A voz do passado



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As dificuldades podem ser ilustradas por um exemplo tirado de uma das primeiras passagens de Akenfield, de Ronald Blythe, o relato dê um velho lavrador sobre uma economia doméstica nos anos antes de 1914. O quadro que ele pinta é muito simples, ex-tremamente eficiente - mas tão correto nos detalhes que se pode suspeitar o quanto a entrevista original terá sido ajeitada:
Havia sete crianças em casa e o salário do pai havia sido reduzido para dez shillings por semana. Nosso chalé estava quase vazio - exceto de pessoas. Havia um chão de tijolo varrido e apenas um acolchoado feito de retalhos de roupas velhas enfiados dentro de um saco. O chalé tinha uma sala de estar, uma despensa e dois quartos. Seis de nós, meninos e meninas, dormíamos num dos quartos e nossos pais e o bebê, no outro. Não havia jornal nem nada mais para ler, a não ser a Bíblia. Todas

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as casas da aldeia eram como essa. Nossa comida eram maçãs, batata, nabo sueco e pão, e bebiamos chá sem leite nem açúcar. Podia-se com-prar leite desnatado da fazenda, mas isso era considerado luxo. Ninguém tinha o suficiente para comer por mais que tentasse. Dois de meus ir-mãos trabalhavam fora. Um tinha 8 anos e ganhava três shillings por semana, o outro ganhava cerca de sete shillings3*
Há nessas linhas uma tendência lógica constante. Cada pa-lavra está no lugar certo com um propósito evidente. Cada frase está corretamente pontuada. Não há finais defeituosos, não há digressões para transmitir o sentimento do próprio falante sobre sua casa da infância, ou a amargura ou o humor sentido na po-breza. Algumas frases soam como comentários do próprio autor: "leite desnatado (...) era considerado luxo". Não há palavras de dialeto, não há irregularidades gramaticais, não há sinais de idiossincrasia pessoal. O trecho pode ser convincente, mas, como muitos outros nesse livro, não tem vida. Seria bom saber, mas não há indicação alguma de onde a entrevista foi cortada e do que foi introduzido para rearticulá-la.
Podemos fazer uma comparação com Where Beards Wag Ali, de George Ewart Evans, também a respeito de aldeões de Suffolk, alguns da mesma comunidade. Este é um livro com um discurso mais direto do que Akenfield, mas apoiado em citações em grande número, nas quais parece que ouvimos as próprias pessoas falando, até mesmo pensando em voz alta, em seu estilo pessoal, muito diferente, como este velho:
* There were seven children at home and fathers wages had been reduced to 10s. a week. Our cottage was nearly empty - except for people. There was a scrubbed brick floor and just one rug made of scraps of old clothes pegged teto a sack The cottage had a living-room, a larder, and two bedrooms. Six of us boys and girls slep in one bedroom and our parents and the baby slept ia the other. There was no news-paper and nothing to read except the Bible. Ali the village houscs were iike this. Our food was apples, potatoes, swedes and bread, and we drank our tea without milk or sugar. Skim miik could be bought from the farm but it was thought a luxmy. Nobody could get enough to eat no matter how they tried. Two of my brothets were out to work One was eight years old and he got 3s. a week, the other got about 7s.

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É isso aí: os meninos daquele tempo, olha, bem - é que nem cavar um buraco, olha, e botar barro dentro e daí botar uma batata em cima de tudo. Bem, não se pode esperar muito, não é? Mas agora, com esses meninos de hoje, é como fazer um buraco e botar um pouco de esterco em cima antes de plantar: só dá pra achar que vai crescer, nê? Vai crescer, não vai? A planta vai crescer muito bem, O que estou di-zendo é que esses meninos de hoje tomam café de manhã antes de sair de casa - uma porção deles não faziam isso naquele tempo, e eles têm uma comida quente na escola e quando voltam pra casa, a maioria deles tomam um belo chá, não tomam? Olha. Esses meninos de hoje, desse tipo, têm sustância. Pois é, é isso aí! Se você tem uma vida certinha, isso dá tutano e o tutano faz o osso e o osso faz a sustáncia.4


Aqui, temos que parar para escutar, temos que aceitar o ritmo difícil e a sintaxe dessa fala, que rumina e gira em tomo da imagem alegórica que durante todo o tempo ele tem guardada. Certamente, essa citação exige uma adaptação maior do leitor. Mas esse tipo de fala pode ser necessário e, nesse caso, será entendida, à medida que suas qualidades sejam mais bem compreendidas.
George Ewart Evans utiliza talento artístico em sua citação tanto quanto Ronald Blythe. Provavelmente alguma hesitações, pausas ou repetições foram eliminadas da fala gravada, e ele co-locou a pontuação. Mas fez isso de um modo que conserva a textura da fala. Os itálicos são utilizados para indicar uma ênfase inesperada, e a pontuação, para unir as frases e não para separá--las. A sintaxe é aceita; e mantidas as lacunas do trecho. E uma vez ou outra uma palavra é grafada foneticamente para sugerir a sonoridade do dialeto. Um excesso de grafia fonética rapida-mente reduz ao absurdo uma citação (de qualquer classe social),
* It's like this: those young uns years ago, I said, well - its like digging a hole, I said, and putting ia clay and then putting ia a tater on top o'thet. Well, you won't expect much will you? But now with the young 'uns today, its iike digging a hoie and putting some manure ia abre you plant: yoWre bound to get some growth ain't you? It will grow wont it? lhe plant wil grow right well. What I say is the young uns today have breakfast afore they set off - a lot of 'em didnt used to have thá yean ago, and they hev a hot dinner ai school and when they come home m~t of em have a fair tea, don't they? I said. lhese young uns kinda gol the frame. Well, thats it! If' you live tidily that'll make the marrow and the manow makes the boon (bone) and the boon makes the brame.

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mas uma palavra isolada para transmitir uma idiossincrasia pes-soal, ou uma entonação essencial de um sotaque local, como o "hev" e o" thet" de Suffolk utilizados nesse caso, ajudam a tomar o trecho legível como fala sem perder nada de sua força expressiva.
Ao passar a fala para forma impressa, o historiador precisa, pois, desenvolver uma nova espécie de habilidade literária que permita que seu texto escrito se mantenha tão fiel quanto possí-vel, tanto ao caráter quanto ao significado do original. Esta não constitui uma arte normalmente necessária no trabalho documen-tal. Porém, a analogia com a citação documental feita de outros modos estabelece um padrão conveniente. Infelizmente, não constitui prática habitual, nos estudos sociológicos, fazer citações de entrevistas para indicar os cortes feitos e outra alterações. Contudo, os historiadores podem insistir no cuidado que é nor-mal em sua disciplina, indicando supressões com uma linha pon-tilhada, interpolações com parênteses, e assim por diante. Não se pode admitir uma reordenação, caso ela resulte em um novo sen tido que não era intenção do falante. E a criação de informantes pelo intercâmbio de citações entre eles, ou dividindo uma citação em duas, ou juntando duas em uma só, sempre indefensável, segundo os padrões acadêmicos, Um documentário oral que faça isso pode conseguir um efeito melhor, toma-se literatura imaginativa: uma espécie diferente de evidência -histórica.
Os historiadores orais dos Estados Unidos introduziram um adicional em sua prática. Após a transcrição, os textos são enviados ao informante para serem revistos.5 Evidentemente , isso tem a vantagem de permitir detectar erros e erros na grafia de nomes. Pode também resultar em estímulo a novas informações e os historiadores políticos que utilizam o método da entrevista muitas vezes mandam as transcri-ções com esse objetivo. Mas há também inconvenientes. Muitos informantes não conseguem resistir à tentação de reescrever a fala original, em tom de conversa, sob forma de prosa convencional. -Podem também eliminar frases e reescrever outras para alte-297

rar a impressão oferecida por uma determinada lembrança. Uma vez que as fitas originais raramente são consultadas nos arquivos norte-americanos e, mais do que a fita gravada, a transcrição é considerada o testemunho oral autorizado, o processo de correção enfraquece a autenticidade da evidência oral que se está utili-zando. Além disso, embora alguns informantes, como personali-dades públicas aposentadas, possam dispor do tempo e da segu-rança para corrigir uma longa transcrição, provavelmente há muitos mais para quem isso seria apenas um encargo desagradá-vel. Para esses, melhor será escrever apenas pedindo alguns es-clarecimentos sobre trechos confusos, nomes sobre os quais não se tenha certeza, ou detalhes essenciais que faltem - que, em geral, são fornecidos com muita satisfação.


Iniciada a transcrição, a classificação do material para uso também pode ser iniciada. O melhor é fazer pelo menos três có-pias da transcrição - e uma quarta, se se for mandar uma para o informante. A cópia principal pode então ser arquivada como uma entrevista completa, em seqüência paralela á das fitas. As demais cópias podem ser reclassificadas, e subdivididas em di-versos arquivos por assunto (sendo a terceira cópia utilizada para casos em que haja sobreposição de assuntos), dependendo do uso que se tenha em mente. As entrevistas completas podem ser colo-cadas juntas por lugar, por grupo social, ou por ocupação. Alter-nativamente, as passagens dentro de cada entrevista a respeito de escola, ou de igreja, ou de família podem ser recortadas (ano-tando-se na página da transcrição de onde forem tiradas) e colo-cadas numa série de caixas. Essas caixas podem acompanhar a seqüência do esquema original de perguntas. Assim, se se fez uma pergunta, por exemplo, sobre freqüência à igreja ou sobre como as pessoas conheceram os respectivos maridos, ou esposas, todo o material relevante pode ser rapidamente encontrado na mesma caixa. Porém, a escolha exata do método de reclassifica-ção deve depender da forma de análise e de apresentação que se pretenda fazer. A essa questão final, que é essencial, é que vamos agora nos dedicar.

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INTERPRETAÇÃO:

A CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA


Agora a evidência já está coletada, classificada e preparada de forma acessível: as fontes estão a nossa disposição. Mas como articulá-las? Como construir a história a partir delas? Em pri-meiro lugar, devemos considerar as opções que se pode fazer quanto ao modo e à forma de apresentação. Em seguida, como avaliar e testar nossa evidência. Em terceiro lugar, vem o cerne da questão, a interpretação: como relacionar a evidência que en-contramos com os modelos mais amplos e com as teorias da his-tória; como fazer para que a história ganhe sentido. E finalmente, como conclusão, olharemos mais para a frente, para o impacto que podemos esperar que a evidência oral tenha para a constru-ção da história no futuro.
A apresentação da história com evidência oral abre novas possibilidades. Globalmente, como veremos, as habilidades es-senciais para julgar a evidência, escolher o trecho mais expres-sivo, ou dar forma a uma exposição são muito semelhantes a quando se escreve história a partir de documentos. Semelhantes, também, são muitas das escolhas a fazer: entre, por exemplo, pú-blicos de outros historiadores, de alunos do primário, de leitores de um jornal Local, ou de um clube de pessoas idosas. Contudo, a história oral enfoca a necessidade de algumas dessas escolhas, simplesmente porque pode ser eficaz em grande número de con-textos diferentes.

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A primeira escolha é a do meio, pois suas técnicas e con-venções moldarão e limitarão a mensagem que pode ser transmi-tida. No futuro poderá tomar-se mais fácil associar som e mate-rial impresso, por exemplo editando uma fita de fragmentos de gravações para acompanhar um livro. Já é bastante comum que folhetos e programas impressos sejam distribuídos como recurso auxiliar de uma transmissão radiofônica. Mas, por enquanto, a história oral é apresentada, a cada vez, sob uma só dentre as inú-meras formas possíveis.

A primeira é a transmissão radiofônica, apenas som. Nesse caso, há toda uma série de possibilidades, desde o material bruto de uma entrevista autobiográfica até uma fala acadêmica com ilustrações. O rádio também tem desenvolvido uma arte muito especial de transmitir cenas e mensagens sonoramente. As fitas originais não apenas podem se tomar mais claras, pela elimina-ção das hesitações e das pausas, como também ganhar maior realce por uma nova disposição das palavras; e podem ser intro-duzidos ruídos de fundo. Algumas dessas coisas significam uma adulteração da evidência que um historiador não deve aceitar; mas a excelente edição de urna fita de som, realizável com os recursos técnicos do rádio, pode, por certo, tomar mais breves e mais eficazes as citações. O som pode também tomar supérfluas algumas pistas, de modo que urna série de fragmentos com dife-rentes sotaques regionais, ou de classe, sejam justapostos direta-mente. Na verdade, um programa pode ser inteiramente ideali-zado como uma colagem de sons, com muito pouca ou nenhuma narração para fazer a ligação, e talvez com "notas" fornecidas pelos créditos do programa. Desse modo, pode-se montar um re-trato histórico de uma comunidade, por exemplo de uma pequena cidade pesqueira, entremeando os sons das gaivotas e dos vende-dores no cais com relatos de idosos sobre como os homens pesca-vam o peixe e as mulheres os destripavam e remendavam as redes, e com narrativas, cantorias nos bares, hinos e pregações na igreja.
Quando, com a televisão, as imagens se acrescentam ao som, há uma mudança radical no que pode ser transmitido. Os

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efeitos visuais tendem a predominar. Não é possível um corte adequado numa entrevista, a menos que, para fazê-lo, se intro-duza uma seqüência visual diferente, pois de outro modo pare-cerá haver, a cada corte, um salto na posição física do entrevis-tado. Mas essa seqüência visual diferente que se introduz, transmitindo seu próprio significado, dispersa a atenção de quem está vendo. Os mesmos problemas se aplicam a uma colagem. Uma vez que as mensagens verbais transmitidas podem não ficar tão claras, e os significados da imagem tendem a ser simbólicos e imprecisos, a apresentação pela televisão se faz de forma mais difusa do que pelo rádio. Porém, ver os próprios informantes e velhas fotografias de suas famílias, casas e locais de trabalho traz realmente uma nova dimensão de imediatez histórica.
De modo mais elementar, pode-se combinar imagem e som em exibições de gravações e slides para muitos tipos de apresen-tação histórica, desde uma terapia de reminiscência em grupo, até uma conferência formal com ilustrações. Fitas contendo frag-mentos já se encontram disponíveis em muitos museus e bibliote-cas, como parte de sua prestação de serviço a escolas. Você pode também dar a sua contribuição. O modo mais simples de utilizar tais fitas é numa palestra cujo objetivo principal seja despertar o interesse: uma pequena explicação introdutória seguida de frag-mentos. Como o sotaque pode ser um pouco difícil de captar logo de saída (e muito provavelmente o gravador não amplifica sufi-cientemente bem), o melhor será escolher alguns poucos frag-mentos, claros e bastante longos - de quatro ou cinco minutos cada um. Será útil fornecer ao público cópias das transcrições. Para uma preleção mais complicada, em que os fragmentos sejam utilizados para ilustrar uma exposição que pode ser bas-tante complexa, essa solução é menos fácil. Nesse caso, você deve, em primeiro lugar, dispor de boas gravações, e é preciso que elas sejam copiadas diretamente das originais em uma única fita de fragmentos. 1 Você deve também assegurar-se de que a sala a ser usada dispõe de um sistema de amplificação confiável. Então, ao fazer uma preleção, você deve pastar-se junto ao apa301

relho de reprodução da fita, soltando e interrompendo as citações com a tecla de pausa. Sem uma preparação desse tipo, como mui-tos historiadores orais já sabem por experiência própria, pode acontecer de o público ficar intrigado ao ouvir vozes incom-preensíveis, distrair-se nos intervalos enquanto se procura o ponto certo da fita, e irritar-se pela excessiva perda de tempo.


Uma segunda escolha, que surge naturalmente do fato de a evidência oral originar-se da cooperação de uma entrevista - e, muito freqüentemente, da execução do trabalho de campo por um grupo -, é a possibilidade de uma publicação organizada conjun-tamente. De fato, na apresentação pelo rádio ou pela televisão, o trabalho em equipe é sem dúvida essencial. Ali, os papéis estão claramente definidos: técnicos, produtor, historiador, entrevistado. Com publicações impressas, porém, é possível uma abordagem mais flexível. No caso de um projeto escolar, ou de uma história oral de comunidade, o trabalho coletivo de reunião do material oral pode ser uma experiência tão valiosa quanto a da própria gravação. Num projeto de comunidade, os idosos podem gravar as lembranças uns dos outros, discuti-las entre si, decidir o que escolher para publicar, corrigir e elaborar os textos escritos, e assim por diante. Num projeto escolar, a cooperação provavelmente se dará mais quanto à produção: escolha dos melhores fragmentos, planejamento e impressão.
Igualmente fundamental, em qualquer forma de apresentação, é decidir entre abordar a história por meio da biografia, ou mediante uma análise social mais ampla. A evidência oral, por assumir a forma de histórias de vida, traz à tona um dilema subjacente a toda inteipreta-ção histórica. A vida individual é o veículo concreto da experiência histórica. Além disso, a evidência, em cada história de vida, só pode ser plenamente compreendida como parte da vida como um todo. Porém, para tomar possível a generalização, temos que extrair a evidência sobre cada tema de uma série de entrevistas, remontando-a para enxergá-la de um novo ângulo, como que horizontalmente em vez de verticalmente; e, ao fazê-lo, atribuir-lhe um novo significado. Vemo-nos, assim, diante de uma escolha fundamental porém penosa.

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De maneira geral, há três modos pelos quais a história oral pode ser construída. A primeira é a narrativa da história de uma única vida. No caso de um informante dotado de memória excep-cional, pode parecer que nenhuma outra escolha fará plena jus-tiça ao material. E não é preciso que a narrativa de uma única vida apresente exatamente uma só biografia individual. Em casos importantes, ela pode ser utilizada para transmitir a história de toda uma classe ou comunidade, ou transformar-se num fio con-dutor ao redor do qual se reconstrua uma série extremamente complexa de eventos. Assim é que o vigor da autobiografia de Nate Shaw em Ali God's Dangers vem exatamente do fato de ela simbolizar a experiência mais ampla das pessoas negras do Sul dos Estados Unidos. Uma história assim vigorosa nada mais exige do que uma breve explicação de seu contexto; outras, espe-cialmente se se pretende que sejam lidas como típicas em algum sentido, exigirão uma exposição e uma interpretação introdutó-rias muito mais completas para superar o nível do simplesmente anedótico.


A segunda forma é uma coletânea de narrativas. Uma vez que pode ser que nenhuma delas seja, isoladamente, tão rica ou completa como narrativa única, esse é um modo melhor de apre-sentar um material de história de vida mais típico. Permite, tam-bém, que as narrativas sejam utilizadas muito mais facilmente na construção de uma interpretação histórica mais ampla, agru-pando-as - como um todo ou fragmentadas - em tomo de temas comuns. Assim é que Oscar Lewis estuda a vida familiar dos pobres mexicanos da cidade em The Children of Sanchez, tomando, em relação a uma só família, os diferentes relatos de pais e filhos, e reunindo-os em uma só descrição multidimensio-nal. Em escala maior, um grupo de vidas pode ser utilizado para retratar toda uma comunidade: uma aldeia, como em Akenfield, ou uma pequena cidade, como em Speak for England. Ou a cole-tânea pode ainda centrar-se em um só grupo social ou tema, como Fenwornen, ou Working, ou Blood of Spain. Pode organi-zar-se como uma coletânea de vidas completas, ou de relatos a

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respeito de incidentes, ou como uma montagem temática de frag-mentos: Blood of Spain entremeia essas três maneiras. Uma vez mais, aqui, o caráter da introdução também criará o impacto da narrativa.
A terceira forma é a da análise cruzada: a evidência oral é tratada como fonte de informações a partir da qual se organiza um texto expositivo. Naturalmente, é possível, num mesmo livro, associar a análise com a apresentação de histórias de vida inte-grais. Em meu Edwardians, uma série de retratos de família, escolhidos para representar as variadas classes sociais e regiões da Grã-Bretanha, entrelaçam-se com os capítulos mais inequivoca-mente analíticos. Porém, sempre que o objetivo primordial passe a ser a análise, a forma global já não pode ser orientada pela história de vida como forma de evidência, mas deve emergir da lógica interna da exposição. Em geral, isso exigirá citações muito mais curtas, comparando a evidência de uma entrevista com a de outra, e associada à evidência proveniente de outras fontes. Evi-dentemente, a exposição e a análise cruzada são essenciais em todo desenvolvimento sistemático da interpretação da história. Por outro lado, o que se perde com essa forma de apresentação também é evidente. Devido a isso, essas formas básicas não são tanto alternativas exclusivas, mas sim complementares, e, em muitos casos, o mesmo projeto precisa ser apresentado em mais de uma delas.
Em parte, a própria forma escolhida determinará quão acen-tuada será, na apresentação, a distinção entre a fonte oral e outras fontes documentais. Isso fica menos evidente nas formas escritas. Será preciso levar em conta os problemas de transcrição e esco-lher um sistema para a citação das entrevistas. Após escrever, deve-se conferir o manuscrito com as fitas originais, tarefa que só será difícil se elas não estiverem transcritas. E o material deve ser interpretado com plena consciência do contexto em que foi cole-tado, das formas de viés a que está sujeito e dos métodos de avaliação então necessários: questões essas que são nossa preo-cupação a seguir. Acima de tudo, e sempre o maior desafio, para

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conseguir pleno êxito como história é preciso que se chegue a uma integração entre generalidade e detalhe, entre teoria e fato.
Assim, escrever um livro que utiliza evidência oral, quer sozinha quer junto com outras fontes, não requer, em princípio, muitas habilidades especiais além das necessárias para qualquer texto histórico. A evidência oral pode ser avaliada, julgada, com-parada e citada paralelamente ao material de outras fontes. Isso não é nem mais difícil, nem mais fácil. De certo modo, porém, constitui um tipo diferente de experiência. Á medida que se es-creve, tem-se consciência das pessoas com quem se conversou; hesita-se em atribuir a suas palavras significados que eles recusa-riam. Humana e socialmente, essa é uma cautela conveniente; e, na verdade, os antropólogos têm demonstrado que é igualmente fundamental para a compreensão científica. Ao escrever, também se deseja intensamente partilhar com os outros os insights e a vividez das histórias de vida que se apoderaram de sua própria imaginação. Além disso, trata-se de um material que não apenas se descobriu, mas que, em certo sentido, ajudou-se a criar: é, pois, completamente diferente de qualquer outro documento. Essa a razão por que um historiador oral sempre perceberá existir uma tensão peculiarmente intensa entre a biografia e a análise cruzada. Mas essa é uma tensão que se alicerça na força da histó-ria oral. A elegância da generalização histórica, ou da teoria sociológica, flutua muito acima da experiência da vida comum que está na raiz da história oral. A tensão percebida pelo historiador oral é a tensão básica: entre história e vida real.
A etapa seguinte é a da avaliação do material que foi cole-tado. Já consideramos anteriormente com algum detalhe, no capí-tulo sobre Evidência, as fornias de viés a que as fontes orais estão sujeitas, e em que medida são compartilhadas pela evidência do-cumental. Na prática, porém, de que modo o historiador deve avaliar o material provindo de fonte oral?

Três são as medidas básicas a ser tomadas. Em primeiro lugar, cada entrevista deve ser apreciada quanto a sua coerência


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