Abuso de direito processual editora afiliada



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tório universal suscita, entretanto, alguma polêmica, porquanto ambígua. NeIa, ora se encontra referência a uma categoria ideal, uma construção do orador, e ora a uma categoria que Iembra o imperativo de Kant, o que evoca a idéia de acordo como ratio decidendi. Por isso Atienza sustenta que o auditório universal perelmaniano é não propriamente um conceito, mas uma intuição feliz (Manuel Atienza, op. cit., p. 1 15 e 1 1 6). Robert Alexy, por sua vez, reconhecendo esta mesma diversidade de sentidos, sustenta que o apelo à razoabilidade da audiência envolve a idéia de um acordo entre todos os homens razoáveis, conforme se retira de Kant. Por isso, o auditório universal é a humanidade iluminada, composta de seres razoáveis, ou seja, em princípio, qualquer pessoa acima dos limites da imbecilidade. Aliás, nos discursos práticos, a participação dos pouco capazes é obrigatória, quando menos porque seus interesses também são afetados. Um tal estado de coisas, na interpretação de Alexy, corresponde à situação de discurso ideal de Habermas (Robert Alexy, Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria dajustificaçãojurídica, São Paulo, Landy Editora e Distribuidora Ltda., 2001, p. 132-135).

(95) Não deixa de ser significativa uma distinção corrente na dogmática processual, segundo a qual as partes argumentam, enquanto oiuiz apenas fundamenta as decisões e sentenças. Longe de um simples jogo de palavras ou de uma disputa semântica, a distinção mal esconde uma relação de poder, de assimetria, da qual o direito romano já dava seu testemunho: Aliud est postulate, et aliud consulere et aliud domi et aliud corain ,nagistratibus. Aliás, foi necessário que o Estatuto dos Advoga- dos deixasse claro que não há hierarquia nem subordinação entre advogados e magistrados (art. 6.°).

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que está tratando, e mais, o tipo de auditório a que se dirige.96 Esta idéia de adaptação ao auditório, que já se vê no Tratado, aplica-se igualmente ao discurso desenvolvido pelas partes, que se valem de topoi, a exemplo da noção de abuso do direito, na tentativa de despertar a adesão do auditório.97 A escolha do argumento adequado implica atribuir presença98 a este ou àquele elemento do discurso, obscurecendo outros que possam não interessar. A questão da completude da verdade, discutida no segundo capítulo (seção 2.4) in- terfere com essa circunstância de dar-se preferência a uma versão em detrimento da outra, para o que o orador (seja ele a parte ou o juiz) haverá de desenvolver técnicas argumentativas adequadas. Ressaltar valores que servem aos objetivos da argumentação, eclipsando outros, invocar um princípio geral do direito em prejuízo de outro, utilizar a analogia a contrário senso, no caso de uma lacuna normativa, quando em tese também caberia a analogia por semelhança, são formas de dar presença a determinados elementos da discussão. Nos dois últimos exemplos, trata-se de técnicas que podem conduzir o argumento a teses ou decisões opostas, o que bem demonstra o especial significado da justificação externa nas argumentações jurídicas.

Aquele que argumenta perante o tribunal do júri, por exemplo, muitas vezes utiliza a retórica como expediente. O emprego

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(96) Pereiman, La Lógica Jurídica y Ia nueva retórica, Madrid, Editorial Civitas S. A., p. 142, 201 e 207. Perelman, a propósito, ressalta a importância da fundamentação da sentença, fazendo um ligeiro escorço histórico acerca das razões que deram origem à necessidade de o juiz motivar a sentença, ligadas à desconfiança que os revolucionários franceses nutriam em relação aosjuízes da época, fiéis ao antigo regime (idem, p. 202-206).

(97) Perelman, cuidando especificamente da noção de abuso do direito, diz tratar-se de uma construção jurídica que serve para guiar a ação dos tribunais, proporcionando aojulgador uma adequadajustificação das premissas. Nessa medida, cumpre papel análogo ao das teorias filosóficas, morais e políticas (idem, p. 109-1 1 1).

A propósito do conceito de presença, ver Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, Tratado da Argumentação. A nova retórica, São Pau- lo, Martins Fontes, 1996, p. 558.

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da simulação, das lágrimas insinceras e dos cumprimentos excessivos, dos artifícios para apiedar ou para lisonjear, revelam receitas estereotipadas que muitas vezes convencem, na dependência da qualificação do auditório e do tipo de adversário que se tem pela frente. A repetição de fórmulas consagradas coloca em presença determinados valores, instintos e atitudes morais do auditório. O mesmo mecanismo de presença intervém quando se repete uma afirmação do adversário para contestá-la. Entretanto, a maioria dos oradores prefere relegar ao silêncio uma objeção à qual só se poderia opor uma fraca refutação, ainda que a abstenção da fala possa sugerir concordância com a tese do adversário ou inconsistência das razões inicialmente invocadas por aquele que agora se cala.99 O que pode impressionar, quando se indaga da possibilidade da argumentação processual como agir comunicativo, não é tanto a banalização dos sofismas, 05 quais obedecem a certas regras de validade da argumentação, mas a existência de regras institucionais que interferem diretamente com as pretensões de validade do discurso. No caso do júri

— para ficar nesse exemplo — aos jurados não é dado expressar suas atitudes, sob pena de nulidade do julgamento. Nem todo tipo de informação pode ser introduzida no discurso, pois há regras legais, no direito brasileiro, que impedem o uso de documentos em plenário caso eles não tenham sido juntados aos autos com certa antecedência.

As regras de validade do discursojudicial e as regras de validade da teoria da argumentação demandam, entretanto, alguns aprofundamentos. As críticas endereçadas à retórica de Perelman versam não só acerca da imprecisão dos conceitos como também sobre uma certa indefinição epistemológica, que está no plano da separação entre razão dialética (raciocínio prático) e razão científica (raciocínio teórico), aparentemente inconciliável com sua afirmação no sentido de que é impossível assinalar com clareza o limite entre o campo cognitivo e o campo axiológico do saber jurídico. A vagueza do conceito de auditório universal (ainda que se possa reconhecer nele um núcleo de sentido ligado à idéia do consenso), dificulta o desenvolvimento de padrões de avaliação do discurso, o

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(99) Idem, p. 5 1 1, 546 e 562.

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que também tem repercussões, considerado o significado convencional da ciência, no plano epistemológico. A teoria da ação comunicativa, ao sustentar que a verdade daquilo que é afirmado depende dajustificação da afirmação (e não ao contrário, como supõem as teses referencialistas), postula, de um ângulo pragmático, a exis- tência de um valor verdade também para os proferimentos normativos. A tarefa seguinte consiste em fundar regras de justificação desse tipo de enunciado, com o que Habermas dá um passo decisivo no plano da racionalidade jurídica.

A lógica da argumentação, em Habermas, é uma lógica do dis- curso pragmático, onde importam não as sentenças mesmas, mas a atitude que cada um dos falantes assume ao falar. O consenso está baseado naforça do melhor argumento. Assim, cada uma das partes sustenta umapretensão, que varia segundo os contextos de ação, vale dizer, de acordo com as instituições onde se desenvolve o discurso (um tribunal, uma assembléia, um congresso científico etc.). Se ela for questionada, o proponente haverá de dar suas razões, fundadas em fatos relevantes e suficientes. Mas não bastam os fatos, o caso concreto. Se o oponente exigir que a outra parte justifique a passagem das razões para a pretensão, aquele que a invocou haverá de apresentar garantias, cujo grau de sustentação varia na base de qualificadores modais, a exemplo de provavelmente, presumivelmente, ao que parece, e sempre na dependência de existirem ou não condições de refutação específicas. As garantias são e nunciados que descrevem regras. No caso da argumentação jurídica, trata-se de regras gerais e abstratas, que tanto podem ser um princípio quanto uma norma costumeira ou escrita. A validade da regra, por sua vez, diz com o conceito de respaldo, que somente se torna explícito se a garantia é questionada. A Iei posta, a noção de um direito natural, seriam critérios de justificação última. O argumento nada mais é que ajustificação de uma pretensão de validade levantada pelo falante.

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(I (10) Para o aprofundamento dessas críticas — e também para uma crítica ideo- lógica — ver Manuel Atienza, op. cit., p. 86, 87, 109-130.

(101) Este modelo de argumentação, que recorre aos conceitos depretensão, razões, garantia e respaldo, desenvoivido por Stephen Toulmin (Toulmin

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Apoiando-se na lógica informal de Stephen Toulmin, Habermas susteflta que a argumentação haverá de ter em conta a empresa racional dos falantes, ou seja, o campo ou as esferas da vida, com seus diferentesjogos de linguagem, em que se desenvolve o discurso. A verdade consensual pressupõe uma situação ideal defala. Assim, toda pessoa que puder falar pode tomar parte no discurso (a). Seguem-se a esia regra de universalidade, regras de ausência de coerção (b), que garantem uma comunicação livre de restrições externas e também internas (da própria estrutura da argumentação). Isso pressupõe uma distribuição simétrica de oportunidades entre todos os participantes do debate, aos quais se tem de garantir a iniciativa do discurso e sua condução dialógica, com perguntas e respostas. Assim, toda pessoa pode problematizar uma afirmação (b.a); toda pessoa pode introduzir qualquer afirmação no discurso (b.b); toda pessoa pode expressar suas atitudes, desejos e necessidades (b.c). Por último, tem de haver uma regra de proteção (c), que garanta que nenhum orador possa ser impedido de exercer os direitos estabelecidos anteriormente. 2

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et alii, An jntroduction to reasoning, NewYork, 1 979), foi expressamente adotado por Habermas, que a ele se refere como investigação pioneira. Para Habermas, a argumentação não pode ficar reduzida à lógica dedutiva e à lógica indutiva. Há outras formas de argumentação Iegítima, de persuasão discursiva, que não podem ser relegadas ao campo do irracional. A respeito dessa exposição, que reproduz as idéias de Toulmin, v. Habermas, Teoría de la acción conunicativa, 2. ed., vol. 1, Madrid, Aguilar, Altea, Taurus, Alfaguara S. A., 2001 (Colección Humanidades Filosofía), p. 45-54, e Habermas, Consciência moral e agir comunicativo, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1989 (BibliotecaTempo Universitário, 84, Série Estudos Alemães), p. 83 e 84. Ainda a respeito da relação entre a teoria da ação comunicativa e a lógica informal de Toulmin, ver Manuel Atienza, op. cit., p. 163-166 e Robert Alexy, op. cit., p. 77-86 e 98-1 17.

(02) A elaboração de Habermas foi assim reproduzida porRobertAlexy (op. cit., p. I 12), como registra o próprio Habermas (Consciência moral e agir comunicativo, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1989, Biblioteca Tempo Universitário, 84, Série Estudos Alemães, p. 1 12). Consigne-se, outrossim, que ao falar das condições que caracterizam a situação ideal de fala, Habermas remete à sua Wahrheitstheoriefl, onde ele se dedica ao tema de maneira mais minudente (Teoría de la acción comunicativa,

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Toulmin desenvolve uma teoria com pretensões normativas e descritivas, na qual Habermas, entretanto, reconhece uma certa inconsistência, quando se trata de estabelecer a mediação entre os planos de abstração que representam o lógico e o empírico. A crítica de Habermas tem em conta o fato de que Toulmin, distinguindo os diversos campos de argumentação de acordo com as correspondentes instituições (o político, o jurídico, o científico), acaba buscando a lógica da argumentação num terreno externo. Não se pode confundir, como faz Toulmin, os contextos em que são reconhecidas as pretensões de validade com o contexto de constituição dessas pretensões.103 Mas não há negar que a lógica informal, comparada à tópica de Viehweg e à nova retórica de Perelman, oferece um aparato analítico mais refinado, que permite melhor situar a argumentação no contexto da racionalidade pós-metafísica, à qual se reporta a teoria da ação comunicativa. A princípio, como observa Manuel Atienza, as categorias respaldo, garantia, condição de refutação e qualificador parecem não dizer muito mais do que já havia sido demonstrado na lógica jurídica tradicional, desde Kalinowski. A distinção entre garantia e respaldo mostra, dentre outras coisas, a conhecida ambigüidade entre normas e proposições normativas. A distinção entre garantia e condição de refutação, por sua vez, aponta para o fato de que as normas são e nunciados hipotéticos e não categóricos.4 O qualificador por último, mostra que a passa- gem das premissas para a conclusão nem sempre tem caráter neces- sário. Habermas, além de reconhecer que o esquema de Toulmin está de certo modo mais próximo da argumentação real que as propostas formais que ele critica, admite tratar-se de uma forma de argumentação correta.5

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2. ed., voi. 1, Madrid, Aguilar, Altea, Taurus, Alfaguara S.A., 2001, Colección Hurnanidades-Filosofía, p. 46).

(L()3) Habermas, Teoría de Ia acción cornunicativa, 2. ed., vol. 1, Madrid, Aguilar, Altea, Taurus, Alfaguara S.A., 2001 (Colección Hurnanidades- Filosofía), p. 56-68.

° Manuel Atienza, op. cit., p. 158-162.

(105) Habermas, Teoría de Ia acción cornunicativa, 2. ed., vol. 1, Madrid, Aguilar, Altea, Taurus, Alfaguara S.A., 200 1 (Colección Humanidades- Filosofía), p. 49.

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Todo esse debate guarda estreita relação com o tema da possibilidade do agir comunicativo no processo judicial. O reconhecimento do caráter constitutivo dos campos institucionais, no que concerne às pretensões de validade da argumentação, não isenta os sujeitos do processo, pelo menos no enfoque de Toulmin, do dever de respeitar o esquema da argumentação correta, fundado naque- las regras vistas há pouco. Robert Alexy, que se inspirou nas elabo- rações de Toulmin e de Habermas, chega a sustentar que esse esquema pode servir de orientação aos argumentos que se desenvolvem na praxis forense.6 Mas por tudo e em tudo que foi visto nos dois primeiros capítulos, pesa uma fundada desconfiança acerca da existência de uma situação ideal defala no processo judicial, onde to- dos tenham direito à palavra, em iguais condições, longe de qualquer tipo de constrangimento. Como ressalta o próprio Habermas, a argumentação diante de um tribunal, como de resto ocorre com todo discurso jurídico, distingue-se dos discursos práticos em geral por sua vinculação ao direito vigente e também por outras restrições especiais impostas pela ordem processual, as quais explicam a necessidade de uma decisão dotada de autoridade e a faculdade de as partes orientarem-se com vista ao êxito. Por isso, a princípio, Habermas viu-se inclinado a admitir que o processo judicial, como todo e qualquer tipo de discurso jurídico, é uma ação estratégica. Nessa passagem da Teoria da ação comunicativa, ele se reporta à posição adotada na Teoria da sociedade ou tecnologia social, obra em que critica as limitações e contradições da teoria sistêmica. Mas foi o contato de Habermas com a teoria da argumenta- çãojurídica de RobertAlexy que alterou, segundo ele próprio admi- te, o rumo de suas reflexões.7

Robert Alexy desenvolve uma teoria da argumentação que se pretende descritiva e analítica, em estreita relação com a teoria da ação comunicativa, da qual pode ser vista como reinterpretação,

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(I0 Robert. Alexy, op. cit., p. 1 13.

(07) Habermas, Teoría de Ia acción comunicativa, 2. ed., vol. 1, Madrid, Aguilar, Altea, Taurus, Alfaguara S.A., 2001 (Colección Hu,nanidadesFilosofía), p. 60.

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segundo assinala Manuel Atienza.8 Para Alexy, o problema da fundamentação última de uma determinada proposição pode ser resolvido pela exigência de uma atividade dejustificação do debate, pautada em regras semânticas e pragmáticas que são condição de possibilidade da comunicação lingüística. Todo discurso tem de partir de convicções normativas dos participantes, as quais são variáveis e historicamente delimitadas. Saber o que é certo não impli- ca necessariamente consenso e nem disposição para segui-lo.9 Daí a necessidade de um sistema jurídico que possa suprir esse déficit de racionalidade, cuja justificação, que também se dá de forma discursiva, ocorre tanto na dimensão normativa (regras e princípios) como na dimensão coativa, impondo-se àqueles que não se mostram dispostos a observar as normas. As regras são normas que exigem cumprimento pleno (ou é o lícito ou o ilícito), sugerindo a idéia de subsunção, ao passo que os princípios são mandamentos de otimização que se caracterizam pela possibilidade de cumprimento em diferentes graus, sugerindo a idéia de ponderação. Os princípios jurídicos que informam a noção de abuso do direito seriam, assim, mais que um inventário de topoi. Embora não se possa falar propriamente de uma teoria de princípios, há uma ordenação entre eles, orientada por uma regra de estrutura (quanto mais alto for o grau de desconsideração de um princípio, tanto maior deverá ser a importância do cumprimento do outro), que estabelece uma ponderação de prioridades. As partes podem modificar essa ordem, assumindo, então, o ônus da prova da inversão.

O direito é composto de três tipos de procedimento: criação legislativa; discurso ou argumentação jurídica em sentido estrito; processo judicial. Cada um deles atende a um determinado déficit de racionalidade. As normas legislativas, por si sós, não garantem a solução de todos os casos, diante da impossibilidade de total previsão e à vista das vicissitudes da linguagem. A simples argumentação (dogmática jurídica) também tem seus limites

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(108) Manuel Atienza, op. cit., p. 250.

((09) Robert Alexy, op. cit., p. 200.

(110) Idem, p. 218-274.

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porque é incapaz de dar uma única resposta correta para cada caso. Daí o processo judicial, que se move numa esfera institucionalizada, submetendo-se a regras que asseguram uma solução, mais propriamente uma decisão, a qual não prescinde, contudo, do caráter argumentativo. A argumentação jurídica, no sentido amplo, é um caso especial do discurso prático em geral, pois nela as partes sustentam pretensões cuja racionalidade depende do fato de encontrarem fundamentação no ordenamento vigente. Assim, além das regras do discurso prático em geral, há aquelas específicas do discurso jurídico, de justificação interna e externa, que dizem com a sujeição à lei, aos precedentes e à dogmática.2 Anote-se que a observância dessas regras implica uma solução racional, mas não a única possível. Nem mesmo numa situação de discurso ideal (tempo e participação ilimitados; ausência absoluta de coação e preconceitos; total clareza lingüística e conceitual; informação empírica

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l) As regras do discurso prático em geral foram expostas por Alexy (op. cit., p. 293-296) no apêndice de seu livro. Trata-se de cinco regras (excluídas as formas de argumentação), a seguir enunciadas sumariamente: a) regras básicas (não contradição dos enunciados; sinceridade dos enunciados; universalidade dos enunciados; aplicação analógica dos enunciados; vedação da anfibologia); b) regras de racionalidade (são aqueias desenvolvidas por Habermas, a partir das elaborações de Toulmin, como foi visto parágrafos acima); c) regras para alterar o encargo da argumentação (ônus dajustificação da diversidade de tratamento dispensado aos participantes; ônus da justificação da extrapolação do tema; ônus da resposta; ônus da coerência de atitudes); d) regras de justificação (aceitação consensual das conseqüências da regra; aceitação da aplicação geral e irrestrita das conseqüências da regra; clareza e possibilidade de entendimento universal da regra; justificação da gênese histórica e individual das regras morais que informam o discurso do orador; consideração dos limites atuais de realização); e) regras de transição (transitividade do discurso teórico para o empírico; transitividade para o discurso Iingtiístico analítico; transitividade para a teoria do discurso).

(l 2) o discurso jurídico é orientado por regras dejustificação interna (lógicas) e de justificação externa (empíricas, hermenêuticas, dogmáticas e regras de aplicação do precedente) cuja enunciação demandaria algu- mas digressões, o que refoge aos objetivos deste trabalho. A respeito, v. Robert Alexy, op. cit., p. 296-299.

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completa; capacidade de disposição para troca de papéis) seria possível assegurar o consenso, pelo que se tem de admitir a possibilidade de respostas díspares e até mesmo contraditórias para as mesmas pretensões de correção.113

Todavia, essas dificuldades, segundo Robert Alexy, não desqualificam a teoria do discurso jurídico como argumentação racional. O que importa é assinalar Iimites para o universo de respostas possíveis — e racionalmente fundamentadas — diante de uma determinada pretensão normativa. Os três níveis de argumentação (legislativo, dogmático e judicial) visam a tornar factível o discurso racional, tanto quanto possível também no campo valorativo. Cumprem uma idéia reguladora, permitindo cobrir lacunas de justificação segundo o modelo do Estado Democrático de Direito. Há, nas elaborações de Alexy, uma relação necessária entre a teoria do direito e a teoria do Estado, a qual também se pode identificar nas reflexões de Habermas, que estabelece um nexo conceitual intrínseco entre Estado de Direito e democracia, propondo um novo paradigma do direito racional, distante tanto da posição empirista, que nega qualquer tipo de legitimidade que ultrapasse a contingência da norma posta, como também da concepção platônica de um direito superior.

O direito moderno, para Habermas, está fundado num sistema de normas positivas e impositivas, voltadas para a garantia da liberdade, as quais contanì com pretensão de legitimidade, pois existe a expectativa de que possam salvaguardar simetricamente a autonomia de todos os sujeitos de direito. Essa legitimidade, que justifica a ameaça de sanção para garantir o cumprimento da norma, está presente não só no momento da criação, como também no processo de aplicação do direito. Por isso é que se admite o constrangimento imposto àquele que estrategicamente tenta fugir às ordens legais. O fundamento de legitimidade da decisão que põe a primeira norma, antes inserido no contexto de um direito natural, metafísico ou religioso, é o processo democrático de criação do direito, orientado pela ação comunicativa, única fonte pós-metafisica da legitimidade.

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(13) RobertAlexy, op. cit., p. 218-262.

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Com isso, substitui-se a teoria contratualista por um modelo do dis- curso ou da deliberação.114 Para Habermas, o conceito de norma válida pressupõe não só a criação de acordo com as regras institu- cionais como também a obediência da maioria das pessoas.115 O direito deve proteger, de forma simétrica, todos os participantes afetados,6 o que remete à noção de eqüidade.7 Esta proteção faz- se por meio de regras institucionalizadas que têm por conteúdo os próprios pressupostos comunicativos, além dos procedimentos de formação da opinião e da vontade, aos quais é possível aplicar o principio do discurso (são válidas as normas de ação com as quais poderiam concordar, enquanto participantes de discursos racionais, todas as pessoas possivelmente afetadas).8 Por esse caminho, o princípio do discurso assume a figura jurídica de um princípio de democracia, do que é lícito concluir que os sujeitos processuais podem desatender determinações baseadas em normas que eles não considerem, sob esse prisma, legítimas.


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