Ter estado no hospital por tantos dias, incapaz de ocupar a mente com leitura ou assistindo TV, o deixara com tempo suficiente para pensar. Também as sessões de terapia com a dra. Cameron haviam contribuído para que reavaliasse sua vida pessoal, embora de uma forma bastante dolorosa, pois trouxera à tona coisas que preferiria esquecer, como seu casamento desastroso, a morte de Júlia e a culpa que carregava sobre os ombros até hoje.
CAPÍTULO III
Por mais que tentasse, Sarah não conseguia dormir, abalada por sensações estranhas e aflitivas. No momento tinha certeza de apenas uma coisa: a proximidade de Wade Danforth deixava-a incerta, sem fôlego, como se estivesse a ponto de perder o controle das emoções.
Ela ajeitou-se na cama pela centésima vez e, finalmente, caiu num sono pesado e inquieto.
— Ei! Sarah Jane Morrison, você está acordada? Quero saber que horas são! — Wade gritou lá de cima.
Sem obter qualquer resposta, desceu cuidadosamente as escadas e parou em frente ao quarto de hóspedes. Depois de bater na porta e chamar outra vez, sem ser atendido, decidiu entrar.
O barulho do chuveiro sendo desligado o fez caminhar na direção do banheiro e, sem hesitar um segundo, foi dizendo:
— Sarah Jane Morrison, quero saber que horas são.
Trêmula de susto, o corpo nu ainda pingando água, ela agarrou a toalha e tentou cobrir-se. Havia indignação e uma pontada de medo nas palavras ditas em voz baixa:
— Como ousa entrar sem pedir licença enquanto estou tomando banho?
Não era a primeira vez, em todos esses anos trabalhando com cegos, que algo daquele tipo lhe acontecia e, embora racionalmente soubesse muito bem não haver motivos para embaraço, sentia-se exposta e vulnerável diante de um homem capaz de despertar-lhe sensações inexplicáveis e confusas.
— Sarah Jane Morrison — Wade insistiu, sem se dar por achado. — Quero saber que horas são.
— Não costumo usar relógio quando estou no chuveiro — retrucou ela, tentando manter o controle. — Agora, se você puder esperar que eu me enxugue e me vista, então...
— Não. Quero saber já.
Sarah enrolou uma toalha ao redor do corpo e outra em volta dos cabelos molhados, pensando no quanto seria bom se seu paciente possuísse um relógio falante, do tipo que se aperta um botão e o chip do computador diz a hora.
— Wade, vá ao telefone e ligue para o serviço de hora certa.
— Eu não sei o número.
Se ele pretendia agir como uma criança, talvez fosse melhor tratá-lo como tal.
— Então vá para o seu quarto e me espere lá. Irei tão logo me vista.
Com esforço, Sarah recuperou o controle da situação e pôde até mesmo observar a maneira com que o homem à sua frente estava vestido: calça de moletom, camiseta do lado do avesso e meias de cores diferentes.
— E não se esqueça de colocar a camiseta do lado direito! — Avisou-o num tom divertido. — Também as meias não pertencem ao mesmo par. Nós daremos um jeito no seu armário para que isso não aconteça de novo.
— Como posso saber se as minhas meias estão ou não desencontradas? — Wade perguntou, irritado.
— É o que planejo explicar-lhe depois do café da manhã, tão logo você saia daqui e deixe me vestir.
— Eu ainda quero saber que horas são — resmungou ele saindo e fechando a porta.
Sarah deixou-se cair numa poltrona ao lado da cama, esforçando-se para manter-se serena. Estava naquela casa havia apenas vinte e quatro horas e não sabia se conseguiria permanecer ali até a próxima consulta de Wade com a dra. Cameron, dentro de dois dias.
Não era a irritação ou as exigências dele o que a incomodava, pois tratava-se de um comportamento previsível em situações similares. As explosões de temperamento tinham origem no medo de ter que passar o resto da vida sem enxergar, e por mais equilibrada que fosse a pessoa, ela precisava extravasar a ansiedade.
Porém, aquele homem era diferente, pois despertava em seu íntimo emoções que não sabia decifrar. Como manter uma postura estritamente profissional, quando a simples proximidade de seus corpos a abalava tanto? Precisava discutir o assunto com a dra. Cameron o quanto antes.
Ao invés de ir para o seu quarto, Wade rumou para a cozinha, chateado por ter sido tratado como uma criança, embora soubesse que merecera a lição.
Mas tudo o que queria saber era se já amanhecera! Na verdade, deveria ter prestado maior atenção aos detalhes. Se Sarah estava no banho e se os pássaros cantavam lá fora, poderia ter concluído que a noite terminara, sem armar aquela cena desagradável.
Não havia desculpas por entrar no banheiro de uma hóspede de maneira tão intempestiva, ainda que não fosse capaz de enxergá-la. Precisava desculpar-se pelo incidente.
Wade lembrou-se do que ela havia lhe dito sobre as roupas e, ao tatear as costas da camiseta, percebeu que a etiqueta estava mesmo do lado dê fora. Devagar, desfez o engano, sorrindo ao perceber como era simples evitar aquele tipo de erro.
— Vejo que agora você conseguiu vestir a camiseta da maneira correta! — Sarah exclamou entrando na cozinha.
— É, não foi difícil — retrucou ele virando a cabeça na direção da voz. — O que tem de errado com as minhas meias? São de cores diferentes? A textura é a mesma.
— É verdade, ambas são de algodão, embora uma seja branca e a outra vermelha. Bom, acho que vou começar a preparar o café.
Ao passar perto de Wade, ele agarrou uma ponta da camisa larga e puxou-a, até sentir o corpo de Sarah junto ao seu. Segurando-a firmemente pelos ombros, e fazendo-a estremecer da cabeça aos pés, murmurou:
— Sarah Jane Morrison, desculpe-me por ter invadido o seu banheiro. Eu não deveria ter feito aquilo. É que, bem... —De repente as palavras saíram aos borbotões, como um dique rompido. — É tão frustrante não ser capaz de fazer coisa alguma por mim mesmo. Algo tão simples como saber as horas encerra tantas dificuldades... Nem mesmo sei se é dia ou noite. De certa forma pensei que ao chegar em casa tudo ficaria bem, que um milagre me traria de volta o que perdi. Mas continuo na mesma. Jamais voltarei a ser o que era.
Se Wade fosse qualquer um de seus outros pacientes, Sarah não hesitaria em abraçá-lo, num gesto de conforto e carinho, demonstrando, assim, que alguém mais o compreendia e apoiava. Entretanto, não conseguia sentir-se à vontade na presença daquele homem másculo, assustada com a força das emoções que ele despertava em seu íntimo. Foi preciso um esforço consciente, e todos os anos de prática, para fazê-la agir da maneira correta.
— Não é verdade o que você está dizendo, Wade — murmurou, tocando-o de leve no braço. — Tudo ficará bem. Por favor, acredite-me.
Então ele abraçou-a com força, com a urgência dos que se sentem desesperados, com o medo dos que se julgam inúteis e incapazes. Pela primeira vez Wade admitia para si mesmo o quanto estava assustado, preocupado com o futuro, e estreitava Sarah em seus braços como quem se agarra à própria vida.
Por sua vez, ela debatia-se entre a lógica e a emoção. A razão explicava-lhe os sentimentos experimentados por Wade, porém não conseguia entender as sensações novas e confusas que lhe atormentavam a alma.
O som da campainha rompeu a intensidade do momento, trazendo-os de volta à realidade de maneira abrupta.
— Eu não pretendia agarrá-la dessa maneira — ele falou, desconcertado. — Eu...
— Está tudo bem — Sarah respondeu, adotando uma postura profissional. — Todos nós precisamos de um abraço ocasional. Da próxima vez em que se sentir deprimido e precisar de um abraço, fale comigo. E quando eu me sentir angustiada, também lhe pedirei ajuda. Combinado?
— Combinado.
Aquele era um bom sinal. Finalmente Wade estava abrindo a guarda e deixando-a vislumbrar o que se passava em seu íntimo. Foi com o coração mais leve que ela atendeu à porta e deparou com um homem alto, magro, beirando os quarenta anos.
— Sim? Em que posso ajudá-lo?
— Bom dia. Meu nome é Richard Butler. Sou o advogado de Wade.
— Prazer em conhecê-lo. Sou Sarah Morrison. Por favor, entre.
— Sei que é cedo demais, mas eu estava ansioso para ver meu amigo. Ele já se levantou?
— Sim, e tenho certeza de que a sua companhia lhe fará um bem enorme. Vamos até a cozinha.
— Wade, que bom vê-lo em casa! — Richard exclamou aproximando-se.
— Rich! Como está você, amigão?
— Tudo ótimo. Estava passando pela vizinhança e resolvi lhe fazer uma visita.
— Passando pela vizinhança? — Wade não conseguia conter as risadas. — Essa é boa! Você mora a quilômetros daqui e trabalha no centro de Seattle. Como pode considerar uma pequena ilha, plantada no meio de um lago, como "vizinhança?" Vou me lembrar dessas palavras da próxima vez em que você se queixar da distância entre a minha casa e o seu escritório.
Sarah escutava a conversa dos dois homens em silêncio, enquanto preparava mais café e alguns pãezinhos. Nunca, até então, vira Wade tão relaxado ou divertindo-se tanto na companhia de alguém. Sem dúvida, além de sócios nos negócios, eles deviam ser amigos íntimos.
— Richard, você com certeza já se apresentou a Sarah Jane Morrison, minha babá residente. Infelizmente ela não está se saindo muito bem na tarefa de me vestir. — O sorriso divertido de Wade deixava transparecer todo seu bom humor. — Não pôde nem mesmo encontrar meias de uma só cor!
— Sim, Sarah e eu já nos apresentamos. E o meu conselho profissional é...
— Oh, não! Cada vez que você começa uma frase com meu conselho profissional, termina sempre me mandando uma conta enorme.
Rich riu e piscou para Sarah, feliz por ver o amigo animado e bem disposto.
— Desta vez não cobrarei nada, será uma oferta especial, OK? Meu conselho profissional é que você faça o que ela mandar. Ouça as instruções com atenção e tenho certeza de que se sairá bem. Senão... eu a levarei para a minha casa e você poderá ficar aqui sozinho e emburrado.
Sarah sentiu-se enrubescer. Aquela era a primeira vez que dois homens brincavam a seu respeito de uma maneira carinhosa, como se ela fosse alguém especial.
— Aposto que sua esposa irá adorar a ideia — Wade respondeu com um sorriso maroto.
— Não se preocupe, Sarah e eu daremos um jeito em Margie.
— Como vai Margie? — Wade perguntou muito sério. — Diga-lhe o quanto sou grato pelas visitas e telefonemas durante o tempo em que estive no hospital. A gente se sente muito solitário e os dias parecem durar indefinidamente quando se perde a...
Wade se sentira magoado quando muitos daqueles a quem considerava amigos tinham deixado de visitá-lo, ou mesmo de telefonar-lhe, depois dos primeiros quinze dias em que estivera hospitalizado. Até Traci fora visitá-lo apenas duas vezes! Entretanto, Rich e Margie haviam sido exceções. Não passara um único dia sem que pelo menos um dos dois telefonasse ou passasse no hospital para dizer "olá".
Sentindo a tensão ameaçar tomar conta do ambiente, Sarah interveio:
— Acabei de coar o café e também fiz alguns pãezinhos. Posso colocar um lugar à mesa para você, Richard?
— Sim, obrigado.
Os três sentaram-se à mesa e passaram alguns minutos falando de coisas divertidas e inconsequentes enquanto se deliciavam com o café da manhã. Sarah ouvia atentamente os dois homens conversarem sobre os bons tempos, quando haviam partilhado festas, viagens de fim de semana, férias, iatismo e até namoradas. Wade ria com facilidade, deixando vir à tona sua personalidade cativante.
— Embora a conversa esteja ótima — Rich falou olhando para o relógio —, temos negócios a discutir. Na verdade trouxe alguns papéis para você assinar, amigo. Não levará mais do que um minuto.
— E você falou que estava apenas passando pela vizinhança, hein? — Wade provocou-o. — O que devo assinar desta vez?
— Vou deixá-los a sós enquanto resolvem assuntos de trabalho — Sarah falou levantando-se e caminhando para o seu quarto.
Tão logo fechou a porta, ela olhou-se no espelho, reparando que não tivera tempo de prender os cabelos no coque habitual. Entretanto, a seus olhos amargos, aquela imagem um pouco menos severa não a tornava mais atraente. Que tipo de mulher interessaria a Wade Danforth? A inteligente e espirituosa ou a bonita e vazia?
Sarah repreendeu-se por alimentar tais pensamentos absurdos, baseados em preconceitos tolos. Afinal, uma mulher bonita não tem que ser necessariamente burra.
Decidida a trabalhar, sentou-se à escrivaninha e abriu o caderno de anotações, onde deveria registrar os progressos de Wade a serem discutidos na próxima consulta com a dra. Cameron.
Porém, por mais que tentasse, não conseguia chegar a conclusão alguma sobre o estado de seu paciente, e as páginas do caderno permaneciam em branco. Tudo o que podia pensar era no corpo másculo e forte, no rosto bonito, na boca sensual...
Exasperada com suas reações pouco profissionais, Sarah fechou o caderno e ficou de pé, atenta ao som das vozes masculinas que pareciam se despedir. Interessada em um minuto a sós com Rich, ela rumou para a varanda e o aguardou lá.
— E não se esqueça do jantar sábado à noite — o advogado estava dizendo. — Enquanto isso, trate de se comportar ou pelo menos seja educado com Sarah, OK?
— Sim, verei o que posso fazer—Wade respondeu, sem conseguir evitar um certo sentimento de culpa.
Impossível não reconhecer o quão rudemente vinha agindo em relação a uma pessoa que só queria ajudá-lo. Precisava aprender a controlar a angústia e não descontar nos outros a frustração causada por sua condição atual.
— Diga-me a verdade — Rich pediu tão logo se viu a sós com Sarah. — Quais são as chances de Wade recuperar a visão?
— O dr. McKendrick diz...
— Por favor, já conversei com o dr. McKendrick e ouvi todas aquelas palavras cautelosas. Sou advogado, portanto acostumado a ouvir e reconhecer meias verdades. Quero a verdade pura e simples. Quais são as chances reais?
— Você e Wade me parecem muito amigos.
— Somos amigos desde antes da morte de Júlia, antes mesmo que eu me casasse com Margie. Posso entender a sua relutância em me dar informações, por isso serei sincero quanto a certas preocupações minhas. Os hábitos de consumo de Wade não o deixaram na melhor das situações financeiras para enfrentar uma emergência. É claro que há o dinheiro do seguro, porém a quantia não irá durar para sempre, especialmente porque não se pode precisar quando ele voltará a trabalhar. Daqui a um ano, no máximo, teremos de começar a pensar em vender alguns dos seus bens, como, por exemplo, o barco. Eu preciso ter ideia do que está por vir, para que possa fazer um planejamento a longo prazo. Se a situação for mesmo sem esperanças, tenho que cortar certos gastos a partir de agora.
— Entendo. Há uma chance de cinquenta por cento que Wade recupere a visão naturalmente, sem intervenção cirúrgica. O dr. McKendrick planeja esperar três meses até optar pela operação, pois se trata de um procedimento delicado e o sucesso não é garantido.
— Então temos que aguardar e ver o que acontece dentro dos próximos noventa dias.
— Exato. Meu trabalho é ajudá-lo a ajustar-se num mundo sem imagens, a agir com independência e autossuficiência. Ficarei aqui uma semana, talvez um pouco mais, dependendo de como ele aceite a realidade e aprenda a lidar com o medo escondido sob a raiva e irritação aparentes. Wade possui uma personalidade muita complexa e a situação se agrava porque todo o seu mundo parece apoiar-se em estímulos visuais. Seria bom se ele se interessasse por música, ou tocasse algum instrumento.
— Creio que o interesse dele por música se resume à dança. Puxa, o tempo voou! — Rich exclamou olhando para o relógio. — Preciso correr para o escritório. Há algo de que Wade esteja precisando?
— O oferecimento é sério?
— Claro que sim! O que você tem em mente?
— Wade parece obcecado com as horas, o que é bastante comum em circunstâncias assim. Ele poderia fazer bom uso de um determinado relógio, um relógio muito especial.
— Sarah Jane Morrison, onde está você? — Wade chamou-a, parado no meio da sala de estar. — Sarah Jane Morrison, responda-me!
O telefone tocou. Ele permaneceu imóvel durante alguns segundos e então caminhou para a saleta ao lado, onde ficava o aparelho mais próximo.
— Wade, querido! — Traci falou, melosa. — Só queria lhe dizer que estarei aí às dezoito horas e não às dezenove e trinta como tínhamos combinado.
— O que há de errado com a hora marcada? — ele perguntou, irritado.
— Não seja. petulante, benzinho. Afinal de contas você não vai mesmo sair, pois não tem nada o que fazer. Estarei aí logo, logo.
A linha ficou muda. Wade sentou-se na poltrona mais próxima, o rosto másculo e belo transformado numa máscara de ódio.
— O telefone estava tocando? — Sarah perguntou entrando na saleta.
— Onde diabo você se meteu? Cansei de chamá-la!
— Estou aqui agora — respondeu ela sem se abalar. — Há algo errado?
— O telefone estava tocando — ele falou um pouco sem jeito, percebendo quão pouco razoável fora sua explosão.
— É mesmo? E a ligação era para mim?
-r- Não... Para mim.
— Então por que ficou me chamando? Parece-me óbvio que você atendeu ao telefone e depois veio para a sala de estar sem precisar da minha ajuda.
— Que horas são, Sarah Jane Morrison? — Wade perguntou, mudando de assunto.
— Onze e meia da manhã — respondeu ela, sorrindo para si mesma. Rich tinha lhe prometido mandar entregar o relógio especial ainda hoje. Seria o presente perfeito para levantar o espírito de Wade e dar-lhe uma certa sensação de independência.
— Onze e meia? Então daqui a pouco estaremos almoçando. A que horas nos levantamos?
— Eu não sei lhe dizer a que horas você acordou, mas tenho certeza de que invadiu o meu banheiro às sete e meia.
— Sarah Jane Morrison, você está debochando de mim?
— Eu? — Ela riu com alegria, divertindo-se com a pequena provocação. — Como pode pensar uma coisa dessas a meu respeito? Então você me considera o tipo de pessoa capaz de debochar de um homem que está usando uma meia branca e outra vermelha?
Ele riu com gosto, sentindo um pouco da tensão abandonar lhe o corpo devagar.
— Sabe, gostei tanto deste par que pretendo comprar outro igual.
— Que tal arrumarmos o seu armário agora? Assim as suas roupas ficarão organizadas e você saberá o que é o quê.
— Acho que preciso de um daqueles seus abraços ocasionais — Wade murmurou, muito sério, estendendo a mão na direção de Sarah e puxando-a para perto de si.
Seus pensamentos estavam na breve conversa que tivera com Traci minutos atrás e como ela deixara claro o quanto o julgava inútil. A mudança arbitrária do horário da visita fora um sinal evidente de pouco caso.
Sarah estremeceu quando seus corpos se tocaram de leve e, embora o contato não tivesse nada de agressivo, estava longe de ser totalmente inocente.
— Você está tremendo — ele sussurrou. — Está com frio?
Incapaz de responder, ela baixou o olhar, assustada com as batidas violentas do próprio coração.
CAPÍTULO IV
— Sim, está um pouco frio aqui — Sarah falou, tentando controlar o tremor da voz. — Acho que vou vestir um suéter.
— Espere! — Havia urgência e quase uma súplica naquela única palavra. — Não vá ainda, espere um minuto... Por favor.
Wade acariciou lhe os cabelos, o toque suave perturbando-a profundamente. Ansiosa para escapar ao turbilhão de emoções que parecia engolfá-la, Sarah procurou desvencilhar-se do abraço.
— Precisamos trabalhar um pouco. Metade do dia já passou. Suas roupas, lembra-se? Era o nosso projeto para hoje à tarde.
— É... Minhas roupas — ele murmurou, relutando em deixá-la.
— Mas acho que seria melhor almoçarmos antes de pormos mãos à obra.
Sarah seguiu-o até a cozinha, perguntando-se o porquê daquela mudança abrupta de atitude. De alguma maneira Wade parecia-lhe menos inseguro e hesitante do que vinte e quatro horas atrás.
— Bem, você é mais autossuficiente do que deixou transparecer a princípio — ela comentou ao vê-lo distribuir pratos e copos sobre a mesa.
— Na verdade, pôr a mesa não é tão difícil assim. Afinal, trata-se da minha cozinha e não preciso me preocupar se as cores da louça combinam entre si. Agora, quanto à comida, isto é outra história.
— Então vamos começar nosso trabalho pela cozinha e depois veremos suas roupas, OK?
Depois de um almoço rápido, eles passaram o resto da tarde organizando cada armário e prateleira, distribuindo a comida na geladeira e freezer de maneira lógica e separando as latas e os mantimentos de acordo com o conteúdo.
— Diga-me, Sarah Jane Morrison, eu passei no teste? — Wade perguntou sorrindo, quando deram a tarefa por terminada. — É seguro deixar-me sozinho na cozinha agora? Serei capaz de me virar sem morrer de fome?
— Sim, acho que já posso deixá-lo só. Na verdade, creio que amanhã será você o encarregado de preparar nosso café.
— Será que é mesmo uma boa ideia? Mas você vai me ajudar, não vai? — Havia uma certa ansiedade naquela voz profunda. — Afinal, posso cometer um engano e pôr fogo na casa!
Antes que Sarah pudesse responder, a campainha tocou.
— Entrega para o sr. Wade Danforth. Você é a esposa dele? — indagou um rapaz alto e sorridente.
— Não, mas receberei o pacote.
— Assine o recibo, por favor.
Depois de assinar, ela pediu ao entregador para esperar um momento enquanto ia buscar lhe uma gorjeta. O rapaz aproveitou a ocasião para inspecionar a sala de estar e seu conteúdo, reparando no homem sentado no sofá, parecendo fitar o vazio.
— Como vai, companheiro? — perguntou, acenando. — Lindo dia, não?
— Quem está aí?
— É apenas uma entrega, Wade. Um pacote para você — Sarah explicou, dando a gorjeta ao rapaz e fechando a porta. — Agora vamos ver o que é! O cartão está em nome de Rich e Margie.
Rich e Margie me mandaram um presente?
— Sim, Quer que eu abra o embrulho?
— Claro!
— Me dê seu braço esquerdo — ela pediu, ajustando o relógio no pulso forte.
— O que é?
— Um relógio muito especial, capaz de "falar". Tudo o que você precisa fazer é apertar este botão. Experimente.
— "Quarta-feira, dezessete horas e quarenta e cinco minutos" — entoou a voz computadorizada.
— Que maravilha! — Wade exclamou, entusiasmado.
— Além de ser à prova d'água, a bateria dura anos.
— Anos, hein? Então estarei precisando deste objeto por tanto tempo assim?
— Não, de jeito nenhum! Eu só quis dizer que não é preciso dar corda.
— Verdade? Acho melhor eu telefonar para Rich agora e agradecer a gentileza.
O tom de voz triste e desanimado não passou despercebido a Sarah. Decidida a não deixar-se abalar pelo pessimismo, ela rumou para o quarto de Wade e começou a inspecionar os armários.
— Sarah Jane Morrison, onde está você?
— Aqui em cima. Você precisa de alguma coisa?
— Dê-me apenas uns minutos e logo estarei aí. Já estou subindo...
— Sarah Jane Morrison, onde está você agora? — ele perguntou ao atingir o último degrau.
— Bem aqui, ao seu lado.
— Acho que estou precisando de um daqueles abraços consoladores. Por favor.
Ela deixou-se abraçar, perguntando-se se Wade não estaria se aproveitando um pouco da situação.
— Rich me contou que o relógio foi ideia sua. Obrigado. Num impulso, ele deslizou os lábios pelo rosto macio de Sarah, até que suas bocas se encontraram numa caricia breve e suave.
— Que cena comovente! — interrompeu-os uma voz feminina e irônica.
Com as faces em fogo, Sarah desvencilhou-se do abraço, o coração batendo descompassado.
— Traci, é você? — Wade perguntou, virando-se na direção de onde viera o som.
Recuperando-se do choque, Sarah desceu a escada quase correndo para receber a recém-chegada:
— Você deve ser Traci Sinclair — falou, estendendo a mão. — Sou Sarah Morrison.
Ignorando a mão estendida, Traci deu-lhe as costas e subiu os degraus sem esconder a raiva:
— Qual é o significado disso tudo, Wade?
— Disso tudo o quê?
Percebendo a tensão do ambiente, Sarah foi para seu quarto, fechou a porta e sentou-se na cama. Sim, Traci Sinclair era linda, o tipo de mulher capaz de encaixar-se com perfeição na vida de um homem acostumado a cercar-se apenas do belo. Incapaz de conter as lágrimas, chorou como não o fazia desde que deixara a casa do ex-marido. Oh, Deus, estava com medo, sim. Com medo do que poderia acontecer se insistisse em permanecer na casa de Wade Danforth, quando o bom senso lhe dizia para afastar-se do caso o quanto antes.
Sem que pudesse deter a torrente de lembranças, Sarah sentiu-se transportada para quase doze anos atrás. Ainda no cartório onde se realizara a rápida cerimônia de casamento com Wardell Morrison, um fazendeiro rude, trinta e três anos mais velho do que a noiva, ela fora obrigada a ouvir brincadeiras sujas e insinuações em linguagem chula sobre o que aconteceria na noite de núpcias ditas pelos amigos do noivo.
Vestindo uma camisola de flanela comprida, trêmula de pavor, Sarah metera-se na cama e permanecera em silêncio. Nu e bêbado, Wardell atirara-se sobre ela, ordenando-lhe que abrisse as pernas.
Sem dizer mais nada, ele arrancara-lhe a camisola e a penetrara com violência, enquanto lhe apertava os mamilos com força. Sarah gritava de dor e depois de alguns minutos, que pareceram durar uma eternidade, Wardell virara-se para o lado e caíra num sono pesado.
Desesperada e dolorida, Sarah tentara engolir os soluços, sentindo a alma tão destroçada quanto o corpo. Aquela fora a sua estreia na vida sexual.
Nunca em sua vida experimentara um relacionamento verdadeiramente amoroso e não tinha ideia de como era fazer amor com um homem carinhoso e gentil, capaz de fazê-la experimentar sensações íntimas e prazerosas. É claro que havia lido livros sobre o assunto e imaginava como poderia ser; entretanto, estava certa de que jamais viveria uma emoção daquelas.
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