Abuso de direito processual editora afiliada



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ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL

histórico e social de justiça, extraídos do texto da norma.165 Expressões tais como moralidade, utilidade, finalidade, adequação, limite ou limitação, moderação, motivo justo, motivo legítimo, prática equitativa, função social; excesso, desnecessidade, exercício irregular exercício anormal, mau uso, uso abusivo, são indicativas de condutas que, na dependência das circunstâncias sociais, econômicas e sociais, ingressam na esfera da iliceidade (expressão que ora se passa a adotar como referência a um conceito mais amplo de ilicitude, ainda que de origem normativa, segundo alguns, porque fundado nos princípios gerais de direito).166

Hoje, muitos são os dispositivos na legislação brasileira que encamparam a noção de abuso do direito, como espécie do ilícito. Poder-se-ia citar, sem qualquer pretensão sistematizadora, a Constituição Federal, o Código de Aguas (Decr. 24.643/34), o Código Penal (D.L 2.848/40, com as alterações que se seguiram), a Lei das Contravenções Penais (D.L. 3.688/41), a Lei de Falência e de Recuperação de Empresas (1 1.101/05), a Lei de Imprensa (5.750/67), a Lei de Proteção à Fauna (5.197/67), o Código de Processo Civil (Lei 5.869/73, com as alterações que se seguiram), a Lei das Sociedades Anônimas (6.404/76), a Lei de Greve (7.783/89), a Lei que

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(165) A propósito, escreve Fernández Sessarego: o direito, corno a vida, é temporal e histórico e, por conseguinte, lábil e fluido. As condutas humanas, inseridas na temporalidade, portanto, reflexos fenomênicos da Iiberdade, podem ser ou deixar de ser valiosas de um momento para outro, sem solução de continuidade. Podem ser justas até certo momento para, logo depois, transformar-se em injustas. Podem ser solidárias durante um lapso, para, no átimo seguinte, converter-se em antissociais. Não vemos, pois, inconveniente para que uma conduta potencialmente lícita ou ilícita, no momento inicial, transforme-se, em certo instante, em ilícita, ao transgredir algum dever imposto pelo ordenamento jurídico. É indiferente que o dever imposto seja especifico ou genérico, como seria aquele previsto em um princípio ou cláusula geral do direito (op. cit., p. 313); no mesmo sentido, Goldschmidt (op. cit., p. 26 e 27).

(166) Josserand propõe a denominação atos ilícitos em contraposição a atos ilegais (ilicitude stricto sensu) (De Iesprit des droit et de leur relativitè, n. 261, apud Alvino Lima, op. cit., p. 329). Trata-se, de qualquer forma, de uma tentativa de definição teórica.

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TEORIA DO ABUSO DO DIREITO

disciplina a ação de indenização dos prejuízos causados por investi- dores mobiliários (7.913/89), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), a Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária (8. 137/90). a Lei de Locação (8.245/9 1), a Lei de Abuso do Poder Econômico (8.884/94), o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), a Lei que veda a dispensa abusiva (Lei 9.029/95), a Lei de Propriedade Industrial (9.274/96) e a Lei que pune as atividades lesivas ao meio ambiente (9.605/98). 167

Pedro Baptista Martins, já na década de 30, registra esse movi- mento legiferante, através do qual as hipóteses de limitação ao direito vão assumindo o caráter de ilegalidade normativa expressa.168 Mas é claro que a própria expressão abuso, quer na interpretação do direito como um todo (onde o conceito surge como antônimo de liceidade), quer no exame da norma específica (onde o conceito aparece como antônimo de licitude) suscita um sem número de significados, na dependência do caso concreto. O importante, ainda nas palavras do autor, é que se entenda que o reconhecimento de uma situação abusiva não depende de expressa previsão legal.169 E nem

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(167) Registre-se que a doutrina controverte sobre o enquadramento do abuso do poder (excesso de poder e desvio definalidade) na categoria do abuso do direito. Dabin diz que em nada se diferenciam (cfr. Cunha de Sá, op. cit, p. 390). Todavia, Eisenmann (Une nouvelle conception du drojt subjetctif. la théorje de M.Dabin, Revue de Droit Public, 1954, p. 767, apud Cunha de Sá, op. cit., p. 383), partindo da noção de direito subjetivo como interesse, defendida por Dabin, diz que o direito subjetivo não pode ser entendido como competência, uma vez que o titular carece de um interesse particular e o exercício da competência mais não é senão um dever. Igualmente, Planiol sustenta que não se pode confundir o abuso do direito com o desvio do poder. Diz que o direito subjtivo é um poder egoísta. A autoridade pública, ao contrário, exerce o poder em nome de todos, cometendo excesso de poderes quando age em um interesse privado (Pianiol, op. cit., tomoll, p. 340, nota 1). Bem por isso, não foram incluídas no rol das leis que consagraram o abuso do direito aqueles referentes aos agentes públicos.

(168) Pedro Baptista Martins, op. cit., p. 48.

(169) Ide,n, p. 8 l e 82; o autor, em certa passagem, citando Josserand e Rotondi, lnvoca a importância dos princípiosjurídicos (op. cit., p. 138-140).

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ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL

se argumente com o princípio da reserva legal (art. 50 da Constituição da República), porquanto, como vjsto, as limitações do uso, abusivo resultam de outros princípios também extraídos do sistema jurídico.170

Com maior razão —respondendo à crítica de Roberto Goldschmidt ao Anteprojeto do Código de Obrigações de 1941 — entende-se que o só fato de o artigo de lei, relativo ao abuso do direito, encontrar-se deslocado de sua adequada ubiquação não é suficiente para com- prometer a autonomia da teoria, que tem de ser distinguida do regramento dos atos ilícitos (stricto sensu). Ideal mesmo seria, como aponta Haroldo Valladão, que a questão do abuso do direito fosse tratada na Lei Preliminar, na Lei Introdutória, na Lei Geral de Aplicação das Normas Jurídicas.171 Todavia, cuidando-se de princípio

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(170) A propósito, Pedro Baptista Martins, escrevendo no regime da Constituição de 1937, extrai das normas dos artigos 122 e 123, relativas aos direitos e garantias individuais, fundamento constitucional para a repressão do abuso do direito (op. cit., p. 1 16 e 1 17). Hoje, tais garantias assumiram um caráter social (arts 50 a 17 da Constituição Federal de 1988). Haroldo Valladão já reclamava um tratamento constitucional acerca da matéria do abuso do direito, no seu dizer, principio supremo de justiça social (op. cit., p. 14). Martín Bernal, a propósito da Constituição da Espanha, diz que é na passagem do Estado de Direito para um Estado Social do Direito que se pode identificar a consagração, ainda que implícita, da doutrina do abuso do direito (op. cit., p. 283 a 287). Interessante, aliás, a relação entre o critério finalista, defendido por Josserand e Campion — no sentido de que o exercício do direito deve conformar-se à finalidade para a qual foi instituído ou à natureza mesma de determinada instituição jurídica — e a teoria constitucional das garantias institucionais. Escrevendo sobre essas garantias, na base de princípios que são normas-chave de todo o sistema jurídico, Paulo Bonavides observa que o Estado Social alterou o perfil individualista das antigas disposições constitucionais, que tinham fundamento na noção de direito subjetivo, com o que ganhou relevo a idéia de dar amparo a certas instituições (sindicato, família, maternidade, ensino etc.), de fundamental importância para a sociedade (Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Malheiros, 6. ed., 1996, pp 492 e 498).

(171) Haroldo Valladão, idern, ibidem (nesse sentido, o autor carioca retoma a questão já discutida por Saleilles, no relatório apresentado à comissão de

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TEORIA DO ABUSO DO DIREITO

geral do direito, pouco importa que esteja ou não reduzido à norma escrita.

Em suma, para uma teoria crítica do abuso do direito, o conceito tem de ser encontrado no descompasso entre a realidade e a norma, entre a consciência jurídica coletiva e o ordenamento jurídico vigente, entre a legalidade e aquilo que Hauriou chamou de superlegalidade.172 Daí a advertência de Goldschmidt, no sentido de que à idéia de abuso basta o conceito de antijuridicidade, vale dizer, um juízo de valor, uma estimativa ético-social da conduta humana, que está no campo metajurídico.173

Luís Alberto Warat, compartilhando dessa perspectiva, também recorre à noção de uma consciência jurídica coletiva, ou seja, de uma normatividade meta jurídica que se orienta sempre por critérios de justiça e que busca reconhecimento pela ordem legal. A figura retórica do abuso do direito é uma forma de Iegitimação destas expectativas, uma máscara de legalidade, na expressão do professor argentino, hoje radicado no Brasil. Isto dissolve o paradoxo aponta- do por Planiol, porquanto há de se reconhecer que a expressão abuso não é unívoca, comportando um campo intensional (conotação) e extensional (denotação) bastante amplo.174 Como já se teve oportunidade de dizer, é exatamente o reconhecimento da diversidade do

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revisão do Código Civil francês); todavia, como já advertia Carlos Maximiliano, escrevendo na década de 20, a lei não se equipara a um manual teórico. Assim, os títulos, as epígrafes, não são critério seguro para definir a natureza jurídica de um instituto, pois a disposição das matérias de uma codificação não é feita com o rigor escolar (Hermenêutica e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 266 e 267).

(172) Maurice Hauriou, Evolutions et actualités de droit civil, Paris, 1936, p 89, apud Alvino Lima, op. cit., p. 338.

(173) Roberto Goldschmidt, op. cit, p. 27-30; Enneccerus também busca nos princípios jurídicos o fundamento da noção de abuso do direito (op. cit., Tomo I, Parte Geral, vol. 2, 2.a parte, p. 1.083 e 1.085); ver, igualmente, Fernández Sessarego (op. cit., p. 3 14), Luis O. Andorno (op. cit., p. 33), Martín Bernal (op. cit., p. 63), Luís Alberto Warat (op. cit., p. 60, 65, 66, 72 e 80) e Haroldo Valladão (op. cit., p. 12 e 14).

(174) Warat, op. cit. p. 60, 66 e 83.

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ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL

sentido da expressão direito (jurídico e metajurídico) que denuncia a falácia do argumento de Planiol, porque, sendo diversos os senti- dos, não se pode cogitar do princípio da contradição.175

Está claro, a esta altura, que a importância do conceito de abuso do direito no campo da dogmática jurídica depende da concepção que se possa ter acerca do próprio Direito. Para Mario Rotondi, que recorre, igualmente, à idéia de uma consciência jurídica coletiva, não se pode negar a importância da noção de abuso do direito como categoria metajurídica, bandeira de vanguarda das transformações do direito posto.176 O autor, contudo, coloca a tônica nas reformas legislativas, sem dar muita importância às expressões do pluralismo jurídico, já reconhecidas desde Geny e Ehrlich, no final do séc. XIX.

Luís Alberto Warat dissente da opinião de alguns juristas, no sentido de que a consagração legislativa do abuso do direito possa banalizar o conceito, que é regra tópica.177 Sustenta, entretanto, que a alteração do campo de significação do direito não reside no simples fato de ter-se alterado a letra da lei. A positivação permite apenas que o juiz tenha o respaldo legal necessário para desenvolver plenamente o momento intuitivo do ato de decisão,178 que assim se verá legitimado, sob o ponto de vista da racionalidade formal. Desde que a noção de abuso do direito caiba numa fórmula bastante ampla, como é aquela do Código suíço, estará desta forma garantido o exercício da prudentiajuris.179

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(175) Como observa Alaôr Caffé Alves, o princípio do terceiro excluído não pode ser aplicado às palavras ambíguas ou indeterminadas, pois estas não comportam o corte preciso do sim ou não, do verdadeiro ou falso (Alaôr Caffé Alves, Lógica — Pensamento formal e argumentação — Elementos para o discurso jurídico, São Paulo, Edipro, 2000, p. 351).

(176) Rotondi, lnstituiciones de Derecho Privado, México, Editorial Labor S.A., 1953, p. 99-101.

(177) Esta banalização é apontada por Pedro León, para quem a previsão le- gal implicaria a inserção do conceito na vala comum dos atos ilícitos (Pedro León, apud Warat, op.cit., p. 84 e 85 — não consta referência ao titulo da obra do autor citado).

(178) Warat, op. cit., p. 85 e 86.

(179) Idem, p. 86 e 87.

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TEORIA DO ABUSO DO DIREITO

Na fórmula utilizada pelo legislador suíço, a expressão boa-fé (que também aparece nos Códigos da Polônia, Grécia, Portugal, Bolívia, Argentina, Venezuela, Paraguai e, de certa forma, no Código Civil italiano, em dispositivos esparsos) tem um significado objetivo. Trata-se de uma forma tópica, de um princípio geral de direito que se reporta aos padrões sociais e morais vigentes, às expectativas do cidadão comum.180 Esta orientação, entretanto, ao contrário do que supõem os opositores da teoria do abuso do direto, não é arbitrária, movendo-se dentro de uma esfera pragmática. É o que se pretende demonstrar no quarto e quinto capítulos. Por ora, trata-se de saber como o conceito é elaborado no campo do pro- cesso judicial.

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(180) Neste sentido, v. Carlos de La Vega Benayas, Teoría, Aplicación y Eficacia en las Normas del Código Civil, Madrid, Ed. Civitas, S.A., 1 976, p. 249 e ss., apud Martín Bernal (op. cit., p. 1 93 e 1 94), cujo conceito ora se adota por ser o que mais se aproxima da linha pragmática que orienta o presente trabalho.

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O ABUSO DO DIREITO DAS PARTES NO PROCESSO JUDICIAL

SUMÁRIO: 2.1 Delimitação do tema na dogmática jurídica— 2.2 As dificuldades do subjetivismo de base psicológica — 2.3 As práticas judiciárias e os modelos de verdade — 2.4 A verdade no senso comum dos processualistas.

2.1 Delimitação do tema na dogmática jurídica

Como foi visto no capítulo anterior, não havia no direito brasileiro, até a edição do Código Civil, norma específica sobre o abuso do direito. E certo que já as Ordenações Filipinas, ou Ordenações do Reino, como ficaram conhecidas, reprimiam certas condutas processuais. Mas, conforme registro de José Olímpio de Castro Filho e de Pedro Baptista Martins, trata-se ainda de uma perspectiva do direito romano, porquanto as sanções limitavam-se a agravar as custas, em certos casos de lide temerária.1 Como será visto adiante, esta orientação persiste no direito brasileiro até a chamada unificação do processo civil.

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(1) José Olímpio de Castro Filho, Abuso do Direito no Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1 960, p. 73; Pedro Baptista Martins, Comentários ao Código de Processo Civil — Decreto-Lei 1. 608, de 18 de setembro de 1939, vol. I, Rio de Janeiro, Revista Forense, 1940, p. 35. Como registra este último processualista mineiro, no direito romano havia um sistema de litis crecencia, de sorte que as sanções pecuniárias iam-se tornando mais severas, na medida da gravidade da infração. Fala-se, assim, na condenação in duplum e in triplum, (Pedro Baptista Martins, o abuso do direito e o ato ilícito, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1 997, p. 67 e 68).

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ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL

Assim, se a parte vencida tivesse agido sem malícia, seria condenada apenas nas custas singelas. Agindo de maneira maliciosa, responderia por custas em dobro ou tresdobro, na dependência da gravidade de sua conduta, podendo até ser presa, caso não lhe fossem achados bens (Livro 111, Título LXVII). Quando o autor demandasse pagamento de quantia a maior, sujeitava-se também à condenação de custas em dobro ou tresdobro. Era-lhe permitido, no entanto, antes da contestação, descer de demandar em relação à parte que sobejasse, hipótese na qual responderia apenas por custas singelas. Se o autor tivesse agido por ignorância ou simpleza, seria condenado em custas singelas ou em dobro, segundo o grau de culpa (Livro 111, Título XXXIV). No Título seguinte, havia previsão de pagamento de custas em dobro, quando o autor exigisse cumpri- mento de obrigação, pendente condição suspensiva.2

Ainda no Livro III das Ordenações do Reino, existiam dispositivos que obrigavam a devolução em dobro, caso o autor demandasse para receber dívida já satisfeita, sem prejuízo do pagamento de custas, na mesma expressão. Aqui, igualmente, facultava-se ao autor descer da demanda na parte que sobejasse daquilo que lhe era de- vido, subsistindo condenação nas custas em dobro (Título XXXVI). Na hipótese de chamamento à autoria, caso o terceiro comparecesse para dizer da legitimidade de sua intervenção, o réu era absolvido da demanda e o autor condenado nas custas em dobro ou tresdobro, segundo o grau de malícia empregada (Título XLIV). Nos parágrafos seguintes, encontrava-se também previsão de custas em dobro para hipótese de indevida nomeação à autoria. Punido com multa era aquele que, incumbindo-se de apresentar determinada pessoa em juízo, não o fizesse (Título XLVI). Aquele que desviasse bens, fraudando a execução, ou que retardasse, com oposição de embargos, o fim da demanda, estava reservada a pena de prisão (Título LXXXVI, 13, 16,17 e 18). O vencido nos embargos à execução era condenado ao pagamento de custas em dobro (Título LXXXVII, 8). Caso a culpa fosse atribuída ao advogado, ficaria

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(2) Cândido Mendes, Código Filipino, 1 4. ed., 1 870, p.61 8, 6 1 9 e 67 1 , apud José Olímpio de Castro Filho, op. cit., p. 73-75.

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O ABUSO DO DIREITO DAS PARTES

suspenso, por algum tempo, do exercício da função, tendo de recolher multa ao tribunal.3

A Disposição provisória acerca da administração da justiça civil, anexa ao Código de Processo Criminal do Império, de 29 de novembro de 1832, em parte alterada pela Lei de 3 de dezembro de 1841 e pelo Decreto 143, de 15 de março de 1842, manteve-se fiel à inspiração das Ordenações do Reino e, portanto, à inspiração romano-canônica. Nela se obscureceu, todavia, tanto quanto no Regula- mento 737, de 25 de novembro de 1850 (que se aplicava às causas comerciais), a repressão ao abuso do direito no processo, do que é prova a existência de pouquíssimos dispositivos relativos ao tema. Punia-se o excipiente, com condenação de custas em tresdobro e pagamento de multa, quando arguisse maliciosamente a suspeição do juiz. O pedido de arresto, feito de má-fé, dava lugar à condenação em perdas e danos. 4 Seguiu-se a Lei 2.033, de 20 de setembro

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(3) José Olímpio de Castro Filho, op. cit., p. 76-78. Anota ainda o autor, citando Cândido Mendes (op. cit., p. 88 e 727), que, segundo a Lei da Boa Razão, datada de 1 8 de agosto de 1 769, o advogado que praticasse chicana, retardando o desfecho da causa, ou que desenvolvesse argumentação falaciosa, seria multado. Persistindo na prática, perderia os graus universitários e, caso, pela terceira vez, incidisse na falta, valendo- se de interposta pessoa que lhe assinasse os arrazoados, haveria de ser degredado para Angola (op. cit., p. 78 e 79). Registre-se que esta Lei, de concepção jusnaturalista moderna, também foi aplicada no Brasil mesmo depois da independência, por força do Decreto de 20 de outubro de 1 823, editado pela Assembléia Geral Constituinte. No caso de cobrança de dívida já paga, cabe citar acórdão do Tribunal de São Paulo, de 05/08/1919, proferido nos autos da Apelação Civil 9.373, em que se invoca, a par do disposto no Livro 111, Título XXXIV das Ordenações, o artigo 1 .53 1 do Código Civil de 1 9 1 6, então, recém editado (RT, São Paulo, Ano VIII, vol. XXXI, fasc. 167, setembro de 1919, p. 40 e 41).

(4) Idem, p. 80. Pontes de Miranda, a propósito do Regulamento 737, registra a existência também da chamada ação de dolo, em que se buscava ver reconhecida a responsabilidade do vencido que agisse com temeridade ou malícia (art. 337). Reconhece, todavia, que a ação por sim- ples abuso do direito processual (como trata) só veio com o Código de Processo Civil de 39, muito embora por ela propugnasse desde 1 929, na obra História e Prática do Arresto, a págs. 95 e seguintes (Tratado

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ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL

de 1 87 1, aprovada pela Resolução Imperial de 28 de dezembro de 1 876, que, como Consolidação das Leis do Processo Civil — denominação pela qual se tornou conhecida — Iimitava-se a reunir a legislação até então existente.

A Constituição do Império criou ajustiça federal, a par da justiça dos Estados, com o que se seguiu a Consolidação das leis referentes à justiça federal, aprovada pelo Decreto 3.084, de 5 de novembro de 1 898. Nela havia também algumas disposições esparsas que reprimiam o abuso do direito de demanda. O arresto pleiteado de má-fé dava lugar à ação de perdas e danos. Estava prevista imposição de custas em tresdobro, para a hipótese em que a exceção de suspeição fosse rejeitada, e em dobro, quando se estivesse tratando de oposição. O senhorio que demandasse aluguel já pago, no todo ou em parte, também era condenado nas custas em tresdobro. Ha- via custas de retardamento e imposição de pena de prisão àquele que escondesse bens passíveis de penhora. Aquele que pedisse mais do que lhe era devido, ou que exigisse obrigação, conditio pendet, era condenado, respectivamente, às custas em tresdobro e em dobro. Se o autor demandasse por dívida já paga, obrigava-se à restituição em dobro. Em qualquer caso, surpreendido em malícia, poderia ser condenado nas custas, em dobro ou tresdobro, conforme o arbítrio do julgador.5

Nos Códigos Estaduais é possível encontrar, igualmente, alguns dispositivos relativos ao abuso do direito de demanda, mas ainda de matiz nitidamente romanista. Mesmo nos Códigos da Bahia (1915), do Distrito Federal (1924) e de São Paulo (1930), que traduzem o pensamento renovador da doutrina alemã do final do século XIX, a repressão à lide temerária ainda estava baseada na imposição

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das ações, tomo VI, São Paulo, RT, 1 976, p. 540). A propósito da aplicação do mencionado artigo, v. sentença do Juízo de Belo Horizonte, datada de 04/1 1/1 9 1 3, que se encontra na Revista Forense, vol. XX, fascs. I 1 5- l 20, julho-dezembro de 1 9 1 3, Belo Horizonte, 19 13, p. 440-44 l, bem como acórdão do Tribunal da Relação de Minas Gerais, datado 02/12/1914, publicado na Revista Forense, vol. XXIII, fascs. 133-138, BeIo Horizonte, janeiro-junho de 1915, p. 216-220. José Olímpio de Castro Filho, op. cit., p. 80 e 81.

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O ABUSO DO DIREITO DAS PARTES

de multas e no agravamento das custas. Punia-se com multa a arguição infundada da suspeição do juiz (Distrito Federal e Minas Gerais), impondo-se custas em dobro na hipótese de rejeição liminar (Distrito Federal) ou perda da caução prestada (Rio Grande do SuI); quando a nomeação à autoria fosse feita em nome de quem não tinha a coisa, aquele que a fizesse era condenado a pagar custas em dobro (Minas Gerais e Pernambuco) ou em tresdobro (Distrito Federal e São Paulo); aquele que decaísse da oposição respondia por custas em dobro (Distrito Federal e Minas Gerais); o litigante de má-fé havia de pagar multa (Distrito Federal) e, sendo vencido, custas em dobro ou tresdobro; ao advogado que interpusesse agravo fora dos casos previstos em lei era imposta multa (Distrito Federal e Minas Gerais); quem provocasse incidente de falsidade, agindo de má-fé, pagaria custas em tresdobro (Distrito Federal) ou em décuplo (Rio Grande do Sul), mesmo na hipótese de culpa (Minas Gerais); o arresto pleiteado de má-fé dava lugar a perdas e danos (Distrito Federal, Minas Gerais, São Paulo Pernambuco e Bahia), o mesmo sucedendo no caso de embargos (Bahia); pelo pagamento de multa diária (São Paulo) ou custas (Rio Grande do Sul), respondia aquele que retardasse o processo. Por último, ao advogado que retivesse os autos além do prazo seria imposta multa (São Paulo e Rio Grande do Sul) ou suspensão do exercício da pro- fissão (Pernambuco).6


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