Abuso de direito processual editora afiliada



Yüklə 1,9 Mb.
səhifə36/42
tarix11.08.2018
ölçüsü1,9 Mb.
#69547
1   ...   32   33   34   35   36   37   38   39   ...   42

(74) Idem, p. 87, 88, 102 e 103.

Fim da nota de rodapé

Página 353

RAZÃO COMUNICATIVA E A PRAGMÁTICA

do casaco. Mas como o viajante segurasse firme suas vestes, de nada adiantou o vento continuar soprando até se cansar. Chegou a vez do so1. Primeiramente ele afastou as nuvens das redondezas e depois apontou seus raios mais ardentes para a cabeça do viajante. Em pouco tempo, frouxo de calor, o homem arrancou o casaco e correu para a sombra mais próxima, concluindo, assim, Esopo que mais pode a persuasão que a força.75 Na linguagem figurada dessa personagem possivelmente lendária da tradição grega, a retórica surge como forma de interferir na vontade das pessoas, como ação voltada ao convencimento. ParaAristóteles, tanto quan- to a poética, a retórica se move no campo do imaginário, com a só diferença da sua finalidade específica, que é a persuasão. Nessa medida — e como foi dito no início do terceiro capítulo — a retórica se aproxima da técnica, cumprindo importantes funções na esfera das controvérsias.

Na alegoria de Esopo, os argumentos que levam o homem à ação sugerem um plano racional (o sol apontou seus raios para a cabeça do viajante), diferente, é claro, do paradigma da racionalidade ló- gico-formal, que se esgota nos conceitos analíticos e nos conceitos empíricos. A união entre ciência (episteme) e técnica (techne), como delineada pelo modo de produção capitalista, coloca sobretudo para o direito a necessidade de compreensão da ação prática de um pon- to de vista diverso daquele situado na filosofia do sujeito. A dog- máticajurídica, como técnica institucional, assume o papel de uma razão que produz conhecimento ao mesmo tempo em que procura interferir na sociedade, O sentido dessa produção, por certo, não pode ser encontrado na razão pura, numa forma de conhecimento que desconsidera o agir social, a maneira como as pessoas usam palavras, definições e teorias, O pensamento jurídico da segunda metade do século XX, compartilhando o caminho trilhado pela fi- losofia analítica, deixou-se influenciar pelo paradigma da razão prática. Não se trata apenas de denunciar a razão instrumental, as conseqüências trágicas da cibernética, mas também de voltar os

Início da nota de rodapé

(75) Esopo, O vento e o sol, in Russell Ash e Bernard Higton (compiladores), Asfábulas de Esopo, São Paulo, Companhia das Letras, 1994,

p. 28 e 29.

Fim da nota de rodapé

Página 354

ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL

olhos para uma nova racionalidade, construída por aqueles que participam do processo de comunicação.

A concepção tópica do direito, a nova retórica de Perelman e a lógica informal de Toulmin, revelam uma nova atitude epistemoló- gica diante de um saberjurídico dividido entre necessidade de sistematização conceitual e necessidades práticas. Essa tensão, insustentável de um ponto de vista da razão tradicional, acaba conduzindo o direito a um dilema. Sob o prisma do positivismo metodológico, o medo da contaminação ideológica faz com que o espaço da decisão jtirídica seja relegado à esfera da política — com total isenção da responsabilidade social do operador do direito — campo fértil para o decisionismo, para a tirania da imprevisão. De outro lado, sob o prisma do realismo jurídico, a decisão judicial, produto da vontade do julgador e não da razão, também surge como alguma coisa essencialmente arbitrária.76 A teoria da argumentação jurídica coloca-se, contudo, como uma terceira via, com perspectiva cognoscitiva, prática e política diversa daquela que tem orientado o debate em torno da natureza e das funções do direito. Importa conhecer, mais do que o campo da descoberta, as formas dejustficação das decisões judiciais.

A dificuldade de entender a conjugação entrejuízos assertóricos e juízos valorativos sobre o direito (de uma proposição do ser não

Início da nota de rodapé

(7) A propósito do positivismo metodológico, ver a crítica de Enrique Zuieta Puceiro, Racionalidady objetividad cientifica en la teoría pura del derecho, in Agustin Squella et alii, Apreciación critica de la teoría pura del derecho, Vaiparaiso, Edeval, 1 982, p. 89 e 90. A respeito da critica ao realismojurídico (mais especificamente ao realismo sustentado por AIf Ross), e também da crítica ao decisionismo, ver Manuel Atienza, op. cit., p. I 72, I 97 e 299. O movimento de politização dojurídico e da juridicização do político, como apontado no final da seção 5.2, busca ocupar esse espaço de irracionalidade, perdido para uma razão instrumental, que se revela no democratismo e nas práticas assembleístas, deformações das democracias parlamentares ocidentais. Em termos habermasianos, trata-se de resgatar a concepção emancipatória da razão. A dificuldade, conforme será visto, consiste em saber qual é o novo padrão de racionalidade jurídica. A respeito, v. Calsamiglia, op. cit., p. 261 e 262.

Fim da nota de rodapé

Página 355

RAZÃO COMUNICATIVA E A PRAGMÁTICA

se pode retirar uma proposição do dever ser) nasce de uma limitação imposta pelo pensamento lógico-formal. A falácia naturalística, o sofisma denunciado pelo positivismo conceitual, dissolve-se quando a reflexão jurídica se dá conta de que a argumentação, no nível epistemológico, prático e político, não se esgota no encadea- mento de enunciados, num processo dedutivo onde a verdade da conclusão é decorrência necessária da verdade das premissas. Com efeito, nem sempre a premissa normativa contém todas as informações necessárias à conclusão. A premissa menor, o enunciado de fato, não é categórico, pois faz referência a termos que não indicam classes. Poder-se-ia cogitar de um argumento condicional do tipo Se p, então q; p; q, de uma hipótese de afirmação do antecedente, como é apresentado o argumentojurídico nas elaborações mais usuais. Sucede que o enunciado de fato é resultado de uma complicada cadeia argumentativa, não necessariamente linear, que envolve não só argumentos indutivos, como demonstrado no terceiro capítulo (seção 3.4), mas também justificativas de conteúdo axiológico. Demais, a argumentaçãojurídica não se dá apenas no campo semântico, mas também na esfera pragmática, o que envolve a avaliação do peso do argumento consideradas as pretensões de cada um dos falantes.

O interesse pela argumentação jurídica ressurgiu nos anos 50, particularmente com a obra de Theodor Viehweg, Tópica e juris prudência. Nela revive a dialética aristotélica — depois do ocaso experimentado na Idade Moderna — numa releitura que é também orientada pela Ciência Nova de Giambattista Vico. Na dialética aris- totélica opõem-se osjuízos apodíticos e osjuízos dialéticos; de um lado, as longas cadeias dedutivas (sorites), de outro, os argumentos que partem apenas do verossímil, do provável e não do verdadeiro. Vico busca conciliar o antigo, o retórico, com o moderno, com o modo de pensar cartesiano. Na dedução, o ponto de partida não pode ser eliminado e nem posto em dúvida. De outro modo, na tópica, o senso comum, aquilo que parece certo, é o mote da descoberta de diversos pontos de vista, de uma trama de opiniões a partir da qual se desenvolve uma rede de silogismos, argumentos contra e argunentos afavor Viehweg busca então examinar de que forma se dá a argumentação no direito romano, chegando à conclusão de que as disputas eram orientadas pela endoxa, proposições verossímeis

Página 356

ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL

senão aos olhos de todos, dos sábios, dos mais conhecidos e famosos. Parte depois para a classificação destas opiniões reconhecidas, desses topoi, a fim de entender como se relacionam, particularmente na retórica ciceriana. O Iegado dessas elaborações revela-se, já ao final da Idade Média, nas chamadas artes liberais, quer dizer, na gramática, na retórica, na dialética, na aritmética, na geometria, na música e na astronomia. A tópica está presente, no trivium que a Idade Média recebeu e cultivou como escolástica, nas três primeiras delas.77

Diferentemente da razão lógico formal, a tópica está orientada para o problema, de onde se vê a incorporação do estilo mental dos sofistas e dos retóricos na elaboração aristotélica. As aporias, as questões sem saída, conduzem a um modo de argumentar que é a negação do estiolamento da fantasia e da imaginação, da pobreza da linguagem. Para buscar o consenso em torno das opiniões é preciso ultrapassar o pensamento sistemático, ao qual se contrapõe o pensamento problemático, o que não implica negar a existência de relações entre esses dois sistemas. Numa visão sistemática, remanescem problemas insolúveis, que não são, porém, desprezados pela tópica, estilo de argumentação que coloca a tônica no problema e não no sistema. Cícero desenvolveu uma espécie de catálogo de tópicos (tópica de segiindo grau), sempre provisórios e elásticos, lugares comuns que permitem chegar às conclusões e que variam segundo o ramo do conhecimento de que se esteja tratando. Este aspecto funcional não se concilia com longas cadeias conceituais, que levariam a conclusões extensas e absolutamente corretas (ars iudicandi). Em vez disto, cumpre deixar sempre presente o problema, a busca das premissas, que estimula a ars inveniendi. As diver- sas formas de analogia, ainda hoje muito utilizadas na argumentação jurídica, são exemplo desse estilo de argumentar onde o senso comum, a noção de semelhança e não de identidade, orienta as diversas soluções possíveis para o mesmo caso concreto.78

Início da nota de rodapé

77) Theodor Viehweg, Tópica ejurisprudência, Brasília, Departamento de Imprensa Nacional e Editora Universidade de Brasília, 1979 (Coleção Peiisamento Jurídico Contemporâneo, 1), p. 17-32.

(78) ldem, p. 33-41.

Fim da nota de rodapé

Página 357

RAZÃO COMUNTCATIVA E A PRAGMÁTICA

Está claro, como acentua o próprio Viehweg, que a tópica abre um amplo espaço para a hermenêutica, do que não se pode cogitar quando a argumentação se desenvolve no plano da lógica dedutiva. A interpretação na base do senso comum move-se não só no campo semântico, monológico, como também na esfera pragmática, dia lógica, pois as premissas do argumento se legitimam pela aceita- ção do interlocutor. O debate, a controvérsia, orienta-se por premissas que se consideram relevantes, irrelevantes, admissíveis, inadmissíveis, aceitáveis ou inaceitáveis, sempre a caminho do consenso. Viehweg considera que, quando se trata de estabelecer um sis- tema dedutivo, a que toda ciência, do ponto de vista lógico, deve aspirar, a tópica tem de ser abandonada... Valores como defensável, ainda defensável, diflcilmente defensável, indefensável etc. care- cem aqui de sentido. Talvez na seleção de proposições centrais — acrescenta ele — a tópica possa conservar alguma importância.79 Estas reflexões permitem distinguir duas perspectivas importantes do conhecimento jurídico, quais sejam, ajustificação interna e ajustificação externa. Ao mesmo tempo, permitem responder a uma crítica geralmente endereçada à concepção tópica do direito, da qual se diz que elabora conceitos vagos, fazendo afirmações ingênuas sobre a justiça.8°

A lógica dedutiva possibilita uma justificação do direito do ponto de vista interno. Todavia, quando se trata dejustificar a escolha da premissa normativa (o que envolve problemas de subsunção e de interpretação) e de avaliar a prova (o que envolve regras institucionais, como é o caso do ônus da prova, das presunções e da preclusão), há de se recorrer a uma justificação externa, que vai além da lógica em sentido estrito. A par das dificuldades na fundamentação das premissas e na apreciação da prova, tem se de considerar que a argumentação jurídica é dialógica, o que interfere com o con- teúdo pragmático do ato de fala. Viehweg — ao que se entende — buscou ressaltar a importância do lugar-comum nos mais variados campos do conhecimento. Os diversos sentidos de um topoi (que

Início da nota de rodapé

(79) Idem, p. 42 e 43.

(80) Manuel Atienza, op. cit., p. 70-72 e 74, e Luis Alberto Warat, Mitos e

teorias na interpretação da lei, Porto Alegre, Síntese, p. 86 e 87.

Fim da nota de rodapé

Página 358

ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL

os críticos apontam como vagueza do conceito) lembram a referência que Wittgenstein faz aos distintos jogos de lingtLagem, que se alteram na conformidade das diversas situações sociais, dos diferentes campos da atividade humana, de mundos da vida contrastantes. Lembre-se que asformas de vida não surgem como um conceito analítico, fechado. O ser vago, impreciso, é aquilo que permite a utilização do conceito neste ou naquele contexto comunicativo. Mais importante que a função designativa é a capacidade de estabelecer o sentido através das ações humanas. Bem por isso, os topoi ora aparecem como conceitos doutrinários, ora como princípios gerais de direito ou máximas da experiência, mas sempre como fórmulas de procura, no dizer de Tercio Sampaio Ferraz Jr.,8 necessariamente ambíguas e vagas, como convém aos instrumentos de composição dos conflitos.

Mas assim como a filosofia analítica, em um determinado momento das elaborações em torno da Iinguagem, sentiu que era ne- cessário estabelecer instrumentos de análise mais precisos — o que levou ao desenvolvimento da teoria dos atos de fala — igualmente, no campo da argumentação jurídica, faz-se sentir a necessidade do desenvolvimento de uma teoria da argumentação que não só descreva como o discurso jurídico efetivamente ocorre, mas que também estabeleça regras, procedimentos de argumentação racional. Uma tal perspectiva, ao mesmo tempo, permite demostrar a falsi- dade do dilema entre o racional e o irracional, embaraço a que a teoria do direito foi conduzida pelas mãos do positivismo jurídico, do decisionismo e do realismo psicológico. Esta superação de paradigmas não é monológica, mas dialógica. Ao debater sobre a argumentação (discurso sobre o discurso), os cientistas discutem até chegar a um consenso. Desenvolvem-se aqui argumentos com vista à formação do paradigma, que uma vez aceito na base da unanimidade, instaura um período de ciência normal, madura. Incapaz de dar explicações para fatos novos, o paradigma entra em crise.

Início da nota de rodapé

(81) Tercio Sampaio Ferraz Jr., Prefáci à tradução brasileira da obra de Theodor Viehweg, Tópica e jurisprudência, Brasília, Departamento de Imprensa Nacional e Universidade de Brasília, 1 979 (Coleção Pensa- mentojurídico conteinporâneo, ed. 1), p. 5.

Fim da nota de rodapé

Página 359

RAZÃO COMUNICATIVA E A PRAGMÁTICA

Paralelamente, outros paradigmas vão surgindo no horizonte da ciência, com o que se iniciam as chamadas revoluções científicas, as quais só se consolidam quando um novo consenso se estabelece em torno do outro paradigma, dando lugar a um novo período de ciência normal. Enfim, o significado da ciência é convencional. A estrutura das revoluções cientifìcas, a que se fez referência no quarto capítulo (seção 4. 3), permite entender, dessa forma, como se entre cruzam as elaborações de Thomas Kuhn e Habermas, agora no plano da metalinguagem científica. A teoria do direito, sob este enfoque, somente poderá responder aos desafios colocados no final da seção anterior caso se mostre capaz de articular o consenso.82

A teoria do direito desenvolve instrumentos conceituais para a representação do conhecimentojurídico. Analogamente, a teoria da argumentação desenvolve instrumentos para que se possa entender o papel da inferência na argumentação jurídica. Ambas cumprem uma função descritiva e prescritiva. A tentativa de buscar uma teoria da argumentação que atenda às demandas cognoscitivas, práticas e morais do direito mais não é que reivindicar uma racionalidade jurídica fundada nas pretensões de validade do agir comunicativo.83 A nova retórica de Perelman, que parte do mesmo campo de

(82) A respeito de uma aplicação da teoria do paradigma ao campo do direito, ver Enrique Zuleta Puceiro, Teoriajurídica y crisis de legitimacion, in Anuário de Filosofia Jurídica y Social, Associación Argentina de Derecho Comparado — Sección Teoría General, Buenos Aires, Abeledo- Perrot, 1 982, p. 289-306.

Início da nota de rodapé

(83) A análise do discurso científico de uma perspectiva do agir comunicativo lança um novo olhar sobre o problema da cientificidade, tal como proposto pela epistemologia tradicional. As tradições metafísica e positivista da ciência têm reivindicado critérios inflexíveis de demarca- ção entre aquilo que deve ou não ser considerado como ciência. Contrapõem o conhecimento científico às representações ideológicas e às configurações metafísicas, distinguindo a verdade do erro, o sentido referencial das alusões conotativas, a doxa da episteme. A verdade consensual, como visto na seção anterior, compõe essas dicotomias na base de outros critérios de racionalidade (ver, num sentido muito próximo, Luis Alberto Warat, Esboçospara uma epistemologia das signijìcações e suas projeções sobre o direito, mimeo, s.d., p.4).

Fim da nota de rodapé

Página 360

ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL

investigação descoberto por Viehweg, também se mostra como tentativa de resgatar a dignidade da razão prática, no que se pode identificar, igualmente, diversos pontos de contato com Habermas. Depois de empreender uma frustrada tentativa de resposta às questões dajustiça de um ponto de vista referencialista, Perelman se apercebeu da aporia dessa empreitada, que envolve além do valor ético social de proporcionalidade, critérios de justa proporção.84 Essas reflexões, que já estão em Aristóteles, na Etica a Nicômaco (Livro V), estimularam Perelman ao confronto entre raciocínios dedutivos (os dos Primeiros e Segundos Analíticos) e dialéticos (que estão na Tópica, na Retórica e nas Refutações sofisticas). A nova racionalidade de Perelman orienta-se, então, por uma razão prática, que encontra no campo do direito uma espécie de modelo.

Importa aqui, considerados os propósitos do presente trabalho, a breve análise de dois conceitos desenvolvidos por Perelman, em conjunto com Lucie Olbrechts-Tyteca, no Tratado da Argumentação, seguida de algumas considerações que darão apenas um panorama de sua retórica geral. O primeiro deles, auditório, faz referência ao conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação.85 O segundo conceito é menos preciso e diz com a noção (mais propriamente) de auditório universal,86 vale dizer, o conjunto de todos os seres dotados de razão, diante do qual se argumenta. Apesar de não se tratar de um conceito empírico, mas sim ideal, é certo que o auditório universal varia de orador para orador e também de acordo com os propósitos do mesmo orador.87 A argu- mentação persuasiva é válida para um auditório particular, enquanto a argumentação convincente é aquela que tem em conta o auditório

Início da nota de rodapé

(84) Segundo registro de Manuel Atienza, essas reflexões foram desenvolvidas por Pereiman em uma obra intitulada Da justiça, publicada em 1945, na qual este autor, partindo das elaborações de Frege, tenta desenvolver uma idéia racional, uma noção válida dejustiça, isenta de valor (Manuel Atienza, op. cit, p. 81).

(85) Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, Tratado da Argumentação: a nova retórica, São Paulo, Martins Fontes, 1996, p. 22.

(86) Idem, p. 34-39.

(87) Idem, p. 7 e 8, 22-28.

Fim da nota de rodapé

Página 361

RAZÃO COMUNICATIVA E A PRAGMÁTICA

universal.88 Perelman, aproximando-se mais e mais do eixo pragmático de Habermas, ressalta que a argumentação prescinde da ameaça e do uso da violência física,89 partindo de premissas que são postas consensualmente, ainda que a escolha dos objetos de acordo, dos elementos e da forma de argumentação, possa ter a iniciativa do orador, que tratará de usar noções imprecisas o bastante para gerar o convencimento. Na apresentação das premissas, outrossim, o orador cuidará de utilizar determina das figuras de argumentação, que os lingüistas e gramáticos conhecem como figuras de estilo (figuras de palavras, de construção e de pensamento), tudo com vista a criar uma comunhão em torno de determinados significados, já de certa forma reconhecidos pelo auditório, os quais tratará de ampliar e valorizar.9°

Perelmam e Olbrechts-Tyteca passam a desenvolver, na última parte do Tratado, uma minudente classificação de técnicas argumentativas, cuja insuficiência eles mesmos reconhecem, e à qual atribuem uma importância de certa forma relativa. E que ao orador caberá estabelecer a interação dos argumentos. Vários deles podem servir a um mesmo propósito. A escolha haverá de ter em conta a situação argumentativa, o que exige do orador a capacidade de avaliar a força dos argumentos. Esta é uma noção que os próprios autores admitem como confusa, mas também indispensável.9 Há, em diversos momentos da obra, uma tentativa de aproximação do significado, na base de Iugares comuns, de recomendações voltadas ao bem argumentar, o que confere ao Tratado uma feição descritiva (o argulnento forte é aquele eficaz, que determina a adesão do auditório) e prescritiva (o argumento forte é aquele válido, que tem de seguir regras para a adesão do auditório). Perelman sustenta que não é possível uma dissociação absoluta desses dois pontos de vista, pois tanto a eficácia quanto a validade se definem em relação a um determinado auditório, cujas reações dão a medida daquilo que

Início da nota de rodapé

(88) Ideni, p. 29-34.

(89) Idem, p. 61-70.

(90) Idem, p. 73-208.

Ideni, p. 524.

Fim da nota de rodapé

Página 362

ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL

convence e os fundamentos das normas de convencimento. A eficácia, por vezes, fornece o critério de validade do argumento e a idéia que se faça da validade influi sobre a eficácia das técnicas de convencimento, o que se vê, por exemplo, na hipótese em que a outra parte, diante da recusa do orador em justificar suas afirmações, diz mas você deveria dar razões para isso.92

Essas considerações têm importante significado no direito, um dos campos de aplicação específica da retórica geral, alterando a concepção da lógica jurídica. Não se trata mais de desenvolver regras de correção interna do argumento, relacionando evidências e conclusão, como ocorre na lógica formal, mas sim de mostrar o peso das premissas. Segundo Perelman, nada impede que a argumentação jurídica se desenvolva em forma de silogismo, o que não garante, contudo, a verdade da conclusão. A argumentação aqui é dialética, mas num sentido diverso daquele que Aristóteles atribui a esta expressão. A decisão judicial supõe sempre a possibilidade de decidir de outra maneira. Muitas vezes o julgador forma seu convencimento na base de considerações extra jurídicas e depois sai em busca das premissas adequadas para fundamentar a conclusão. A demais, o juiz não atua de maneira solitária, pois haverá de conciliar os argumentos apresentados pelas partes.93 Entende-se, neste ponto, que tanto o julgador desempenha o papel de auditório universal em relação às partes, que buscam convencê-lo de suas razões, como as partes também desempenham o papel de auditório universal em relação ao juiz. A relação é dialógica, o que aproxima Perelman e Habermas.94

Início da nota de rodapé

(92) Idem, p. 523-529.

(93) Perelman, La lógicajurídicay la nueva retórica, Madrid, Editorial Civitas, S. A., p. 10, 1 1, 165, 166, 201 e 232. Para Perelman, tem-se de admitir, como sustenta Kalinowski, que não há mais que uma lógica formal. Nela, entretanto, não se esgota o pensamentojurídico (ide,n, p. 12-14).

Habermas utiiiza-se da noção de auditório universal, fazendo expressa menção a Perelman, ao falar dos acordos racionalmente motivados, da teoria consensual da verdade (Habermas, Teoría de la acción comuni- cativa, 2. ed., vol. 1, Madrid, Aguilar, Altea, Taurus, Alfaguara, S. A., 200 1 (Colección Humanidades-Filosofía), p. 48-50. A noção de audi-

Fim da nota de rodapé

Página 363

RAZÃO COMUNICATIVA E A PRAGMÁTICA

Mas a idéia de um auditório ttniversal, de um consenso habermasiano, naquilo que envolve a relação dialógica entre o iuiz e as partes, não deixa de suscitar alguns problemas, que ferem preci- samente a possibilidade de um agir comunicativo no processo judicial. Com efeito, as especificidades da controvérsia judicial, as regras institucionais do debate, implicam uma decisão imposta pela autoridade constituída.95 Todavia, de outra parte, segundo Perelman, o juiz tem de buscar a adesão das partes. Não basta di- zer que a decisão foi tomada com base neste ou naquele dispositivo legal. Há de demonstrar que ela é justa, oportuna e socialmente útil. Aqui, o julgador haverá de ter em conta o ramo do direito de


Yüklə 1,9 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   ...   32   33   34   35   36   37   38   39   ...   42




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©muhaz.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

gir | qeydiyyatdan keç
    Ana səhifə


yükləyin