Casa dos mortos



Yüklə 1,41 Mb.
səhifə16/34
tarix15.01.2019
ölçüsü1,41 Mb.
#96574
1   ...   12   13   14   15   16   17   18   19   ...   34

"Vou para qualquer lugar onde fe mandarem. Deixo tudo

por til" Eu ia pensava afe em acabar com a vida, tanta pena

que ela me clava; mas, depois dessas duas semanas, me pren-

deram O velhoe a fia cor¡luiaram-se e me denunciaram."

- Escute, Bakluchine, interrompi. Um caso des-

ses podia lhe arranjar uns dez a doze anos, na se‡ão civil.

Contudo, vocˆ es+6 na se‡ão especial. Por que?

- Isso ia e outra hisforia! Quando fui a conselho, de

guerra, o capitão me disse uma por‡3o de palavrões diante

dos juizes. Eu não pude afurar aquilo, e grifei: "Por que

me insultas desse modo? Onde e que pensas que estas?

Não esf6s vendo o "espelho da justi‡a" (6) na tua frente, ani-

mal?" Junfaram uma hisforia com a ouira, pequei quatro

mil varadas, e a se‡ão -especial. Mas quando me !evaram

para sofrer o castigo, o capifSo fambem estava Ia. Eu

sofr¡ os a‡oites. Ele, porem, foi degradado e mandado para

o C6ucaso como simples pra‡a. Ate logo, A!enxandr Pe+ro-

vi+ch, não falfe ao nosso teatro.

(6) Na mesa de todos os tribunais russos havia um "espelho da justi‡a" (zerha-

to) - prisma de vidro triangular encimado por uma aguia e em cujas trˆs faces erarn

colados trˆs Lkazes de Pedro o Grande, referentes ao processo e aos direitos dos

cidad os. (N. de H. M.) #

Natal


Enfim, chegou o Nˆ£al. Desde as v‚speras os presos

quase não trabalhavam; os alfaiates e outros oficiais

foram para as oficinas porem os demais se reuniram para

a chamada e voltaram quase imediatamente, de um em um

ou aos grupos. Depois da rafei‡ão, ninguem se mexeu mais.

AUs, desde pela manhã a maioria dos defentos não se ocupa-

va senão dos seus proprios negocios. Uns, conspiravam

a proposito do vodca que era preciso fazer entrar, ou en-

comendar ainda. Outros, pediam permissão para visitar

amigos ou amigas; algun,% recolhiam para as festas as pa-

quenas quantias que haviam ganho com o seu trabalho parti-

cular. Bakiuchine e a turma encarregada do teatro procu-

ravam convencer alguns indecisos, sobretudo entre as orde-

nan‡as dos oficiais. que tinham possibilidade de lhes err~- #

178 DOSTOIEVSKI

prestar fraios. Alguns iam e vinham com ar absorto e apres-

sado; mas apenas porque viam os outros absortos e apressa-

dos; não tinham nenhum dinheiro em perspectiva, todavia com-

porfavam-se como se o esperassem das mãos dos devedores.

Em resumo, todos aguardavam o dia seguinte como um acon-

fecimento extraordinario. A tarde, os invalidos voltaram

da cidade com as encomendas dos presos; traziam varios co-

mesfiveis, carne, leitões e a+‚ gansos. Alguns dos nossos,

entre os mais simples e os mais econ"micos, ate mesmo aque-

les que durante o ano inteiro iam juntando um a um os seus

1 copeques, senfiam-se obrigado- a afrouxar os cordões da

bolsa, e a comemorar condignar.,` rife a festa. O Natal repre-

sentava para os for‡ados uma solenidade de que ninguem

os poderia privar, que a lei lhes reconhecia formalmente. Era

um dos +rˆs dias do ano em que ninguem tinha o direito de

os fazer trabalhar.

Afinal, poda-se conceber quanfas recorda‡ões agitavam

as almas daqueles r‚probos nas proximidades do Natal! A

gente do povo cultiva, desde a infancia, o respeito pelas

festas solenes, durante as quais se abandona a rude !abufa

e congregam-se as reuniões de familia. No presidio, onde

a comemora‡ão das festas não poderia provocar senão sau-

dade, esse culto assumia um aspecto imponente. SO alguns

defentos bebiam, e maioria se mantinha grave, como que

preocupada, apesar da sua absoluta desocupa‡ão. Os pro-

prios beberrões se -esfor‡avam por manter um ar serio. As

-risadas pareciam proibidas. Reinava em todo o presidio uma

atmosfera de susceptibilidade, de infoleranc¡a: e, quem, mes-

mo involuntariameriM, perturbava a compostura geral, era

chamado ... ordem por gritos, por injurias; zangavam-se contra

ele como se faltasse ao respeito ... propria festa. Esse esta-

do de espiri+o era tão comovenfe quanto curioso. Mem

da venera‡ão intr¡nseca que sente nesse grande dia, o for-

‡ado se apercebe inconcienfemen+e de que a sua coparfi-

cipa‡ão na festa o poe em comunhão com o resto do mundo,

a que, por consequencia, j não ‚ e!e um r‚probo, um de-

. RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS

179

ca¡do, um farrapo sem dono, mas, embora no fundo do pre-



sidio, ainda e um homem. C;gal,

~i o


vis¡vel, compreensivel.

O proprio Akim Akim¡fch se preparava ativamente.

Não tinha recorda‡ões de familia, pois se criara orfão em

casa de estranhos e, aos quinze anos, iniciara os duros fraba-

lhos do servi‡o militar. Sua vida não contara nunca ale- #

grias especiais, porque -ele a passara na regularidade, na

rotina, no receio de infringir qualquer infimo dever que lhe

era imposto. Não era muito religioso, uma vez que o for-

malismo lhe absorvera todos os dons humanos, todas as

paixões, todos os desejos, bons e maus. Preparava-se por-

tanto, sem nenhum sentimento febril, sem emo‡ão, sem a

minima especie de saudade. Mas tinha ali excelente opor-

funidade para aplicar sua met¢dica pontualidade nos deve-

res impostos por uma festa de tradi‡ão indiscutivel. Alias,

Akim Akimitch não gostava de refletir. A'imporfancia dos

fatos lhe deixava o cerebro em repouso; bastava que uma

ordem lhe fosse dada para a cumprir com religiosidade e mi-

nucia. Se no dia seguinte lhe dessem nova ordem, inteira-

mente antag"nica a da vespera, obedeceria com a mesma

docilidade, o mesmo cuidado. Certa vez, uma unica vez

na sua vida, agira por sua propria cabe‡a, e aquilo o levara

ao presidio. A li‡ão nao se perdera. Por mais incapaz

que fosse ele de compreender em que consistira o seu crime,

tirara, daquela aventura, uma regra salutar: não raciocinar

nunca, porque raciocinar não era "negocio" seu. Devoto

cego das f¢rmulas, considerava com antecipado respeito -o

leitão que recheara com centeio, e que, com suas proprias

maos, assara no forno, - pois ate cozinhar sabia. Não o con-

siderava um simples leitão que se pode em qualquer tempo

comprar e assar, mas um animal criado especialmente para

festejar o Natal. Decerfo, habituado desde a infancia a ver

figurar um leitão na ceia do Natal, concluira que esse animal

ora indispensavel ... celebra‡ão do dia; estou convencido de

que se Akim Akimitch não pudesse comer leitão na noite de

~- i t2, 2 aquL.-l eird #

ISO


POSTOIEVSKI

festas, aquele dever não cumprido lhe daria remorsos para o

resto da vida. Trajava afˆ ent~o um casaco velho e umas

cal‡as que, apesar de todos os cuidadosos remendos, tinham

chegado ao ultimo grau de usura. Descobr¡ que ia h6 qua-

+ro meses ele guardava preciosamente dobrado no baU o

uniforme novo, com o fim Unico de o estrear no Natal. Na

vespera desse grande dja, Akim o tirou do bau, estendeu-o,

olhou-o, escovou-o, assoprou-o, examinou-o costura por cos-

+ura, e afinal o experimentou, para ver como ficava. Cons-

fa+ou que ficava bem, que estava decente, que os colchetes

fechavam at‚ em cima, que o colarinho, duro como carto-

l~na, lhe mantinha o queixo elevado. O frai\ '.,iha uma certa

linha militar no corte, e Akim Akim+ch, com um meio sorriso

de satisfa‡ão, virava-se e revirava-se lestamen+e diante do

seu espelhinho, cuja moldura, ia ha muito tempo, numa hora

de folga, ele proprio dourara. So um colchete do colarinho

não parecia Ia muito bem pregado. Akim Akimitch o des-

cobriu e resolveu muda-lo de lugar. Depois de repregar o

colchete, experimentou de novo o casaco e viu que estava

irrepreensivel. Tranquilizado, então, dobrou a roupa e +or-

nou a guarda-la cuidadosamente no ba£. Estava com a ca-

be‡a bem raspada: todavia, depois de severo exame ao espe-

lho, observou que o alto do cranio não se mostrava inteira-

mente liso: avistavam-se alguns cabelos um pouco crescidos:

foi imediatamente procurar o "maior" para raspar a cabe‡a

direito, de acordo com o regulamento. Ninguem, decerto,

o iria revistar no dia seguinte, mas ele procedia assim por

alivio de conciencia, afim de cumprir seus deveres para com

a festa. Desde crian‡a trazia gravada na alma a venera‡ão

pelo botão, os alarriares, as dragonas: seu espirifo estava preso

a essas marcas externas do dever, e as cul+uava no ¡nfimo

como a imagem da mais perfeita -elegancia que pode ser

cobi‡ada por um homem de bom-+om. Depois de proceder

a todas essas verifica‡ões, na sua qualidade de monifor, man-

dou trazer palha e fiscalizou a sua me+6dica disposi‡ão sobre

o chão. Procedia-se a mesma opera‡ão em todos os outros

RECORDA€õES DA CAU DOS MORTOS

181

alojamentos. Não sei por que, quando chegava o Natal,



punham palha no chão. Acabados os trabalhos, Akim Aki-

mifch rezou as suas ora‡r~Ses, es+ii-cu-se na farimba e ador-

meceu imediatamente, no so-no suave da infancia, para des-

perfar o mais cedo possivel no dia seguinte. Foi, alias, o

que tambem fizeram os demais detenfos. Em todos os alo- #

jamentos foi-se dormir muito mais cedo que nos outros dias.

Os trabalhos comuns de serão foram abandoriados: quanto

ao maidane, nem se pensava nisso. Cada um vivia na ex-

pecfafiva do dia seguinte.

Enfim, o dia chegou. Muito cedo, antes da madrugada,

bateu-se a alvorada, abriram-se as casernas, e o sub-c,ficial

que veio fazer a chamada nos desejou boas-festas. E em tom

arriavel, lhe refribuimos os votos. Acabadas as rezas, Akim

it

Akim' ch e varios outros se precipitaram para a cozinha, afim



de vigiar o preparo do seu ganso ou do seu leitão. Na som-

bra, atrav‚s das janelinhas tapadas pela neve e pelo gelo, viam-

se luzir os seis fogões das cozinhas, acesos desde a madru-

gada. No patio escuro passavam os defen+os, com o ca-

pofe atirado ao ombro, afraidos todos pelos fogões. Al-

guns - em pequeno n£mero, porem - ia tinham tido tempo

para visitar os bofequineiros. Eram os mais impacientes.

A maioria se portava com dignidade, com decencia, muito

melhor que de h6bifo. Não se ouvia ninguem a praguejar

ou a brigar, como sempre. Todos compreendiam a gran-

cleza, a solenidade da'festa. Alguns iam ...s outras casernas,

para dar boas-festas aos amigos e conhecidos; senfia-se nas

vozes daqueles homens um sentimento que parecia muito com

amizade. Diga-se de passagem que os for‡ados rigo se

afei‡oam a ninguem; e muito raro ver algum fornar-se amigo

de outro. A amizade quase n"o existia entre ri~s-, as rela-

o

‡ões enf re os defenfos---nanfinham-se sempre 6speras, secas;



ora esse o tom adotado e vigorante, praticamente sem ex-

ce‡ões.


Quando por minha vez sai da caserna, o dia come‡ava

a nascer: as estrelas empalideciam, e uma leve nebIlina con- #

DOSTOIEVSKI

~e erguendo da +erra. A fuma‡a sa¡a am autˆn-

~is pelas chamines das cozinhas. Os poucos com-

Roffilro que e,-,C

me dar boas-festas. E eu agracteci e retribui os bons votos.

Alguns ma dirigiam a palavra pe~a primeira vez.

Na poria das cozinhas encontrei um defenfo da se‡ão

milifar, com a pele de carneiro atirada ao ombro. Do meio

do pafio, avistando-me, ele gritara: "Alexandr Pe+rovi+ch!

Akxandr Pe+rovitch!" E se precipitara para as cozinhas.

Detive-me para o esperar. Era um rapaz de cara neclonda,

olhar calmo, muito pouco conversador; nunca me dirigira c~

palavra nem me prestara a minima ateri‡ão: e eu não lhe sa-

bia sequer o nome. Chegou, afogueado, resfolegando, e

ficou parado diante de mim, sc( - do. e fi+ando-me com os

olhos es+Upidos.

- Que deseja? pergun+ei-lhe, não sem espanto, vendo

que ele não se mexia e me olhava sem encontrar palavras.

Mas ... e ... a festa ... gaguejou afinal, e, com

preendendo que nada mais tinha 6 me dizer, deu meia volfa

e entrou na cozinha.

Farei notar aqui que desde esse dia ate ao fim da mi-

nha deten‡ão não nos enconframos praticamente nunca mais.

Nas cozinhas, junto aos fo98es aquecidos ate ao rubro.

um verdadeiro formigueiro se agitava. Cada um +ornava

conta do que era seu, enquanfo os cozinheiros preparavam

a comida geral, porque nesse dia a hora das refei‡oas

era adiantada. - Entretanto, ninguem se senfava a mesa,

apesar dos desejos de alguns. Esperava-se o padre, pois

o jejum s¢ deveria terminar depois da sua visita. O sol

ainda não clareara de todo, quando no por+So de entrada

soou o grifo do cabo de servi‡o, chamando os cozinheiros.

O mesmo grifo ecoou a todo instante, durante perto de duas

horas; chamava para que se recebessem as esmolas man-

dadas de foclos os canfos da cidade. Enviavam em quan-

+idades -enormes kala+chi, pães, pas+eis de queijo, frifuras,

doces de toda especie. Penso que n3o havia na cidade

RECORDA€OES DA CASA DOS MORTOS

183

~,I. uma vendeira, uma burguesa que não mandasse, como fes-



fas, uma esmola para os "desgra‡ados". Algumas esmoias

eram opulenfas, como nor exempilo r~9~ c!,~ f!nr d-~ f,~Ir-¡rk-

,outras mesquinhas, um pãozinho redondo de dois copeques

,, u uma forta lambuzada de creme azedo: aquilo era o pre-

,,,senie do pobre ao pobre; mas o doador gastara nele o seir

Ifimo copeque. Recebia-se tudo com o mesmo reconhe-

i 1 rr!enfo, sem fazer disfin‡Ses entre os donafivos ou entre #

res. Os de+enfos que recebiam esmolas tiravam o

clinavam-se para saudar os doadores desejando-lhes

s-fesfas, e levavam para as cozinhas o que lhes havia sido

fregue- Quando reuniam grandes montes de pão, charria-

m-se os monifores, e eles os repartiam em partes iguais,

1 1 nfre focios os alojamentos. A partilha não provocava brigas

m descomposfuras; fazia-se honesta, equi+afivamenfe. Mim

,,,kimifch, ajudado por outro preso, nos distribuia o quinh3o

nosso alojamento; dividiam-no com suas proprias mãos e

! irifregavam a cada um a sua parte. Não h¢uve a m¡nima

ma‡ão; cada um se considerava safisfeifo, nenhum sentia

a, nenhum pensava que as esmolas haviam sido escondidas

as sem igualdade.

do terminou os seus preparativos de cozinha, Akim

vesfiu-se com ‡uidado e gravidade, sem deixar

do o menor colchete; depois foi rezar, ro que de-

as+an+e tempo. JEram sobretudo os mais velhos

‚ desempenhavam os seus daveres religiosos. Enfre os

o 1


,~vens, muitos se contentavam em fazer o sinal da cruz, ao

levanfarem, mesmo nos dias de fesfa. Acabada a reza,

im Akimitch me procurou, e me deu as boas-fesiras com

certa gravidade. Convidei-o a +ornar ch e ele me con-

41dou a comer do seu leitão. Um pouco depois, Pe+rov

:i ara mim para me oferecer tambem seus bons votos.

a

iS fer bebido; um pouco sem f"lego por causa da cor-



o me falou muito, ficou' alguns segundos parado de-

e mim. como se esperasse alguma cousa, e me deixou

rapidamenfe para correr af‚ a cozinha. Nesse ¡nterim, na

t #


184

DOSTOIEVSKI

r

prisão militar, faziam-se os preparativos para a recep‡ão do



pope. Essa caserna não era construida de modo igual ...s

outras-, a tarimba era ao comprido da parede, em vez de fi-

car no meio, como nas demais. Era, pois, a unica que não

tinha o centro ocupado. Tinham-na arrumado assim para

os casos em que houvesse necessidade de reunir os for‡ados.

Puseram no meio da sala uma mesinha, coberta com um pano

branco; depois, colocaram em cima um icone, e acendeu-se

uma lamparina. Enfim, entrou o pope, carregando a cruz e

agua benta: ap¢s rezar e cantar diante da imagem santa, de-

frontou os de+en+os, que, com sentida compun‡ão, desfi-

laram perante ele afim de beijarem a cruz O pope afra-

yessou em seguida todas as casernas, e as dspergindo de

agua benta. Na cozinha, felicifou-nos pelo nosso pão, que.

era gabado ate na cidade; imediatamente lhe oferecemos

dois pSezinhos que acabavam de sair do forno e encarrega-

mos um dos invalidos de os levar ate a casa do pope. E

despedimo-nos da cruz com o mesmo respeito com que a

baviamos acolhido. Então, quase no mesmo instante, apa-

receram o maior e o governador. Este, que era querido por

todo o mundo, visitou os alojamentos em companhia do ma-

lor, desejou feliz Natal aos for‡ados, passou pela cozinha e

provou a sopa de couves, suculenta naquele dia, porque

tinham posto nela cerca de uma libra de carne por de-

tento. Ademais, um cozinhado de milho, onde a manteiga

não fora poupada, fervia no fogo. Depois de levar ... porta

o governador, o maior deu o sinal para a refei‡ão, mas os

presos se esfor‡avam por não lhe ficar sob as vistas; te-

miam o olhar ocliento que, por tr s dos ¢culos, passeava ...

direita e a esquerda, procurando, ate mesmo naquele mo-

mento, uma desordem a reprimir ou um culpado a castigar.

Senfamo-nos a mesa. O leitão de Akim Akimitch es-

+ava otimamente assado. Não sei como foi que isso se deu,

mas cinco minutos não tinham decorrido depois da partida

do maior, quando descobrimos que grande numero de ho-

mens j estava bˆbedo - e, entretanto, na presen‡a do

t #


RECOR,DA€õES DA CASA DOS MORTOS

187


,," ningiuem parecia ter tomado nada. Muitas caras fi-

cavammei, nos e lustrosas; apareceu uma balalaica; o polaco

do violino fora, contratado para todo o dia, e seguia um

40ão, arranhando alegres m£sicas de dansa. A conversa

~-se faz mais animada,.mais ruidosa; contudo a refei‡ão se aca-

e,

mn grande tumulto. Todos, estavam fartos. A maio-



· "'~`

-da dos velhos, -dos mais serios,, foi fogo se deitar; o mesmo

fez'Aki;~ Akimifch, considerando decerto que nas grandes

sesta ‚-de rigor. O velho raskoiniki de Sfaradubov

u um pouco, depois esfirou-se na estufa, abriu o

pâs-se a rezar: ficou assim, sem se interromper, af4 ~: ._* noite fechar de todo. Era-lhe penoso o espet culo da-

"verq(>nha" (assim designava a embriaguez colefiva

,~, -- do presos). Os circassianos foram todos sentar-se na en~

frada, ‚ contemplavam com curiosa repugnancia os despau-

terios dos bebedos. Enconfrei-me com Nurra: "Iaman! iarnan!"

~-~,,w , (Mal!'mal!) disse-me ele abanando a cabe‡a com honesta in-

di o.


igna‡a "Oh, iamant Alah vai se zangar!" Isai Fomifch,

com ar provocante e obstinado,' acendeu uma vela e se pos a

trabalhar, para tornar bem patente que nada tinha com aque-

Nos cantos, organizavam-se partidas de jogo; não

Ia festa.

se temiam os inv lidos-, entretanto, por causa do sub-c,ficial,

que ali s fechava os olhos, puseram-se sentinelas a entrada.

,0 oficial de guarda apareceu fres vezes fazendo a ronda.

A sua chegada escondiam-se os bebedos, desapareciam os

maidanes - e ele proprio parecia resolvido a não an~ergar

as Leves infra‡ões ao regulamento. Em dia de festa, a em-

briaguez não era *considerada crime. Pouco a pouco, au-

~ava¡ a anima‡ão e come‡avam as brigas. Mas como o

maior n£mero se conservara sobrio, não faltava quem to-

masse conta dos ebrios. Estes, realmente, se excediam.

estas a


€oChi!o

#Viro o


Gazine triunfava. Passeava como um rei ao redor do seu

hi

, ~,4; , gar- Acabava exafamenfe de transportar para debaixo da



tarimba a aguardente ate então muito bem dissimulada num

esconderijo por fr6s das casernas sob a neve. Dava uma

r¡sadinha ladina olhando os que vinham comprar be- #

188


DOSTOIEVSKI

bida, mas não tocava numa gota de, vodca, pois sua inten-

‡ão era divertir-se apos ter esvaziado de todo a algibeira

dos companheiros. As casernas vibravam com as can‡oes,

porem a bebedeira tornava-se infernal e as cantigas pareciam

pranto. Muitos passeavam aos bandos, a pele de carneiro

atirada displicentemente as costas, dedilhando com ar cas-

quilho as cordas da balalaica. Na se‡ão especial uns oito

homens tinham ate organizado um coro, can+a~ann muito

bem, acompanhados por balalgicas e guitarras. Mas as can-

figas realmenfe populares faziam exce‡ão; recordo-me apenas

de uma, admiravelmenfe cantada:

"Outrora, quando mo‡o,

"a muitas festas fui...

t

e da qual guardei de memoria uma variante que ainda não co-



nhecia. No final da toada acrescentavam alguns versos:

"Quando eu era mo‡o

"Boa casa tinha

"Tudo limpo, asseado.

"A lavagem dos pratos

"Engrossava a sopa;

"No sebo do degrau

"Se fritava a broa...

Cantavam-se principalmente as can‡ões chamadas "do

presidio" que todo o mundo conhece. Uma delas, intifulada .

"Oufrora", era engra‡adissima; conta a hisforia de um ho-

mem que dantes se divertia e vivia como barine, e acabou

dando com os ossos no presidio. Outrora, bebia cham-

panhe e agora,

"Dão-me couves com agua,

11 que quando as mordo mexo at‚ as orelhas. .

moda:

RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS



"Outrora vivia eu

"garoto, feliz no mundo.

"Tinha um capital guardado

mas, ai 1 veio a pouca sorte

e o meu capital voou. #

Agora j perdi tudo,

perd¡ mesmo a liberdade

e peno no cativeiro."

189

E assim por diante. Apenas, entre n¢s, pronunciava-



se "kopifal" e não "kapital" porque derivavam a palavra de

"koPiV (economizar). Can+avam-se +arribem cantigas +ristes.

Uma delas, carateristica can‡ão de presidio, parece-me que

‚ conhecida fora dele:

¡~,

"Acende-se a luz do c‚u



"e o tambor rufa a alvorada.

"A velha porta se abre,

"faz a chamada o sargento;

"Ninguern vˆ, por. tr s dos muros,

"como vivemos aqui ...

Mas Deus sempre est conosco,

embora nos guarde aqu¡. . . "

A outra can‡ão, conhecid¡ssima, esfava e arande

Uma outra can‡ão, mais triste ainda' Cuia M usica e

magn¡fica, embora a letra seja inculta e sem beleza, foi feita

decerto por um preso qualquer. Alguns dos versos ainda

me ocorrem ... lembran‡a:

"Meus olhos não mais ~vistarri

11 a provincia onde nasc¡.

'irido penando, inocente,

"condenado a este martirio.

"Adeus, amores antigos!

"No telhado chora o mocho,

11

e a mata ecoa o seu pranto.



"E o meu cora‡ão se aperta!

"Nunca mais, ai, nunca mais!

"hei de rever minha terra!"

Cantavam-na frequentemente, mas em solo, jamais em


Yüklə 1,41 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   ...   12   13   14   15   16   17   18   19   ...   34




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©muhaz.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

gir | qeydiyyatdan keç
    Ana səhifə


yükləyin