Capítulo 41 - Ídolo na Índia Meridional
- Você é o primeiro ocidental, Dick, a entrar neste Santuário. Muitos outros tentaram fazê lo, em vão.
Ao ouvir minhas palavras, o sr. Wright pareceu surpreendido e depois satisfeito. Acabávamos de sair do belo templo de Chamundi, nas colinas de cujas alturas se contempla Mysore, na índia meridional. Ali havíamos nos curvado ante os altares de ouro e prata da Deusa Chamundi, divindade padroeira da família dos rajás de Mysore.
Como lembrança desta honra singular disse o sr. Wright, embrulhando cuidadosamente algumas pétalas de rosa sempre conservarei estas pétalas, abençoadas pelo sacerdote com água de rosas.
Meu companheiro e eu341 passávamos o mês. de novembro de 1935, como hóspedes do Estado de Mysore. O herdeiro do Marajá, sua Alteza o Yuvarája, Sir Sri Kríshna Narasingharaj Wadiyar, convidara meu secretário e a mim para visitarmos seu reino culto e progressista.
Durante a quinzena anterior, eu falara, na cidade de Mysore, a milhares de cidadãos e estudantes, no Auditório oficial, na Escola Universitária do Marajá e na Faculdade de Medicina; e fizera três conferências públicas em Bangalore, na Escola Secundária Nacional, na Escola Superior e no Auditório Chetty onde três mil pessoas se reuniram.
Se os atentos ouvintes deram crédito à imagem vivaz que tracei dos Estados Unidos, não o sei; mas os aplausos sempre foram mais sonoros quando falei dos benefícios mútuos que derivariam do intercâmbio do que existe de melhor na civilização do Oriente e do Ocidente.
O sr. Wright e eu descansávamos agora, na paz tropical. Seu diário de viagem contém o seguinte relato de suas impressões de Mysore:
“Muitos instantes de arrebatamento tivemos ao contemplar, quase absortos, a sempre cambiante tela do Pintor Divino, estendida pelo firmamento, pois somente o pincel de Deus é capaz de produzir cores que vibram com o frescor da vida. Essa juventude de cores se perde quando o homem procura imitá lo com meras tintas, pois o Senhor recorre a um meio mais singelo e eficiente: nem óleos nem corantes, mas simples raios de luz. Atira Ele um borrão de luz aqui, e surgem reflexos do vermelho; agita Seu pincel novamente e a cor tinge se gradativamente de alaranjado e ouro; a seguir, impulsiva e penetrantemente, Ele apunhala as nuvens com uma pincelada de púrpura que deixa um anel ou franja escarlate gotejando da ferida; e assim, Ele continua sem pausas, de madrugada e ao crepúsculo. o Seu jogo, sempre cambiante, sempre novo, sempre vivo; nenhuma reprodução, nenhum modelo, nenhum matiz é sempre o mesmo. A beleza das transformações do dia para a noite e da noite para o dia, na índia, não tem paralelo em nenhuma outra parte do mundo; o céu apresenta se, freqüentemente, como se Deus houvesse retirado todas as cores de Sua paleta e as houvesse atirado, num gesto poderoso e caleidoscópico, pelo firmamento afora.
“Devo relatar o esplendor de uma visita, à luz das primeiras estrelas, à enorme represa de Krishnaraja Sagar342, a dezenove quilômetros da cidade de Mysore. Yoganândaji e eu alugamos uma perua e acompanhados por um mocinho, que faria as vezes de ajudante de mecânico ou substituto da bateria, partimos por uma suave estrada de terra, exatamente quando o sol se punha, espremido no horizonte como um tomate maduro.
“Nosso trajeto nos levou, passados os infalíveis campos quadrangulares de arroz, a cruzar uma plantação de acolhedoras figueiras de Bengala, entre coqueiros altíssimos; a vegetação era, de todos os lados, tão densa quanto uma selva. Chegando ao alto de uma colina, contemplamos a represa, um imenso lago artificial onde se refletiam as estrelas, as palmeiras e o arvoredo de suas margens; circundavam na belos jardins terraceados e fileiras de lâmpadas elétricas.
“Ao pé da barragem da represa, vimos um deslumbrante espetáculo: fontes parecidas a gêiseres, cujas águas coloridas recordavam jorros de tintas brilhantes cascatas esplendidamente azuis, vermelhas, verdes e amarelas; e majestosos elefantes de pedra esguichando água. A represa (suas fontes luminosas lembravam me as da Feira Mundial de Chicago, em 1933), destaca se, por sua modernidade, numa veneranda terra de campos de arroz e gente simples. Os indianos nos deram uma acolhida tão carinhosa que, receio, será necessário mais que o meu poder e veemência para levar Yoganândaji de volta aos Estados Unidos.
“Outro raro privilégio meu primeiro percurso em elefante. Ontem, o Yuvarája nos convidou, em seu palácio de verão, a dar um passeio no dorso de um de seus elefantes, um enorme animal. Subi por uma escadinha que se destina a trepar até a howdah, sela em forma de caixa, revestida por um acolchoado de seda; e adiante! aos trancos e barrancos, sacudido de todo o jeito dentro da caixa, conforme as depressões do terreno excessivamente emocionado para exclamações, ou preocupações, mas agarrando me com todas as forças para conservar a própria vida! “
A índia meridional, rica em ruínas históricas e arqueológicas, é uma terra de encanto definido e, contudo, indefinível. Ao norte de Mysore situa-se Hyderabad, pitoresco altiplano cortado pelo caudaloso rio Godavari. Encontram se ali planícies extensas e férteis, as belas Montanhas Azuis ou Nilgiris, e regiões com estéreis colinas de pedra calcária ou de granito. Longa e colorida é a história de Hyderabad, começando há três mil anos sob o domínio dos reis Andhra, e continuando sob as dinastias hindus até 1294 depois de Cristo, quando a região passou a uma linhagem de governantes muçulmanos.
A mais empolgante exposição de arquitetura, escultura e pintura de toda a índia localiza se em Hyderabad, nas antigas cavernas de rocha tsculpida, de Ellora e Ajanta. Em Ellora, o Kaílasa, enorme templo monolítico, possui figuras entalhadas de deuses, de homens e animais, nas estupendas proporções de um Miguel Ãngelo. Ajanta é sede de vinte e cinco mosteiros e cinco catedrais, todos escavados na própria rocha e sustentados por extraordinárias colunas, em cujos afrescos, artistas e escultores imortalizaram seu gênio.
Embelezam a cidade de Hyderabad a Universidade de Osmânia e a imponente mesquita “Mecca Masjid”onde dez mil muçulmanos se reúnem para a oração.
O Estado de Mysore, a mais de 900 m acima do nível do mar, tem numerosas e densas florestas tropicais: morada de elefantes selvagens, Lisões, ursos, panteras e tigres. As duas cidades principais, Bangalore e Mysore, são limpas e atraentes, com muitos parques e jardins públicos famosos.
A arquitetura e a escultura da índia atingiram sua maior perfeição em Mysore, sob o patrocínio dos reis hindus dos séculos 11 ao 15. O templo em Belur, uma obra prima do século 11, completado durante o governo do rei Vishnuvardharna, é insuperável, em qualquer parte do mundo, pela delicadeza de detalhes e estatuária exuberante.
Os éditos inscritos na rocha, encontrados na região norte de Mysore, datam do século 3 antes de Cristo. Recordam, luminosamente, o rei Açoca343 cujo vasto império incluía a índia, o Afeganistão e o Beluquistão. Gravados em vários dialetos, os “sermões na rocha”de Açoca testemunham o notável índice de instrução alcançado em sua época. O Édito na Rocha ri.' 13 condena as guerras: “Nada considerem como verdadeira conquista: só a religião o é.”O Édito na Rocha n.o 10 declara que a legítima glória do rei depende do progresso moral que ele ajuda seu povo a atingir. O Édito n.o 11 define “a autêntica dádiva”como sendo, não os bens, mas o Bem a difusão da verdade. No Édito ri.' 6 o querido imperador convida seus súditos a discutirem os negócios públicos com ele “a qualquer bora do dia ou da noite”, acrescentando que, pelo desempenho fiel de seus deveres monárquicos, ele estava “resgatando a dívida que tinha para com seus companheiros, os homens “.
Açoca era neto do temível Chandragupta Maurya que destruiu as guarnições militares deixadas na índia por Alexandre, o Grande, e derrotou o exército macedônico invasor chefiado por Seleuco em 305 antes de Cristo. Chandragupta recebeu, então, em sua corte em PataLputra344 o embaixador grego Megástenes, que nos deixou descrições da índia feliz e empreendedora de sua época.
Em 298 antes de Cristo, o vitorioso Chandragupta entregou as rédeas do governo da índia a seu filho. Viajando para o sul do país, Chandragupta passou os últimos doze anos de sua vida como um asceta sem dinheiro, buscando a experiência de Deus numa caverna rochosa em Sravanabelagola, hoje um santuário de Mysore. A mesma região ostenta a maior estátua do mundo, cinzelada num imenso seixo rolado, pelos jainas, em 983 depois de Cristo, em honra do sábio Gomatéswara.
Relatos interessantes foram minuciosamente registrados pelos historiadores, gregos e outros, que acompanharam Alexandre em sua expedição à índia ou seguiram no depois. As narrativas de Arriano, Deodoro, Plutarco e do geógrafo Estrabão, traduzidas ao inglês pelo dr. J. W. McGrindle345, lançaram um raio de luz na história antiga da índia. O aspecto mais admirável da fracassada invasão de Alexandre foi o profundo interesse que ele demonstrou pela filosofia hindu e pelos iogues e santos, encontrados intermitentemente, cuja companhia ele buscava com ansiedade. Pouco depois de chegar o guerreiro ocidental a Taxila, na região norte da índia, enviou Onesikritos, discípulo da escola helênica de Diógenes, à procura de um grande sannyási de Taxila, Dandamis.
Salve, ó mestre dos brâmanes! disse Onesikrítos, depois de encontrar Dandamis em seu retiro na floresta. O filho de Deus, do poderoso Zeus, Alexandre, soberano senhor de todos os homens, solicita a sua presença. Se consentir, ele o recompensará com grandes dádivas; se recusar, ele lhe cortará a cabeça!
O iogue recebeu com toda calma este convite absolutamente compulsório e “não fez mais que erguer a cabeça de seu leito de folhas”.
- Eu também sou filho de Zeus, se Alexandre o é comentou ele. Nada quero do que pertence a Alexandre, pois estou contente com o que tenho, enquanto observo que ele vagueia, errante com seus homens, através de mares e terras, sem nenhum proveito, e nunca põe fim às suas andanças.
“Vá e diga a Alexandre que Deus, o Supremo Rei, jamais é o Autor de erros insolentes, mas o Criador da luz, da paz, da vida, da água, do corpo humano, das almas; Ele recebe todos os homens quando a morte os libera e não está sujeito, em absoluto, à doença fatal, Unicamente Ele é o Deus de minhas homenagens, que abomina o assassínio e não incita guerras.
“Alexandre não é nenhum deus, uma vez que deverá provar o gosto da morte continuou o sábio, com tranqüilo desdém. Como pode alguém como ele ser o senhor do mundo, quando ainda não conseguiu se instalar no trono do domínio interno do universo? Nem entrou vivo ainda na região dos mortos, nem mesmo conhece o percurso do sol sobre vastas nações da Terra. Muitas nem sequer ouviram o seu nome!”
Após este castigo sem dúvida, o mais cáustico dos que investiram contra os ouvidos do “Senhor do Mundo” o sábio acrescentou ironicamente: Se os domínios atuais de Alexandre não são bastante espaçosos para os seus desejos, que ele atravesse o Ganges; ali encontrará um país capaz de sustentar todos os seus homens346.
“As dádivas que Alexandre promete são inúteis para mim continuou Dandamis. O que eu aprecio e tem real valor são árvores, que constituem meu abrigo; plantas viçosas que me fornecem o alimento diário; a água que me sacia a sede. Bens acumulados com preocupação e ansiedade tendem a revelar se ruinosos àqueles que os ajuntaram, produzindo somente a tristeza e a vergonha que afligem tantos homens não iluminados,
“Quanto a mim, deito me sobre folhas na selva, e nada possuindo para guardar, fecho os olhos em sono tranqüilo; ao passo que, se tivesse algo de valor para o mundo, esse peso me tiraria o sono. A terra me fornece tudo o que preciso, semelhante à mãe que amamenta o filho. Vou aonde quero, não onerado por cuidados materiais.
“Se Alexandre me cortar a cabeça, não poderá também destruir minha alma. Minha cabeça, então silenciosa, e meu corpo, como um traje rasgado, permanecerão na terra, donde seus elementos químicos foram extraídos. Eu, então, vindo a ser Espírito, subirei a Deus. A todos nós Ele enclausurou na carne, e nos colocou na Terra para verificar se, aqui em baixo, viveríamos em obediência aos Seus mandamentos; e Ele nos exigirá, ao partirmos daqui, a prestação de contas de nossas vidas. Ele é o juiz de todo o mal praticado; os queixumes do oprimido ordenam a punição do opressor.
- Deixe que Alexandre aterrorize com ameaças os homens que ambicionam riquezas e temem a morte. Contra os brâmanes, suas armas são inofensivas; nós nem amamos o ouro nem receamos a morte. Vá, pois, e diga a Alexandre isto: Dandamis não precisa das suas ninharias e por isso não irá; e se Alexandre quer alguma coisa de Dandamis, que venha ele mesmo até aqui.”
Onesikritos transmitiu devidamente a mensagem; Alexandre ouviu a com atenção concentrada e “sentiu, mais forte que nunca, o desejo de ver Dandamis; reconhecendo neste, apesar de velho e nu, alguém que lhe era superior, único antagonista invencível do conquistador de numerosas nações. “
Alexandre convidou, para virem a Taxila, vários ascetas brâmanes, famosos por sua habilidade em responder a questões filosóficas com sabedoria de oráculo. Plutarco dá uma relação dessas escaramuças verbais; o próprio Alexandre formulou todas as perguntas.
Quem são mais numerosos, os vivos ou os mortos?
Os vivos, pois os mortos não existem.
Quem dá nascimento aos maiores animais, o mar ou a terra?
A terra, pois o mar é somente uma parte dela.
Qual é a mais inteligente das feras?
Aquela que o homem ainda não conhece. (O homem teme o desconhecido).
O que existiu primeiro, o dia ou a noite?
O dia, surgindo um dia antes. Esta resposta fez que Alexandre traísse a sua surpresa; o brâmane acrescentou: Perguntas impossíveis exigem respostas impossíveis.
Qual o melhor modo de um homem se fazer amado?
Um homem será amado se, de posse de um grande poder, não se fizer temido.
Como pode um homem tornar se um deus?347
Fazendo o que é impossível que um homem faça.
Que é mais forte, a vida ou a morte?
A vida porque carrega tantos males.
Alexandre conseguiu levar da índia, como seu instrutor, um verdadeiro iogue. Este homem era Kalyana (Swâmi Sphines), chamado “Kalanos” pelos gregos, O sábio acompanhou Alexandre à Pérsia. Em dia previamente determinado, em Susa, na Pérsía, Kalanos desfez se de seu velho corpo, subindo a uma pira fúnebre, à vista de todo o exército macedônico. Os historiadores recordam o assombro dos soldados ao observarem que o iogue não temia a dor nem a morte; nem uma só vez ele se moveu de sua posição, enquanto era consumido pelas chamas. Antes de partir para a cremação, Kalanos abraçara muitos de seus companheiros mais íntimos, mas abstivera se de dar adeus a Alexandre, a quem o santo hindu disse simplesmente:
Vê lo ei mais tarde, em Babilônia.
Alexandre deixou a Pérsia e, um ano mais tarde, morreu em Babilônia. A profecia do guru indiano fora uma declaração de eterna presença, de que ele estaria com Alexandre na vida e na morte.
Os historiadores gregos nos deixaram muitas descrições, vívidas e inspiradoras, da sociedade hindu. A lei hindu, diz nos Arriano, protege o povo e “ordena que nem um só dos habitantes, sob quaisquer circunstâncias, seja escravo; mas que, gozando eles próprios de liberdade, respeitem a dos outros, concedendo lhes igual direito”348.
“Os hindus” prossegue outro texto “nem emprestam dinheiro a juros, nem sabem como pedi lo emprestado. É contrário aos usos estabelecidos que um hindu pratique uma fraude ou dela seja vítima; por isso, eles nem fazem contratos nem exigem fiadores”. A cura, segundo nos informam, era obtida por meios simples e naturais. “Efetuam se curas mais pelo regime alimentar metódico que pelo uso de medicamentos. Os remédios mais apreciados são ungüentos e emplastros. Todos os outros são considerados perniciosos”. A obrigação de servir na guerra restringia-se aos Xátrias, casta militar. “Nem mesmo um inimigo, ao deparar com um lavrador trabalhando em seu campo, lhe faria qualquer mal; pois os homens da classe agrícola são considerados benfeitores públicos e protegidos contra qualquer dano. A terra, assim garantida contra as devastações e a pilhagem, e produzindo abundantes colheitas, fornece aos habitantes os recursos para tornar agradável a vida”.
Os santuários, ubíquos em Mysore, lembram constantemente muitos grandes santos da índia meridional. Um destes mestres, Thayumanavatar, deixou-nos o seguinte poema que é um desafio:
- “Você pode controlar um elefante enlouquecido; pode fechar a boca do urso e do tigre; cavalgar um leão e brincar com uma serpente; Por meio da alquimia, ganhar o seu sustento; pode vagar incógnito pelo universo; dos deuses, fazer vassalos; conservar se eternamente jovem; pode caminhar sobre a água e viver no fogo; mas é melhor governar sua mente, é muito mais difícil.
No belo e fecundo Estado de Travancore, no extremo sul da índia, onde o tráfego se faz em rios e canais, o marajá cumpre todos os anos o compromisso hereditário de expiar os pecados oriundos da anexação à mão armada, em tempos idos, de vários pequeninos estados ao de Travancore. Durante 56 dias anualmente, o marajá visita o templo, três vezes por dia, para ouvir hinos e recitatívos védicos; a cerimônia de expiação termina com o lakshadipam ou a iluminação do templo por cem mil luzes.
A Presidência349 de Madras, na costa sudeste da índia, apresenta a plana e ampla cidade de Madras, cingida pelo mar, e Conjeeveram, a Cidade de Ouro, capital da dinastia Pallava cujos reis governaram durante os primeiros séculos da era cristã. Na moderna Presidência de Madras, os ideais de não violência do Mahátma Gandhi fizeram grande progresso; os “gorros de Gandhí”, que se distinguem por sua brancura, são vistos em toda parte. No sul, em geral, o Mahátma efetuou muitas alterações eclesiásticas importantes para os “intocáveis” e também reformas no sistema de castas.
Em sua origem, o sistema de castas, formulado pelo grande legislador Manu, era admirável. Ele percebeu claramente que os homens se distinguem pela evolução natural em quatro grandes classes: os capazes de prestar serviços à sociedade através de seu trabalho braçal ou manual (Sudras); os que servem através de raciocínio e perícia, em agricultura, comércio, intercâmbio e negócios em geral (Vaicias); os que possuem talento administrativo, executivo e defensivo governantes e guerreiros (Xátrias); os de natureza contemplativa, espiritualmente inspirados e inspiradores (Bramins). Declara o Mahábhárata: “Nem nascimento, nem sacramentos, nem estudo, nem antepassados podem determinar se alguém nasceu duas vezes (isto é, nasceu Bramin). Somente o determinam caráter e conduta”350. Manu ensinou que os membros de uma sociedade merecem respeito na medida de sua sabedoria, virtude, idade, parentesco ou, por último, riqueza. Homens ricos na índia védica eram sempre desprezados se fossem avarentos ou contrários às obras de caridade. Aos homens de grande fortuna, mas destituídos de generosidade, reservava se uma posição social inferior.
Sérios abusos surgiram quando o sistema de castas se cristalizou, através dos séculos, convertendo se num cabresto hereditário. A índia, nação soberana desde 1947, progride, com vagar mas com segurança, na restauração dos antigos valores de casta, baseados unicamente na qualificação natural e não no nascimento. Toda nação na Terra luta com carma de injustiças sociais que lhe é particular e que deve esgotar honrosamente. A índia, com seu espírito invulnerável e versátil, enfrenta dignamente a sua tarefa de reformar as castas.
Tão fascinante é a índia meridional que o sr. Wright e eu ansiávamos prolongar nosso idílio. Mas o tempo, em sua rudeza imemorial, não teve a cortesia de dilatar nossa permanência ali. Fui incluído entre os que falariam na sessão final do Congresso Filosófico Indiano, na Universidade de Calcutá. Ao término de minha visita a Mysore, tive o prazer de conversar com Sri C. V. Raman, presidente da Academia Hindu de Ciências. Este brilhante físico indiano recebeu o Prêmio Nobel em 1930, por sua importante descoberta do “Efeito Raman”na difusão da luz.
Com um gesto de adeus relutante à multidão de discípulos e amigos em Madras, o sr. Wright e eu empreendemos a partida. Em caminho, detiverno nos num pequeno santuário consagrado à memória de Sadásiva Brâhman351, cuja vida decorreu no século 18, repleta de milagres. Um outro, e maior santuário a Sadásiva, erigido pelo Rajá de Pudukkottai, em Nerur, é um lugar de peregrinação que testemunhou muitas curas divinas. Sucessivos governantes de Pudukkottai vêm conservando, como tesouro sacrossanto, as instruções religiosas que Sadásiva escreveu em 1750, para orientação do príncipe reinante.
Muitas e estranhas histórias sobre Sadásiva, um mestre querido e completamente iluminado, ainda são contadas pelos habitantes das aldeias da índia meridional. Certo dia, viram Sadásiva, em samádhi, à margem do rio Kaveri, ser arrastado por uma enchente repentina. Semanas depois, descobriram no enterrado profundamente sob espessa camada de lodo, perto de Kodumudi no distrito de Coimbatore. Quando as pás dos habitantes da aldeia lhe golpearam o corpo, o santo ergueu se e afastou se, lépido.
Sadásiva tornou se um múni (santo silencioso) depois de seu guru o ter repreendido por derrotar categoricamente, em discussão dialética, um erudito em Vedanta, mais idoso. Quando um jovem como você aprenderá a refrear a língua? comentara o guru.
A partir deste momento, com sua bênção.
O guru de Sadásiva foi Swâmi Pararnasivendra Saráswatí, autor de Daharavídya Prakasika e um profundo comentarista do Uttara Gíta. Certos homens mundanos, ofendidos porque Sadásiva, inebriado com Deus, era visto freqüentemente a dançar “sem decoro” nas ruas, levaram suas queixas ao erudito guru: Senhor declararam eles - Sadásiva não passa de um louco.
Mas Paramasivendra, sorrindo alegremente, exclamou: Oh, se ao menos os outros tivessem a mesma loucura!
Manifestações numerosas, estranhas e belas, da Mão Interveniente, assinalaram a vida de Sadásiva. Muita injustiça aparente existe neste inundo; mas os devotos de Deus dão testemunho dos inúmeros casos em que Sua justiça foi imediata. Uma noite, Sadásiva, em samádhi, parou junto ao celeiro de um rico chefe de família. Três criados, de sentinela contra os ladrões, ergueram suas varas para golpear o santo. Seus braços, porém, ficaram imobilizados. Como estátuas, os braços para cima, o trio permaneceu compondo um excepcional quadro vivo, até a partida de Sadásiva, pela madrugada.
Em outra ocasião, o grande mestre foi rudemente forçado a participar de um serviço, por um capataz que por ali passava e cujos trabalhadores carregavam combustível. O santo silencioso transportou humildemente a sua carga até o lugar de destino e ali a depositou, em cima de uma enorme pira. A carga inteira de combustível incendiou-se imediatamente.
Sadásiva, como Trailanga Swâmi, não usava roupa. Certa manhã, nu e absorto, penetrou na tenda de um chefe tribal muçulmano. Duas mulheres gritaram alarmadas; o guerreiro, com um selvagem golpe de espada, decepou o braço de Sadásiva. O mestre foi se embora, como se nada houvesse acontecido. Tomado de pânico e remorso, o muçulmano apanhou do solo o braço e seguiu Sadásiva. O iogue, calmamente, inseriu seu braço no coto sangrento. Quando o chefe da tribo implorou, humílimo, alguma instrução espiritual, Sadásiva escreveu com o dedo na areia:
“Não faça o que quer e então poderá fazer o que preferir”.
O muçulmano viu se elevado a um estado mental mais puro e compreendeu que esse conselho paradoxal significava “através do domínio do ego ganha se a liberdade da alma”, Tão grande foi o impacto espiritual daquelas poucas palavras que o guerreiro se tornou um discípulo digno de Sadásiva; seus conhecidos anteriores não mais o reconheceram.
As crianças da aldeia expressaram, certa vez diante de Sadásiva, o desejo de assistir a um festival religioso em Madura, a 240 quilômetros de distância. O iogue fez um gesto aos pequenos para que tocassem o seu corpo. Instantaneamente, o grupo inteiro foi transportado a Madura. As crianças perambularam, felizes, entre milhares de peregrinos, Dentro de poucas horas, o iogue trouxe para casa os seus pequenos volumes, usando o mesmo simples meio de transporte. Os pais assombrados ouviram as vívidas narrativas sobre a procissão de imagens em Madura e notaram que as crianças traziam pacotes de doces característicos daquela cidade.
Um jovenzinho incrédulo zombou do santo e da história. Por ocasião do festival religioso subseqüente, realizado em Srirangam, o mocinho acercou se de Sadásiva:
Mestre disse ele, escarnecendo por que não me leva ao festival em Srirangam, como levou as outras crianças a Madura?
Sadásiva aquiesceu; o jovenzinho encontrou se imediatamente entre a multidão da distante cidade. Mas ai! quando o adolescente quis regressar, onde estava o santo? O fatigado rapazinho voltou a seu lar pelo método prosaico da locomoção a pé.
Antes de deixarmos a índia meridional, o sr. Wright e eu fizemos uma peregrinação à colina sagrada de Arunachala, perto de Tiruvannainalai, para nos encontrarmos com Sri Ramana Maharishi. Em seu ashram, o sábio nos acolheu afetuosamente, e assinalou, com o dedo, uma pilha de revistas East West. Durante as horas que passamos com o Maharishi e seus discípulos, ele permaneceu silencioso, sua face amena irradiando amor e sabedoria divinos.
Para ajudar a sofredora humanidade a reconquistar seu esquecido estado de Perfeição, Sri Ramana ensina a formular, sem pausas, esta pergunta “Quem sou eu?” indiscutivelmente, a Grande Interrogação. Rejeitando com rigor todos os outros pensamentos, o devoto cedo descobre que está se aprofundando cada vez mais em seu verdadeiro Ser, e deixam de surgir os desvios e perplexidades de outras reflexões. O iluminado sábio da índia meridional escreveu:
“Dualidades e trindades em algo estão dependuradas;
sem suporte é que nunca aparecem:
encontre em que se agarram, elas se soltam e tombam.
Existe a Verdade. Quem a vê, nunca titubeia”
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