomia social dessas regiões. Porém, a demonstração da relevân-cia do trabalho de campo oral para a história econômica agrícola foi feita por George Ewart Evans, em seus estudos sobre a agri-cultura de East Anglia, The Horse in the Furrow, The Farm and the l4llage e, especialmente, Where Beards Wag Ali: seus méto-dos, desde a grande fazenda com energia a vapor até a pequena propriedade; economia pecuária e cerealista; arrendatários, fa-zendeiros e trabalhadores rurais.
Vários desses estudos aludem a uma outra forma em que a evidência oral começa a contribuir para a história econômica: o estudo do empresário. Muito embora haja abundante material au108

tobiográfico sobre a inteiligentsia da classe superior e da classe média, é extraordinariamentre escasso esse tipo de informação sobre as classes manufatureira e do comércio. Sem isso, não é possível responder a questões tais como qual o papel da firma familiar e da socialização e atitudes dos empresários na decadên-cia econômica britânica. Porém, é muito visível que os historia-dores econômicos não têm seguido o exemplo dos sociólogos na coleta de histórias de vida de gerentes industriais e de pequenos empresários. Estes estudos têm resultado em novas e Importantes descobertas: por exemplo, a falta de ambição do pequeno nego-ciante inglês em comparação com os gerentes e o papel econô-mico absolutamente essencial desempenhado por suas esposas. Mas continua a ser um paradoxo o fato de sabermos mais a res-peito de por que os padeiros franceses ou os pescadores escoce-ses se empenham até o limite de suas forças em troca de benefí-cios econômicos tão pequenos, do que sabemos a respeito dos mais importantes financistas, industriais e empreendedores; e provavelmente a mais reveladora história de vida de homem de . negócios de que dispomos é a de um receptador ítalo-norte-ame-ricano que negociava com mercadorias roubadas, registrada para um estudo de comportamento desviante. É evidente que se está perdendo aí uma grande oportunidade.


Há também um vínculo potencial entre a história econômica a de descobertas tecnológicas e científicas, embora atualmente os estudos de história oral que existem na história da ciência se ocupe mais de suas formas de maior prestígio social. Há proje-tos história da medicina e da psiquiatria. E, em seu Astronomy Transformed: The Emergence of Radio Astronomy in Britain (1977), David Edge ofereceu uma análise penetrante do cresci-, no pos-guerra, da "grande ciência" mais espetacular, dispendiosa e, talvez, socialmente menos relevante, a rádio-astronomia. Em parte por sua própria experiência prévia nessa ciência, percebeu que a pobreza de registros deixados pelos cientistas era casual; eles não encaravam suas tentativas e erros iniciais relevantes para a história da ciência, a qual, segundo acre109

ditavam, caminha numa seqüência racional de descobertas. Me-diante a evidência obtida em entrevistas, ele teve condições de mostrar que o quadro verdadeiro é muito diferente: uma história de becos sem saída, de mal-entendidos e de descobertas aciden-tais, dentro de um cenário social de rivalidades agudas, em parte provindas de especializações de grupo, mas que, por vezes, levam á ocultação deliberada de informação. Assim, essa constitui impor-tante contribuição para o estudo histórico do método científico, no qual o próprio cientista, de super-homem frio e racional, se transforma em animal mais humano e mais político.


A história ciência é claro, não é senão um dos ramos da história intelectual. Área particularmente interessante é a história da religião, pois, neste caso, as fontes orais podem ser utilizadas para distinguir as crenças e práticas dos adeptos comuns das de seus líderes. Até que ponto, por exemplo, a religião terá moldado os valores do auxiliar de escritório de classe média baixa? É possível também, estudar a "religião popular", as supertições e os rituais de nascimento, casamento ou morte dos não-religiosos - áreas essas, pela própria natureza, em sua maior parte fora do alcance da documentação institucional religiosa recente. E uma vez que a relação entre desenvolvimento econômico e as ideolo-gias religiosas dos empresários e de sua mão-de-obra têm sido há muito tempo um tema fundamental de debate histórico, isso ofe-rece outro item em que a evidência oral pode vincular-se à histó-ria econômica. Uma reavaliação dos argumentos de Weber, Halévy e E. P. Thompson sobre essa questão foi a preocupação central de Pit-men, Preachers and Politics, de Robert Moore. Esse estudo, sobre um campo de mineração de Durham, mostra o papel que o metodismo primitivo, com sua ênfase no auto-aper-feiçoamento individual e apoiado pelo paternalismo dos proprie-tários de minas locais, desempenhou na inibição do crescimento da consciência de classe militante entre os mineiros, até que sua influência, juntamente com o paternalismo dos proprietários, ti-vesse entrado em colapso diante da crise econômica dessa ativi-dade no século XX. O relato sobre a religião, inclusive a identifi-110

cação dos que eram adeptos locais mas não frequentadores das igrejas, apóia-se fortemente na evidência oral, e a combinação de uma esmerada reconstrução local com um argumento teórico geral faz desse livro um marco de importância.


Ele nos leva também a uma área dependente da história eco-nômica, mas de especial significação para a história oral propria-mente dita - a da história operária. Aqui, o montante de trabalho realizado já foi suficiente para justificar um estudo bibliográfico em separado. Ele vai desde folhetos locais e artigos em periódi-cas, tais como o Bulletin of the Society for the Study of Labour History ou Radical America, até livros de vulto e coleções de - arquivos das dimensões da South Wales Miner's Library. A con-tribuição da evidência oral pode ser vista sob várias formas dife-rentes. A mais simples é a biográfica. Em geral, nem mesmo líde-res operários deixam registros pessoais de importância, de modo que a evidência oral tem mostrado ser da maior valia num em-preendimento como o de John Saville e Joyce Bellamy no Dictio-nary of Labour Biography, bem como em estudos individuais. Mas ela tem também transformado o caráter da autobiografia Apesar de muitas exceções, a autobiografia operária típica era escrita, até muito recentemente, por um secretário de sindicato, ou por um parlamentar a respeito de sua vida pública, peecedida, quando muito, de algumas poucas páginas sobre sua infância e seu primeiro emprego. Pela influência conjunta de his-toriadores orais, especialmente em projetos de história de comu-nidade, e também do rádio, temos agora histórias de vida de uma gama muito mais ampla de autores: de líderes locais e nacionais,

do povo, e também de trabalhadores não-sindicalizados; tanto de mulheres quanto de homens; de operários, empregados domésticos, biscateiros e trabalhadores subpagos, bem como de mineiros e sindicais. Fato igualmente importante é que o conteúdo e a linguagem se deslocaram da vida pública para experiência comum do trabalho e da família. Surgiu um tipo íntimo e anedótico de autobiografia, que marcou a história de vida dada a público. Pode-se perceber claramente sua influên -111

cia nos excertos de autobiografias manuscritas recentes, incluí das por John Bumett em sua ótima coletânea Useful Toil. Um número enorme de autobiografias orais como essas estão atualmente dis-poníveis nos arquivos. Até agora, foi publicada uma seleção delas, o mais das vezes como pequenos folhetos locais, mas também em coletâneas como Rank and File: Personal Histories by Wor-king Class Organizersfrom America, de Alice e Staughton Lynd, ou Working Lives, 1905-45, da People's Autobiography de Hack-ney. Há também um número cada vez maior de notáveis autobio-grafias impressas desse novo tipo, que começaram como recorda-ções orais, como Fenland Railwayman, de Arthur Randell, The Furrow Behind Me, de Angus Maclellan, e Below Stairs, de Mar-garet Powell. Ainda mais vigorosa, porém, é The Dillen, de An-gela Hewins, uma obra-prima de autobiografia gravada direta-mente de um homem que jamais poderia tê-la escrito, mas que possuía raro dom para a palavra falada. Órfão, criado num cor-tiço de Stratford-on-Avon, entre miseráveis e prostitutas, foi em-pregado como aprendiz por um construtor local por determinação de sua tia-avó, mas deixou-se seduzir por um casamento prema-turo e não completou o aprendizado. Sua vida tomou-se uma luta sem tréguas para alimentar a família cada vez maior, trabalhando como biscateiro, e se transformou em amargura pela violenta mu-tilação que sofreu como soldado da Primeira Guerra Mundial: uma vida de trabalho desconhecida e, no entanto, inesquecível, que de nenhum outro modo teria chegado até nós.
A evidência oral também pode ser utilizada para ampliar a informação sobre acontecimentos específicos da história operária como a evolução de uma organização, ou o decorrer de uma greve. Exemplo excepcional disso, a que voltaremos depois, é o estudo de Peter Friedlander, The Emergence of a UAW Local 1936-1939 - a sindicalização de uma fábrica de automóveis em Detroit -, que foi elaborado quase que inteiramente a partir de uma forma muito rigorosa de entrevista. De modo mais geral, os benefícios conseguidos têm sido tanto no maior número de in-formantes, quanto na ampliação da informação para cobrir maior

112


número de experiências comuns; e para a maioria dos historiado-res da vida operária importará mais o modo como ela é utilizada do que se ela vem num texto escrito ou numa gravação. Pode-se perceber isso comparando as memórias bastante desordenadas de conflitos industriais em Strike: a Live History, 1887-1971, de R. Leeson, com as reminiscências escritas mais premeditadas que concluem The General Strike, de Jeffrey Skelley. Ainda melho-res, porém, são nesse mesmo livro os artigos de Peter Wyncoll e de Hywel Francis, e o livro de Anthony Mason, The General Strike in the North-East, que constrói uma narrativa a partir de evidência oral e escrita. Uma série de greves pode ser estudada desse mesmo modo, como as greves dos trabalhadores rurais de NorfolK, por ocasião da colheita; ou o começo da sindicalização de mulheres nos lanifícios ou nas fábricas de automóveis; ou uma campanha prolongada como a reação dos mineiros galeses à Guerra Civil Espanhola. Uma outra abordagem é a da urgente operação de salvamento para a recuperação de material, muitas vezes diretamente na esteira de uma disputa, como a ocupação dos Estaleiros Upper Clyde, ou o relatório de A. Lane e K. Ro-berts, Strike at Pilkingtons. Essas duas abordagens podem ter valor diferente, mas há duas forças específicas na evidência oral desse tipo. Em primeiro lugar, indo além das formalidades e dos exageros de lideranças conflitantes, apresentados pelos jornais e documentos, ela pode chegar à realidade mais trivial e confusa e posições divergentes entre as pessoas comuns, inclusive a dos fura-greves. A análise feita por Sidney Pollard e Robert Tumer, mão-de-obra participante dos lucros de um lanifício de Yorkshi-re e de suas atitudes, trata de um assunto que de outro modo se impenetrável. E algumas das obras mais interessantes têm sido feitas a respeito dos trabalhadores que estavam desem-pregados: tanto de suas organizações quanto de sua experiência vida fora do trabalho - a longa e infrutífera busca de tra-balho, o furto de alimento, a humilhação da assistência social -, experiência tão deprimente nos Estados Unidos, quanto na Austrália -ou na Grã-Bretanha. As coletâneas mais completas desse

113


tipo de evidência encontram-se em Hard limes, de Studs Terkel, e em Ten Lost Years, de Barry Broadfoot; mas uma análise mais rica e mais reflexiva, que mostra o que há de melhor na utiliza-ção da história de vida, é oferecida pelo estudo contemporâneo de Dennis Marsden e E. Duff, Workless.
Uma terceira forma de história operária oral, que também caminha paralelamente à pesquisa sociológica, é o estudo de co-munidade, a que voltaremos mais tarde. Nesse caso, o impacto da história oral se mostra pela contraposição entre o antigo clássico sociológico Coal is our Life (1956), de Norman Dennis, E Henri-ques e C. Slazughter, baseado em entrevistas, mas que, em grande medida, deixou de lado o material histórico colhido, e a obra histórica e sociológica mais recente de Robert Waller e Robert Moore, na qual a reconstrução retrospectiva das relações entre as classes e o sentido de comunidade foi a preocupação primordial. Esse método também tem permitido estender o estudo histórico de comunidade a ocupações muito mais escassamente documen-tadas, tais como os biscateiros, os carroceiros, os cavouqueiros e as lavadeiras do Quarry Roughs, de Raphael Samuel.
Finalmente, a evidência oral é de particular valor para o his-toriador da vida operária preocupado com o processo de trabalho propriamente dito - não simplesmente sua tecnologia, que dis-cutimos anteriormente, mas a experiência de trabalho e as rela-ções sociais que desta resultam. A experiência de trabalho é a preocupação da obra-prima clássica de Studs Terkel, Working. Como em todos os seus livros, a impressão que ele causa não provém de uma argumentação explícita, mas da acumulação de fragmentos de entrevistas. É um livro volumoso: são seiscentas páginas, em que 130 norte-americanos despejam as histórias sobre seu trabalho; velhos e moços; mulher dona de imóveis, sa-cerdote, dono de fábrica, espião industrial, aeromoça, cabelei-reira, pianista de bar, mineiro, funileiro de carros, chofer de ca-minhão, policial, lixeiro, limpador de banheiros... Não conheço outro livro que transmita tão vividamente o sentimento de tantas espécies diferentes de trabalho: as tensões incessantes e inexorá -114

veis da telefonista; a solidão de um consultor executivo lutando para sobreviver na selva da administração; o metalúrgico que gostaria que os nomes dos operários fossem gravados sobre aquilo que fazem ("Alguém construiu as pirâmides...") e que, isso não sendo possível, deixam aqui e ali "um pequeno amas-sado (...) um erro, meu erro (...) minha assinatura neles, tam-bém".3 Cada um pode elaborar suas próprias interpretações, muito embora não haja dúvida alguma de que Studs Terkel pos-sui uma idéia muito clara de quais elas deverão ser.

Atualmente, têm sido publicados estudos desse tipo de his-tória operária, muito mais bem sistematizados: sobre trabalhado-res na Fiat e metalúrgicos de Temi, na Itália, trabalhadores têx-teis, em Manchester, telefonistas da Nova Inglaterra, da França e da Espanha, construtores de navios e tanoeiros do Tâmisa, em-pregados domésticos e mineiros ingleses e alemães - e muito mais. Na Itália, a busca da compreensão da consciência da classe operária mediante os sentimentos dos próprios trabalhadores tem conduzido, por um lado, a estudos históricos notavelmente pene-trantes, tais como Torino Operaia e Fascismo, de Luisa Passe-rini, e, por outro, à coleta e publicação de entrevistas, canções e poesias coletadas na fábrica - feitas por revistas como I Giorni Cantati e por organizações tais como o Istituto Ernesto di Mar-tim, de Milão, bem como por grupos autônomos de operários.
Uma vez mais, dois dos melhores estudos dizem respeito à mineração. Pit Life in County Durham, de David Douglass, ba-seado numa combinação entre pesquisa documental e sua própria experiência, e a de outros, como mineiros, mostra de que modo o método peculiar de escolher os companheiros e os locais de trabalho nas minas de Durham contribuiu para o controle pelos trabalha-dores e para sua militância. George Ewart Evans descreve o sis-tema da área de antracito da jazida carbonífera do Sul do País de Gales, onde o carvão estava perto da superfície, de modo que era relativamente fácil a qualquer um começar com sua mina superfi-cial, embora a geologia irregular tomasse especialmente impor-tante a habilidade do mineiro. Proprietários e trabalhadores vi115

viam e trabalhavam estreitamente unidos. A seguir, mostra o im-pacto da mecanização sobre o sistema social local como um todo, não só destruindo o status dos operários qualificados, mas tam-bém o estreito vínculo - às vezes paternal, às vezes de explora-ção - com os rapazinhos que antes trabalhavam com eles em suas galerias, mas que agora passavam a constituir um grupo fora do controle da geração mais velha. Temos aqui um excelente exemplo de como o estudo de uma determinada reorganização técnica pode esclarecer as ligações dela com outros processos importantes de mudança social.


Yüklə 1,22 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   ...   5   6   7   8   9   10   11   12   ...   32




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©muhaz.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

gir | qeydiyyatdan keç
    Ana səhifə


yükləyin