SOUZA, Luiz Sérgio Fernandes de. Abuso de direito processual: uma teoria pragmática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 429 p.
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ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL
EDITORA AFILIADA
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OBRAS DO AUTOR
O papel da ideologia no preenchimento das lacunas no Direito.2. ed., ver. E atual. São Paulo: RT, 2005.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Souza, Luiz Sergio Fernandes de
Abuso de direito processual: uma teoria pragmática / Luiz Sergio Fernandes de Souza. — São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
Bibliografia.
ISBN 85-203-2739-7
1. Abuso de direito 2. Brasil - Processo civil I. Título.
05-3679 CDU-347. 124:347.9
Índices para catálogo sistemático: 1. Abuso do direito processual: Direito civil
347.124:347.9 2. Direito processual: Abuso: Direito civil 347.124:347.9
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LUIZ SERGIO FERNANDES DE SOUZA
ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL
Uma teoria pragmática
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ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL
Uma teoria pragmática
LUIZ SERGIO FERNANDES DE SOUZA
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© desta edição: 2005
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Impresso no Brasil (06 - 2005)
ISBN 85-203-2739-7
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Ao Professor
Alaôr Caffé Alves
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Agradecimentos
Este livro é o resultado de alguns anos de pesquisa, também consumidos na criteriosa seleção e organização da literatura e jurisprudência existentes sobre o tema do abuso do direito. Agradeço a inestimável colaboração de Patrícia, que me auxiliou na localização dos textos previamente identificados no projeto. Sou grato, do mesmo modo, à prestimosa colaboração de Márcia Cristina, que desenvolveu pesquisas na Biblioteca Nacional da França, em bus- ca dos escritos de Saleilles, Charmont e Porcherot, publicados no início do século passado e não acessíveis por meio eletrônico. Meus agradecimentos, igualmente, ao Professor Paulo Cintra Damião, cujo apoio não me faltou na pesquisa e conferência dos textos em latim. Ao saudoso magistrado João Roberto Bueno de Souza, antes de tudo um grande amigo, deixo também aqui o meu reconhecimento. Foi em sua acolhedora biblioteca que desenvolvi parte das pesquisas, não raras vezes, noite adentro, animado pela prosa envolvente desse grande homem, que é para mim fonte perene de inspiração. Ao companheiro do Colégio de Aplicação, hoje diplomata e pesquisador do Cebrap, Geraldo Miniuci Ferreira Jr., que reencontrei no curso de pós-graduação da USP, por um desses felizes acasos, e com quem tive oportunidade de discutir a teoria da ação comunicativa de Habermas, fio condutor das minhas elaborações. Por fim, deixo o registro da minha gratidão à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e à Universidade de São Paulo, instituições nas quais encontrei o necessário estímulo para o desenvolvimento dos meus estudos e da minha carreira acadêmica.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.....................................................................................................1
1. A CONSTRUÇÃO DA TEORIA DO ABUSO DO DIREITO NA DOGMÁTICA
JURÍDICA.......................................................................................................... 17
1.1 Os antecedentes históricos e a jurisprudência francesa.............................. 17
1 .2 A doutrina brasileira.................................................................................... 35
1.3 A construção do significado do abuso do direito na base do caso concreto 48
1 .4 Para uma revisão crítica da teoria do abuso do direito............................... 72
2. O ABUSO DO DIREITO DAS PARTES NO PROCESSO JUDICIAL............. 85
2.1 Delimitações do tema na dogmática jurídica................................................ 85
2.2 As dificuldades do subjetivismo de base psicológica................................. 108
2.3 As práticas judiciárias e os modelos de verdade........................................ 132
2.4 A verdade no senso comum dos processualistas....................................... 146
3. A TEORIA DO SIGNIFICADO...................................................................... 171
3. 1 A cosmovisão da Antiguidade................................................................... 171
3.2 A teoria representativa............................................................................... 179
3.3 A superação da dicotomia idealismo e realismo......................................... 194
3.4 A consciência reflexiva e a razão alargada................................................ 208
4. AS TEORIAS PRAGMÁTICAS.................................................................... 229
4. 1 O paradoxo de Wittgenstein...................................................................... 229
4.2 A superação da teoria representativa......................................................... 252
4.3 Razão teórica versus razão prática............................................................ 268
4.4 A Iinguagem e a construção da realidade.................................................. 283
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5. A RAZÃO COMUNICATIVA E A PRAGMÁTICA DO ABUSO DOS DIREITOS PROCESSUAIS ..............................................................................................303
5.1 A razão instrumental e os direitos absolutos.............................................. 303
5.2 A racionalidade instrumental e as novas demandas sociais ..................... 318
5.3 A retórica no campo da ação estratégica e da ação comunicativa............ 331
5.4 A possibilidade do agir comunicativo no processo judicial .........................352
CONCLUSÃO................................................................................................. 379
REFERÊNCIAS............................................................................................... 387
1. Bibliografia................................................................................................... 387
2. Jurisprudência............................................................................................. 421
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INTRODUÇAO
“Há uma medida em todas as coisas: existem, afinal, Iimites”
(Horacio, Satiras, 1, 1.)
O problema central que orienta a pesquisa sobre o abuso dos direitos processuais diz respeito à existência de limites à atuação daqueles que, em tese, agem em conformidade com a norma legal. Na perspectiva do formalismo jurídico, ou se exerce um direito, pelo que não se pode cogitar de abuso, ou então se está praticando um ilícito, razão pela qual também não há de se falar em abuso. A discussão, posta nestes termos, aponta para a dificuldade em separar o direito e a moral, a norma e a aplicação do direito, distinções que surgem somente quando o pensamento jurídico se dá conta do contraste entre o ordenamento normativo e os fatos, esferas que aparecem imbricadas na elaboração dos romanos. O primeiro e segundo capítulos refletem, precisamente, as pesquisas desenvolvidas no campo da dogmática jurídica, na tentativa de surpreender o significado do abuso do direito desde os antigos à modernidade. Há todo um refinamento de conceitos que não se pode desconsiderar, nem mesmo numa investigação zetética, cuja perspectiva crítica pressupõe o conhecimento da maneira como se dá a elaboração prática do direito ao longo dos séculos. Não bastasse, a distinção entre questões dogmáticas e questões zetéticas é relativa, pois o discurso jurídico acaba suscitando um problema de justificação, o que sugere algumas dificuldades quando se trata de desenvolver uma teoria do abuso dos direitos processuais.
A separação entre norma e realidade dá lugar, outrossim, a uma reflexão epistemológica do direito, que se desenvolve num movimento pendular, oscilando entre o jusnaturalismo (como imanência ou transcendência do justo) e o formalismo jurídico, em seus diversos
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matizes. As elaborações dogmáticas e as justificações no plano da teoria do direito refletem, alternativamente, a metafísica raciona- lista e o cientificismo do positivismo francês, como será visto no terceiro capítulo. Toda essa controvérsia se move no plano da distinção entre uma razão prática e uma razão teórica, incapaz de apreender o significado social do abuso do direito, conceito que se vai delineando com o desenvolvimento da sociedade industrial. Nesse contexto, as práticas jurídicas orientadas por valores acabam cedendo espaço para um direito que busca sua legitimidade na norma posta, expressão de determinados interesses sociais. Significativa se mostra, dentro desse quadro, a jurisprudência francesa, inspirada nas elaborações inovadoras da doutrina da época, que suplantaram a teoria da emulação, como desenvolvida desde o direito romano. Segundo a intuição romana, que deitou raízes na Idade Média, o abuso do direito caracterizava-se pelo exercício imoderado de um direito, sem nenhum proveito próprio e em prejuízo alheio. Sensível às mudanças implementadas pela sociedade de massas, que coloca em pauta interesses transindividuais, jurisprudência e dou- trina do início do século XX deixam-se orientar por um novo paradigma do direito subjetivo. A figura do abuso do direito, que havia surgido como forma de mitigar o individualismo liberal-burguês, contornando a estrita legalidade, passa a reivindicar autonomia nos quadros da teoria geral do direito, com o que se afasta das elaborações relativas aos atos ilícitos. No Brasil, as discussões acerca do abuso do direito desenvolvem-se inicialmente na linha da elaboração dos romanos, presa à noção da aemulatio. Esta é a inspiração do Código Civil de Clóvis Beviláqua, reflexo de uma sociedade patriarcal e agrária, que acaba ganhando novos contornos a partir da década de 50, com o processo de industrialização e urbanização crescente.
O surgimento do Estado Social não alterou, entretanto, de maneira significativa, o rumo das elaborações processuais. A autonomia do direito de ação reproduz, no campo da dogmática processual, a tendência formalista do direito, conduzindo a decisões que não se identificam com as práticas sociais. Esse descompasso entre as demandas da sociedade de massa e a capacidade de solução judicial dos conflitos leva à formulação de categorias binárias do tipo princípio dispositivo-princípio inquisitivo, verdade formal-verdade
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INTRODUÇÃO
material, topoi que servem para garantir as expectativas em torno do papel hegemônico do direito na solução dos conflitos. Como observa Horkheimer, a formalização dos valores e a instrumentalização crescente do conhecimento não podem prescindir de uma certa ontologia. Por isso, o recurso às categorias da filosofia do absoluto, que fundamentam as chamadas teorias do abuso processual, revela-se, de um ponto de vista crítico, como simples expediente retórico, que incorpora o discurso zetético para legitimar determinada solução do caso concreto. De uma tal perspectiva, que lança um novo olhar sobre a dogmática processual, faz-se necessária a compreensão de outros jogos de racionalidade, diferentes daqueles elabora- dos pela filosofia da consciência.
Como se terá oportunidade de ver no quarto capítulo, o positivismo lógico, ao afastar a possibilidade da elaboração de proposições científicas acerca de juízos metafísicos, acaba abrindo espaço para uma reflexão pragmática em torno do abuso do direito, que se inaugura na senda aberta pela filosofia analítica, mais especifica- mente com a reviravolta de Wittgenstein. Em suas Investigações Filosóficas, Wittgenstein põe em xeque as elaborações do Círculo de Viena, ao mostrar o significado das categorias culturais, que revelam diversas formas de vida. As palavras não são apenas representativas, cumprindo, outrossim, determinadas funções. Seu significado não pode ser reduzido ao modelo triádico signficante-significado-coisa. Com isto, a epistemologia jurídica, até então presa a uma filosofia da consciência, ao mentalismo dos racionalistas e empiristas, passa a conhecer a maneira como os operadores do direito elaboram categorias ricas de significado, entre as quais está a noção de abuso do direito, que surge da trama das relações intersubjetivas.
Com a pragmática, o conceito de representação, preso à relação sujeito-objeto, dá lugar a uma investigação voltada para o uso da linguagem, perspectiva na qual os sujeitos processuais constroem intersubjetivamente o significado das suas ações. O ato de fala, na expressão de J.L. Austin, não só descreve fatos, como também realiza ações. Ao falar, as partes estão praticando atos processuais cujo significado não pode ser compreendido na base das categorias verdadeiro-falso, mas sim no plano dos proferimentos performativos, que dizem com a efetividade social do direito, noção que se desenvolve
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na esfera das condições de felicidade dos atos de fala. Esse novo enfoque, que supera a semântica clássica, oferece um instrumental teórico adequado para a compreensão da racionalidade instrumental. How to do things whith words teve grande repercussão não só nos domínios da filosofia como também no campo de outras diversas disciplinas. No caso do direito, cujas elaborações teóricas guardam estreitas relações com a praxis jurídica — ambas com pretensões descritivas e prescritivas — as reflexões de Austin revelam a dificuldade no desenvolvimento de uma teoria crítica que se utiliza das mesmas categorias que estão no campo dogmático. E precisa- mente esta dificuldade que se encontra na elaboração de um discurso crítico do abuso dos direitos processuais, como já se adiantou.
Abre-se então para o discurso jurídico, no último capítulo, a perspectiva de uma justificação do ângulo de uma razão comunicativa, tanto no nível da prática quanto no plano da teoria processual. Partindo do mesmo pressuposto pragmático de Austin, Habermas vislumbra a possibilidade de uma fundamentação dialógica em diversas setores da vida social, ainda não capturados pela racionalidade sistêmica. Fugindo ao pessimismo que se pode entrever na idéia de um Eclipse da Razão, como concebida por Horkheimer, a teoria da ação comunicativa de Habermas permite resgatar a dimensão ética do direito, que está nas regras de fundamentação discursiva. Sucede que as relações de poder se encontram na própria gênese do direito. A decisão, no limite, aponta sempre para a possibilidade do exercício da força. Isto sugere que o discurso jurídico se constitui no campo da ação estratégica, no qual a idéia de consenso não passa de eufemismo. Afinal, as teorias dogmáticas, nas quais se inclui a teoria do abuso dos direitos processuais, guardam a marca impressiva do utilitarismo, próprio do tipo de pensamento que se desenvolve na sociedade de massa. Caberia indagar, então, sobre a possibilidade de um discurso racional no campo do direito, e mais, sobre o significado de uma teoria do abuso dos direitos processuais no âmbito das pretensões de racionalidade levantadas pela teoria da ação comunicativa.
Essa tentativa de reatar teoria e praxis, no contexto das sociedades pós-tradicionais, em que os valores são substituídos por interesses, nos quais as preferências pessoais passam a ocupar o
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INTRODUÇÃO
espaço antes reservado à virtude da ética aristotélica, revela-se como expressão da angústia do homem contemporâneo diante de um saber tecnológico que também pede limites. A teoria pragmática, ao mesmo tempo em que mostra a maneira como a razão forma- lizada opera no contexto da sociedade de massa, busca o retorno a uma ética capaz de gerar acordos amplamente partilhados, na pretensão de completar o trabalho do iluminismo. Mas a voracidade com que os mundos da vida vão sendo rapidamente anexados pela racionalidade instrumental mostra também a dificuldade em conceber o processo judicial como agir comunicativo. Nele, os sujeitos processuais, que desenvolvem relações assimétricas, estão sub- metidos a injunções e motivações estranhas à busca cooperativa da verdade. Por isso, subsiste, de maneira instigante e desafiadora, a questão dos limites da atuação das partes no processo, ou seja, a pergunta acerca do sentido do abuso do direito processual, e mais, do significado de uma teoria do abuso.
A contribuição pragmática não interfere com o senso comum dos processualistas. Não se está buscando aqui um novo enfoque dogmático, uma nova operabilidade, à maneira como se encontra na doutrina jurídica, mas apenas o desenvolvimento de uma reflexão crítica sobre o processo judicial. Procura-se conhecer o significado intersubjetivo das formas e fórmulas desenvolvidas pelos operadores do direito, para entender o sentido do abuso dos direitos processuais, particularmente numa sociedade onde os valores foram substituídos pelos interesses, onde as teorias transformam-se em tendências, enfim, um mundo no qual não se concebe mais a existência de normas universais, quer de natureza intelectual, quer de natureza moral. Pode impressionar a densidade da pesquisa dogmática, sobre- tudo no primeiro e segundo capítulos, em um trabalho de viés filosófico. Tem-se de admitir, porém, que as elaborações jurídicas são mesmo envolventes. Entendê-las é quase sempre mergulhar num mundo repleto de teias significativas, de estereótipos culturais entretecidos pela linguagem. Conquanto a compreensão crítica exija um certo distanciamento, não é fácil lançar um olhar distante sobre um objeto que é precisamente o resultado da contínua interação de práticas culturais. Essa dificuldade acompanha, a cada passo, a elaboração de uma teoria do abuso dos direitos processuais.
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A CONSTRUÇÃO DA TEORIA DO ABUSO DO DIREITO NA DOGMÁTICA JURÍDICA
SUMÁRIO: 1.1 Os antecedentes hist6ricos e a jurisprudência francesa— 1 .2A doutrina brasileira— 1 .3 A construção do significado do abuso do direito na base do caso concreto — 1 .4 Para uma revisão crítica da teoria do abuso do direito.
1.1 Os antecedentes históricos e a jurisprudência francesa
É bastante discutível a posição daqueles que buscam no direito romano a origem, ainda que remota, da noção de abuso do direito. Alexandre Corrêa, em trabalho apresentado no Seminário Internacional de Direito Romano (Perugia, 1971), embora criticando a tese dos que se negam a ver aquela origem, admite que não há propriamente entre os romanos uma formulação de princípios, uma dou- trina, mas apenas um sentimento, uma intuição, que se pode recolher em Cícero e nas regras particulares dos jurisconsultos.
Em Max Kaser também é possível encontrar referência ao direito romano. A exceptio dolis é o meio processual que garante a efe
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(1) Alexandre Corrêa, Notas sobre o abuso dos direitos em Direito Roma- no Clássico, in Justitia, Ano XXXVI, 4. ° Trimestre de 1974, vol. 87, p. 2 1 1 -220. Admite Alexandre Corrêa, citando Scialoja e Bonfante — contrários à tese da origem romana do instituto — que não se trata propriamente de regras gerais de direito. Todavia, na solução dos casos particulares, o romanista brasileiro reconhece a existência de princípios implícitos.
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tividade do preceito que proíbe, caso a caso, o exercício prejudicial dos direitos sem utilidade própria. 2 Enneccerus, igualmente, sus- tenta que já no direito romano se entendia que o exercício de um direito, contrário aos preceitos de equidade ou sem interesse do titular, é inadmissível. Aquele que se sentisse prejudicado, poderia valer-se da exceptio doli generali que, em sua formulação definitiva, passou a prescindir da intenção de prejudicar, bastando que o exercício da pretensão fosse contrário ao sentimentojurídico.3
Josserand, Cornil e Charles Appleton reconhecem a existência de vários traços da teoria do abuso nas fontes do direito romano. Josserand, citando Cornil, diz que o romanista francês encontrou em Gaio a formulação de uma teoria geral do abuso do direito quando, para justificar a interdição dos pródigos e a proibição de maltratar os escravos, dizia male enim nostrojure uti non debemus. Invo- ca ainda a lição de Appleton, para quem a teoria tanto não é moder- na que sobre ela repousa toda a evolução do direito romano, ca- minhando para a eqüidade a partir do direito estrito. Por fim — acres- centa Josserand — é bem de ver a afirmação de Celso, jus est ars boni et aequi, bem como a máxima de Paulo, non omne quod licet honestum est.4
A jurisprudência em Roma, assim como os editos, faz parte das fontes do direito e os magistrados — no dizer de Alexandre Corrêa — não se sujeitavam à lei de maneira tão rigorosa quanto hoje.5 Neste sentido, colhe a máxima scire leges non est, verba earum, tenere, sed vim ac protestam. Com efeito, vê-se no ius civile como os romanos evitavam a positivação, do que são mostra a escassa edição de leis durante um considerável período de tempo e a elástica e notabilíssima lex annua do pretor, que só se cristalizou de maneira
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(2) Max Kaser, Derecho Romano Privado, Madrid, Reus S.A., 1968, p. 37.
(3) Enneccerus, Tratado de Derecho Civil, 3. ed., vol. 2, 2a Parte, Barcelona, Bosch, 1970, p. 1076.
(4) Josserand, De lesprit des droits et de leur relativité — Théorie dite de lAbus des Droits, Paris, 1939, p. 3 e 4, apud Alexandre Corrêa, op. cit.,p. 214.
(5) Alexandre Corrêa, op. cd., p. 213.
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TEORIA DO ABUSO DO DIREITO
definitiva no Edito de Adriano.6 Esta vocação tópica, no sentido aristotélico e ciceriano, bem explica como o pretor, auxiliado pelos jurisconsultos, adequava o direito às exigências do caso concreto.7
Na base da prudentia romana fez-se possível a proteção do escravo contra o dono (male enim nostro jure uti non debemus), do filho contra o pai (si pater filium ter venum duit filius a patre liber esto), a repressão da fraude (manumissiones in fraudem creditorum), a introdução da actio Pauliana, o direito de uso das águas (haec aequitas suggerit etsi jure deficiamur qui factus mihi quidem prodesse protest: ipsi vero nihil nocitttrus est; aquam enim arcere hoc esse curare ne inflttet), a proibição dos atos emulativos do proprietário (est same non debet habere: si non animo vicino nocendi, sed suum agrum meliorem faciendi idfecit) e da emulação entre marido e mulher (de lo quod uxoris in aedficium viu ita conjunctum est, ut detractum alicujus usus esse possit, dicendurn est agi posse; posse eum haec detrahere qitae ttsiti ejitsfutttra sint, sine mulieris tamen damno).8
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