A seguir, as crianças devem aprender algo das habilidades necessárias para a entrevista, o que nem sempre é fácil. Podem praticar entrevistando os professores, ou membros da própria fa-mília. Ou pode-se pedir a pessoas idosas que venham até a es-cola, embora isso seja geralmente mais bem-sucedido com um pequeno grupo informal, do que diante de toda uma classe. De fato, existe o perigo de, com esse tipo de apresentação, as crian-ças serem levadas a considerar os idosos como objetos históricos, em vez de valorizá-los como pessoas. Pode-se também pedir que as crianças escrevam sua autobiografia, a partir de documentos familiares, e também entrevistadas por outra criança - assegu-234
rando-se de que isso não leve a urna devassa muito profunda de situações pessoais, o que poderia se tornar uma experiência de-sastrosa. Elas devem também aprender a como formular diferen-tes tipos de perguntas. Isso pode ser conseguido pela crítica a entrevistas de outros, inclusive a do próprio professor. E particu-larmente importante é que as gravações da primeira entrevista de cada criança sejam ouvidas e comentadas, para lhe dar apoio tanto quanto para orientá-la.
É preciso uma sensibilidade especial quanto a projetos em escolas racialmente mistas. Evidentemente, crianças brancas e negras precisam aprender umas das outras sobre a história de suas culturas, e tem havido muitos currículos com esse objetivo, alguns incluindo entrevistas recíprocas. Porém, para o trabalho histórico, é preciso lembrar que há muitas crianças imigrantes que não têm avós; e suas famílias falam línguas completamente diferentes, ou têm sotaques que as crianças inglesas acham difícil de compreender. Será em geral muito importante conseguir apoio prévio da comunidade, e os detalhes da execução da entrevista precisam ser considerados com especial cuidado. Por exemplo, enquanto idosos de cor branca podem ser entrevistados por crian-ças negras em clubes, a tensão racial e o receio podem tornar muito difídil fazê-lo em suas próprias casas. É também especial-mente necessário, nessa situação, que se adote um tema integra-dor - como a relação entre industrialização e imigração, por exemplo. Sem dúvida alguma, esta é uma área em que se precisa de muito mais experimentação.
Que se pode fazer, a seguir, com os resultados de projetos de história oral? Como veremos em relação aos projetos de co-munidade, eles podem ser combinados com fotografias, cartas e documentos, roupas, ferramentas, e outros objetos para montar uma exposição vistosa, quer na escola quer num centro local. Podem ser reunidos numa apresentação de som e slides, ou publi-cadas como folhetos locais ou artigos de revista. Depois, as gra-vações podem ser guardadas na biblioteca ou no museu público. Sempre que possível, deve-se construir uma relação ativa e per-235
manente com a comunidade local fazendo com que, de alguma forma, o material coletado seja a ela devolvido.
Finalmente, devemos nos prevenir contra o êxito fácil. Os projetos de história oral só podem ser executados com sucesso por professores habilitados em contextos cuidadosamente estuda-dos. Uma prática descuidada pode causar enormes ressentimen-tos, por exemplo, pela divulgação inábil de informações prejudi-ciais (ou difamatórias). E as vantagens da abordagem são em grande medida destruídas se houver um excesso de preparação e forem impostos materiais produzidos centralizadamente. Essa a razão por que o produto final não deve visar a um padrão técnico que vá além do alcance das crianças. É essencial que elas sejam envolvidas em cada etapa do processo, e que, no final, reconhe-çam a contribuição que deram. Se a evidência oral se transformar em apenas mais um material didático, estará perdido o poder que tem sobre a lmagmaçao.
A essa altura, há menos a dizer sobre projetos em educação tem também tem havido o muito trabalho bem-sucedido em história oral. Cada vez mais, ele assume a forma de pesquisa individual para projetos em nível de graduação, ou para teses de pós-graduação. As dificuldades práticas dependerão em parte do tema esco1hido: particularmente, se os informantes de que se precisa são difíceis de identi-ficar, ou pessoas públicas muito ocupadas; ou se o tema obriga a deslocamentos para locais executar uma pesquisa num país do Terceiro Mundo exige urna preparação lingüística especial, vistos, vacinas material de pronto-socorro, saber como fumigar a casa, como escolher - ou dispensar -seu intérprete, se pagar ou não seus informantes, e assim por diante. Mas a maioria dos problemas serão aqueles típicos do trabalho de história oral, e também, a abordagem básica é a mesma. Como ponto de partida, pois exemplo, tenho visto que construir árvores :genealógicas e con-versar a respeito delas, ou fazer entrevistas aos pares. e depois
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apresentá-las, imediatamente envolverá e promoverá a participa-ção de quase todo o grupo de estudantes.
Há, porém, duas dificuldades especiais neste nível. Em princípio, é possível ir além do estudo em conjunto para executar um projeto de pesquisa comum. Com esforço cooperativo, isso pode progredir rapidamente. Porém, os projetos em grupo apre-sentam muito mais dificuldades no caso de se ter que fornecer uma avaliação individual de cada elemento no curso. E até mesmo projetos individuais se tomam muito difíceis quando, devido a um sistema inflexível que só admite exames escritos a portas fe-chadas, eles não podem colaborar para a nota final do curso. Porém, o fato de levantar essa questão e a necessidade de dar espaço à criatividade dentro do sistema são por si sós um mérito do trabalho por projeto.
Um risco mais específico é o de deixar que o ensino do método se afaste demais do aspecto prático e se tome abstrato. Esse tipo de academicismo é o grande responsável pela perma-nente impopularidade dos cursos de "metodologia" nas ciências sociais. A discussão da teoria precisa entrelaçar-se com a expe-riencia prática, e deve também dirigir-se para temas históricos específicos. Na Universidade de Essex, onde o mestrado em His-tória Social inclui um curso sobre o método de entrevista, temos lecionado por meio de seminários. Logo que possível, se faz com que os estudantes se entrevistem uns aos outros e, a seguir, pro-curem um informante para entrevistar a respeito de um tema de sua escolha. Essas entrevistas gravadas são reproduzidas e discu-tidas no grupo. Invariavelmente, propõem questões sobre a preci-são da memória, a dissimulação, a técnica de entrevista e a expe-riencia de ser entrevistado. Oferecem também exemplos das espécies de material histórico que se pode coletar, e da complexi-dade de atitudes que revela. Essas sessões práticas são mescladas a outras em que se discutem os princípios da história oral a partir de leituras, de modo que as duas abordagens se completam pelo intercâmbio de idéias entre elas.
Os estudantes passam, a seguir, para miniprojetos pessoais,
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realizando uma série de entrevistas e escrevendo uma avaliação do método utilizado e dos resultados obtidos, anexando uma lista de modelos de perguntas que podem ser utilizadas num projeto mais extenso que envolva mais de um entrevistador. Em muitos casos, esses pequenos projetos exploratórios acabam por ser o ponto de partida de pesquisas para dissertações de pés-graduação.
A escolha do tema é evidentemente crucial. Julgamos possí-vel que um único estudante, de graduação ou de pós-graduação, trabalhando sozinho num projeto durante as férias, dê uma con-tribuição concreta ao conhecimento histórico, mediante um tra-balho de campo novo. Melhor será (embora não essencial e, para alguns assuntos, totalmente impossível) que se possa associar en-trevistas com pesquisa em arquivos ou em jornais locais. É im-portante também que se escolha um assunto que seja relevante para as questões históricas mais amplas, bem como que seja um tema suficientemente definido e localizado. O resultado disso não será bom se os informantes potenciais estiverem por demais espalhados para que se possa identificá-los de maneira relativa-mente rápida. Alguns exemplos de temas que se mostraram cria-tivos, mas fáceis de tratar, são estudos de diversas comunidades de aldeias de Ëast Anglia; vizinhança e relações de classe num bairro pobre de Nottingham e em portos de pesca; imigrantes colhedores de lúpulo, o recrutamento de professores primários e a fábrica de fardamento militar de Essex; a migração de jovens bengalesas para a Grã-Bretanha na década de 1970 e a comuni-dade italiana de Londres; a economia doméstica entre as famílias de agricultores e a disseminação do uso do controle da natalidade entre grupos sociais diversos; os trabalhadores da indústria pe-sada de Colchester na Primeira Guerra Mundial e a experiência da greve geral de 1926 na cidade.3
Contudo, as possibilidades são ilimitadas. E os ganhos são igualmente evidentes: auto-realização pessoal, espfrito coopera-tivo e compreensão mais aprofundada da história que podem re-sultar disso - e, mais ainda, o rompimento do isolamento do estudo acadêmico em relação ao mundo exterior.
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Não há dúvida de que é aqui - em relação à história da comunidade - que o projeto de história oral possui suas implica-ções mais radicais. Ele pode colaborar com muitos empreendi-mentos diferentes - um programa de alfabetização de adultos, um curso noturno de história, uma sociedade local de história ou um projeto comunitário em grupo, um programa da Manpower Services Commission para a reciclagem de jovens desemprega-dos um grupo de terapia de reminiscência para idosos de um asilo ou de um pavilhão hospitalar, uma exposição num museu, ou um programa de rádio. Em cada um desses casos, os méritos essenciais serão o estímulo à cooperação, em excepcional situa-ção de igualdade, para a descoberta de um tipo de história que significa alguma coisa para as pessoas comuns. Por certo essas são tendências que têm que ser cultivadas - e que podem criar problemas.
A primeira questão diz respeito à escolha do tema. Para muitos desses objetivos, o melhor tema pode parecer simples-mente aquele que conquiste o interesse imediato. Em contraposi-ção, as idéias da sociedade histórica local podem ser mais seve-ras e, de fato, talvez excessivamente limitadas pelas convenções tradicionais da história documental. Porém, a ampliação das pers-pectivas da história social tem resultado em que, com imagina-ção, pode-se certamente encontrar um tema que satisfaça a todos. Assim, R.aphael Samuel argumentou em favor de um remapea-mento da história de comunidade local
em que as pessoas sejam tão proeminentes quanto os lugares, e estes e aquelas estejam mais intimamente entrelaçados. Pode-se então estudar a topografia moral de uma aldeia ou pequena cidade, com a mesma preci-são que os predecessores deram ao Ordnance Survey, acompanhando os altos e baixos do ambiente social bem como as fronteiras do distrito, caminhando pelos corredores escuros e pelas passagens semi-ocultas, tanto quanto pelas ruas regulares. Ao reconstituir o itinerário de uma criança setenta anos atrás, o historiador topará com as fronteiras invisí-veis que separavam, em dada rua, a extremidade mais simples da extre-midade respeitável, as casas da frente das do fundo, o espaço dos meni-nos do das meninas. Acompanhando o traçado do pavimento chegar-se-á
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a um espaço que era utilizado para os carrinhos, outro para a amarelinha, um terceiro para "pular sela" ou para jogo da péla. Os "trepa-trepa" apa-recem na High. Street, onde os jovens iam namorar em seus passeios dominicais, enquanto o beco se toma um lugar em que os lenhadores tinham suas barracas e os verdureiros passavam com seus carrinhos de mão (...) (E analogamente em) determinados bosques ou campos (...) podia-se encontrar ali cogumelos ou caçar coelhos; ali se desenterravam batatas ou cavalos pastavam ilegalmente, ou se passavam os longos dias de verão na secagem do feno ou na colheita. (...)
Ou ainda, em vez de tomar a própria localidade como objeto de es-tudo, o historiador pode escolher como ponto de partida algum elemento de vida dentro dela, limitado no tempo e no espaço, mas utilizado como uma janela aberta para o mundo (...) Seria bom que isso fosse tentado em relação à Londres do século XIX. Um estudo sobre o comércio do-minical em Bethnal Green, que incluísse a guerra declarada contra ele pelos pregadores de rua; ou sobre a atividade dos marceneiros no sul de Hackney, ou dos ladrões de Hoxton (...) nos levaria para mais perto do coração da vida do East End do que um outro compêndio do Sanitary Ramblings de Hector Gavin (...) O namoro e o casamento em She-pherd's Bush, a vida doméstica em Acton, ou o catolicismo romano entre as lavadeiras e os trabalhadores do gasômetro de Kensal Green poderiam contar-nos mais sobre o crescimento dos subúrbios do que o registro sobre o aumento do número de ruas (...) O estudo da estrutura social também poderia tornar-se mais intimo e realista se a abordagem fosse mais indireta, e centrada na atividade e nas relações. Um estudo sobre a infancia em Chelsea (sobre com quem se podia brincar ou não, sobre onde se tinha permissão para ir), sobre a masculinidade em Mit-cham, sobre o trajeto de casa ao trabalho em Putney, ou sobre a política local em Finsbuty, nos contaria muito (mais) a respeito da maneira como eram manipuladas e percebidas as diferenças de classe e como se exprimia na prática a submissão social (...) do que uma abordagem mais inflexível que toma como marcos as divisões quíntuplas do Registrar-General.4
Essa abordagem que busca uma "janela aberta para o mundo" é que permitiu inicialmente que Raphael Samuel cap-tasse a imaginação dos sindicalistas a respeito dos cursos de edu-cação de adultos no Ruskin College de Oxford, levando-os a es-tudar a história de suas ocupações e, posteriormente, a estimular o movimento do "History Workshop" que semeou grupos locais pelos bairros de Londres e pelas cidades do interior. A revista
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semestral do movimento, History Workshop, deve proporcionar segurança suficiente aos que são tão pessimistas a ponto de temer que o entusiasmo se deva mostrar incompatível com os padrões acadêmicos.
Não obstante, suas atividades têm representado um desafio ao profissionalismo como tal, por se "dedicar a tornar a história uma atividade mais democrática" e a combater a situação em que "'a história séria' acabou sendo um assunto reservado ao espe-cialista (...) Somente acadêmicos podem ser historiadores, e eles possuem seus direitos territoriais e suas hierarquias sociais pró-prias. Em sua grande maioria, os textos históricos não se desti-nam a ser lidos fora das fileiras da profissão".5 Uma oposição semelhante a essa opinião está subjacente às atividades de muitos grupos de história oral, tais como a coleta de canções e entrevis-tas de operários do Norte da Itália, feita pelo Istituto Ernesto di Martiro, de Milão, o trabalho conjunto do Conselho de Comércio de Brighton com a Sussex Labour History Society, na série Queen Spark Books, ou outros grupos cooperativos que editam histórias de vida, tais como o Peckham People's Histoiy, o Bris-tol Broadsides e o People's Autobiography of Hackney de East London. Algo semelhante existe também nas comissões de bairro instituídas em quinze distritos de Boston para, a partir de pesqui-sas bibliográficas, da localização de fotografias e da coleta de lembranças de todo tipo de gente, produzir uma série de folhetos históricos para o bicentenário. Não há dúvida alguma de que esses folhetos, que foram distribuídos gratuitamente aos morado-res de Boston na série do Bicentenário, ou que, no caso de Hack-ney, venderam vários milhares de exemplares, levaram a história local a um público excepcionalmente grande. Igualmente sur-preendente, porém, pode ser o espírito dentro do qual são produ-zidos mediante trabalho cooperativo. No grupo de Hackney insis-tia-se em que qualquer um pode gravar qualquer outro e que todos devem colaborar para o processo de apresentação. O obje-tivo era tanto o de fazer com que as pessoas tivessem confiança em si mesmas e em suas próprias Lembranças e interpretações do
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passado, quanto o de produzir uma forma de história. Nesse con-texto, o profissional, expressando-se com segurança e alicerçado na autoridade de sua formação superior, pode tomar-se positivamente uma ameaça às bases mesmas do projeto. Certamente, completa ausência de perspectivas históricas mais amplas deu historiador experimentado pode, do mesmo modo, ser danosa ao trabalho de um grupo. Levará à criação de mitos históricos unidi-mensionais, mais do que a uma compreensão social mais profunda. O que é preciso é um relacionamento dinâmico que faça com que a interpretação se desenvolva mediante o debate conjunto.
O êxito do projeto local em grupo dependerá, pois, em parte, do modo como se utilizará dos diferentes talentos que cada um dos membros trará para o trabalho: as lembranças de sua pró-pria vida, sua capacidade como técnicos, queda para organização, ou habilidade em fazer os outros falarem, todas essas coisas serão tão importantes quanto uma grande massa de informação histórica. Em alguns projetos, os papéis podem estar mais bem distribuídos dentro de urna estrutura formal de comissão; em ou-tros, um profissional será o líder informal de um grupo igualitá-rio; em outros, ainda, como nos projetos para os jovens desem-pregados da Manpower Services Commission, a equipe será formada por funcionários formalmente contratados, que traba-lham sob as ordens de um supervisor.
Este último tipo de projeto tem que funcionar dentro de uma estrutura especial, com objetivos e procedimentos burocráticos claramente propostos. Para conseguir obter financiamento, deve oferecer não só urna relação de produtos finais úteis à comunidade local, como também treinamento para os jovens: em entrevista, em transcrição datilográfica de fitas gravadas, em trabalho de se-cretaria e contabilidade, no processamento de textos em compu-tador, no manejo de equipamento de gravação e de fitas, etc. Um projeto de história oral pode ser imediatamente preparado para realizar isso, mas o duplo objetivo e, ainda, as regras estritas que definem a idade, as qualificações, a forma de recrutamento e os salários é que determinarão a estrutura do corpo de pessoal. Deve
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haver um secretário que lide com os contratos, livros de ponto, livros-caixa, contabilidade e outros trabalhos burocráticos obriga-tórios, e será preciso uma alta proporção de pessoal em tempo parcial para permitir taxas de pagamento razoáveis de acordo com a lei. A contratação mais importante para o projeto será a de seu supervisor, que deve ser um profissional desempregado com boa qualificação e experiência; mas "é preciso que se seja mais flexível e experimental ao recrutar outros funcionários para o projeto. Pessoas de qualificação inferior ou não formal muitas vezes possuem verdadeiro talento para esse tipo de trabalho, especial-mente para entrevista e gravação".6 Problema muito mais impor-tante, porém, é que o financiamento do projeto será de apenas um ano e, mesmo que renovado, quase todo o pessoal deverá ser substituído por novas pessoas a serem treinadas. Assim, muitas vezes, a equipe é dispensada exatamente quando chegou ao ponto de estar funcionando bem. Não é de admirar, pois, que os resulta-dos dos projetos dos Manpower Services tenham sido irregulares. Não obstante, nos últimos anos, eles têm sido provavelmente a maior fonte individual de expansão do trabalho de arquivo da história oral local. E nos casos em que uma série de projetos tenha permitido o acúmulo de experiência especializada, eles podem propiciar um retomo compensador, como no caso da coleta associada de memórias orais e fotografias de família do bairro feita pelo Manchester Studies na década de 1970, ou sobre gru-pos de imigrantes, feita pela Bradford Heritage na década de
1980.
A qualidade dos equipamentos também determinará o que pode ser realizado. Como veremos, tanto a atividade de entre-vistar como a de armazenar requerem bom equipamento para chegar aos melhores resultados. É certo que um grupo de história de vida pode flmcionar com muito êxito apenas com lápis e papel. Porém, se se quiser gravar para uma rádio local, ou insta-lar um arquivo, o equipamento realmente necessário é muito caro, e isso é mais bem sentido no início. Os programas dos Manpower Services são gravemente subcapitalizados; e sem o
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patrocínio de uma instituição, como uma biblioteca, museu ou centro de recursos educativos local, que proporcione acomoda-ções e a maior parte do equipamento, dificilmente haverá di-nheiro suficiente para despesas com telefone e correio. Contudo, o equipamento é absolutamente necessário para que o projeto possa proporcionar treinamento. Antes de iniciar qualquer pro-jeto, é fundamental saber que se poderá comprar, ou obter por em-préstimo, um local de trabalho, mesas, cadeiras, arquivos e pelo menos dois bons gravadores de fita e uma má quina de escrever, ou processador de textos.
A seguir é. preciso. escolher as pessoas cujas lembranças vão ser gravadas. Claro que isso. é .crucial ara qualquer pro-jeto de história oral: e os princípios básicos continuam os mesmos. Em primeiro lugar, é de pouca valia gravar pessoas cujas lembranças sejam. Confusas ou deterioradas ou que sejam retrai-das demais para falar sobre si mesmas. Em segundo lugar o que interessa é a experiência pessoal direta que alguém possua, e não sua posição formal. Isso é uma dificuldade especial-mente para as sociedades históricas ou bibliotecas públicas locais. Pode significar que as pessoas escolhidas para serem grava-das sejam. exatamente os dignatários locais, tais como prefeitos e vereadores, que são os que precisam ser_mais cautelosos e portanto, os que menos tem a oferecer. Como muito justamente ob-servou Beatrice Webb, é "quase axiomático"
que a mente do subordinado, em qualquer organização, transmitirá maior riqueza de fatos do que a mente do dirigente. Isso não se dá ape-nas porque o subordinado esteja em geral menos prevenido (..) O capa-taz da produção, o chefe de escritório ou o funcionário menos categori-zado estio em contato intimo e continuo com as atividades do dia-a-dia da organização; têm mais consciência da heterogeneidade e do caráter mutável dos fatos, e é menos provável que apresentem uma generaliza-ção sem vida, em que todos os detalhes vivos se tomam uma névoa informe, ou são apresentados, estereotipadamente, dentro de categorias rigidamente limitadas e talvez obsoletas.7
Em terceiro lugar, é preciso que se esteja sempre alerta
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quanto ao equilíbrio social dos relatos que estão sendo coletados. Há sempre uma tendência a que os projetos gravem mais entre-vistas de homens que de mulheres. Isto se dá em parte porque as mulheres tendem a ser mais desconfiadas e menos freqüente-mente acreditam que suas lembranças possam ser de interesse. E também por ser muito mais freqüente que homens sejam reco-mendados como informantes. Mesmo que se reconheça que isso constitui um problema, pode ser difícil resolvê-lo. Por exemplo, se o assunto é uma indústria local, será bastante fácil encontrar homens que nela trabalharam; de fato, é bem possível que ainda se encontrem com antigos colegas de trabalho em algum bar ou clube. Muito mais difícil, porém, será identificar suas esposas, ou as mulheres que trabalharam na mesma indústria, ainda que fos-sem igualmente essenciais para seu funcionamento, porque em geral não serão reconhecidas localmente por sua ocupação, e suas ligações sociais serão mais as da vizinhança do que as do local de trabalho. De modo semelhante, existe urna tendência igualmente forte a que um projeto de comunidade grave entrevistas de pes-soas de seu estrato social médio - em geral o segmento superior da classe operária e a classe média baixa - em prejuízo tanto da camada superior como da inferior. Há dificuldade em localizar o diretor de produção aposentado da companhia Cheltenham. E muito freqüentemente, os elementos mais pobres, os mais "rústi-cos", que constituíram parte essencial da comunidade, mostram-se também difíceis de encontrar. Não são indicados como infor-mantes, porque os idosos mais "importantes" ou desaprovam declaradamente o que poderiam dizer, ou simplesmente os consi-deram emotivos ou ignorantes demais para que possuam qual-quer lembrança de valor. Contudo, são muitas vezes exatamente aqueles cuja opinião diferente, expressa com riqueza em narrati-vas em dialeto, pode proporcionar as gravações mais valiosas de todas. E a justaposição de experiências vivas de todos os níveis da sociedade é o que torna a história local mais vigorosa e inte-lectualmente provocante.
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