Abuso de direito processual editora afiliada



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(140) Embora a sentença, sob o aspecto formal, recorra a um silogismo, que tem em conta o diálogo entre as partes (Francesco Carnelutti, Diritto e Processo, Morano Editore, 1958, p. 188), mais propriamente a um

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No campo processual civil, em decorrência do princípio dispositivo, é vedado ao tribunal, em regra, agravar a situação da parte recorrente quando o recurso for exclusivamente dela, porque, do contrário, estar- se-ia julgando extrapetita. Trata-se de limite objetivo da apelação. No processo penal também é vedada a reformatio inpejus, ainda que sob fundamento diverso, e isto por razões de política processual penal.141

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entimema, onde una das premissas está oculta (ou a um polissilogismo, onde a conclusão do primeiro silogismo funciona como premissa maior de um segundo silogismo), certo é que a sua elaboração não se dá, as- sim, de forma tão elementar. Não se nega a existência do recurso a argumentos dedutivos, como ocorre, por exemplo, no caso da aplicação das presunções, ou mesmo do recurso aos argumentos indutivos, a exemplo do que ocorre com o exame da prova indiciária (quase-silogismo) ou com o emprego da analogia. Entretanto, é necessário considerar que a redução da sentença a um silogismo (em qualquer de suas formas) implicaria admitir que as categorias jurídicas estão reduzidas a conceitos analíticos, o que não procede. Já na escolha da premissa maior, vaie dizer, da rotina aplicável ao caso concreto, é possível identificar um momento valorativo da sentença. Engisch diz que na argumentação jurídica não há conclusões puramente cognitivas. A premissa menor é que define a premissa maior, na base de uma orientação valorativa. Mas também não bastam, por outro Iado, considerações puramente emocionais. O juiz somente se sentirá justificado quando sua decisão fundar- se na lei. A subsunção, todavia, não é simples adequação do conceito concreto ao conceito abstrato. O silogismo jurídico envolve uma razão prática (Karl Engisch, Introdução ao Pensamento Jurídico, 7. ed., Lis- boa, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 90 e 91). Kelsen, que reduz o direito à norma, sustenta que à ciência jurídica não interessa a maneira pela qual o juiz decide. Entretanto, não pode deixar de reconhecer que a sentença não é um ato de conhecimento (diferentemente do que ocorre com a atividade do cientista), mas sim um ato de vontade, de querer (Kelsen, 09.06.1965 — Manuscrito Direito e Lógica, in Kelsen-Klug, Normas jurídicas e análise lógica — correspondência 1959-1965, Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 60-84). No mesmo sentido é a lição de Chiovenda: a sentença vale como expressão de uma vontade do Esta- do, e não por suas premissas lógicas. (lnstituições de Direito Processual Civil, vol. 1, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1965, p. 44). Estas questões serão retomadas no último capítulo (seção 5.4).

(141) Mesmo entre aqueles que defendem o maior empenho possível do julgador no conhecimento da verdade real, admite-se que o limite objetivo da

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Vê-se, assim, que não há necessária correspondência entre verdade material e ideal de justiça. Por outro lado, a verdade formal compreende a noção de justiça como imperativo de ordem prática, mas não se esgota neste conceito. De acordo com o senso comum dos processualistas, a verdade material é aquela correspondente ao que efetivamente ocorre. A verdade formal, por sua vez, é aquela que vale no processo, retrato mais ou menos perfeito da verdade material.142Francesco Carnelutti pondera, entretanto, que a finalidade do processo é sempre o conhecimento do fato; outra é a questão relativa aos meios. Há meios que parecem mais aptos ao conhecimento da verdade. O resultado contrário à verdade é o custo do sistema processual, ocorrência que se tolera em atenção aos casos em que a verdade, na base das mesmas regras processuais, é alcançada. O formalismo é um guia seguro para os juizes, protegendo-os, na base de determinadas proibições, da falácia de certas provas.143

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apelação do réu, se, de um lado, não constitui óbice à absolvição, impe- de a reforma em desfavor daquele que recorre (v. José Luiz Vicente de Azevedo Franceschini, op. cit., p. 26). Em outras palavras, entende-se que, no campo do processo penal, não se aplica o princípio tantum devolutum quantum appellatum, pois aqui se busca a verdade real. Este desprendimento em relação à forma não chega, entretanto, ao ponto de admitir a reformatio in pejus. Novamente aqui se apartam as noções de justiça e verdade.

(142) Carlo Furno, Teoría de la Prueba Legal, Revista de Derecho Privado, Madrid, 1 954, p. 1 6, apud Arruda Alvim, Curso de Direito Processual Civil, vol. 11, São Paulo, RT, 1972, p. 206; o processualista italiano, cuja obra é igualmente citada por Gian Antonio Micheli (op. cit, p. 193), diz que a verdade processual é uma verdade suficiente, expressão com a qual pretende indicar que, para a realização da finalidade do processo, basta um grau de aproximação do fato histórico, que é substituído pela reconstrução legal. João Carlos Pestana de Aguiar fala em uma fixa- ção formal dos fatos (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, São Paulo, RT, 1974, p. 51).

(143) Francesco Camnelutti, Estudios de Derecho Procesal, vol. 11, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-América, 1952 (Colección Ciencia del Proceso, ed. 20), p.1 14 e 115. Veja-se que, no direito processual

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Conforme distinção corrente, a verdade formal é perfei- tamente adequada ao princípio dispositivo. Vale dizer, se é certo que a verdade é premissa necessária da aplicação dajustiça, cer- to também é que ao demandante, segundo o princípio dispositi- vo, compete dar ao juiz o conhecimento dos fatos (Da mihi factum, dabo tibijus).144 Daí porque muitos entendem que não se pode negar à parte, naturalmente parcial, o direito de apresentar os fatos conforme sua ótica e interesse, diferentemente do que ocorre quando se aplica o princípio inquisitivo, apropriado ao tratamento das matérias de ordem pública (questões de estado da pessoa, pátrio poder, tutela e curatela, declaração de ausên- cia, disposições de última vontade etc),45 em que se procura a

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brasileiro, determinadas normas realmente restringem a cogniçãojudi- cial; há uma certa reserva ou prevenção em desfavor de certos tipos de prova. É o caso da restrição à prova testemunhal (arts. 400, 11, 40 1, do CPC e art. 1 55 do CPP). Jorge A. Clariá Olmedo sustenta que a verdade é única. Sua busca estará limitada, contudo, na dependência da adoção do princípio inquisitivo ou dispositivo (op. cit., p.152-157). Santiago Sentis Melendo, citando Montesquieu, diz que as formas são o preço da liberdade (La prueba — los grandes temas del derecho probatorio, Buenos Aires, Ediciones Juridicas Europa-America, 1978 Colección Ciencia del Processo, ed. 65), p. 37. Estas limitações se inscrevem no sistema da apreciação livre e racional da prova, tendência das legisla- ções contemporâneas (Antonio Dellepiane, op. cit., p.46 e 46, apud Arruda Alvim, Curso de Direito Processual Civil, vol. 2, São Paulo, RT, 1972, p. 207).

(144) Moacyr Amaral Santos, Contra o processo autoritário, in Revista da Faculdade de Direito, São Paulo, 1959, vol. 54, fasc. 1, p. 226.

(145) Moacyr Amaral Santos, Limites às atividades das partes no processo civil, in RT, São Paulo, Ano 46, outubro de 1957, vol. 264, p. 23; Leo Rosenberg, op. cit., p. 391 e 392. Na base dessa distinção entre verdade material e verdade formal, às quais corresponderiam, respectivamente, o princípio inquisitivo e o princípio dispositivo, houve quem sustentasse que a obtenção da verdade, no processo civil, é um resultado puramente fortuito (Alberto Domenico Tolomei, iprincipiifondamentali del Processo Penale, 1931, p. 89 apud José Luiz Vicente de Azevedo Franceschini, op. cit., p. 24).

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verdade material.46 Assim, sob este ponto de vista, nos proces- sos regidos pelo princípio dispositivo não se pode cogitar do deverde completude, ou seja, da obrigação de apresentar emjuízo fatos francamente desfavoráveis à parte.147

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(146) Salvatore Satta, Direito Processual Civil, 7. ed., vol. 1, Rio de Janeiro, Borsoi, 1 973, p.198 e 199; JorgeA. Clariá Olmedo (op. cit., p. 155-157); Gian Antonio Micheti, op. cit., p. 265-268; Leo Rosenberg, op. cit., p.386-393. Para esse último autor, a distinção que se faz entre verdade material, adequada ao principio inquisitivo, e verdadeformal, adequa- da ao princípio dispositivo, é só aparente, porque não há oposição entre estas idéias. Não existe mais do que uma noção de verdade, como já registrava JorgeA. Clariá Olmedo (op. cit., p.152 e 153). O princípio dispositivo não é um dogma inviolável, senão o resultado de uma con- sideração de conveniência. Foi introduzido porque se supôs que a ver- dade será melhor conhecida na versão das partes do que através de uma investigação judicial (op. cit., p. 386). Note-se que mesmo no campo do processo penal, houve quem fizesse a distinção entre sistema acusa- tório, que atribui às partes o monopólio da escolha e oferecimento dos elementos de convicção, e sistema inquisitório, que atribui ao juiz papel decisivo na colheita da prova (a propósito, com ampla citação bibliográ- fica, José Luiz Vicente de Azevedo Franceschini, op. cit., p. 33 e 34). Mas claro está que a distinção entre princípio dispositivo e verdade for- mal, de um lado, e princípio inquisitivo e verdade material, de outro, revela sérias dificuldades no campo do processo penal, mormente quanto ao dever de completude, haja vista que o réu não está obrigado a dizer a verdade e tem inclusive o direito de calar.

(147) A doutrina, de maneira geral, entende que a parte tem de apresen- tar os fatos como são, porquanto não existe meia verdade (neste sentido, Kaethe Gmossmann, op. cit,. p. 287; J. M. de Carvalho Santos, Código de Processo Civil Interpretado, vol. 1, Rio de Ja- neiro, Livraria Freitas Bastos, 1 940, p. 1 08 e 1 09; José Luiz Vicente de Azevedo Franceschini, op. cit., p. 26; Pontes de Miranda, repor- tando-se à doutrina alemã, fala em dever de completude — Pflicht Vollständigkeit (Comentários ao Código de Processo Civil, 2. ed., tomo I, Rio de Janeiro, Forense, 1 958, p. 41 1). O CPC de 73, antes da Lei 6.771, de 27.03.80, reputava litigante de má-fé aquele que omitis- se intencionalmente fatos essenciais aojulgamento da causa (art. 17, 111). Essa regra foi suprimida, pelo que nisto alguns poderiam ver hi- pótese de revogação implícita.

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Alguns autores, entretanto, procuram conciliar a exigência da verdade, como condição de justiça, e o princípio dispositivo. Pontes de Miranda, sem descer a maiores considerações, diz que o dever de veracidade não derrogou, como alguns pretendem, o princípio dis- positivo. É precisamente a coexistência destes dois institutos proces- suais que dá ao princípio dispositivo contactuação (sic) que não existiria se não existisse o dever de verdade.48 Menos hermética, mas também insuficiente, é a explicação de Moacyr Amaral Santos. Para o processualista de São Paulo, verdade formal é aquela que se obtém através de um procedimento condicionado a formas, que não podem ser relegadas. Findo o processo, na ordem do procedimento prede- terminado pelo código, chega-se à verdade jurídica, contra a qual seriam inúteis as investidas da verdade material. Bem por isso, maior é a responsabilidade das partes na produção da verdade formal.149

Essas soluções conciliadoras não esclarecem, todavia, qual o sentido de uma tal prescrição da verdade num sistema em que o espectro de cognição judicial está limitado por balizas que não po- dem ser ultrapassadas. A posição de Moacyr Amaral Santos retira o dever de veracidade do campojurídico para colocá-Io numa arena moral, ainda que o autor não admita isto. Nesse ponto, procede a crítica de Chiovenda. O juiz não pode ser considerado como figu- ra passiva, quer na afirmação dos fatos quer na escolha das pro- vas, ressaibo do processo escrito. Daí se compreende que, nas leis modernas, vá avultando a reação ao princípio dispositivo, a favor da iniciativa do juiz.150 O interesse que se discute no processo civil, pelo só fato de ser eventualmente patrimonial, não autoriza a distinção, ordinariamente feita em relação ao processo penal,151

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(148) Pontes de Miranda, Comentdrio ao Código de Processo Civil, 2. ed., tomo I, Rio de Janeiro, Forense, 1958, p. 409.

(159) Moacyr Amaral Santos, Limites às atividades das Partes no Processo Civil, in RT, Ano 46, outubro de 1957, voi. 264, p.23 e 24.

(170) Giuseppe Chiovenda, instituições de Direito Processual Civil, 2. ed., vol. 2, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 351.

(151) Salvatore Satta chega a afirmar que, contrariamente ao processo penal, em que o juiz é interessado no acertamento da verdade, para o fim de

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porquanto sobreleva a natureza pública do processo judicial, seja ele qual for.152

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firmar a inocência ou a culpabilidade do imputado, no processo civil, a prova reflete a contrariedade existente entre os lancesjurídicos.... Daí a regra fundamental disciplinadora da chamada distribuição do ônus da prova, a sujeição do juízo ao alvitre da prova produzida pelas partes ou às confissões expressas ou manifestas, com a coerente restrição de li- berdade de apreço.... (Direito Processual Civil, 7. ed., vol. 1, Rio de Ja- neiro, Borsoi, 1973, p. 198 e 199.

(152) Chiovenda, a respeito, diz que a distinção entre o principio inquisitivo e o princípio dispositivo é abstrata, porquanto, na prática, nenhum deIes se pode encontrar aplicado na concepção idealizada. Temperam-se, em proporções diversas, conforme os tempos e os lugares (Instituições de Direito Processual Civil, 2. ed., vol. 2, São Paulo. Saraiva, 1965, p. 345). Nas notas à tradução brasileira, elaboradas por Liebmann, este processualista destaca que, malgrado o Código de 39 tivesse adotado o princípio dispositivo, é de destacar-se que aumentou os poderes dojuiz, no confronto com as atividades e as iniciativas atribuídas às partes, em conformidade, aliás, com a concepção publicística do processo, que presidiu a elaboração do Código (idem, notas 8 e 9, pp. 345-347). No mesmo sentido são as considerações de Eduardo J. Couture (Estudios de Derecho Procesal Civil, tomo 11, 2. ed., Buenos Aires, Depalma, 1 .978, p.245 e 246). Jorge A. Clariá Olmedo observa que se vem dando, no processo civil moderno, tanto sob o enfoque doutrinário como legis- Iativo, maior extensão aos poderes dojuiz no que concerne à produção da prova. Trata-se de imperativo da verdade jurídica, que não pode ser abertamente destruída em nome do formalismo (op. cit., p. 347). L. Pietro-Castro Fernandiz, por sua vez, registra que o processualista civil já se convenceu de que sua disciplina ganha prestígio a medida que vai incorporando muitas das velhas idéias do processo penal, a exemplo da noção de verdade material, que permite a ampliação dos poderes do juiz, assegurando a seriedade da sentença civil, escassamente garantida em um procedimento no qual só a atividade das partes, egoisticamente interessadas, constitui a base do julgado. (Trabajos y orientaciones de Derecho Procesal, Madrid, Editorial Revista de Derecho Privado, 1 .983, p. 606 e 607. Como registra Amilcar de Castro, claro está que, se a administração dajustiça é uma função pública, ojuiz deve estarprovi- do de poderes indispensáveis para bem administrá-la, de modo ativo, rápido e seguro, senão com prevalência do princípio inquisitório, com

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Pode-se verificar, a partir das considerações de MoacyrAmaral Santos, o quanto impressionaram o processualista de São Paulo as relações entre o processo inquisitivo (ou autoritário) e os regimes de imposição (autocracia, ditadura e totalitarismo), o que de certa forma se explica pelo fato de que seus escritos, relativos a um Códi- go gestado na Ditadura Vargas, são de um período de redemocrati- zação do Estado brasileiro.53 De qualquer forma, Moacyr Amaral

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atenuação do princípio dispositivo. Entende-se modernamente que ainda quando seja o litígio um negócio privado, o processo é sempre de interesse eminentemente público. E sem desrespeito à vontade honesta das partes, pode-se inserir no processo um mínimo de inquisição (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 8, São Paulo, RT, 1974, p.lO6 e 107).

(153) É interessante observar, dentre os autores infensos à teoria do abuso do direito, que as críticas formuladas geralmente se inscrevem num quadro ideológico de oposição a ideias. socializantes, que são identificadas com as concepções totalitárias, o que é mostra da arraigada formação individualista nos nossosjuristas, pelo menos até metade do séc. xx. A propósito da crítica a este espírito individualista, ver Pedro Baptista Martins, O abuso do Direito e o ato ilícito, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 3, 6, 9,10, 13, 34, 1 14 e 137; mais especificamente no campo processual, v. Alfredo Buzaid, op. cit., p. 95, e Enrico Tulio Liebmann, nas anotações que fez à tradução brasileira de Chiovenda (Instituições de Direito Processual Civil, vol. 11, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 370, nota 10). Alfredo Balthazar da Silveira, criticando o Decreto 24. 1 50, de 20.04.34, que visava a tutelar o fundo comercial ou industrial criado peio locatário, diz que, apadrinhados por esta lei de feição comunista, muitos Iocatários gananciosos, es- quecidos da parábola de Lázaro — o mau rico — extorquem dos Iocado- res quantias fabulosas para lhes entregar o imóvel alugado (A lei moral é a ba.se do direito processual, i n Revista de Direito Processual Civil, Ano 1,janeiro ajunho de 1960, vol. 1, São Paulo, Saraiva S.A. Livrei- ros, p. 1 29). Também entre os franceses impressiona a marca do indi- vidualismo, como se colhe em Ripert, que não vê nada de mau no absolutismo dos direitos. Pretender um controle, exercido pelojuiz, sobre valores econômicos e sociais, equivaleria, sob a ótica do civilista, a colocar a sociedade sob a ameaça do estatismo ou do comunismo (op. cit., p. 1 82 e l 83).

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Santos acaba por admitir que apesar dos influxos políticos da épo- ca, acabou prevalecendo, na redação do Código de 39, o aspecto científico, a disciplinajurídica.154 E certo que a posição dojuiz no processo é uma resultante das tendências políticas e filosóficas do seu tempo. O século xIx consagrou o individualismo e, por isso, a direção do processo era confiada exclusivamente às partes.155 Surgem, já no final daquele século, os primeiros conflitos de massa, que acabam repercutindo no campo da dogmática processual. Conquan- to a experiência histórica do comunismo tivesse resultado numa visão burocrática do direito, outros dados empíricos permitem di- zer que não há uma relação necessária entre o regime político tota- litário e o princípio processual inquisitivo. Do fato de tal princípio ter sido adotado em países comunistas, a exemplo da antiga Alema- nha Oriental e da extinta URSS, não se exclui a possibilidade de que possa ser aplicado em regimes liberais. Como registra Erich Döhring, há uma tendência de expansão dos poderes judiciais mesmo nos países que adotam o princípio dispositivo, a exemplo da França, Itália e Espanha, de sorte que a perspectiva meramente formal da prova acha-se em franco declínio.156

O que parece estar na base de uma certa dificuldade da dogmá- tica processual, quando trata da questão da verdade, é a confusão que se estabelece entre quatro planos diferentes de conhecimento. A verdade material (processual) não se confunde com a verdade on- tológica (filosofia), tampouco com a verdade lógica (ciências ideais)

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(154) Moacyr Amaral Santos, Contra o processo autoritário, in Revista da Faculdade de Direito, São Paulo, vol. 54, fasc. 1, São Paulo, 1 959, p. 212-229.

(155) Pedro Baptista Martins, Comentários ao Código de Processo Civil, Decreto-Lei 1.608, de 18 de Setembro de 1939, vol. I, Revista Forense, 1940, p. 338; Amilcar de Castro, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 8, São Paulo, RT, 1974, p 106.

(156) Erich Döhring, op. cit., p. 08 e 09. No mesmo sentido, no Brasil, José Luiz Vicente Franceschini afirma que a concepção autoritária do processo, conceito publicístico, nada tem de inadequado ao direito das nações onde vige o regime democrático (op. cit., p. 25).

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ou com a verdade empírica (ciências naturais e históricas).157 Grande parte dos processualistas modernos, conquanto sensível à primeira e segunda distinções, apartando a prova judicial da verdade metafísica e da verdade racional, não demonstra a mesma facilidade em estremá-la da verdade empfrica. Inicialmente, diga-se que a dogmática processual não se ocupa da prova do fato, mas sim da afirmação do fato,158 o que retira o processo do campo empírico.159

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(157) A propósito da distinção entre verdadeprocessual e verdade ontológica, vide Jorge A. Clariá Olmedo (op. cit., p.149-153). João Mendes de Almeida Jr., invocando o pensamento de São Tomás de Aquino, diz que a verdade processual busca a adequação da coisa ao intelecto; a certeza é a firme adesão do intelecto à coisa (op. cit., p. 155).

(158) Leo Rosemberg, op. cit., p. 17. No mesmo sentido, também Santiago Sentis Melendo (op. cit., p. 38). Diz o autor que a distinção não é mero jogo de palavras: os fatos existem como realidade mesma. A afirmação é um fenômeno intelectual que se refere à coisa ou ao fato. A parte, antes de afirmar, trata de fazer a averiguação da existência do fato. Depois, feita a afirmação, cuida de oferecer os elementos que a provêm. Aqui, já se está no campo da verificação. Não colhe a distinção que se pretende fazer entre averiguação (processo penal) e verificação (processo civil). A averiguação (ou investigação) diz com a atividade policial, mas nem por isso se pode dizer que é categoria adequada ao processo penal, que visa a umiulgamento (op. cit., p. 58 a 62). Importante registrar que parte responde pelas declarações relativas a fatos e não a direitos, porque, neste ponto, as dificuldades ligadas ao campo da in- terpretação avultam (Leo Rosenbemg, op. cit., p. 38 1 ). A discussão sobre a existência do direito afirmado insere-se em campo técnico, heurístico, que a parte nem sempre está em condições de avaliar (a respeito, v. também Santiago Sentis Melendo, p. 70 e 71).

(159) Piero Calamandrei diz que, diferentemente do historiador, que trabalha com fatos empíricos, formulando sua tese e investigando os fatos (averiguando, diria Sentis Melendo), ao juiz não é dado escolher a pergunta que tem de responder, formulada por outras pessoas, que são as partes. Ademais, tem dejulgar nos limites de certas regras. Neste ponto, o processualista italiano critica a comparação feita por Calogero, no livro La lógica del giudice e il suo controllo in casazione (Calamandrei, Eljuiz y el historjador s.p., apud Santiago Sentis Melendo, op. cit., nota 1 24, p. 68).

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Ademais, como observa Piero Calamandrei, a prova está voltada à demonstração da semelhança e não da verdade, o que neste ponto também se aplica à verdade histórica.160 Ainda que exista concordância entre os diversos testemunhos, acerca de determinado fato, poderá o juiz quando muito concluir que, diante da uniformidade dos relatos, é bem possível que as coisas tenham se passado mesmo daquela forma. Somente em casos excepcionais, como é a hipótese da inspeção judicial, poderá o magistrado conhecer os fatos na sua dimensão empírica.161


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