O estado de “fluxo" e o sorriso de Buda Para viver em harmonia na sociedade humana, precisamos encontrar e manter um equilíbrio. Um equilíbrio entre nossas reações imediatas, instintivas, emocionais e as respostas racionais que preservam nossos elos sociais a longo prazo. A inteligência emocional é mais bem expressa quando os dois sistemas - os cérebros cortical e límbico - cooperam constantemente. Nesse estado, nossos pensamentos, decisões e movimentos se fundem e fluem naturalmente, sem que precisemos prestar atenção neles. A cada momento sabemos que escolha fazer. Perseguimos nossos objetivos sem esforço, com concentração natural, uma vez que nossas ações estão em harmonia com nossos valores. Esse estado de bem-estar é aquilo a que aspiramos continuamente. E o sinal de harmonia perfeita entre o cérebro emocional, suprindo energia e diretrizes, e o cérebro cognitivo, levando-o à fruição. O psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi cresceu no caos do pós-guerra na Hungria e dedicou sua vida a compreender a essência do bem-estar. Ele chamou de “fluxo” a essa condição de estado.19
Há um pequeno indício fisiológico para essa harmonia cerebral - o sorriso. Darwin examinou sua função biológica há mais de um século. Um sorriso forçado - um sorriso produzido para satisfazer convenções sociais - apenas mobiliza os músculos zigomáticos ao redor da boca, mostrando os dentes. Um “verdadeiro” sorriso, por outro lado, também mobiliza os músculos ao redor dos olhos. Esse segundo conjunto de músculos não se contrai por vontade própria - não obedece ao cérebro cognitivo.
A ordem deve vir da região límbica, primitiva, profunda. Isso explica por que os olhos nunca mentem. Suas rugas nos dizem se o sorriso é genuíno. Um sorriso caloroso, um sorriso real, nos permite saber intuitivamente que a pessoa com quem conversamos está, naquele exato momento, em estado de harmonia com o que está pensando e sentindo, entre a cognição e a emoção. O cérebro tem a habilidade inata para atingir o estado de fluxo. Seu símbolo universal é o sorriso no rosto de Buda.
O propósito dos métodos naturais que vou expor nos próximos capítulos visa promover essa harmonia ou a redescobri- la, caso tenha sido perdida. Em contraste com o Q.I., que muda muito pouco no curso da vida, a inteligência emocional pode ser cultivada em qualquer idade. Nunca é tarde para aprender a governar nossas emoções e relações com os outros. A primeira abordagem que descrevo aqui é provavelmente a mais fundamental. Ela consiste em otimizar nosso ritmo cardíaco a fim de resistir ao stress, controlar a ansiedade e maximizar nossa energia vital. E essa técnica-chave pode nos dar informações a respeito dos elos subjacentes que existem entre muitos métodos de cura emocional.
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O coração e suas razões
“Adeus”, disse a raposa. "Eis meu segredo. E simples: só se vê com clareza com o coração." ANTOINE DE SAINT-EXUPÉRY, O Pequeno Príncipe
O regente Herbert von Karajan uma vez disse que só vivia para a música. Ele talvez não soubesse quanto de verdade havia em sua declaração: Von Karajan faleceu no mesmo ano em que se aposentou, depois de trinta anos dirigindo a Orquestra Filarmônica de Berlim. Mas o que é ainda mais surpreendente é que dois psicólogos austríacos puderam prever isso. Doze anos antes, eles examinaram como o coração do maestro reagia enquanto ele realizava várias atividades.1 As maiores variações no batimento cardíaco de Von Karajan foram registradas enquanto regia uma passagem especialmente sentimental da Abertura Lenore de Beethoven. De fato, era só escutar essa passagem específica e ele voltava a experimentar praticamente a mesma aceleração de seu batimento cardíaco.
Nessa composição, outras passagens exigiam mais dele fisicamente, porém provocavam apenas um ligeiro aumento no batimento cardíaco. Quanto às outras atividades, era como se mexessem menos com o seu coração, por assim dizer. Quer estivesse aterrissando seu jato particular ou simulando uma retomada de levantamento de vôo de emergência, o coração de Von Karajan mal parecia notá-lo. Seu coração era todo devotado à música. E quando o maestro deixou a música, o coração parou de bater.
Quem nunca ouviu falar de um vizinho idoso que faleceu alguns meses após a esposa? Ou de uma tia-avó que morreu logo após a perda do filho? Era comum ouvir que alguém “morreu de coração partido”. A ciência médica costumava tratar tais casos com desdém, atribuindo-os a mera coincidência. Só recentemente, nos últimos vinte anos, várias equipes de cardiologistas e psiquiatras começaram a prestar atenção neles. Descobriram que o stress é possivelmente um fator de risco muito maior para as doenças cardíacas do que o fumo.2 Também descobriram que um episódio de depressão seis meses antes de um infarto do miocárdio é um indicador mais acurado de risco de morte do que a maioria de outros exames cardiológicos.3
Quando o cérebro emocional não está funcionando bem, o coração sofre e se desgasta. Mas a mais espantosa descoberta de todas é que essa relação funciona em mão dupla. O funcionamento correto do nosso coração acaba por influenciar nosso cérebro também. Alguns cardiologistas e neurologistas chegam ao ponto de se referir a um “sistema cardíaco-cerebral”, que não pode ser dissociado.4
Se houvesse um medicamento capaz de harmonizar a in- ter-relação íntima entre o coração e o cérebro, ele teria efeitos benéficos sobre todo o corpo. Essa droga miraculosa de- saceleraria o processo de envelhecimento, reduziria o stress e a fadiga, superaria a ansiedade e nos protegeria da depressão. A noite, nos ajudaria a dormir melhor e, durante o dia, a ser mais eficazes, favorecendo nosso poder de concentração e performance. Acima de tudo, ao ajustar o equilíbrio entre o cérebro e o resto do corpo, nos ajudaria a alimentar o senso de “fluxo”, que é sinônimo de bem-estar. Seria um anti-hiper- tensivo, um ansiolítico (droga antiansiedade) e um antide- pressivo conjugados. Se tal medicamento existisse, não haveria um único médico que não o receitasse. Como no caso do flúor para os dentes, os governos talvez até acabassem por diluí-lo na água.
Que pena, esse medicamento ainda não existe. Ou existe? Um método simples e eficaz disponível para todos nós parece criar as condições essenciais para que haja harmonia entre o coração e o cérebro. Embora esse método só tenha sido descrito recentemente, vários estudos já mostraram seus efeitos benéficos. E um método bom para o corpo assim como para as emoções daqueles que já o aprenderam, e seus efeitos incluem, até, um retardo parcial do envelhecimento. Para compreender como ele funciona, primeiro precisamos examinar, com brevidade, como o sistema cérebro-coração funciona.