A voz do passado



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Inversamente, o desenvolvimento da história oral na Es-panha teve que esperar pelo fim do longo regime de Franco, tendo o caminho sido aberto pelo historiador oral inglês Ronald Fraser. O começo tardio de um movimento de história oral na Alemanha explica-se, também, pelo impacto do nazismo, que, ao encampar o movimento de folclore, desacreditou-o e, ao mesmo tempo, destruiu os germes de unia abordagem mais fecunda dos levantamentos sociais que, no inicio da década de 1930, se havia manifestado num estudo como Marienthal. Ainda pior que isso, o

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nazismo deixou uma geração envergonhada com a própria experiência e uma nação ansiosa por enterrar seu passado mais do que cm investigá-lo. Não obstante, na década de 1980, a pesquisa de história social sobre a classe operária do Ruhr, conduzida por Lutz Niethammer, colocou-se entre urna série cada vez maior de projetos de história locais e uma rede organizada de sociólogos história de vida teoricamente conscientes.


Muito menos claro é por que a França, com um interesse do pela história da guerra e da resistência, e tendo como cerce o exemplo não só de Michelet, mas também da escola sociológica de Durkheim (que reuniu material antropológico e folclórico), e ate mesmo o notavel trabalho pioneiro de Maurice Halbwachs sobre a natureza social da memória, também se retar-dou desenvolvimento de atividade em história oral. Uma das razões disso pode ser a extrema concentração da pesquisa académica francesa em institutos especializados em Paris, carentes de vínculos com comunidades locais. Até hoje, a maior parte do tra-balho comunitário de história oral em língua francesa encontra-se fora da França, na Bélgica, embora a pesquisa pioneira provenha dos sociólogos Daniel e Isabelle Bertaux e de Philippe Joutard e seu grupo interdisciplinar de lingüistas, etnólogos e historiadores, em Aix-en-Provence, no Sul do país. 40
Contudo é na Escandinávia e nas ilhas britânicas que se encontram os avanços europeus mais solidamente firmados. Na Escandinava as raízes se encontram na coleta sistemática de foi- o século XIX. Os primeiros arquivos para trabalho de direto foram instituídos na Finlândia já na década de 1830. O exemplo Finlandês foi seguido principalmente na Suécia.

Na década de 1870, estudantes. da Universidade de Uppsala for-maram sociedades de estudo de dialetos, para colher palavras expressões das províncias que se temia estarem ameaçadas de extinção.Já na década de l890 essa coleta havia sido sistematizada levantamento nacional de entrevistas com questionários resp-ondidos em milhares de locais diferentes por todo o

País, e, em 1914, foi fundado o Instituto de Pesquisa de Dialeto e

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de Folclore, com o apoio financeiro do Parlamento sueco. O campo de ação de sua_coleta ampliou-se gradua1mente, chegando a un1 estudo nacional sobre a sociedade1 a cultura e a economia rurais. E a partir de 1935 o instituto tem utilizado regularmente grava-dores em seu trabalho de campo provavelmente a primeira organização a fazê-lo para fins de pesquisa histórica. Em estreita ligação com esse trabalho de campo esteve o desenvolvimento especial da etnologia na Escandinávia como disciplina acadêmica central das ciências sociais, fundindo a história social e a sociolo-gia. Na década de 1950 sob a liderança do historiador norueguês Edvard Bull, a coleta etnológica de campo estendeu-se às populações urbanas e industriais e na década de 1970 etnólogo os como Orvar Löfgren e Sven Ek_utilizaram esse trabalho anterior para estudar a mudança social a longo prazo. Também houve expe-riências notáveis de história popular, por meio do museu imagi-nativo e de serviços de radiodifusão, e também a campanha da história da fábrica pelos trabalhadores, desencadeada pelo escri-tor sueco Sven Lindqvist em seu polêmico livro Grav där du stdr (1978) e a exposição itinerante em barracas, de mesmo título -"Escave onde você vive".


Esse exemplo inicial sueco mostrou-se de particular impor-tância para o desenvolvimento da história oral na Grã-Bretanha. Aqui também se havia desenvolvido um forte interesse por fol-clore, principalmente em bases amadorísticas. Na Irlanda e no País de Gales, porém, e um pouco menos na Escócia, isso foi reforçado pela associação com movimentos nacionalistas. O go-verno irlandês começou a apoiar a coleta em 1930, e em 1935 criou o Irish Folklore Institute. Este, desde o início, manteve vín-culos diretos com estudiosos suecos e também utilizou gravado-res. No País de Gales o centro principal passou a ser o Welsh Folk Museum, em St. Fagans; na Escócia, a coleta sistemática foi dirigida a partir da School of Scottish Studies da Universidade de Edimburgo, cujo arquivo teve início em 1951, originalmente de uma perspectiva gaélica e literária, mas rapidamente passando a lidar também com material social e de lingua inglesa. Final-94

mente, na Inglaterra, os empreendimentos comparáveis mais im-portantes foram o Dialect Survey, iniciado por volta de 1950 na Universidade de Leeds, e o subseqüente Centre for English Cul-tural Tradition and Language, em Sheffield.


Contudo, foi a mudança política do pós-guerra que, também na Grã-Bretanha, esteve por trás do renascimento da história oral. Á medida que a África colonial caminhava para a independência, suas novas nações tinham necessidade de uma história própria. A partir da década de 1950, liderados pelo estudioso belga Jan Van-sina - posteriormente de Wisconsin - e por John Fage e Ro-land Oliver da Grã-Bretanha, os historiadores começaram a coletar em campo seu próprio material oral, juntamente com antropólo-gos, com eles trocando experiências de métodos e de interpretação.
A chegada ao poder do movimento operário, com o governo trabalhista de 1945, e a segurança popular provinda dos longos anos de expansão pós-guerra acarretaram, mais lentamente, uma mudança paralela interna: um excitante interesse na história ope-rária, pela expansão da história social da década de 1960, acompanhado de um novo entusiasmo pela autobiografia da classe trabalhadora e, mais tarde, pelas séries de televisão que utilizavam

de gente comum corno "Yesterday's Witness ". Alguns historiadores também se deram conta, por meio de suas ativida-des no rádio, dos notáveis recursos dos Arquivos de Som da C, que foram fundados na década de 1930. Contudo, a influência fundamental veio mediante uma nova sociologia da década de 1950, preocupada não só com a pobreza, mas também a cultura da classe operária e com a comunidade em si mesma. Alguns desses estudos clássicos, como The Family Lzfe OkI People (1957), de Peter Townsend, e Education and the Working Class (1962), de Brian Jackson e Dennis Marsden, utiliza-ram de maneira eficiente memórias individuais da classe ope-enquanto o semi-autobiográfico The Uses of Literacy (1957), de Richard Hoggart, procurava interpretar as formas de pensamento da classe operária na fala e na "tradição oral". Com Making of the English Working Class (1963), de Edward

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Thompson, essa nova afinidade foi contraposta a urna história que buscava "resgatar o pobre fazedor de meias, o lavrador lu-dita, o operador de tear manual 'obsoleto', o artesão 'utópico', e até mesmo o iludido seguidor de Joamma Southcott, do enorme des-dém da posteridade", encarando, ao contrário, suas idéias como "válidas em termos de sua experiência pessoal".4'


Essa convergência da sociologia e da história foi estimulada pela instalação das novas universidades da década de 1960, com suas experiências interdisciplinares e com a rápida expansão de uma sociologia que demonstrava crescente interesse pela dimen-são histórica na análise social. O potencial da história oral foi demonstrado pelo êxito popular de Akenfield: Portrait ofan En-glish l4llage (1969), de Ronald Blythe, mescla de literatura, his-tória e sociologia, baseada em gravações de gente do campo de Suffolk. E não é por acaso que um dos recentes livros mais signi-ficativos que utilizou a evidência oral é um estudo histórico das relações entre religião, economia e consciência de classe, feito por um sociólogo - Pit-Men, Preachers and Politics (1974), de Robert Moore. Thea Vigne e eu começamos nosso levantamento nacional sobre vida familiar, trabalho e comunidade anterior a 1918, a partir do departamento de sociologia da Universidade de Essex, em 1968. Valemo-nos da experiência sociológica de Peter Townsend e tivemos o apoio financeiro do recém-instalado So-cial Science Research Council.
De lá para cá, a história oral tem crescido rapidamente na Grã-Bretanha. A Oral History Society constituiu-se em 1973 e, em menos de seis anos, tinha perto de seiscentos membros. Atuou em cada uma dessas Unhas de desenvolvimento e também em outras. Os novos projetos maiores tendem a ser em história social, financiados pelo Research Council governamental e so-frendo alguma influência sociológica. Outros, porém, foram mi-ciados sobre história colonial e militar. Houve também uma reati-vação naqueles ramos da história que, por diversas razões, detinham pelo menos uma tradição minoritária de trabalho de

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campo oral: história política recente, história da classe operária e história local.


Na história política recente, a mudança tem sido menos óbvia, porque, embora freqüentemente não citado, tem havido um uso constante da entrevista como método de investigação, de descoberta de documentos e de controle de interpretação. Um biógrafo político moderno sempre procurará aprender com a con-versa com um sujeito, como fez John Morley, por exemplo, com o idoso Gladstone. David Butler pôde até escrever que seu Elec-toral Sysrem in Britain 1918-Si (1953) "deve mais às recorda-ções pessoais dos protagonistas sobreviventes do que a qualquer 'biografia publicada ou a qualquer historiador".42 Mas o advento 'do gravador propiciou um método mais sistemático de coletar evidências de entrevistas.
Em relação à história operária, a linha de desenvolvimento a partir dos Webb é mais evidente. Hoje em dia, Irá muita atividade nesse campo, que inclui projetos de grande porte; e, desde o iní-cio, a evidência oral tem sido uma das marcas distintivas do mo-vimento History Workshop que começou a partir de uma história social e do trabalho da classe operária no Ruskin College, Oxford. e, ampliou seu campo de ação para dedicar-se, segundo pa-lavras de sua revista especializada, "aos elementos fundamentais da vida social - trabalho e cultura material, relações de classe e política, divisões por sexo e casamento, família, escola e lar".
Finalmente, houve um grande crescimento da história local. De início, ela era especialmente rural, onde o método possuía raízes mais profundas. Gough tem sido mencionado como um tipo dessa história; a coleta de folclore oferece outro; e um exemplo

notável também foi dado pelos textos históricos do Women's Lis-te a partir da década de 1920. Estes eram levantamentos em delas, baseados em parte no exemplo dos Scottish Statistical ccounts, mas também - pela influência de C. V. Butler - nos levantamentos sociais de Rowntree. How lo Compile a History and Present Day Record of Village Life (1925), de Joan Wake, foi escrito para os levantamentos do Women's Institute, e oferece

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excelente informação sobre pesquisa documental e sobre o uso de entrevistas para a coleta de informações de pessoas idosas: a respeito de métodos agrícolas, arrendamentos, salários, comércio e indústria, transporte, migrantes, escolas, clubes, sociedades be-neficentes, sindicatos, saúde, alimentação, religião e crime; histó-rias antigas, folclore, canções e jogos; e reminiscências pessoais. "Por que não fazer 'festas de reminiscências' - em que cada um por sua vez recordaria e contaria suas experiências, enquanto al-guém as taquigrafaria?", sugeriu ela. Depois da Segunda Guerra Mundial, Women's Institutes ou Old People's Welfare Councils de muitos condados patrocinaram concursos de redação; excertos delas foram publicados, como I Remember (1970), de Pat Barr, bem como em folhetos locais. Foi em parte dessa forte tradição de história local, bem como da compreensão que ele tinha do folclore e da experiência de trabalho, que teve origem a obra de George Ewart Evans, especialmente em seu primeiro livro Ask the Fellows who Cut the Hay (1956). Pelo título e pela introdu-ção, esse estudo de aldeia constitui, de fato, o primeiro apelo em favor do atual movimento inglês de história oral. Porém, em anos mais recentes, houve um florescimento ainda maior de projetos locais de história de comunidade nas cidades do interior, alguns auto-sustentados, outros financiados por meio de ajuda do governo local ou, com o desemprego crescente da década de 1980, por meio da Manpower Services Commission.


Em suma, a história oral cresceu onde subsistia uma tradi-ção de trabalho de campo dentro da própria história, como com a história política, a história operária, ou a história local, ou onde os historiadores têm entrado em contato com outras disciplinas de trabalho de campo, como sociologia, antropologia ou pesquisa sobre dialetos e folclore. Sua distribuição geográfica reflete tam-bém a disponibilidade de dinheiro para a pesquisa de campo: daí a alta concentração na América do Norte e no Noroeste da Eu-ropa. Pela mesma razão, o patrocínio governamental tem sido de importância essencial na maioria dos países, particularmente na coleta de folclore, mas também mediante esquemas de desem-98

prego, arquivos de rádio e conselhos de pesquisa de ciência social Nos Estados Unidos, existem alguns importantes projetos go-vernamentais, mas dizem respeito principalmente às Forças Arma-das e à experiência de guerra. Em conseqüência, o financiamento privado tem sido preponderante, com ênfase no registro exata-mente daquelas pessoas que mais provavelmente deixarão registros escritos, as elites nacionais e locais. Existem até mesmo projetos de história oral sobre as próprias fundações financiadoras. Assim, os padrões de patrocínio - e, pode-se afirmar, os pressupostos polí-ticos a eles subjacentes - também têm sido fatores fundamentais na forma assumida pelas diferentes evoluções em cada país.


Há, contudo, mais um fator: a natureza da oposição encon-trada. O sistema de financiamento privado nos Estados Unidos tem tido, quanto a isso, a feliz conseqüência de permitir que os

- historiadores orais sigam seu caminho com ligações frouxas com universidades, faculdades e bibliotecas locais; embora, menos fe-lizmente, tenha levado o típico historiador oral norte-americano a ser principalmente um documentalista e coletor de dados do que propriamente um historiador. Na Grã-Bretanha, ao contrário, foi inevitável urna luta mais acirrada por recursos e reconhecimento. Com a recessão econômica e os cortes de gastos públicos a partir de meados da década de 1970, cada novo solicitante de recursos públicos escassos estava fadado a encontrar oposição. Até mes-mo o Social Science Research Council passou, em 1976, do apoio cauteloso a urna política francamente hostil de "conten-ção".'43 E se, no mundo da pesquisa, isso mostrou ser um retro-cesso muito passageiro, não há dúvida alguma de que, com os cortes na universidade, que vieram a seguir, na década de 1980, os avanços mais inovadores foram os mais vulneráveis, e quem foi capaz de melhor se defender foi a tradicional história política e econômica do passado seguramente remoto.


Nos casos em que essa oposição é bem-sucedida, o dano principal será dos próprios historiadores profissionais. A história oral será desenvolvida principalmente por sociólogos, antropólo-gos e folcloristas dentro das instituições educacionais e, na co99

munidade, pelo historiador leigo. Os historiadores profissionais deixarão de ter o estímulo do trabalho interdisciplinar e do con-tato com seu público básico; e permitirão que a história oral se desenvolva sob formas que não atendem a suas próprias necessi-dades e padrões. Por exemplo, é provável que se continue a ob-servar a atual inadequação das instalações de arquivo, e a conse-qüente destruição de grande proporção da evidência oral atualmente coletada, até que a categoria dos historiadores admita que os re-gistros orais têm tanto valor quanto os documentos escritos. Assim, enquanto em países adiantados como Canadá, Austrália e Estados Unidos os arquivos federais e estaduais têm coletado material de história oral como parte de seus programas regulares desde a década de 1950, apenas na década de 1980 é que a Grã-Bretanha instituiu seu National Sound Archive, como parte da British Library, e só então seu trabalho em história oral começou a se desenvolver.


Não obstante, a longo prazo - e talvez muito rapidamente - é possível que se desfaça a atual hostilidade, e os historiadores profissionais voltem a sua antiga posição sobre a aceitabilidade da evidência oral como uma das muitas espécies de fonte histó-rica. A mudança nos métodos de comunicação, que retirou do documento escrito seu papel central, torna isso finalmente inevi-tável. E, a um exame mais cuidadoso, a oposição passa a unir-se em torno de sentimentos mais do que de princípios. Os princípios são mencionados, mas eles são contraditórios e procedem de dois extremos da categoria profissional.
Em primeiro lugar, principalmente em história econômica e demografia, há os historiadores que menosprezam toda evidência qualitativa que não seja passível de análise estatística. Como es-cola, podemos identificá-los desde a década de 1920, quando a história econômica firmava sua autonomia, e a história social passava da elegância impressionista de G. M. Trevelyan para os padrões mais rigorosos de Georges Lefêbvre, com seu lema Ii faut compter. Mais tarde, tiveram o reforço da hostilidade neopo-sitivista à história tradicional de Popper e, a seguir, uma vez

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mais, das expectativas exageradas da década de 1960 vindas da ciência social em geral e do computador em particular. Muito provavelmente, como sugeriu George Ewart Evans,
esse reducionismo esteve tanto em moda devido ao desejo inconsciente de obter um pouco da glória e da respeitabilldade que as ciências natu-rais conseguiram para si no correr deste século; e isso ganha um pode-roso apoio do pressuposto amplamente disseminado de que a ciência moderna possui a resposta para tudo quanto o homem realmente precisa saber.44
Porém, esses reclamos tão extremados causaram, eles pró-prios, a desilusão. A história estatística não é capaz de, sem ajuda, desenredar o passado mais do que a sociologia é de ofere-cer respostas para todos os problemas sociais da atualidade. Claro que os melhores historiadores econômicos e demógrafos sempre reconheceram isso: como na escola dos Annales, na França, ou, na Grã-Bretanha, K. H. Connell que, em sua impor-tante exposição sobre a transformação demográfica da família ir-landesa após a grande fome, utilizou a tradição oral recolhida pela Irish Folldore Commission como uma das fontes fundamen-tais de evidência. Nesse meio tempo, houve uma reação, dentro da própria sociologia, contra uma metodologia predominantemente estatistica na análise de levantamentos, e urna volta às en-trevistas de história de vida em campo, que aproximou a sociolo-gia da história oral. Assim, as esperanças mais extravagantes da escola estatística neopositivista parecem cada vez mais datadas. Pode-se perceber mais claramente o quão distorcida é a análise que faz Michael Anderson em Family Structure in Nineteenth Century Lancashire, ao se prender a um modelo rigidamente eco-nômico da família, que não permite levar em conta, em relação a uma cidade semicatólica da década de inquietação cartista, fato-rei políticos, ou religiosos, ou psicológicos. E as ousadas acroba-cias de um historiador econômico como R. W Fogel - que inven-tará dados quando não consegue encontrá-los e pretende reavaliar a experiência global da escravidão com conjuntos de tabelas - pa-recem agora investidas que revelam mais sobre as armadilhas do

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método do que sobre sua força. É difícil acreditar que a história econômica e a demografia, que, por sua proximidade com as ciências sociais, estio naturalmente mais familiarizadas com o método de entrevista do que a maioria dos ramos da história e que, de fato, já produziram alguns admiráveis defensores da his-tória oral, continuem a ser, a longo prazo, obstáculos ao pro-gresso desta última.45
A velha guarda profissional parece, à primeira vista, mais amedrontadora. A. J. P. Taylor, por exemplo, apesar de consciente a respeito da queda de valor do documento escrito, mantém sua resistência contra o método de entrevistas. "Quanto a este as-sunto, sou quase inteiramente cético (...) Pessoas idosas falando bobagens sobre sua mocidade - Não."46 E se é plausível que o historiador documental ao velho estilo considere a história cada vez mais difícil de ser reconstituída do século XX em diante, só lhe resta manter-se sobre o terreno mais firme de antigamente, ao qual já está bem preso. Na prática, porém, a situação é menos firme do que parece. O historiador tradicional, em parte por des-confiar das teorias e preferir construir sua interpretação a partir de peças individuais de evidência colhidas onde quer que as possa localizar, é no fundo um eclético. Se desconfia da evidên-cia oral, isto se dá principalmente porque, até muito pouco tempo atrás, ela estava, num grau que hoje parece difícil lembrar, ou escondida dele ou não reconhecida por ele. Arthur Marwick em seu The Nature of History, publicado em 1970, incluiu uma expo-sição muito aberta sobre as fontes históricas, no capítulo sobre "O historiador em ação", desde a hierarquia consagrada de fontes escritas primárias e secundárias até a estatística, os mapas, edifí-cios, a paisagem, literatura de ficção, arte, os costumes e "a cul-tura popular do período". Chega a afirmar que "um texto histó-rico baseado exclusivamente em fontes não-documentais, digamos a história de uma comunidade africana, pode ser mais superficial, menos satisfatório do que outro, extraído de documentos; mas é história do mesmo jeito". Contudo, não inclui referência alguma à evidência oral como tal. Parece pouco provável que, hoje, uma

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passagem como essa não discutisse o método de entrevista e a tradição oral.47 Atualmente, está amplamente difundida a noção de que existem essas fontes potenciais e, por si só, essa noção leva a certo grau de aceitação. Além disso, os projetos de história oral têm dado origem a grande número de arquivos que estão sendo utilizados por estudantes de pós-graduação e citados em suas teses, frequentemente com o estímulo de seus orientadores. Para essa geração, pois, a evidência oral volta a ser considerada entre as fontes admissíveis. E urna vez que podem ser citadas em suas teses, tem se generalizado entre eles, quando pareça poten-cialmente valiosa, a tendência a considerar a possibilidade de eles próprios colherem esse tipo de evidência em trabalho de campo.
O fato é que a oposição à evidência oral baseia-se muito mais em sentimentos do que em princípios. Os historiadores da geração mais antiga, que detêm as cátedras e as chaves do cofre, ficam instintivamente apreensivos com o advento de um novo método. Isso implica que não dominam mais todas as técnicas de profissão. Daí os comentários despropositados a respeito de jovenzinhos perambulando pelas ruas com um gravador na mão, a preocupação com detalhes insignificantes para justificar seu ceticismo: geralmente, uma (note bem) reminiscência a respeito imprecisão da sua memória ou da de alguma outra pessoa. disso, existe - e não só entre os estudiosos mais velhos -medo da experiência social da entrevista, da necessidade de do gabinete e de falar com gente comum.48 Mas o tempo a maioria desses sentimentos: o antigo será substituído; e um número cada vez maior desejará conhecer pessoalmente a social e intelectual positiva da história oral.
Portanto, a descoberta da história oral pelos historiadores, agora em andamento, provavelmente não será ignorada. E ela não uma descoberta, mas também uma reconquista. Oferece à um futuro livre da significação cultural do documento escrito. E devolve também ao historiador a mais antiga habili-de seu ofício.

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A CONTRIBUIÇAO DA HISTÓRIA ORAL


Como avaliar a contribuição da história oral? Pela lista dos que encontramos em seu longo passado: Heródoto, Bode, Claren-don, Scott, Michelet, Mayhew...? Ou por suas ambições e diversi-dade de hoje? Não é possível fixar uma fronteira nítida em torno do trabalho de um movimento que reúne tantas espécies diferen-tes de especialistas. O método da história oral é utilizado também por muitos estudiosos, particularmente sociólogos e antropólo-gos, que não se consideram historiadores orais. O mesmo se diz com jornalistas. Contudo, todos eles podem estar escrevendo his-tória; e, sem dúvida, estão provendo á história. Por motivos dife-rentes, também os historiadores profissionais provavelmente não pensam em seu trabalho como "história oral". Muito acertada-mente, seu enfoque é sobre um problema histórico que escolhe-ram e não sobre os métodos utilizados para resolvê-lo; e geral-mente optam por utilizar evidência oral juntamente com outras fontes, e não sozinha. A própria expressão "história oral" contri-bui para essa confusão:


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