Abuso de direito processual editora afiliada



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O ABUSO DO DIREITO DAS PARTES

análise interfere com a questão da verdade processual, objeto da próxima seção.89 A apreciação do abuso do direito no processo

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(89) A propósito do conceito de colusão v. Gian Antonio Micheli, Corso di dirittoprocessuale civile, vol. 1, Milano, Dott. A. Giuffrè-Editore, 1959, p. 260; Francesco Carnelutti, Estudjos de Derecho Procesal, vol. 11, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-América, 1952 (Coleccjón Ciencia del Proceso), p. 67-79; Francesco Carnelutti, Estudios de De- recho Procesal, vol. 1, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-Amé- rica, 1 952 (Coleccjón Ciencja del Proceso), p. 97; Francesco Carnelutti, Nullitá della sentenza derivata da processofraudolento, in Rivista di dirittoprocessuale civile, Anno 1 934, xII, vol. xI, Parte 11, Padova, Casa Editríce Dott, Antonio Milani, p. 46-48; Francesco Carnelutti, Proces- so infrode alla lege, in Rivista di diritto processuale civile, Anno 1 949, vol. IV, Parte 11, Padova, Casa Editríce Dott, Antonio Milani, p. 32-44; F.G. Lipari, Appunti sul doloprocessuale bilaterale, in Rivista di diritto processuale civile, Anno 1 928, vol. V, Parte l, Padova, Casa Editríce Dott, Antonio Milani, p. 285-304; Guido Calogero, op. cit., p. 129-153; Chiovenda, instituições de Direito Processual Civil, 2. ed., vol. 1, São Paulo, Saraiva, 1 965, 49 e 50; Salvatore Satta, op. cit., p. 1 99 e 200; Adolf Wach, op. cit, p. 89; ArthurAnselmo de Castro, op. cit., p. 5 1 -67; Eliezer Rosa, op. cit, p. 303 e 304; J. M. de Carvalho Santos, Código de Proces- so Civil Interpretado, 2. ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, vol. 11, 1 940, p. 132 e 1 33; Herotides da Silva Lima, op. cit., p. 222 e 223; Pedro Baptista Martins, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 1, Rio de Janeiro, Revista Forense, 1940, p. 346-350; Luiz Antonio da Costa Carvalho, op. cit., p. 301-306; Celso Agrícola Barbi, Comentárjos ao Cócligo de Processo Civil, 6. ed., vol. 1, Rio de Janeiro, Forense, 1991, p. 3 1 3-3 1 6; Aílton Stropa Garcia, A colusão, in RT, São Paulo, Ano 82, setembro de 1 993, vol. 695, p.225 e 226; Hélio Tornaghi, op. cit., p. 153- 200; José Raimundo Gomes da Cruz, op. cit., p. 33 a 45; Arruda Alvim, Código de Processo Civil Comentado, vol. 5, São Paulo, RT, 1979, p. 200-203. A respeito da interpretação do tema najurisprudência, ver Darcy Arruda Miranda Junior et alli, CPC nos tribunais, vol. 111, São Paulo, Jurídica Brasileira, 1985, p. 2.000-2.002; Arruda Alvim, Juris- prudência do CPC, vol. XII, São Paulo, RT, 1985, p. 104-112; Arruda Alvim, Jurisprudência do CPC, vol. VIII, São Paulo, RT, 1984, p. 146- 149; TJSão Paulo, 2. Câm. Civ., Ap. 79.967, rel. A. de Oliveira Lima, Capital, 1 3.08.57, in RT, São Paulo, Ano 47, março de 1 958, vol. 269, p. 239-244; 1 .° TAC/São Paulo, 2.a Câm., Ap. 362.3 14, Civ., Santo André, rel. Sena Rebouças, 01.10.86, in RT, São Paulo, Ano 75, novembro de

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judicial, como diz Pedro Baptista Martins,9° exige diferentes atitudes de espírito do julgador, pois em muitos pontos, como já demonstrado, nem mesmo a doutrina se entende. Há quem sustente que é abusiva a conduta do autor que, podendo escolher entre duas ações, acaba optando, sem nenhum proveito objetivo, pela mais ofensiva e prejudicial à situação da parte contrária, ainda que a opção tenha sido involuntária, resultante de negligência ou imprudência.9 Outros sustentam que somente na hipótese de má-fé é que se pode cogitar de abuso. Assim, age amparado pela lei o autor que, tendo a seu dispor duas ações ou duas vias para tornar efetivo seu direito, escolhe circunstancialmente a mais gravosa.92 Diferentes

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1986, vol. 61 3, p. 121 e 122; 1 .°TAC/São Paulo, 2. Câm., Ap. 362.314, rel. Sena Rebouças, j. 0 1 . 1 0.96, in RT, São Paulo, Ano 75, novembro de 1986,vol.613,fasc. 1,p. 121 e 122;TJSC, 1.aCâm.Civ.,Ap.Civ. 10.714, Seara, rel. Rid Silva, 17.07.75, in RT, São Paulo, Ano 65, dezembro de 1 976, vol. 494, p. 1 76- 1 79; TAC/São Paulo, 5.° Câm. Esp., Ap. 509.967- 6, Araçatuba, rel. Caio Graccho, in Julgados dos Tribunais de Alçada Civilde São Paulo, São Paulo, Lex, Ano 27,julho-agosto de 1993, vol. 140, p. 147- 149; TJSão Paulo, 2. Câm. Civ., Ap. Civ. 21 8.053-1, Matão, rel. Vaconcellos Pereira, 07.02.95, v.u., in Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça, São Paulo, Lex, Ano 29, setembro de 1 995, vol. 172, p. 16 1- 1 64; 1 .°TAC/São Paulo,Ap. 367. 1 62, 6.°Câm., Jacareí, rel. Ernani de Paiva, in RT, São Paulo, Ano 76, maio de 1987, vol. 619, p. 129- 13 1.

(90) Pedro Baptista Martins, O abuso do Direito e o ato ilícito, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 75.

(91) Noé Azevedo, Abuso do direito no exercício da demanda, p. 1 1, apudJ. M. de Carvalho Santos, Código de Processo Civil Interpretado, vol. 1, Rio de Janeiro, Livraria Editora Freitas Bastos, 1940, p. 95 e 96. Neste mesmo sentido, ainda que partindo de outros fundamentos, é a orienta- ção de Pedro Baptista Martins (O abuso do direito e o ato ilícito, 3. ed., 1 997, p.76 a 78), de Jorge Americano (Abuso do direito no exercício da demanda, 2. ed, São Paulo, 1932, apud Pedro Baptista Martins, O abu- so do direito e o ato ilícito, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1 997, p. 76 e 77) e de Oscar da Cunha (O dolo e o direitojudiciário civil, Rio de Ja- neiro, 1936, apud Pedro Baptista Martins, O abuso do direito e o ato ilícito, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 77).

(92) J.M. de Carvalho Santos, Código de Processo Civil Interpretado, vol. 1, Rio de Janeiro, Livraria Editora Freitas Bastos, 1940, p. 96 e 97. Esta

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situações permitem ver que a apreciação do abuso do direito no processo judicial pressupõe, antes mesmo da análise de questões de foro íntimo, valorações de ordem social.93

É indiscutível que o exercício inconsiderado do direito de ação pode trazer consequências tão graves que nem mesmo a aplicação dos princípios de responsabilidade terá condições de recompor. Daí a importância da atuação preventiva do juiz. Sem ela, no dizer de Pedro Baptista Martins, indivíduos economicamente irresponsáveis, pela ameaça e pela intimidação, poderão impunemente frustrar

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também é a posição de Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo Civil, tomo I, 2. ed., Rio de Janeiro, Revista Forense, 1958, p. 146). O Código de Processo Civil vigente traz, no seu artigo 620, importante inovação. Assim é que, se o credor puder promover a execução por vários meios, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor (favor debitoris). No caso, está-se tratando não da escolha entre as diversas espécies de execução, mas da escolha de atos de execução. A propósito deste dispositivo, José Frederico Marques arrola uma série de situações, que encontram previsão em outras normas do Código, nas quais a questão da escolha menos gravosa pode surgir (Instituições de Direito Processual Civil, vol. 5, Rio de Janeiro, 1958, p. 139, 186, 222, 371 ep assim). Encontram-se alguns exemplos também em Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo Civil, tomo X, Rio de Janeiro. Forense, 1976, p. 41 e 42).

(93) o Código d 73 — como já dispunha o anterior — considera temerária a conduta daquele que opõe resistência injustificada ao andamento do processo (art. 1 7, IV). Há quem sustente que certos meios protelatórios muitas vezes se justificam para evitar mal maior. É o caso daquele que, na esperança de receber numerário, procrastina, com os expedientes dos quais dispõe, a arrematação em execução judicial (J. M. Carvalho de Mendonça, Código de Processo Civil Interpretado, vol. 1, Rio de Janeiro, Livraria Editora Freitas Bastos, 1940, p. 112 e 113). Interessante também é a hipótese daquele que desiste da apelação somente para ver prejudicado o recurso adesivo. Para Arruda Alvim, a apreciação do ato procrastinatório tem de ser feita de maneira objetiva, independentemente da real intenção que teria movido o litigante (Resistência injustificada ao andamento do processo in Julgados dos Tribunais de Alçada CI- vil de São Paulo, Ano 15, vol. 66, 2.° bimestre, março e abril de 1981, So Paulo, Lex, p. 17).

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operações de crédito, interromper a formação de certos contratos, afastar, nas hastas públicas, a concorrência.94 Todavia, o controle dos limites éticos da conduta processual das partes não pode ser visto como simples exercício de uma vontade íntima do julgador. Averiguar a intenção do agente, verificar se o dano teria resultado de culpa sua, é tarefa que deve ser relegada à psicologia. O que, em consonância com o código, importa examinar é se o indivíduo, ao desencadear o seu poder jurídico, com o fim de satisfazer um interesse puramente egoístico, deixou de ter em conta os interesses antagônicos, mas hierarquizados, da coletividade, desvirtuando, por esta forma, o elemento social que, na formação da regra jurídica, predomina sobre o elemento individual.95 A questão, como já ad- vertia Jorge Americano, não se confina no âmbito da psicologia individual, pois que no foro íntimo não é lícito penetrar, nem é mesmo possível fazê-lo. Incide, porém, no estudo da psicologia das médias humanas para propor-se de forma a indagar se o ato realizado está em conformidade com o modo pelo qual os homens costumam

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(94) Pedro Baptista Martins, O abuso do direito e o ato ilícito, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 74, e Comentários ao Código de Processo Civil (Decreto-Lei 1.608, de 18 de Setembro de 1939), vol. 1, Rio de Janeiro, Forense, 1 940, p. 4 1. Gabriel Rezende Filho, referindo-se à necessidade de cautela na propositura da ação, diz que a demanda representa muitas vezes a ruína de famílias. Fonte de amarguras e inquietações, faz lembrar a maldição dos ciganos, na expressão de Salvador de La Colina: Deus te dê demandas, ainda que as venças (Direito Processual Civil, 3. ed., vol. 11, São Paulo, Saraiva, p. 45 e 46). Caio Mario da Silva Pereira, em parecer sobre pedido abusivo de falência, citando Savatier, registra que muitas vezes, é a natureza do processo, pela desonra que causa, pelo abalo que provoca, pelas consequências sobre o bom nome do réu, que aconselha o autor a ser mais discreto, a não ir ajuízo senão após maduramente pesar o seu próprio direito, e não se afoitar, para não provocar a desmoralização do contendor, o seu des- prestígio público. o abalo no seu crédito. Se assim não age, assume o risco do desfecho (Revista Forense, Ano 52, vol. 159, fascs. 623 e 624, maio-junho de 1955, p. 107).

(95) Pedro Baptista Martins, O abuso do direito e o ato ilícito, 3. ed, Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 96 e 102.

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O ABUSO DO DIREITO DAS PARTES

proceder.96 O direito não pode desconhecer a variabilidade do meio onde deve ser aplicado.97

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(96) Jorge Americano, Do abuso do direito no exercício da demanda, 2. ed., São Paulo, 1 932, p. 34, apud Carvalho Santos, Código de Processo Civil interpretado, vol. 1, São Paulo, Livraria Editora Freitas Bastos, 1940, p. 94.

(97) Jorge Americano, Comentários ao Código de Processo Civil do Brasil, vol. 1, São Paulo, Livraria Acadêmica — Saraiva & Cia — Editores, 1 940, p. 3 1. Neste sentido, a teoria do abuso do direito ganha dimensão nova, diversa da doutrina medieval dos atos de emulação, pois ao magistrado não cabe verificar o animus, a consciência da má-fé. Sob este aspecto, significativa a atual redação do artigo 1 7, inciso I, do CPC. Na doutrina haurida no Código de 39, a alteração da verdade haveria de ser intencional. A propósito, v. Lopes da Costa, numa referência à regra do artigo 63 (Direito Processual Civil Brasileiro, 2. ed., vol. 11, Rio de Janeiro, Forense, 1959, p. 124). Para Arruda Alvim,já a redação anterior à alteração promovida pela Lei 6.771, de 27 de março de 1980 (deduzir pretensão ou defesa, cuja falta de fundamento não possa razoavelmente desconhecer), apontava para o critério objetivo (Resistência injustificada ao andamento do processo, in Julgados dos Tribunais de Alçada Civil de São Paulo, São Paulo, Ano 15, vol. 66, 2.° bimestre, março e abril de 1981, São Paulo, Lex, p. 17 e 18). Elicio de Cresci Sobrinho, escrevendo antes da Lei 6.77 1/80, sustenta que o dever de veracidade disciplinado pelo CPC é dever de veracidade subjetivo (op. cit., p. 400 e 401). Alfredo Buzaid, escrevendo depois da edição da Lei, defende a mesma posição (op. cit., p. 93 e 96). Na doutrina estrangeira, Guido Calogero (Probità, lealtà, veridicitànelproceso civile, in Rivista diDiritto Processuale Civile, voj. xvI — Parte 1 , Ano 1 939 — XVII-XVIii, Padova, Casa Editríce Dott, Antonio Milani, p. 129-153) e Leo Rosemberg (La carga de la prueba, Colección Ciencia del Proceso, 30, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-America, 1956, p. 59, e Tratado de Dere- cho Procesal Civil, Colección Ciencia del Processo, 27, tomo I, Libro primero, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-America, 1955, p. 382 e 383) foram uns dos primeiros a suscitar a polêmica, filiando-se à tese da verdade subjetiva. Também de viés subjetivista é a posição de Cappelletti (Processo, ldeologia, Sociedad, Colección Ciencia del Proceso, ed. 64, Buenos Aires, Ediciones Juridicas Europa-America, 1974, p. 54 e 55) e de Kaethe Grossmann (op. cit., p. 289 e 290). Luis Recaséns Siches, a propósito de um conceito universal de Justiça, diz que um dos seus postulados é a existência de uma verdade objetiva, vale

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ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL

2.3 As práticas judiciárias e os modelos de verdade

Como foi visto, a noção de abuso do direito no processo judicial está ordinariamente relacionada ao dever da verdade. Ainda que se possa cogitar de conduta culposa ou simplesmente de conduta desconforme à finalidade do processo, justifica-se o enfoque, como ora proposto, senão porque a responsabilidade objetiva depende sempre de expressa previsão normativa, o que se resolve nos estreitos limites da tipicidade (fattispecie), pelo só fato de que interessa também o exame da dimensão social da verdade, da qual se aproxima o conceito de antijuridicidade, desenvolvido pela dogmática jurídica.

Os estudiosos do direito sempre tiveram muita dificuldade em estremar os diversos níveis do conhecimento jurídico. Fala-se, com frequência, de uma ciência descritiva, que se limita à elaboração e sistematização de conceitos, em plano distinto da atividade prática e política do direito, esta sim voltada à produção de resultados. Em uma terceira dimensão encontra-se a reflexão filosófica do direito, que se ocupa não só da descrição da Iinguagem científica, mas também da revisão lógica, metodológica e epistemológica do trabalho do cientista do direito.98 De pronto, é possível ver, porém, o quão equivocado seria a concepção de uma ciência alheia aos pressupostos filosóficos. A simples circunstância de a filosofia ocupar-se de categorias universais não é empecilho para o exame dos fatos que compõem a tessitura social, objeto do trabalho do cientista.

Com efeito, o filósofo, através do emprego de categorias lógico- transcendentais, examina a gênese, a estrutura e a finalidade da experiência jurídica, indagando sobre a fundação cognoscitiva do

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dizer, todas as afirmações sobre fatos e relações devem ser objetivamente verdadeiras, assim como devem sê-lo também as declarações que fazem as pessoas implicadas com o direito (lntroducción al Estudio del Derecho, 6. ed.. México, Editorial Porrúa S/A, 1981, p. 320).

(98) Ernesto Grtin e Martin Diego Farrel, Problemas de verijìcación en el de- recho, in Genaro Carrió et alli, Derecho, Filosofia y lenguaje (homenaje a Ambrosio L. Giojia), Editorial Astrea de Alfredo y Ricardo Depalma, Buenos Aires, 1976, p. 69-73.

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Direito (estrutura ôntica e lógica). Esta questão ontognoseológica, por seus desdobramentos no campo da epistemologia, implica o exame de disputas acerca da natureza do saber jurídico (ciência, arte ou tecnologia). A par dessas investigações, busca-se conhecer o fundamento ético do direito o que é objeto da deontologia — e o sentido da experiência jurídica através dos tempos, indagação esta que se encontra nos domínios da culturologia. Este modelo,99 que se está tomando provisoriamente de empréstimo, por tratar-se de importante paradigma, permite entender que o direito se move num campo cultural e que, bem por isso, as categorias jurídicas elaboradas pelo estudioso haverão de ter em conta a realização social de valores.

A experiência jurídica tanto interessa ao jurista como ao sociólogo, ao historiador etc. O teórico do direito — conforme observa Miguel Reale — por seu apego à norma posta, faz abstrações das fontes últimas condicionadoras da experiência jurídica, para recebê-la com um dado, algo existente e válido em si e por si. Cabe ao filósofo buscar os fundamentos transcendentais daquela experiência, iluminando o significado histórico que a dogmática jurídica (como teoria geral do direito aplicada) recolhe nos diversos estágios da trajetória humana.100 O problema da verdade judicial, sob este ângulo, insere-se numa dimensão fenomênica que ultrapassa o mundo platônico das idéias, assim como a concepção de uma inteligência divina, presente na elaboração da Grécia arcaica e na Alta Ida- de Média,101 procurando conciliar o idealismo absoluto e o realismo.

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(99) Trata-se da teoria tridimensional do direito, como desenvolvida por Miguel Reale (op. cit., p. 84-91).

(100) Miguel Reale, op. cit., p. 89-91.

(101) Veja-se o que sucede na Ilíada, onde controvertem Menelau e Antíloco a respeito da ocorrência de determinado fato, consistindo a prova da verdade no desafio do juramento diante de Zeus. No texto, Homero conta que Antíloco, diante de tal desafio, renunciou à prova, reconhecendo o fato que o desfavorecia. Se realmente tivesse aceitado o risco, se tivesse realmente jurado, imediatamente a responsabilidade da verdade seria transposta aos deuses. E seria Zeus, punindo o falso juramento, que teria manifestado a verdade (Michel Foucault, A verdade e as formas jurídicas, Rio de Janeiro, Nau, 1996, p. 32 e 33.

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A superação desta dicotomia também se faz presente, de uma outra perspectiva, na filosofia analftica, onde o significado da verdade se desloca do plano da consciência para o plano da linguagem.

Enfim, quando os conceitos dogmáticos correm o risco de perder sua operacionalidade, é preciso buscar formas de legitimação do significado que transcendam o ordenamento jurídico. É o que ocorre mormente com certos conceitos vagos, cuja extensão (denotação) é ampla, exatamente porque a intensão (conotação) é Iimitada. Em outras palavras, quanto menor for o número de propriedades atribuídas a um objeto, que integram o campo intensional do significado (conotação), maior será o conjunto de objetos que constituem a extensão do significado, donde se vê que a conotação (conjunto de propriedades que o termo designa) é condição necessária para estabelecer a denotação (conjunto de objetos designados pelo termo). 102

Costuma-se dizer que um termo (ou conceito) é vago quando não se consegue estabelecer, de maneira precisa, os objetos por ele denotados; a inclusão ou exclusão de um determinado objeto no

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(102) A análise que segue pertencente ao campo da lógica e da linguagem. A respeito, vide Leonidas Hegenberg, Definições — termos teóricos e signijìcados, São Paulo, Cultrix, 1974, p. 15-34; Irving M. Copi, Introdução à Lógica, 2. ed., São Paulo, Mestre Jou, p. 123-134, 39-62 e 95-99; Wesley C. Salmon, Lógica, 6. ed., Rio de Janeiro, Zahar Editores, p. 121 a 130; Ferdinand de Saussure, Curso de Lingüística Geral, São Paulo, Cultrix, 3. ed., 1 995, p. 1 9, 80, 8 1, 1 1 9 e 1 32-141 ; RolandBarthes, Elementos de Semiologia, 4. ed., 1975; William P. Alston, Filosofla del lenguaje, Madrid, Alianza Editorial Ltda., 1974, especialmente p. 34, 56, 57, 98, 101 e 102; Marilena Chauí, Convite à Filosofia, p. 136-150 Gofredo Telles Jr., Curso de Lógica Formal — Tratado da conseqüên- cia, 3. ed., São Paulo, José Bushatsky, Editor, 1973, p. 323-341; Luis Alberto Warat, A definiçãojurídica e suas técnicas — texto programa- do, Porto Alegre, Atrium, 1 977; Decio Pignatari, Inforrnação. Lingua- gem. Comunicação, 48. ed. São Paulo, Perspectiva, 1970, p. 25 a 37; Edward Lopes, Fundamentos da Lingüística Contemporânea, São Pau- lo, Cultrix, s/d, p. 234 a 336, e Alaôr Caffé Alves, Lógica — Pensamento e argumentação — Elementos para o discurso jurídico, São Paulo, Edipro, 2000, p. 168-170, 203-210 e 223-228.

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campo extensional do termo não fica suficientemente clara. E o caso das noções de bem comum, boa-fé, interesse público, urgência, honestidade, intimidade, igualdade e abuso, sobre as quais tanto controvertem os juristas. No campo das ciências matemáticas, físicas e naturais, os significados são muito mais precisos, porquanto os símbolos são arbitrários. Todavia, como os conceitos jurídicos são elaborados através de palavras, que integram a Iinguagem natural, com diversas conotações e denotações, o jurista muitas vezes defronta-se com ambiguidade e vagueza. A ambiguidade, que pertence à esfera da conotação, quase sempre se resolve como problema de polissemia. De fato, uma única palavra pode ter diversos sentidos e a compreensão depende de certas técnicas de definição.

Assim, palavras que encontram referência na realidade, tais como manga e cabo, conquanto tenham diversas conotações, podem ter seu sentido aclarado por meio de definições ostensivas (explicação do significado por meio da exibição), que recorre à denotação, vale dizer, à extensão do termo. Outra técnica extensional ou denotativa é a definição contextual, em que a explicação do significado surge a partir da menção a exemplos de diversas situações em que a palavra possa ser empregada. A sinonímia também ajuda a eliminar ambiguidades. Trata-se de técnica intensional, relaciona- da ao campo da conotação. As maiores dificuldades encontram-se, todavia, entre as palavras que não têm referência ao real. Sincate goremas, como preposições ou conjunções, somente ganham sentido dentro de um determinado contexto. São termos que relacionam sintaticamente verbos e advérbios com substantivos, orações ou outros termos da mesma oração, cujo significado depende exclusivamente destas relações, só com o que passam a ter importância semântica. Substantivos como sereia e minotauro também não têm referente na realidade. Por isso, é preciso buscar o sentido em outro plano, no mais das vezes contextual.

É difícil estabelecer o significado de determinados termos por meio da definição denotativa, a exemplo do que ocorre com os substantivos abstratos (justiça, verdade etc), com certos adjetivos (abusivo, mau etc) e com certos advérbios (abusivamente, erradamente etc). Com efeito, considerando que tais termos não tratam de realidades

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ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL

sensíveis, é impossível buscar o sentido apontando ou exibindo. A exemplificação, outrossim, pode confundir, haja vista que se corre o risco de o interlocutor considerar propriedades (conotação) que não se teve a intenção de destacar. Se, ao tentar definir humano, aponta-se para a propriedade racional, muitos poderão excluir as crianças de colo e os deficientes mentais da extensão do termo. Ao mesmo tempo, há certos macacos que parecem inteligentes, capazes de completar alguns raciocínios elementares. Essas criaturas, que estão excluídas da denotação do termo humano, tal como se o entende, ficariam absorvidas pela definição proposta.103


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