Autobiografia de um Iogue


Capítulo 48 - Em Encinitas, na Califórnia



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Capítulo 48 - Em Encinitas, na Califórnia


- Uma surpresa, senhor! Durante sua permanência em terras estrangeiras, construímos este eremitério em Encinitas. É um presente para quem volta ao lar. Seja bem vindo!   O sr. Lynn, a Irmã Gyana­ mata, Durga Ma e alguns outros devotos conduziram me, por um portão, a uma alameda ascendente, sombreada de árvores.

Vi um edifício, projetando se como um grande navio alvíssimo rumo ao oceano azul. A princípio, emudecido, a seguir não reprimindo interjeições como “Oh!”e “Ah!”, e por fim, usando todo o insufi­ciente vocabulário humano para expressar alegria e gratidão, examinei o áshram   dezesseis salas muito espaçosas, cada uma delas encanta­doramente mobiliada.

O majestoso salão central, com largas janelas alcançando o teto, abre se para um altar de relva, oceano e céu: uma sinfonia em esme­ralda, opala e safira. No salão, sobre a cornija da enorme lareira, en­contram se os retratos de Cristo, Bábají, Láhiri Mahásaya e Sri Yuktés­war; sinto que eles derramam suas bênçãos sobre este tranqüilo áshram do Ocidente. Exatamente embaixo do salão, construídas na própria rocha escarpada, duas cavernas destinadas à meditação confrontam os infínitos de céu e mar. Nos terrenos do eremitério existem recantos para o banho de sol, veredas de laje conduzindo a pérgolas sossegadas, roseirais, um bosque de eucaliptos e um pomar.

“Venham ter aqui as boas e heróicas almas dos santos (diz a “Ora­ção para uma Residência”, extraída do Zend Avesta e fixada a uma das portas do eremitério) e caminhem de mãos dadas conosco, espar­zindo as virtudes curativas de seus dons benditos   amplos como a terra, altos como os céus! “

A grande propriedade em Encinitas, na Califórnia, é um presente oferecido a SRF pelo sr. James J. Lynn, um Kriya Yogi cheio de fé e de fidelidade, desde sua iniciação em janeiro de 1932. Homem de negócios norte americano, com inúmeras responsabilidades (como diri­gente de empresas de petróleo e presidente da maior companhia do mundo no ramo de seguros contra incêndio), o sr. Lynn, não obstante, encontra tempo, todos os dias, para a longa e profunda meditação em Kriya Yoga. Levando assim uma vida equilibrada, ele alcançou em samádhi a graça de uma paz imperturbável.

Enquanto estive na Índia e na Europa (de junho de 1935 a outubro de 1936) o sr. Lynn419, em afetuosa conspiração com meus cor­respondentes na Califórnia, impediu que chegasse ao meu conheci­mento qualquer palavra sobre a construção do áshram de Encinitas. Que surpresa e deleite!

Durante meus primeiros anos nos Estados Unidos, esquadrinhei o litoral da Califórnia em busca de um pequeno terreno para um áshram à beira mar. Sempre que deparava com um local apropriado, algum obstáculo surgia invariavelmente para me contrariar. Contem­plando agora os terrenos ensolarados de Encinitas, assisto humildemente ao cumprimento da profecia de Sri Yuktéswar, feita num passado dis­tante: “um retiro silvestre ... junto ao oceano”420.

Poucos meses depois, na Páscoa de 1937, celebrei nos gramados do novo áshram o primeiro de muitos cultos pascais ao sol despontando no horizonte. Como os magos da antigüidade, várias centenas de estu­dantes contemplaram com veneração o milagre diário: o rito do sol nascente no céu oriental. A oeste, estendia se o Oceano Pacífico, maru­lhando seu louvor solene; ao longe, um barquinho de velas brancas e o vôo solitário de uma gaivota. “Cristo, tu ressuscitaste! “Não apenas com o sol da primavera, mas na eterna aurora do Espírito.

Muitos meses felizes transcorreram velozes; no cenário de beleza perfeita que é Encinitas, completei um livro projetado há muito tempo: Cantos Cósmicos. Traduzi para o inglês cerca de quarenta cantos e adaptei os à notação musical do Ocidente. Incluí o canto de Shânkara, 'Nem nascimento, nem morte”; o antiquíssimo “Hino sânscrito a Brahma”; a canção de Tagore, “Quem está em meu templo?”; e uma série de composições minhas: “Serei sempre Teu”, “Na terra que está além de meus sonhos”, “Surge do céu silencioso”, “Ouve o chamado de minha alma”, “No templo do silêncio”421.

No prefácio deste livro de canções, narrei minha primeira expe­riência notável sobre a reação dos ocidentais à música vocal do Oriente. Aconteceu no decurso de uma de minhas conferências públicas; época: 18 de abril de 1926; lugar: o Carnegie Hall, de Nova York.

Em 17 de abril, eu dissera confidencialmente a um estudante norte-americano, o sr. Alviri Hunsicker:   Estou pensando em pedir à assis­tência que cante um antigo hino hindu “Ó Deus de Beleza”422.

Ó Deus de Beleza, o Deus de Beleza, eu me curvo aos Teus pés.

Ó Deus de Beleza, ó Deus de Beleza, és o verde das florestas, correnteza és nos rios, altitude nas montanhas, profundeza no oceano.

Ó Deus de Beleza, ó Deus de Beleza, eu me curvo aos Teus pés.

Ó Deus de Beleza, ó Deus de Beleza, para o servidor és trabalho, para o amante és o amor, para o sofredor és consolo, para o iogue, beatitude.

Ó Deus de Beleza, ó Deus de Beleza, eu me curvo aos Teus pés.

O sr. Hunsicker protestara, afirmando que as canções orientais não seriam de compreensão fácil para os norte americanos.

  A música é uma linguagem universal   respondi.   Os ame­ricanos não deixarão de sentir os anseios espirituais neste sublime cântico.

Na noite seguinte, com devoção, as notas de “Ó Deus de Beleza” brotaram de três mil bocas durante mais de uma hora. Querida gente nova iorquina, desaparecera o seu cansaço de prazeres fúteis! Os cora­ções pairavam nas alturas, nas asas de um singelo hino de regozijo. Curas divinas ocorreram naquela noite, entre os devotos que entoa­vam com amor o santo nome do Senhor.

Em 1939, visitei o Centro de SRF em Boston. O dirigente deste grupo de discípulos, o dr. M. W. Lewis423, alojou me num aparta­mento artisticamente decorado.   Senhor   disse o dr. Lewís, sor­rindo   durante os primeiros anos de sua permanência nos Estados Unidos, seu alojamento nesta cidade foi um simples quarto, sem banheiro privativo. Desejei que soubesse que Boston pode ostentar alguns apartamentos de alto luxo!

Anos venturosos decorreram na Califórnia, cheios de atividade. Em terrenos de SeIf Realization Fellowship em Encinitas, em 1937 junto ao eremitério principal, ergueram se um ashram para os monges, e um para as monjas, um refeitório, um Retiro para membros e amigos desta organização e uma Capela aberta ao povo. Colunas brancas, em série, de frente para a rodovia, são encimadas por lótus em metal cor de ouro424.

As numerosas atividades do conjunto de Encinitas incluem o treino multifário de discípulos segundo os ideais de SRF. Cultivam se frutos e legumes para consumo dos centros de Encinitas e de Los Angeles.

“De um único sangue, Ele fez os homens de todas as nações.”425 Se “fraternidade mundial” é um termo amplo, o homem deve tornar ainda mais ampla sua solidariedade ao próximo, considerando se a si mesmo um cidadão do mundo. Quem realmente compreende que se trata de “minha América, minha índia, minhas Filipinas, minha Europa, minha África”etc, jamais terá falta de espaço e de oportunidade para uma vida feliz e útil.

Embora o corpo de meu Mestre nunca habitasse outro solo a não ser o da índia, Sri Yuktéswar conhecia esta verdade fraternal:

“O mundo é o meu lar. “



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