Casa dos mortos



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digna‡ão e senti que ele jamais poderia esquecer essa pagina

do seu passado. Quanto aos nossos for‡ados (e logico que

havia exce‡ões) viamessas cousas por um ƒngulo muito diver-

SO. Não e possivel, pensava eu ...s vezes, que eles se reconhe-

‡am francamente culpados, e considerem a puni‡ão justa,

sobretudo se pecaram contra os chefes e não contra os com-

panheiros. A maioria dentre eles não se acusava absoluta-

mente. Nunca, repito, observei entre os meus companhei-

rQs remorsos de conciencia, mesmo nos casos em que o crime

fora perpetrado contra os de sua propria classe. Quanto

aos crimes cometidos contra superiores, nesses nem falo. Pa-

receu-me compreender que os for‡ados tinham a +ai respeito

um modo de ver especial e, por assim dizer, empirico;, leva-

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, 1 1



, I #

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DOSTOIEVSKI

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RECORDA€OES DA CASA DOS MORTOS

vam em --Onsidera‡So o destino, o fato consumado, e, -isso,

sem refletir, inconcientemente; era, neles, uma es 1 pecie de fe.

Nessa especie de crimes, o criminoso da sempre razão a si

mesrno, e a ques+Zo de sua cu!pab¡lidade nem se propoe ante

ele proprio; entretanto, sabe muito bem que os seus supe-

riores não encaram o delito com os mesmos olhos com que

ele o vˆ, e, portanto, deve sofrer um castigo para ficarem as

duas parfes de confas saldadas. A luta ai e reciproca. O cri-

minoso pensa que um tribunal constifuido por gente humilde

da sua terra ou o absolveria, ou pelo menos o justificaria em

grande parte, confan+o que o crime não fenha sido perpefra-

do confra seus irmãos, confra os seus, contra a plebe.

Fortificado por sua conciencia, fica todavia sossegado e

sem remorsos. E e o principal. Senfe-se por assim di-

zer num terreno sOlido, e gra‡as a wessa convic‡ão, o

castigo se fransforma numa desgra‡a inevifavel, e mais

nada. Ele não ei O primeiro nem o Ultimo a sofrer

fal desv.-ntura. Duranfe muito tempo, muito tempo aind ,

prosseguira o combafe, um combafe obstinado, imposto

pela for‡a. O soldado não tem odio pelo turco com quem

esfa¡ em guerra, contudo o furco o mata a golpes de sabre

ou da baioneta, a tiros de fuzil ...

Todas as his+orias, alias, não revelam o mesmo sangue-

frio, a mesma indiferen‡a. Por exemplo, não se falava nunca

do tenente Jerebiafnikov sem wrfa indigna‡ão recalcada.

Travei rela‡ões com o fenenfe durante a minha primeira es-

fada no hospital - por infermedio das hisforias dos for‡ados,

compreende-se. Vi-o mais farde, em carne e osso, uma vez

que ele comandava na fortaleza. Deveria fer uns frinfa¡

anos. Era alto, gordo, vermelho, desfilando graxa, com uns

denfes brancos e a risada estrondosa, infermiferife, um riso

a Nozdriov (2). O rosfo lhe refletia o vacuo absoluto das

id‚ias. Adorava castigar, dar varadas, quando o designa-

(2) C,0901 - "Almas Mortas" - Primeira parte, cap¡tulo IV. (N. de H. M.)

i

i



5~,,_va Šxecufor de uma senten‡a. Os outros oficiais -

Mjocimo


i-meam cliz -lo - consideravam o tenente Jerebiafni-

kov como um monsfro, e os for‡ados manfinham sobre ele

lidˆnfica opinião. Evidentemente houvera, nos bons tempos #

de anfanho, "cuja fradi‡ão, embora custe crˆ-lo, ainda esfa

.. viva", (3) executores que gostavam de realizar escrupulosa-

--- imerifis a sua tarefa. Mas em geral as varas eram vibradas

- com simplicidade, sem nenhuma especializa‡ão, nem prazer

para o execufor. Esse tenente, pois, era uma especie de gas-

m refinado, um "connaisseur" no mais amplo sentido

e . fr6no o

da express...o. Tinha a paixão da sua arte. e amava a arfe

pela arfe. Comprazia-se nela como um pa+ricio enfediado

da,Roma Imperial, inventava toda especie de requintes suffs,

afim de estimular, animar um pouco a sua alma afundada na

banha.

Eis Jerebiafnikov encarregado de uma execu‡ão: um olhar'



-atirado ... longa fila de soldados armados de grossas' varas

basta para o e * ncher de inspira‡ão. Percorre a fila com ar

satisfeito, reifera a ordem para que foclos cumpram concien-

ciosamente o seu dever, orião... Os soldados sabiam

antecipadamente o que significava aquele "senSo". O cri-

minoso e frazido, e se ate então ele não travou conhecimento

com Jerebia+nikov, se ninguem o pos ao corrente do que se

vai passar, veja-se a pe‡a que Jerebiafnikov lhe prega: e ape-

nas uma pe‡a entre mil, porque aquele +anen+e não faltava

inventiva. Enquanto lhe desnudam as cosfas, e lhe atam as

mãos a coronha do fuzil, por meio do qual os sub-c,ficiais o

arrastam depois. ao longo da "rua verde", todo condenado

se põe sempre, em voz de choro, a suplicar aos executores

que, nao bafam com muita f"r‡a, que não redobrem o casti-

go com uma severidade superflua.

- Excelencia, grita o desgra‡ado, tenha piedade, mos-

fre o seu cora‡ão de pai, deixe-me rogar a Deus eternamente

por si, não me desgrace, tenha d,6!

(3) Verso de Criboiedov, que se tornou proverbial, (N. de H. M.) #

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DOSTOIEVSKI

Jerebiafnikov, que não esperava senac, essas palavras,

suspende imediatamente a execu‡ão, e, num tom sentimen-

tal, enfabola com o for‡ado o seguinte

- Meu querido amigo, que queres que eu fa‡a? Não

sou eu que +e castigo, e a Lei!

- Excelencia, tudo depende de si. seja compassivo!

- E pensas que não sou compassivo? Pensas que

tenho prazer em ver te a‡oitarem? Eu fambem sou um ho-

mem. Vejamos, sou um homem ou não sou?

- Se e, Excelencia, se e! A verdade ‚ que os oficiais

são os pais e nos somos os filhos; mostre o seu cora‡ão pa-

terno, Excelencia! brada o preso, fremente de esperan‡a.

- Mas meu amigo, julga por ti proprio: tens um cere-

bro para refletir. Sei muito bem que o sentimento de huma-

nidade me ordena que te olhe a ti, pecador com iedade

com misericordia.

I P I


- O que Vossa Excelencia diz e a pura verdade!

- Sim. e devo te olhar com misericordia, por mais peca-

dor que sejas. Porem não sou eu, e a Lei que te castiga.

Reflete! Tenho que servir a Deus e a minha pafria, e cometo

um grande pecado se assumo a responsabilidade de atenuar

a lei. Pensa nisso!

- Excelencia!

- Então não faz mal! Passa por esta vez! Sei que

estou errado, mas não faz mal! E, entretanto, se eu +o fV¡Šr

isso, presto-te um pessimo servi‡o! Pois se +e perd"o, se

s0 te castigo um pouquinho, ficaras pensando que de outra vez

e a mesma cousa. Tornaras a fazer asneiras, e então como

h6 de ser? ficara esse peso na minha conciencia.

- Excelencia, juro que não me ha de castigar uma

segunda vez! Juro-o diante do trono de Deus!

- Muito bem, então, muito bem! Jura que vais te

portar direitinho.

- Deus Todo Poderoso que me castigue e que no outro

mundo, ..,

I #


t

4

RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS



4

257


- Não ¡ures que ‚ ecado! Acredito, se me deres a

fua palavra!

- Excelencial

- Esfa bem - vou te perdoar por causa das tuas Ia-

gr¡mas de orfão. Porque es orfão, não es?

Orfão, Excelencia, s¢ no mundo, sem pai nam mãe ...

Muito bem, perdoo-fe por causa das tuas l grimas

de orfão, mas e pela £lf¡ma vez, vˆ bem! Levem-no - diz

com voz fão comovida que o for‡ado ia nem sabe com que

palavras h de agradecer a Deus, por o haver enf regue a um

oficial dotado de tão bom cora‡ão. Mal o amea‡ador cor-

feio se põe em marcha, a ordem e dada, o fambor rufa, a

primeira vara se ergue...

- Duro com ele! grifa Jerebia+nikov com todas as suas

for‡as. Surrem-no bem! Arranquem-lhe a pele. Mais, com

mais for‡a, liquidem o orfão, liquidem o canalha! Sirvam-

lhe a sua ra‡ão, sirvam-no bem!

Os soldados dão as varadas com toda a for‡a, os olhos

do pobre diabo soltam faiscas, ele come‡a-a urrar, e Jere-

biafnikov corre a sua frenfe, ao longo da "rua verde": ri, da

gargalhadas, segura as costelas com as duas mãos, ri tanto

que af‚ se sente mal. Esta no s‚timo c‚u, acha aquilo uma

delicia! De tempos em tempos uma risada formidavel e so-

nora, seu riso cascafeanfe de homem gordo refine de novo;

e de novo ele berra:

- Arranquem-lhe a pele! Quero vˆ-lo esfolado!

folem-me esse canalha! Pelem~me o lombo do orfão!

Havia ainda outras varianfes desse motivo, no seu reper-

u

forio. O for‡ado que vai apanhar come‡a com as s'plicas.



Jerebia+nikov não faz as palha‡adas costumeiras e lhe diz

francamenfe:

- N5o, meu caro, vou +e castigar segundo as regras,

conforme o mereceste! Mas h uma cousa que posso fazer

por f i: não fe mando amarrar. Vais caminhar sozinho, a moda #

258 DOSTOIEVSKI RECORDA€OES DA CASA DOS MORTOS 259

nova. Basta apenas que corras bem depressa pela linha da

soldados. Não te livrar s das pancadas, ‚ verdade, porem a

cousa andar mais depressa. Que achas? Queres expe-

rimentar?

O for‡ado escuta. incerto, desconfiado, depois medita:

"Quem sabe? Talvez seja mesmo vantagem para mim. Se

eu correr com toda a for‡a a coisa durara pelo menos cinco

vezes menos e talvez nem todas as varadas me apanhem!"

Esta bem, Excelencia, concordo!

E eu tambem! Vamos, marcha! Aten‡ão, vocˆs Ia,

aferi‡ão! Não estão aqui para dormir! grita para os sol-

dados, embora saiba muito bem que nenhum dos a‡oites dei-

xara de apanhar o lombo do culpado: se um soldado erra o

a‡oite, sabe por experiencia o que o espera. O for‡ado

põe-se portanto a galopar pela "rua verde" mas não passa

mais de quinze filas porque as varas sibilam no ar. as pan-

cadas chovem como geada nas suas costas, e o pobre diabo

se abate num urro, como apanhado por uma bala.

- Não, Excelencia, prefiro que sigam o regulamento,

suplica ele erguendo-se com dificuldade, liVido de pavor, en-

quanto Jerebiafnikov, que sabia antecipadamente o resultado

daquela boa partida, ri a sufocar.

Contudo, eu não poderia descrever todas as diversões

ag~se oficial, nem todas as historias que correm a seu res-

peito.

De modo muito diverso falavam entre n¢s do tenente



Smekalov, que precedera o atual maior nas fun‡ões de coman-

dante da pra‡a.

Discorriam sobre Jerebiafnikov num tom calmo, sem lhe

gabar as fa‡anhas, sem odio; não o estimavam, despreza-

vam-no. E o desprezavam por assim dizer - de cima -

enquanto ninguem evocava a lembran‡a do tenente Smekalov

sem lhe fazer o elogio en+usias+ico. Sendo o oposto do apre-

ciador das varas, esse tonQofe ne

.3da tinha pois em cQmum

A

com Jerebiafnikov. Não que ele desdenhasse punir: ao con-



trario, empregava muito bem as varas, mas em vez de lhe

guardarem rancor, os presos se enierneciam. Esse hornem

soubera agradar aos for‡ados! Como lhes teria granjeado

a estima? Nossos for‡ados, como quase toda gente da

plebe, estão prontos a esquecer os piores sofrimentos por

amor de uma boa palavra: limito-me a constatar o fato sem

procurar analisa-lo. flada e menos dificil que agradar a essa #

genfel Mas o tenente Smekalov gozava de uma popularida-

de especial, pois ate suas execu‡ões eram mencionadas com

enternecimento. "Era bom como um pai", diziam dele os

gales, e soltavam um suspiro, comparando Smekalov com o

nosso maior. "Que boa alma!" Era um homem simples, e

sem duvida bom ao seu modo. Contudo, acontece as vezes

ninguem querer bem, e mesmo se fazer +ro‡a de alguns ho-

mens bons - zombam ate da sua misericordia no comando.

O fato e que Smekalov de +ai modo se portava, que todos

os defentos reconheciam nele o "seu homem" e deve-se

dizer que isso representa um grande dom, uma capacidade

inata, da qual muitas vezes aqueles que a possuem não se

apercebem. Cousa estranha: entre os oficiais ha alguns que,

sem serem bons, atraem uma grande popularidade, simplas-

mente porque não desprezam o povo, porque não o tratam

com altivez. Não se sente neles nem o barine mimado, de

maos brancas, nem o espirifo de cas+a; emana das suas pes-

soas uma especie de cheiro especial, de simplicidade; isto

lhes e congenito, e, meu Deus, como sabe o povo farejar esse

cheiro! Que dedica‡ão não e capaz de sentir por +ai es-

necie de cricturas! Com que rapidez sacrificar o chefe

mais humano para escolher o mais severo! E se o persona-

gem em quem o povo fareja esse cheiro especial e ademais

uma boa pessoa, então não +em mais pre‡o!

Como ia o disse, o tenente Smekalov as vezes castigava

com dureza, mas sabia como o fazer, eam vez de lhe guarda-

r-em rancor, todos os presos do meu tempo evocavam rindo as

suas "bg.?5 pe~as". Pe‡as que ali s não eram muito variadas, #

260


DOSTOIEVSKI

pois o tenente carecia infeiramenfe de fantasia arfisfica

,Na realidade, duranfe um ano infeiro, ele não se divertira

senão corn uma unica e mesma far‡a, que talvez devia o seu

presfigio ao fato de ser énica. Não lhe faltava ingenuidade.

O delinquente e trazido: Smekalov deve assistir pessoalmente

... execu‡ão. Vai para Ia brincando, rindo, interrogando o

culpado sobre cousas indiferen+esl sobre seus negocios pes-

soais, sobre os seus trabalhos, e isso sem inten‡ão zombeteira,

sem id‚ia preconcebida, "+So s0 porque lhe apraz ficar a

par dos negocios daquele homem". Trazem as varas e uma

cadeira para Smekalov. Ele sen+a-se, acende o cachimbo,

(cachimbo muito comprido, alias). O for‡ado come‡a as

suplicas ...

- Não, meu amigo, vamos, dei+a-fe, que foi que +e deu?

resmunga Smekalov.

O for‡ado suspira e se deita.

- ~Escufa, meu amigo, sabes as tuas ora‡ões?

- Decerto, Excelencia! Sou batizado, aprendi a rezar

quando ainda era da altura da sua bo+a!

- Bem, então reza!

O for‡ado ia sabe o que vai rezar e o que se seguir .

porque a brincadeira ia foi repetida pelo menos umas

frinfa vens. O propric, Sm.ekalov não ignora que o preso

sabe disso e que os soldados, que esperam com as varas

erguidas sobre o culpado, estirado no chão, +ambem o sa-

bem, mas isso não o impede de se repetir. A brincadeira

lhe agradou de vez, e talvez ele a aprecie principalmente

por vaidade de autor. O desgra‡ado come‡a a recitar suas

rezas, os soldados se imobilizam com as varas, a Smekalov,

que ia não se pode confer, levanta a mão, para de fumar,

espreifa a palavra esperada. O for‡ado a articula afinal:

õ'no ceu" (4).

(4) Trata-se evidentemente do Padre Nosso, mas, com receio ia censura, a cita-

‡ão ‚ vaga. (N. de H. M.)

RECORDA€õES DA CASA DOS MORTO

d

.41


 a palavra de ordem

_ Alto! grifa o tenente cujo rosto se inflarria; bru

camenfe, com um gesto inspirado, dirige-se ao homem que #

]e

vai bater em, prime'iro lugar, e brada: - Para o ceu v e, !



E solta uma gargalhada. Os soldados +ambem sor-

riem, o fustigador sorri, o proprio fustigado se prepara

para sorrir, - embora a ordem de "para o c‚u! . - . " a vara

fenha sibilado no ar e venha cortar como uma navalha o

lombo do paciente. Entretanto Smekalov esta satisfeito,

porque a pilheria e de sua inven‡ão, e lhe agrada mui+ts-

simo. E vai para um lado, encantado, enquanto o fu%fl-

gado seque pelo outro, satisfeito consigo proprio e cr)m

Smekalov. Meia hora mais farde confa-se em focla a for-

taleza que a famosa pilheria foi de novo dita, pela frig'sir-na

primeira vez. "Ai, aquele era mesmo um homem de ver-

dadel"


As vezes as louvaminhas dedicadas a esse tenente c~e_

gavam a aborrecer.

- Lembram-se, rapazes, as vezes, quando a gente ia

trabalhar - (conta um for‡ado cujo rosto se ilumina ante a

recorda‡ão) - via o tenente sentado na janela, de roupão,

cachimbo na boca, fornando cha. Tiravamos o gorro

"Para onde vais assim, Aksionov? ele dizia. - Vou para o

trabalho, Mikhail Vassili+ch, mas antes tenho que passar na

oficina!" Ele então punha-se a rir. Sujeito bom! Cora‡ão

de ouro!


- Dessa especie ia não os fazem mais! acrescentava oen-

-sa+ivo um dos ouvintes.

I

i,

1 #



IK

"·"


O hospital

(continua‡ão)

O

4

se falei longamenfe- sobre as puni‡ões e sobre aqueles que



&s administram, e porque durante minha estada no hos-

pifal testemunhei com meus proprios olhos cousas que

não conhecia senão por ouvir dizer (1). Traziam para as

nossas duas enfermarias os condenados as varas de todos os

batalhões, companhias correcionais e outras unidades acan-

+onadas na cidade, e no distrito que dela dependia. Du-

ranfe os primeiros dias, quando eu estudava ainda com gran-

de avidez os costumes do presidio, todos esses a‡oitados,

foclos esses homens na expectativa da "rua verde", me da-

(1) O que contei sobre castigos corporais passava-se no meu tempo. OuvI dizer

que tudo foi mudado, ou est em vias de mudan‡a. (Nota do Autor).

I #


264 DOSTOIIEVSKI

RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS 265

vem uma impressão horrivel. Eu ficava comovido, perfur-

bado, aferrorizado. Lembro-me de que então me p£s a

refletir febrilmente em todos os detalhes desses fatos novos

para mim, a escutar as conversas e as hisforias que a eles

se referiam, a fazer perguntas aos for%ados, querendo des-

cobrir uma solu‡ão para esse.estado de cousas.

Desejava em especial conhecer minuciosamente os graus

das diversas condena‡ões, todas as diferentes cambiantes de

castigo, com os modos de ver dos condenados a esse respeito.

Esfor‡ava-me por imaginar o esfado de alma dos que par-

fiam para o suplicio.  rarissimo, ia o contei, que um con-

denado conserve o sangue-frio ate ao momento fatal, em-

bora ia fenha sofrido varias outras fusfiga‡ões. Nesse ins-

+ante, ele sente um ferror puramente fisico, agudo, involun-

fario, inconcienfe, e esse terror o afurde. Durante meus lon-

gos anos de presidio tive mais de uma vez a oporfunidade de

observar alguns desses condenados que, entrando no hospi-

fel com as cosfas em carne viva, depois de sofrerem a pri-

meira metade da puni‡ão, se inscreviam para a alta logo no

dia seguinte, afim de mais depressa afrontar o resto. Essa

interrup‡ão no castigo e sempre devida as ordens do medico

que assisfe a execu‡ão. Quando o numero de a€oifes ao

qual foi condenado o criminoso parece elevado demais para

ser recebido todo de uma vez, e ele dividido em dois ou

trˆs, segundo a opinião do medico que, no decorrer da

execu‡ão, verifica se o fustigado esfa em condi‡ões de

suporfar a pena sem perigo de vida. Quinhentos, mil, mil

e, quinhenfos a‡oites podem ser adminisfrados de uma vez:

mas dois mil a‡oites são em geral disfribuidos em duas ou fres

por‡ões. iEm geral, aqueles que, com as cosfas mal cica-

frizadas, sa¡am para receber a segunda metade do castigo,

fornavam-se desde a vespera da partida sombrios, +risfonhos,

faciturnos. Observava-se neles uma especie de embrufeci-

menfo, uma disfra‡ão singular. Não +ornavam parte nas

conversas e na maioria do tempo - cara+erisfica curiosa, -

w~‡Ompanheiros evitavam falar com eles, evitavam fazer a

menor alusão ao que os aguardava. Nenhum consolo, ne

. nhuma palava inufil: parecia que todos tinham combinado

_.. não M presfar a menor aten‡ão. E era muito melhor assim.

Havia, confuido, exce‡ões - Orlov, por exemplo, de quem

'. J falei.- Depois da primeira metade da sua puni‡ão, ele

não parava de gemer, porque suas costas não saravam bas-

, fanfe depressa. Tardava-lhe acabar, e ser metido num.

comboio de deportados, porque contava fugir durante o

C inho. Esse não via senão o fim que visava atingir; e-R

Nu sabe do que era capaz uma natureza daquelas, tão

apaixonada, fão ardente. No dia em que chegou, parecia #

1 , ",,safisfeifo a muito excitado, embora se esfor‡asse por dis-

simular seus senfimenfos. Na verdade, Orlov_ cuidara não

sobreviver ... primeira metade do castigo, nao se poder

levantar de sob as varas. Durante a prisão preventiva,

chegaram-lhe aos ouvidos boatos sobre as medidas +orna-

das a seu respeito pela administra‡ão, e finha-se preparado

para o fim. Mas o fato de suporfar a primeira metade

devolvera-lhe a esperan‡a. Quando chegou ao hospital,

esfava semimorto. Jamais vi na minha vida umas costas

Coa chegadas, contudo a alegria lhe tomava o cora‡ão. Es-

+ave cerfo agora de que lhe tinham confado boatos falsos,

o que se sairia da segunda vez como se saira da primeira.

,Depois da longa reclusão preventiva, não sonhava senão com

g futuro comboio no qual seria incluido, na viagem que faria,

na evasão, na liberdade nas estepes e florestas ... E dois

,ckas ap6s sua saida do hospital, voltou para morrer no pro-

o

prio leito que deixara: não pudera resistir ... segunda metade



do castigo. Ja falei, porem, a esse respeito.

Todavia, esses condenados, mesmo os mais pusilƒnimes,

aformenfados noite e dia pela expectativa do momento fatal,

suporfavam a sua dor com coragem, uma vez chegada a hora.

Raramente os ouvi gemer durante a noite que se seguia a

fustiga‡ão, por mais rigorosos que houvessem sido os a‡oites,

- tão grande e a for‡a de resisfencia do nosso povo. Infer-

19 #


266

DOSTOIEVSKI

roguei muit¡ssimo os meus companheiros acerca dos sofri-

mentos causados pelos a‡oites. Queria infeirar-me da sua

:nIensidade,e saber a quc~, poder*,a¡~ c-'bs ser comparados. Não

sei realmente que razão me impelia, mas recordo bem que

não era a simples curiosidade. Repito-o, a emo‡ão e o pavor

me estrangulavam. Por mais que indagasse, porem, nunca

obtive uma resposta sa+isfatoria. "Queima como fogo", res-

pondiam sempre. "Queima - e e s6!" Nos primeiros tem-

,pos. quando me aproximei de M-cki, interroquei-o +ambem.

"Doi horrivelmente, confessou ole; sen+e-se uma impressão

de queimadura, como se grelhassem as costas da gente no

fogo do inferno". Assim, todos se exprimiam de maneira

unƒnime. Lembro-me de +er feito então uma observa‡ão

estranha, cuia exatidão alias não garanto, mas que o consan-

so geral dos for‡ados confirmava: uma severa flagela‡ão de

varas constitue o mais ferrivel dos suplicios em uso entre nos.

Ao primeiro olhar, a afirma‡ão parece absurda, entretanto

quinhe0os a‡oites, quatrocentos mesmo, bastam para matar


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