Deslizando seus dedos em torno do copo de café que Inés lhe entregara, Adria se sentou perto do laz-fogo que um dos outros soldados sênior tinha armado, longe o bastante da festa principal para que ninguém tropeçasse nele por acidente. Eram alguns minutos depois da meia noite, e nenhum SnowDancer estava sequer perto de estar pronto para a celebração acabar. Mesmo os filhotes estavam valentemente tentando manter seus olhos abertos, ninguém tinha coração para mandá-los para a cama, então eles estavam em sacos de dormir perto do Círculo do Clã, observados por membros mais velhos que preferiam descansar seus ossos.
— Eu não percebi que vocês estavam fazendo isso, — ela disse para Inés, não querendo se intrometer em nada desde que ela não fora oficialmente convidada. Sam foi quem a trouxe junto.
Inés balançou a cabeça. — Não foi planejado. Elias tem alguma boa notícia para dar, decidiu que essa noite era a noite certa para isso. Ele mencionou à Simran, que mencionou à mim, mencionei à Sam, disse pra ele te chamar...
— E voìla. — Adria sorriu. Esse tipo de coisa tinha acontecido no setor de Matthias também, partes diferentes do clã se partindo para ter suas reuniões informais durante o curso do evento maior. —Boa idéia pedir para todos trazerem comida do Círculo.
Vários pratos de cookies, bolos e sanduíches, juntos com uma tigela de batatas fritas e guacamole, estavam sendo passados ao redor, assim como garrafas térmicas de café. Alguém também tinha trazido cervejas e champanhes para aqueles que já tinham terminado suas rondas. Adria tinha uma por vir, então preferiu tomar apenas café.
— Foi o Eli, — Inés disse, esticando suas pernas enquanto se sentavam lado a lado num tronco caído. — Ele pensa em tudo.
— E a boa notícia? — Adria perguntou.
Inés abriu a boca pra responder quando Sam, que tinha ido pegar um sanduíche, reapareceu ao lado de Adria sem comida, um olhar preocupado em seu rosto. — Inés, eu estou invadindo uma festa para soldados sênior?
— Você se preocuparia se estivesse? — Uma resposta seca.
— Eu pensei que vocês tivessem um ritual secreto que estavam prestes a fazer, ou algo assim.
— Tipo dançar pelado em torno da fogueira? — Inés arqueou uma sobrancelha. — Eu aposto.
Covinhas aparecendo, Sam apoiou suas costas no tronco, um braço envolvido em torno do joelho de Adria de modo companheiro. —Certo, eu vou ficar até alguém me expulsar.
Agora que ele apontara, Adria percebeu que Sam era o único soldado de posição mais baixa aqui. E desde que Inés tinha especificamente o convidado... Hmm. Ela olhou para a outra mulher em uma pergunta silenciosa. Inés piscou. Adria reprimiu um sorriso, o contentamento dentro dela era nada parecido com o que ela esperava sentir depois daquele encontro brutal com Riaz.
Sua mão se apertou na xícara de café, sua pele pinicando com o calor. Não, ela disse silenciosamente quando sua mente tentou puxá-la para uma loucura carnal que estava perigosamente perto de arrancar todo seu auto respeito. Respirando fundo, ela concentrou sua atenção no gentil calor dentro dela, e nas pessoas responsáveis pelo seu equilíbrio emocional.
Esses eram seus companheiros, os membros com quem ela esteve trabalhando mais de perto nos últimos meses e anos, e embora eles fossem relativamente estranhos ainda, ela gostava de sua energia como grupo. Calmos e estáveis na maior parte, soldados sêniors eram os músculos do clã, pessoas com quem você podia contar para fazer o trabalho pesado.
Inés, ela pensou, tinha o potencial para se tornar uma amiga próxima, a ágil mulher tinha um senso de humor sarcástico que fazia o próprio lobo de Adria gargalhar.
Bem quando o pensamento passou pela mente de Adria, Inés disse — Eu e Simran — ela acenou para onde a soldado mais reticente sentava, conversando com Brody — Temos uma péssima noite de filmes uma vez por mês. Você deveria vir.
Sua loba se esticou, costas curvadas. — Valeu.
— Eu estou convidado para essa noite de filmes, — Sam interrompeu para dizer, — ou vocês estavam planejando ignorar o fato de eu estar sentado bem aqui?
— A coisa de ignorar, — Inés respondeu, rápida como um tiro.
— Meu coração está partido.
— Eu sangro por você.
— Cruel.
— Não foi minha melhor tentativa.
Elias ficou de pé e bateu as mãos, cortando as conversas paralelas. Uma vez que ele tinha a atenção de todos, ele disse, — É hora da cerimônia secreta, — com um rosto sério.
Vinte
Sam riu... E ficou sério quando percebeu que todos o estavam encarando, sem rir. — Hum, sinto muito.
Adria estava tentando tanto não rir, que teve que fingir uma tosse. Várias pessoas pareciam ter sido atingidas pela mesma aflição, porém Inés conseguiu disfarçar, dando tapinhas nas costas de Adria. — Deve ser o pólen no ar, — ela murmurou com preocupação fingida.
Adria teria chutado a outra mulher se Sam não estivesse sentado na frente dela.
— Como eu estava dizendo, — Elias continuou, um raro frio de prata brilhando no rico marrom de seu cabelo, — é hora da cerimônia secreta. Mas desde que parece que temos um intruso, nós teremos de lidar com ele primeiro.
Sam ficou de pé, limpando seus jeans. — Olha, ei, eu posso voltar depois que vocês...
Elias ergueu uma mão por silêncio, indo ficar de frente para Sam.
— Sam Baker, — disse ele, seu rosto solene, — De acordo com as testemunhas que não estavam inconscientes no momento, você correu para o campo de batalha várias vezes de novo e de novo para resgatar membros do clã feridos, mesmo que você mesmo tenha sido atingido por uma bala.
— É o que qualquer um de nós teria feito. — As palavras de Sam eram silenciosas, o soldado brincalhão substituído pelo homem corajoso que lutou com todo seu coração, mesmo rodeado de sangue, agonia e inimigos sem qualquer misericórdia.
— Sim, — Elias disse, prendendo algo na camiseta cinza de Sam, — E nós temos orgulho de chamá-lo de um dos nossos.
Adria viu o instante em que Sam entendeu. Seus dedos tremeram quando ele tocou a suntuosa forma do pequeno lobo prata em sua gola. Nenhum dos soldados sêniors usava os broches diariamente, mas todos usavam hoje à noite, sua blusa era muito fina para segurá-lo, mas Adria prendeu o seu em um fino bracelete prata em seu pulso esquerdo. Aquele pequeno distintivo era a fonte de um orgulho enorme, não sendo simplesmente uma indicação de promoção para soldado sênior, mas de aceitação dentro do ranking.
Batendo nas costas de um Sam ainda aturdido, Elias ergueu seu copo, — Ao Sam!
— Ao Sam! — Adria gritou com o resto do grupo, e bem ali, ela soube que conseguiu. Talvez sua atração doentia e instável por Riaz não mostrasse nenhum sinal de estar diminuindo, a necessidade desesperadora rasgando suas entranhas, mas ela era mais do que os impulsos selvagens de seu corpo. Ela era parte deste forte, leal grupo, uma mulher que construiu uma nova vida, novas amizades a partir das cinzas frias da velha.
Nenhum homem jamais iria fazê-la questionar seu valor novamente.
O corpo de sua loba zumbiu com orgulho desafiante, determinado. E quando o mais novo soldado veterano da toca jogou sua cabeça para trás e celebrou com selvagem abandono, ela juntou sua voz à canção dele, junto com os seus companheiros de clã.
Os pelos na mandíbula de Hawke grudaram no cabelo de Sienna. Ela o observou se barbear antes da cerimônia, mas agora era quase de manhã e eles estavam finalmente na cama, o braço dele a prendendo contra seu peito. Gostando da intimidade de falar com ele tanto quanto ela gostou de dançar em seus braços até que o céu se iluminou com os primeiros raios da manhã, ela olhou para cima quando ele mudou um de seus braços para se curvar sobre sua cabeça.
Olhos de um azul lupino encontraram os dela. — Seus amigos escaparam para fazer travessuras. — A diversão de um alfa. — Eu esperava que você se juntasse a eles, desde que você é a líder do grupo.
— Eu os avisei de que estariam por conta própria esta noite... Noite passada. — Os amigos que ela fez eram amigos que pretendia manter por toda a vida, mas a noite era dela e de Hawke. —Eu esperei tanto por esse momento, — ela sussurrou, tocando seus dedos na mandíbula dele, a barba por fazer áspera contra as pontas de seus dedos. — Às vezes, eu acho que estou sonhando, e fico com tanto medo de acordar.
Hawke não tentou conversar e afastar os medos dela, entendia a vida que ela viveu, esse lobo que nunca conheceu a PsyNet, mas que a conhecia. Entendia que alguns pesadelos não podiam ser desfeitos por lógica ou razão. Só o tempo tinha esse poder. O medo dela de perdê-lo, assim como ela perdeu sua gentil, talentosa mãe, assim como perdeu seu irmão e o resto de sua família por tanto tempo, era um pensamento obscuro que a fazia acordar ofegando mais de uma vez, seu coração batendo forte como se ela estivesse correndo desesperadamente na direção dele.
Então ela sentiria seu lobo forte e quente ao lado dela, ou abriria seu olho psíquico para o azul selvagem e com matizes de chamas de seu elo, e o terror diminuiria. Um dia, pensou, ele não voltaria mais, mas até lá, seu lobo iria caminhar ao seu lado nas terras das sombras. — Eu queria minha mãe na nossa cerimônia, — confessou ela, olhos ardendo.
Indigo e Tarah fizeram o seu melhor, estiveram lá por ela em cada passo do caminho, mas não era o mesmo. — Eu nem sequer tenho algo dela para me confortar. — Tudo havia sido destruído após o suicídio de sua mãe, enquanto Sienna estava presa em uma prisão psíquica com um monstro chamado Ming LeBon.
— Esse lindo cabelo, — Hawke disse, seu peito ressoando sob sua palma. — Judd uma vez me disse que o lembrava de sua irmã. — Ele acariciou as mechas. — Você é uma peça dela, você e Toby.
— Isso é legal, — ela disse, escondendo o maravilhoso pensamento naquele lugar secreto dentro de sua mente onde mantinha tudo o que importava para ela há tanto tempo.
Judd, tendo aprendido a habilidade de Walker, mostrou a ela como construir o inexpugnável cofre telepático quando ele ficou velho e experiente o bastante para teleportar até ela sem alertar Ming. Embora ela não precisasse mais do cofre, gostava de ter suas memórias mais preciosas em um só lugar.
— Toby tem o cabelo dela, também, — ela disse. — Ele não se parece com ela em nada mais. — conforme crescia, os traços de seu irmão começaram a parecer mais com os ângulos severos do rosto de Walker — Mas às vezes eu a vejo no sorriso dele.
— Isso é um presente.
— Sim. — Acariciando o peito dele, ela disse, — Você sentiu a falta dos seus pais também, não é?
— Meu pai teria ficado tão orgulhoso ao ver o modo como o clã reagiu a nós, — ele disse em resposta, um sorriso contagioso em seus lábios, — E minha mãe, estaria sentada em um canto, rascunhando tão rápido quanto sua mão pudesse.
Imagens se formaram na mente de Sienna, criada das fotos que Hawke mostrou-lhe. De um homem alto com cabelo dourado, olhos azuis um tom mais escuro do que o de seu filho, e uma mulher loira, seus ossos finos, sua pele como porcelana. As fotos de sua mãe, Aren, eram iluminadas com risadas, enquanto seu companheiro, Tristan, era mais reservado, seu olhar cortante... Exceto nas poucas e preciosas fotos que Hawke tinha dos dois juntos. Ali, era claro quem tinha o coração de Tristan, nada reservado ou remoto sobre a intensidade de seu amor.
— Os Psy não dão crédito à ideia de uma pós-vida, — ela disse, trilhando seus dedos sobre o abdômen rígido dele, — Mas eu gosto de acreditar que na noite passada, todas as pessoas de quem nós sentimos falta estavam dançando ao nosso lado.
A mão de Hawke acariciou sob seu cabelo, descansando na nuca dela. — Sim.
Eles ficaram em silêncio por um longo tempo, felizes por simplesmente estarem juntos. Respirando o quente, selvagem cheiro que era de Hawke, ela sentiu um senso de maravilha florescer profundamente dentro dela.
— O que te faz sorrir? — seu companheiro perguntou em uma voz sonolenta, embora ela estivesse deitada com a bochecha em seu peito, seu rosto escondido dos olhos dele.
— Ninguém que nos viu interagindo antes do nosso acasalamento, — ela disse, se erguendo para que pudesse olhar em olhos curiosos de lobo, seu cabelo se acumulando no peito dele, — acreditaria que nós poderíamos ficar tão em paz juntos. — Ela esteve meio amedrontada de que eles fossem brigar o tempo todo, porque isso foi tudo o que eles fizeram por anos. O que ela não entendera até depois, era que a necessidade apaixonada contra a qual ela e Hawke brigaram contra por tanto tempo, se tornaria um rio derretido. Conectando-os. Os completando.
Mesmo nessa paz, brasas ardiam. Sempre arderiam.
Hawke riu. — Eu teria recomendado uma boa terapia se alguém tivesse sugerido isso para mim há seis meses.
Rindo, se apoiou em um braço e começou a brincar com o cabelo dele, o acariciando até que seus olhos se fecharam. Ele ainda estava acordado, seus dedos escovando levemente em suas costas, mas ele estava preguiçoso agora, contente e sonolento. Bocejando, ela se aconchegou contra o corpo dele e deixou o ritmo de seu coração a conduzir a um sono despojado de medo... E cheio de sonhos de um alfa lobo que corria ao lado dela enquanto ela explorava os mistérios de uma floresta noturna.
Riaz observou a fria manhã de sua posição, sentado contra um grande e ponderoso pinheiro na borda de um lago ondulando com os sussurros diáfanos do vento. A cerimônia de acasalamento tinha finalmente acabado em torno de quarenta e cinco minutos atrás, todos os tenentes permanecendo até o fim.
Os que moravam fora da cidade tinham ido embora tão furtivamente quanto chegaram, enquanto aqueles que chamavam a toca de lar foram para a cama, ou relaxar depois da noite de festividades. A partida mais interessante foi a de Jem e Kenji, que partiram juntos, e Kenji tinha um hematoma em sua bochecha que ele se recusava a explicar.
Foi instinto para Riaz vir aqui em cima nas montanhas. Homem e lobo, ambos eram acostumados com a solidão, frequentemente precisavam da solidão, especialmente após um evento social, mas nos últimos minutos, ele percebeu que essa solidão era de um tipo diferente.
Machucava.
Uma dor entorpecida e latejante, centrada no lugar onde o elo de companheirismo deveria estar, como se fosse uma ferida aberta dentro dele. A felicidade e calor de seus companheiros tinham abafado a dor durante a noite, mas rodeado por nada além do frio ar das Sierra, o céu um caldeirão vermelho-alaranjado, ele não conseguia mais evitar a verdade. Ele veio para casa para se curar... Mas a ferida sangrava o mais escuro vermelho.
O eco de uma voz masculina.
Captando o som inesperado no vento, ele olhou através do lago para vislumbrar uma pequena, ágil loba andando ao lado de um homem vestido de preto. O corpo da loba roçava o do homem enquanto eles caminhavam pela terra, os dedos do homem acariciando o pelo da loba quando ele se abaixou para falar com ela.
A mão de Riaz se cerrou, uma amargura corrosiva inundando seus sentidos.
A feiura disto foi um golpe frio.
Sem fôlego, coração batendo forte em choque, ele olhou a tempo de ver Brenna e Judd desaparecendo na neblina. Contudo, sua mente não estava mais no outro casal, mas na percepção impressionante de quem ele estava se tornando, que estava permitindo se tornar: um amargo, raivoso homem preenchido com o ácido da inveja.
Esse não era quem ele queria ser, nunca fora assim. Assim como nunca fora um homem que gostava de machucar mulheres, de qualquer forma.
Uma imagem dos olhos estonteantes de Adria, o chicote frio de sua raiva, o balançar de seus quadris enquanto ela se afastava dele.
Deus, fora um merda com ela. Vergonha era como chumbo em suas entranhas. Nada desculpava o modo como ele a tratara, o modo como ele tentou usá-la. Adria estava certa. Ela merecia mais do que um homem que permitia que sua raiva com o destino o corroesse até que ele mesmo quase não se reconhecesse. Seu lobo, sempre tão orgulhoso, abaixou a cabeça, fora baixo, mas ambas as partes dele sabiam que essa punição silenciosa não era o bastante.
O homem que ele queria ser, o homem que ele foi antes de Lisette, não culpava ninguém por seus atos, e encarava seus erros.
O sol o tocou com dedos dourados, mas não fez nada para descongelar o gelo em sua alma.
Vinte e um
Ming examinou as imagens de satélite capturadas quando Sienna Lauren permitiu seu fogo frio assumir o controle. Embora tenham sido gravadas na escuridão noturna da batalha, não havia falta de luz, o amarelo e vermelho do fogo mortal brilhando como um inferno.
Colocando aquelas imagens de lado, olhou para aquelas que foram tiradas imediatamente após a batalha. A carnificina era absoluta, a floresta um deserto. Nenhum sinal restou do exército PurePsy.
Uma arma incrível.
Uma da qual Ming estava certo de que queria destruída se tivesse sobrevivido, porque ela não poderia ser controlada. Exceto... Seus olhos foram para a pequena caixa de aço em sua mesa. Dentro havia um único chip, o único protótipo restante do abortado projeto de Ashaya Aleine para instigar o Silêncio em um nível biológico.
Aquele chip também poderia ser usado como uma rédea.
O problema em usá-lo dessa forma era duplo. Primeiro, o chip era instável. Segundo, Ming precisaria ter um chip controlador implantado para interagir com o de Sienna, e mesmo que considerasse o risco aceitável, esse era o único chip sobrevivente do qual ele tinha conhecimento. Tirou-o de uma das vítimas em que os Scotts haviam implantado, após o suicídio do homem. Nem Henry nem Shoshanna perceberam que ele sabia de seu experimento não autorizado. Os cientistas de Ming não foram capazes de reverter a engenharia do chip, porém, um deles tinha acabado de informá-lo de que havia uma chance muito pequena de que ele pudesse ser alterado para permitir ser controlado por um dispositivo remoto.
— Faça, — disse no intercomunicador.
Se o dispositivo funcionasse, ele possuiria uma X. Se falhasse, Sienna Lauren morreria em uma implosão de células cerebrais.
Uma solução perfeita.
Vinte e dois
Tendo recebido uma mensagem de que o tenente veterano queria vê-la, Adria bateu na porta do escritório de Riley três dias depois da cerimônia de acasalamento, encontrou- se sendo chamada para entrar embora ele estivesse ao telefone. — Sente-se — disse-lhe. — Só vai levar um segundo.
Enquanto ela esperava, observou seu escritório. Era, e não era, o que ela teria esperado. Organizado e limpo, era livre de desordem. Aquilo combinava com a natureza sólida e calma do tenente. O que não combinava era o pôster emoldurado atrás de sua mesa, do caleidoscópio de cor, pele, penas, lantejoulas e mais, do que era o Carnaval do Rio de Janeiro.
Ou talvez combinasse sim, pensou com um sorriso interno. Afinal, o pragmático, sensível Riley havia cruzado limites perigosos entre os clãs afim de reivindicar uma sentinela leopardo como sua companheira. Ninguém, ela se lembrou, tinha somente um lado... Nem sequer o homem raivoso que teve suas mãos tão quentes e rudes sobre sua pele. — Você esteve lá? —perguntou a Riley quando ele desligou o telefone, jogando as memórias carnais de lado antes que pudessem descarrilhá-la novamente.
Seguindo seu olhar para o pôster, ele assentiu. — Sobrevivi, também. — Um sorriso que escondia uma história por trás. — Como foi a ronda do perímetro externo? Você voltou essa manhã?
— Sim, foi bom. Pacífico. — Ela partira na tarde após a cerimônia, assumindo o cargo dos leopardos. — Eu fico feliz em fazer rondas extras lá.
Ao invés de aceitar a resposta, Riley se inclinou em sua cadeira, olhos escuros atentos. — Você é uma soldada sênior altamente experiente, Adria, fazer patrulhas irá frustrá-la se não tiver outras formas de gastar suas habilidades. Matthias me disse que você estava a cargo de treinar os novatos na região dele.
Foi incrivelmente difícil se despedir e se afastar de — suas — crianças, mas ela ficou preocupada que seus problemas emocionais interferissem em suas lições. Então treinou um substituto e assegurou que os novatos estivessem confortáveis com o outro soldado antes de partir. Coisas haviam mudado desde então, e ela sentia falta de trabalhar com seus jovens, mas não faria isso se custasse o cargo de outra companheira de clã, especialmente uma que ela amava.
— Indigo é brilhante no que faz. — Embora tentasse manter seu tom neutro, sua loba se eriçou.
— Sem dúvidas, — Riley disse de uma vez. — Tenho outra coisa em mente para você. — Ele esperou, como se estivesse dando a ela a oportunidade de interromper. Quando ela não interrompeu, ele continuou. — De acordo com Matthias, você é muito boa com os submissos. O que não me surpreende, dado o verdadeiro status de sua posição.
É claro que Riley saberia. — Um treinador trabalhando com submissos, — ela disse com um sorriso, — perceba que como nunca serão soldados, eles têm forças únicas e próprias. — Os mais vulneráveis na hierarquia não respondiam bem ao estilo necessariamente cruel utilizado para treinar os dominantes.
Riley deu um pequeno aceno. — Eu gostaria que você cuidasse do treinamento de autodefesa das vinte e cinco crianças submissas, idades entre quatorze e dezoito anos. Eles tiveram o curso normal, mas Hawke quer que eles tenham tanto treinamento avançado quanto sejam capazes de suportar.
— As hostilidades contínuas, — Adria disse, sabendo que o alfa tinha que estar pensando em uma situação onde os dominantes fossem mortos em grandes números. Uma coisa difícil de contemplar, mas tinha de ser feito.
— Você deveria conversar com Walker. — Riley entregou-lhe um datapad carregado com uma lista de nomes e fotos. — Seu grupo inclina para os mais jovens, ele deu à maioria dessas crianças o treinamento básico. Dos mais velhos, Eli cuidou.
— Vou me atualizar com eles. — Adria sabia quão importante era que os três trabalhassem como uma unidade. — Quem está treinando as crianças maternais? — Um segundo depois, ela estralou os dedos, sua loba empurrando-a. — Eu aposto que é o Drew.
Riley riu. — Meu irmão sabe como andar na fina linha entre se assegurar de que eles nunca se esqueçam de que ele é mais dominante, e não irritá-los. Ele tem quarenta em seu grupo, está trabalhando com eles há meses.
Adria assobiou. — É um número grande.
— Acontece que nós temos mais que o número normal de nascimentos de quatorze a dezoito anos atrás. Uma porcentagem estatisticamente significante desses filhotes está se descobrindo dominante, soldados e maternais, mas isso está afetando todos os níveis da hierarquia.
A loba de Adria ergueu seu focinho em um uivo silencioso, de luto quando entendimento correu por suas veias. Changelings eram a raça menos fértil entre as três, mas fora observado várias vezes que quando um clã perdia um número brutal dentre os seus em um curto espaço de tempo, os índices de nascimento aumentavam nos anos seguintes. E os SnowDancer sofreram perdas de partir o coração duas décadas atrás.
Riley tinha o mesmo conhecimento solene em seus olhos quando disse, — Perguntas?
— Algo que eu precise saber sobre as crianças que não seja imediatamente aparente?
— Walker é provavelmente a melhor pessoa para responder a isso, — Riley disse, pegando seu celular. — Eu vou ver se ele está disponível.
Walker não estava na toca, mas conseguiram falar com ele em seu celular. — Ligue-me em qualquer estágio, — ele disse depois que terminaram de checar a lista, sua compreensão quanto às crianças que ela estaria ensinando, mostrando uma sensibilidade às necessidades dos jovens que ressoava profundamente dentro dela. —Eles sabem que podem vir a mim independente do quê, e podem até fazer isso até que confiem em você, eu te avisarei se quaisquer problemas aparecerem.
— Valeu.
Finalizando a ligação logo após, Riley disse, — A metade do seu grupo está numa viagem de campo, mas eles chegarão às sete. A menos que você tenha outro compromisso, nós te encontraremos as oito.
— As oito está bom. Vemos-nos mais tarde. — Ela saiu do escritório, decidindo usar seu tempo livre para explorar mais profundamente o território, como Hawke pedira.
Só esteve andando por um minuto quando viu a cena mais incrível.
Dois pequenos filhotes de leopardo correram em torno da esquina, obviamente apostando entre si... para parar subitamente, garras arranhando pedra, quando a viram. Duas cabeças se ergueram. Dois pares de olhos de um belo verde dourado encararam os dela.
Olhando em volta, Adria viu que o corredor estava vazio. — Eu não acho, — ela sussurrou, se agachando para acariciar o pelo do que estava mais perto a ela, — Que vocês deveriam estar aqui. — DarkRiver e SnowDancer eram aliados de sangue, mas deixar uma criança vagar sozinha na toca era um passo imenso além disso. Então ou esses dois adoráveis causadores de problemas - estavam agora exigindo serem acariciados - tinham escapado de sua mãe frenética, ou de alguma forma tinham se infiltrado. Adria diria que eram muito pequenos para percorrer a distância entre as terras SnowDancer e o território DarkRiver, mas ela conhecia muitas crianças capazes.
O som de mais garras contra pedra, bem antes de um minúsculo filhote de lobo atacar os leopardos por trás. Aturdida, ela estava prestes a separá-los quando percebeu que os grunhidos, rugidos e patadas eram só de brincadeira. Levantou-se, sua loba muito divertida para pensar em estragar a brincadeira deles.
— É uma bela visão.
Os cabelos em sua nuca se eriçaram com o profundo timbre daquela voz masculina, mas ela não se assustou, tendo sentido o exótico cheiro de pinheiros com uma pitada de citrus que era o cheiro de Riaz. — Sim, — ela disse, orgulhosa de si mesma por manter-se calma.
Outro cheiro. Desconhecido. Feminino.
Os leopardos se separaram num pulo como se tivessem sido banhados em água fria, e de repente, estavam sentados silenciosos e adoráveis, os três mais comportados pequeninos que Adria já vira. — Pequenos fingidores, — ela disse, tentando esconder sua risada.
Ao lado dela, Riaz tossiu bem na hora em que uma morena alta dobrava a esquina.
— O quê, — a mulher disse para os filhotes, — Nós não conversamos antes de sair de casa? — Cruzando os braços, bateu um pé impacientemente no chão.
O filhote de lobo latiu.
— Quieto, Ben. Esses dois deveriam ter me esperado enquanto eu terminava de conversar com Lara.
Abaixando suas cabeças, os leopardos deram miados lastimosos. Adria viu a diversão nos olhos da mulher que deveria ser a mãe, mas sua voz quando falou, era firme. — Vocês tem escolha quanto à punição: não terão mais tempo para brincar com Ben e os outros filhotes, ou não terão bolo de chocolate de sobremesa hoje à noite.
Todos os três olharam para a mulher com absoluto choque.
A mulher permaneceu firme.
Os filhotes de leopardo acenaram para seu amigo, que era aparentemente mais atrativo que bolo de chocolate. Curvando-se, a morena pegou e beijou cada doce rostinho em resposta, inclusive o de Ben. — Agora vão esperar por mim ali, - ela indicou um ponto alguns metros abaixo no corredor, onde permaneceriam em sua linha de visão - a menos que queiram a hora de brincar permanentemente cancelada.
Somente quando os garotos caminharam para assumir dóceis posições sentadas, foi que a mulher encontrou os olhares de Adria e Riaz. — Eles me dão três cabelos brancos por hora. — Afeto exasperado.
— Tamsyn, — Riaz disse, o calor de seu corpo muito próximo, muito agressivo, — Essa é Adria.
Adria se forçou a pensar através de sua consciência enervante à respeito do macho perto dela. — A curandeira DarkRiver. — Todo o pessoal veterano foi informado sobre os DarkRiver há muito tempo atrás.
— Se você disser que não é parente de Indigo, — Tamsyn disse em resposta, — Eu vou comer minha bota... Se os gêmeos ainda não tiverem comido.
Rindo com o comentário, Adria admitiu o parentesco. — Visita social?
— Ashaya está aqui, também, — Tamsyn disse, se referindo à M-Psy acasalada com um sentinela DarkRiver. — Nós queríamos conversar sobre Alice, repassar alguns escaneamentos.
— Alice — era Alice Eldridge, uma cientista humana que tinha sido colocada em suspensão criogênica há mais de cem anos atrás e agora dormia em um coma que ninguém conseguia quebrar. Adria não conseguia imaginar como seria a vida de Alice se ela acordasse, o mundo tinha mudado drásticamente desde o começo de seu sono forçado. Seus amigos, sua família, cada um e todos eles haviam virado pó. E ainda assim Alice sobreviveu.
— É melhor eu voltar e organizar uma escolta para os arruaceiros, — Tammy disse, olhando sobre seu ombro para as crianças com um sorriso afetuoso. — Foi um prazer te conhecer, Adria.
O silêncio que caiu após a partida de Tamsyn e dos garotos foi estranho. Porém, quando Adria teria continuado seu caminho, Riaz a barrou. Linhas de tensão marcavam seu rosto, uma sombra pesada sobre o ouro velho de seus olhos, mas suas palavras foram inesperadamente generosas. — Eu tenho um tempo livre, por que não te mostro algumas das partes mais escondidas do território da toca?
Inquieta, Adria olhou para cima, se encontrou incapaz de ler a expressão dele. Passara tempo demais com outro homem cuja expressão ela não conseguia ler, então foi honesta em sua descrença. — Qual possível razão você poderia ter para me convidar para passar tempo com você quando nós dois sabemos como você se sente à meu respeito?
Riaz havia esperado as garras, seu lobo recebendo o golpe sem vacilar. — Porque, — ele disse, mantendo a decisão que tomou naquela fria, solitária manhã depois da cerimônia de Hawke e Sienna, — Não é culpa sua você não ser minha companheira. — Parecia como se estivesse arrancado sua pele por admitir, mas ele devia a verdade à Adria. — E eu sinto muito por te punir por isso.
Adria congelou após sua primeira frase, horror sombreando escura e violentamente sobre seus limpos, belos traços. — Você encontrou sua companheira? Como você pôde me beijar?
Ele não queria falar sobre isso, queria fingir que nunca colocara os olhos sobre Lisette, mas o tempo de se esconder atrás da raiva e recusar obstinadamente reconhecer a verdade havia acabado. — Ela é casada. — Apaixonada por outro homem. Coop estava certo, ele poderia deixar isso destruí-lo, ou poderia reconstruir uma nova vida a partir dos cacos quebrados da antiga.
Ele era um lobo, um dominante, um protetor. Desistir e deixar seu clã sem sua força simplesmente não estava em sua natureza. Então encontraria uma forma de sobreviver, e se tornar novamente um homem que conseguiria encarar no espelho com orgulho.
Na frente dele, os olhos de Adria se tornaram o pálido, assustador âmbar de sua loba em dolorosa simpatia. Sua mandíbula cerrou. Ele não queria pena, havia dito somente porque ela havia suportado o peso de sua raiva mesmo sem ter culpa. Mas não havia nenhum sinal de pena em sua resposta, simplesmente uma quente generosidade de espírito que o abalou. — Se seu lobo não estiver inquieto com minha presença, — ela disse, — Então eu agradeceria sua ajuda.
Inquieto?
Riaz engoliu uma risada rouca. — Nós vamos dirigir através da seção que você já conhece bem, — ele disse, determinado a tratá-la com a cortesia que ele deveria ter mostrado desde o começo, independente da fome por toque que continuava a pressioná-lo, — E explorar uma parte menos acessível da área restante a pé.
Adria permaneceu em silêncio até que haviam dirigido por no mínimo dez minutos, mas era um silêncio cheio de coisas não ditas. Quando falou, ele se encolheu.
— Você... Teve uma chance?
Suas mãos flexionaram-se no volante. — Ela ama o marido. Simplesmente a encontrei tarde demais. — Ele se arrependeu de dizer assim que havia falado, seu lobo desconfortável com a súbita, rígida vulnerabilidade. — Indigo sabe de tudo — e ele queria que ela não soubesse — Mas ninguém mais sabe, então se você pudesse...
— Eu não vou dizer nada, — ela prometeu, naquela voz ligeiramente rouca que era uma provocação involuntária. — Você pode conversar comigo sobre isso, sabe. — Uma hesitação. — Não pode ser bom guardar tudo isso.
Colocando o veículo no modo suspenso, ele os levou por um caminho pedregoso. — Não há muito que falar. — Não estava sendo obstinado, o que mais havia para ser dito? Lisette pertencia a outro homem, e Riaz tinha que descobrir um jeito de viver com isso.
— Não, eu suponho que não haja. — Sem falar novamente até que saíram do veículo, em uma seção relativamente isolada do território da toca, ela disse, — Vamos ficar em forma humana. Será mais fácil para conversar.
Ele assentiu, algumas seções seriam difíceis de transpor sobre dois pés, mas eles sempre poderiam reconsiderar mudar de forma naqueles pontos.
Enquanto andavam, ele viu Adria absorver tudo com aqueles olhos estonteantes de um azul violeta. Era a primeira vez que ele realmente olhava para ela, sem ser cegado pela cáustica mistura de raiva e desejo que havia colorido suas interações anteriores. Havia uma força de aço no olhar dela, como se tivesse sido temperada em dor e saído mais forte, menos quebrável.
Sua fascinação por ela mudou uma fração, se tornou mais sutil, mais complexa... Mais perturbadora, quando ele percebeu que queria saber a dificuldade que a havia afiado. — Há algo que você deveria ver aqui, — disse-lhe, pego entre as necessidades concorrentes de uma fidelidade que o destruiria, e uma traição sedosa que poderia rasgá-lo ao meio.
Vinte e três
— Você vê seus pais frequentemente? — ele perguntou quase duas horas depois, incapaz de resistir ao impulso de resolver o mistério que era ela.
Uma pausa expectante cheia somente com o som do vento farfalhando através das árvores. — Não tanto quanto deveria.
Lendo a tensão na linha de suas costas, sabia que ela queria que ele deixasse o assunto para lá, mas independente de tudo o mais, nunca fora um homem que recebia ordens quando não as queria receber. — Estranho para um lobo.
Nenhuma resposta enquanto eles caminhavam pela clareira verde por causa da primavera. Só quando estava começando a acreditar que ela simplesmente ignoraria sua pergunta, ela disse, — Eu estava em um relacionamento. Um que deixava meus pais infelizes. — Palavras simples que não diziam nada.
— Eles te fizeram escolher?
— Não, mas nós acabamos discutindo sobre isso todas as vezes em que os visitava. — Ela suspirou. — Tarah, Indigo, nenhuma delas aprovava, mas me deixavam em paz na maior parte do tempo.
Riaz se perguntou que diabos havia de errado com o macho que Adria havia escolhido para que toda sua família não gostasse do cara. Porém, a expressão fechada em seu rosto disse-lhe que a conversa havia acabado; ele poderia pressionar, mas desta vez, ele decidiu ser paciente.
Lobas dominantes não reagiam bem à pressão além de certo ponto.
Enquanto ela caminhava alguns passos à frente, seus olhos permaneceram na pele suave exposta em sua nuca, sob a corda de sua trança. O calor dourado dela brilhava na luz do sol da montanha, e ele queria somente colocar aquela trança de lado e correr seus dedos sobre a pele.
Adria se afastou para o lado, seu cabelo roçando as costas da mão dele.
E ele percebeu que seus dedos haviam feito exatamente o que ele imaginara. — Merda, eu sinto muito.
Brilhantes olhos azul violeta riscados com dourado precioso o observaram com muito conhecimento. — Você precisa fazer algo sobre sua fome, Riaz.
A ideia de estar com qualquer mulher que não fosse Lisette fez seu corpo todo se revoltar, mas mesmo então, o cheiro de Adria, a lembrança de como ela se sentiu ao seu toque, era uma droga, um vício que o agarrava em poderosos dentes e o agitava. — Você pode voltar sozinha? — As palavras eram ásperas, seu lobo muito próximo da superfície.
Adria deu um simples, — Sim, — antes de virar e se afastar dele em um segundo, uma alta, forte mulher com cabelo tão escuro quanto ônix, e um orgulho que - ele sabia - nunca mais a permitiria convidá-lo para sua cama.
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