Afoxé Oju Omim Omorewá: do terreiro ao palco – a performance artística como mecanismo de empoderamento



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OS OBJETOS

Tendo em vista os apontamentos feitos nos próprios materiais produzidos pelo Afoxé, percebemos aqui uma preocupação com o resgate não apenas dos aspectos religiosos da cultura afro-brasileira, mas também elementos relacionados com a identidade étnica-cultural, transformando elementos do Candomblé – que já como religião apresenta o caráter de resistência das tradições de um continente que havia passado por um processo de diáspora – na prática artística. É curioso observar que, há uma tendência nos terreiros de Candomblé a criação de grupos artísticos como mecanismo de resistência e de combate aos mais diversos tipos de preconceito que circundam os religiosos de matriz africana, dentre os vários afoxés da cidade de Maceió, cabe destaque ao Afoxé

Segundo o antropólogo Raul Lody (1976)

Afoxé é um cortejo de rua que tradicionalmente sai durante o carnaval em Salvador, Fortaleza e Rio de Janeiro. É importante observar nessa manifestação os aspectos místico, mágico e por conseguinte religioso. Apesar dos afoxés apresentarem-se aos olhos dos menos entendidos como simples blocos carnavalescos, fundamenta-se os praticantes em preceitos religiosos ligados ao culto dos orixás, motivo primeiro da existência e realização dos cortejos. Por isso, afoxé também é conhecido e chamado por Candomblé de rua (LODY, 1976, p. 3)

Tomando como ponto de partida a Fenomenologia segundo a perspectiva de Thomas Csordas (2008), que aponta que

A fenomenologia é uma ciência descritiva dos princípios existenciais, não de produtos culturais já constituídos. Se nossa percepção ‘termina nos objetos’, o objeto de uma antropologia fenomenológica da percepção é capturar aquele momento de transcendência no qual a percepção começa, e, em meio à arbitrariedade e à indeterminação, constitui e é constituída pela cultura (CSORDAS, 2008, p. 107).

Trabalhei diretamente debruçada na experiência do indivíduo dentro do fenômeno ao qual está situado e inserido. Como um de meus procedimentos de pesquisa, utilizei a entrevist-semi estruturada, e durante um dos encontros com minhas interlocutoras perguntei tanto à Mãe Nany quanto à Mãe Bel, como elas definem o Afoxé, Mãe Bel respondeu da seguinte forma:

Pra mim o Afoxé é o Candomblé de rua, é aquela parte profana, porque a gente não pode ir pra rua com a nossa parte religiosa, com os nossos Orixás, nossas letras falam sobre os Orixás, mas não é aquele cântico que a gente canta no terreiro, a gente coloca o Orixá de maneira respeitosa, mas num cântico profano (CAETANO, 2014)

Sendo assim compreendemos que há uma celebração, pois o Orixá é reverenciado e homenageado, há um ritual, uma vez que o Afoxé se apresenta paramentado com um figurino específico, instrumentos e demais objetos que constituem um significado para os seus participantes, porém não há o ritual do âmbito religioso, pois não são cantados pontos de fundamento nem de chamamento do Orixá, mais ou menos dentro dos parâmetros trazidos por Lody (1976).

Por sua experiência empírica, Mãe Bel acabou de exemplificar o que Schechner (2013) teoriza ao dizer que:

Muitas pessoas identificam o ritual com as práticas religiosas. Na religião, rituais dão forma ao sagrado, comunicam doutrina e moldam indivíduos dentro das comunidades [...] rituais religiosos são claramente marcados. Nós sabemos o quanto nós os performamos [...] Rituais são, normalmente, divididos em dois tipos principais: o sagrado e o secular. Rituais sagrados são aqueles associados como a expressão ou promulgação de crenças religiosas. Entende-se que esse sistema de crenças religiosas envolve o comunicar-se, orar, quando não invocar forças sobrenaturais (SCHECHNER, 2013, p. 50-53).

Creio que o trânsito que existe do ambiente sagrado para o ambiente artístico, se mostra através da força dos elementos ritualísticos presentes nas apresentações do Omorewá, nesse ponto, considero que, ritual e performance encontram-se tão conectados quanto aos elementos sagrados inseridos no ambiente artístico, segundo Schechner (2013):

As performances possuem várias finalidades, incluindo entretenimento, ritual, construção de uma comunidade e socialização. Essas funções podem ser resumidas como a tensão dinâmica entre eficácia e entretenimento [...] A performance se origina da necessidade de fazer que as coisas aconteçam e entretenham; obter resultados e brincar; mostrar o modo como são as coisas e passar o tempo; transformar-se em um outro e ter o prazer em ser você mesmo; desaparecer e se mostrar; incorporar um outro transcendente e ser ‘apenas eu’ aqui e agora; estar em transe e no controle; focar no próprio grupo e transmitir ao maior número de pessoas possível; jogar para satisfazer uma necessidade pessoal, social ou religiosa; e jogar somente com contrato ou por dinheiro! A mudança de um ritual para performance estética ocorre quando uma comunidade participativa se fragmenta, tornando-se ocasional, com clientes pagantes. O movimento da performance estética para o ritual acontece quando um público formado por indivíduos se transforma em uma comunidade. As possibilidades de movimento em qualquer das direções estão presentes em todas as performances (SCHECHNER, 2013, p. 83)

Levando-se em conta a performance e o ritual em todas essas perspectivas e nuances de trânsito e em várias esferas da experiência do indivíduo, nota-se a característica de transmissão de conhecimento tanto da performance quanto do ritual, é importante lembrar que as culturas afro-brasileiras são primordialmente de tradição oral e, quando se trata da dança (englobando aqui corporeidade, percussão e jogo), dá-se com o Orixá em terra – no estado do médium em transe – a comunicação não-verbal, onde o conhecimento ancestral é transmitido pela codificação do corpo que dança, trazendo em seu léxico gestos que, aos iniciados, recontam lendas dos Orixás e, aos não-iniciados, sugerem movimentos de trabalho – que estão diretamente relacionados às funções que cada Orixá exerce no plano espiritual.

O corpo dentro da perspectiva da religiosidade afro-brasileira tem espaço de destaque nesse processo de elocução de nossa ancestralidade, Inaicyra Falcão (2002) enfatiza o lugar do corpo e das possibilidades de representação dentro da prática das danças afro:

O corpo é um elemento portador de conhecimento e de expressão, levado em consideração a comunicação da dança. Cada pequena parte desse instrumento tem sua importância no processo. Conhecê-lo possibilita ao indivíduo uma consciência dos seus poderes e de sua limitação física, permitindo uma forma coerente de comunicação (FALCÃO, 2002, p. 82).

Mas, qual seria a relação entre a forma de transmissão de conhecimento das tradições afro-brasileiras e o empoderamento desenvolvido pelo Omorewá?


Alves (2006) ao apontar as perspectivas e possibilidades de construção, empoderamento e desvelar através do corpo, nos aponta que:

Há significados e intencionalidades na expressão verbal e não verbal de cada corpo e de muitos corpos que se constroem na interação com o mundo. Corpos que dizem e ouvem, que criam e recriam, que aprendem e ensinam ao longo de suas histórias de vida. Fazem-se verdadeiros em seus rituais, em suas celebrações, em suas atitudes. Formulam seus conceitos, suas concepções, seus conhecimentos (...) Pela via da corporeidade, através da expressão do ser no mundo, e, sendo esta expressão uma dança afro-brasileira, entendemos que há uma enunciação de sentidos e significados próprios da etnicidade do sujeito, de sua cultura, de sua sociedade de origem (ALVES, 2006, p. 61)

A seguir, discorrerei brevemente sobre os três espetáculos produzidos pelo Afoxé apresentados num palco teatro, nos anos de 2012, 2013 e 2014.



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