Casa dos mortos



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para o cocheiro.

Adiantei gritava Romane, e Gn¡edko ia embora s(

o-

zinho, ate defronte das cozinhas; Ia se imobilizava, aguar-



dando que as "cozinheiras" viessem apanhar a aqua.

- Gniedko e um malandro! exclamavam os presos. Sabe

andar sozinho! &fende tudo!

Sim, com -efeito, esse animal entende tudo!

Cavalo infeligenfe,,~,,Gnieditol

O cavalo relinchava, m neando a cabe‡a, como para

mostrar que sabia apreciar as lisonjas. E alguem imediata-

mente lhe trazia p5o e sal. Quando acabava de comer,

Gniedito levantava de novo o focinho e parecia dizer: "Bem

que te conhe‡o! Bem que +e conhe‡o! Eu sou um bom ca-

valo e tu es um bom sujeito!"

Tambem ia, as vezes, levar pão a GniedI‡o. Gostava

de olhar o seu focinho, sentir na palma da mão os seus bei‡os

macios e quentes que lambiam minha oferta.

RECORDA€OES DA CASA DOS MORTOS

. Nossos defenfos tinham muita capacidade para amar

animais, e se lhes fosse pŠrmifido, +criam de bom grado en-

chido a fortaleza de b~chos dornesficos e p ssaros. Que

outra ocupa‡ao seria mais indicada para- abrandar, crio-

brecer, o carater depravado e brutal dos gal‚s? Mas n o

lhes era permitido fazˆ-lo. Nem o regulamento nem o es- #

pa‡o o consentiam.

Entretanto, no meu tempo, alguns animais encontraram

abrigo no presidio. Alem de Gniedko n¢s tivemos caes,

gansos, o bode Vaska e ate mesmo, durante algum tempo,

uma aguia.

Como cachorro titular, possuiamos Charik, de que iã

falei, cão destemido e inteligente, muito meu amigo. Mas

a gente do povo vˆ no cão um animal impuro pelo qual não

convem criar estima, e quase ninquem cuidava em Charik.

Ele vivia ao acaso a sua vida de cão, dormia no pafio, comia

as sobras da cozinha, não despertava nenhuma simpatia,

contudo considerava como seus donos todos os habitantes

do presidio. Na hora em que voltavamos do frabalho, logo

que ele ouvia gritar: "Cabo da guarda!" avan‡ava para o

por+ão e acolhia cada grupo abanando a cauda e fitando

alegremente os olhos dos for‡ados, na expectativa dum ca-

rinho. Todavia, durante varios anos, jamais recebeu carinhos

de ninguem, exce+o de mim. E, por essa razão, me preferia

a foclos.

3"

Não me lembro agora como foi que frouxemos Bieika,



o outro cão. Quanto ao terceiro, Kulfiapka, eu proprio o in-

froduzira certa vez em que voltava do trabalho, ... +arde.

Bieika era um animal estranho. Uma carro‡a lhe passara

sobre o meio do corpo e lhe curvara +anfo a espinha dorsal,

que de longe, olhando-o correr, a gente supunha ver dois

c5es brancos, amarrados um ao outro. Ademais, tinha

sarna, os olhos lhe supuravam, e a cauda pelada pendia cons-

fariferrienfe. Maltratado pela sorte, resignara-se ao silencio.

Jamais ladrava ou grunhia contra ninguem, como se receasse

fazˆ-lo. Vivia sobretudo cle p5o, que comia por fras das ca-

2i

I #


330

DOSTOIEVSKI

sernas. Se algum de n¢s se aproximava dele, ari-fes que

.chegasse junto, Bieika procurava mo~frar-se arnavel; rola

costas, como para dizer: "Faze de mim o que quiseres que

eu não me defenderei!" E todos os for‡ados diante de

quem ele :rolava assim, consideravam do seu dever lhe dar

um pontape. "õ cachorro imundo!" Mas Bieika não se

queixava; so se a dor fosse muito forte, solfava um ganido ra-

pidamente abafado. Bieika dava suas cambalhotas diante

de Chark ou mesmo de qualquer outro cão que viesse em

busca de aventuras defronte ... forfaleza. Achafava-se hu-

mildemente, mesmo quando um grande mastim se atirava.

contra ele, rosnando.  de crer que os cães apreciam a

humildade e o respeifo da parfe dos seus semelharifes,

porque o mastim furioso imedia+amenfe se aplacava e, me-

ditafivo, defia-se anfe o animal estendido aos seus pes com

as pat;is no ar, e então, lentamente, curiosamente, farejava-

o por todos os lados. "Esfe malvado ira me morder?" pen-

sava decerto Bieika, trˆmulo. Porem, depois de o farejar

com cuidado, o mastim abandonava-o, não enconfrando ali

nada digno da sua curiosidade. Imediafamente ~ieika se

erguia nas quatro patas, e, manquejando sempre, juMava-se

ao grupo dos outros que partiam na pista de alguma cadela.

Cerfo de antemão de jamais travar rela‡ões ¡nfimas com

a diva, seguia-a de longe, assim mesmo, como se nisso en-

con+rasse algum consolo. Sobre honestidade, s¢ possuia

no‡ões por 'demais vagas. Tendo renunciado a qualquer

esperan‡a de futuro, confen+ava-se em trazer cheia a pan‡a,

e nada mais. Tenfei cerfa vez fazer-lhe fesfas. Mas, para

ele, o fato foi fão novo, tão inesperado, que se rojou por

ferra, e, fremenfe, pos-se, a ganir de satisfa‡ão. Isso me deu

piedade e, desde então, fiquei lhe fazendo fesfas sempre;

por isso, assim que me avistava, Bieika iniciava de longe os

1seus ladridos lacrimosos. Sua vida acabou fora do prasidio,

no basfiã*o, onde foi destro‡ado pelos outros cães.

Kulfiapka tinha o genio infeiramenfe diverso. Não sei

porque eu o trouxe para o presidio, certa +arde, ievando-o da

oficina onde ele nascera. Sentia prazer em alimenf -lo e

RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS

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Chank imediafamente tomou Kulfiapka debaixo da



‡ão, o o fazia dormir consigo. Consentia af‚,

, que o cachorrinho 1,he mordiscasse o pelo e as

., como em gerai o fazem os grandes cães com os #

C

x=a estranha: Kultiaplita não crescia quase nada



1 m, mas apenas em largura e comprimenfo. Tinha

~ 'i


------ um bonito cinzento cor de rato, e uma das

s ficava pendente, enquanto a outra se erguia.

a todos os cães jovens que, na alegria de avisfar

~ -~_1 , se põe a ladrar, a saltar-lhe ao rosto para o lamber,

ridir diante dele'seu ardor e enfusiasmo. "Conquanfo

,,~~Örem na minha alegria, pouco me importo com as con-

,,,,v"ncias!" Onde quer que eu estivesse, se chamasse Kul-

~a# ele aparecia aos saltos, como se saisse dum al‡apão,

1

1 ~ 17 1 ~ ; ladridos ruidosos afirava-se sobre mim, igual a uma



om

Wa que vai ro

~45, i Iando por um declive. E eu me afei‡oei a

1 esse monsfrozinho. A sorte parecia +ˆ-lo criado umcamente

~para, a alegria e a felicidade. Porem um belo dia, para des-

~gra€a sua, Kulfiapka afra¡u a afen‡ão -especial do for‡ado

que fabricava cal‡ados de mulher com peles que

1 --- ele proprio curtia. O homem chamou Kulfiapka, +a+eou-lhe

o pelo, deifou-o, fazendo-lhe festinhas. Kulfiapka, sem des-

,,, confiar, gania de prazer, na manhã seguinfe desaparecera!

Procurei-o muito fempo, sem encontrar em lugar nenhum,

,e s¢ soube da verdade quinze dias mais +arde. O pelo de

eapka seduzira Neus+ruiev, que lho tirara e curtira, para

W, com ele forrar umas bofinas de veludo. encomendadas pela

, ~,,mulher do auditor do conselho de guerra. Ele proprio mo

~.,~,^osfrou as bofinas, quando as concluiu: o interior forrado

~~-ficara uma maravilha. Pobre Kulfiapkal

---~,:, , , Muitos for‡ados se ocupavam em curtir peles, e traziam

--- ,de fora cães de pelo longo, que faziam desaparecer num

;,,,: abrir e fechar de olhos. Roubavam uns, compravam outros.

,,,Uma vez, afras das cozinhas, vi dois de+en+os conspirando.

O primeiro trazia pela trela um cão enorme, magnifico, de

¢tima ra‡a. Um lacaio ladrSo o roubara ao amo e o ven-

dera por frinfa copeques aos nossos sapateiros. Esfavern

I I #

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DOSTOIEVSKI

tratando de o estrangular. A opera‡ão não oferecia ne-

nhuma dificuldade. Esfolava-se o cão e depois se atirava

o cadaver no grande fosso que ficava nos fundos da forta-

leza, e que no verão, durante o calor, desprendia um cheiro

terrivel, pois raramente o limpavam. O desgra‡ado bicho

parecia compreender a sorte que lhe destinavam. Olhava

para nos frˆs com ar perscrufador, e, de tempos em tempos,

se aventurava em agitar a longa cauda, em sinal de confian‡a.

Afas+ei-rne as pressas, enquanto os dois cumplices termina-

vam a vontade a execu‡ão.

Os gansos se tinham estabelecido por acaso no presidio.

Quem os criara? A quem, realmente, pertenciam? Não

* sei, mas durante algum tempo eles divertiram os for‡ados

* foram assunto de conversa at‚ na cidade. Nascidos na

fortaleza, tinham crescido numa das cozinhas. Quando fi-

cararri adultos, o bando inteiro +ornou o costume de nos

acompanhar ao trabalho. Assim que o tambor rufava e os

for‡ados se reuniam, os gansos corriam ao nosso encontro,

grasnando, agitando as asas.

Saltavam um aftas do outro o degrau alto do portão,

o corriam para a frente das fileiras; 16 se agrupavam, (aguar-

dando o fim dos preparativos da escolta. Iam-se 5empre

com o contingente maior, e durante o trabalho, esgrava-

favarri pelas proximidades. Assim que os de+en+os se pre-

paravam para voltar, eles novamente reintegravam o cortejo.

Espalhou-se por toda a vizinhan‡a o boato de que os gansos

acompanhavam os presos ao trabalho. Os passan+es que

os viam, comentavam: "Olhem os gaik e os gansos. Como

foi que ensinaram isso a eles?" "Tome para os seus gansosl"

acrescentava um outro, dando-nos uma esmola. No entanto,

apesar da sua dedica‡ão, foram os pobres gansos sacrificados

sem do, no fim da quaresma.

Quanto a Vaska, nosso bode branco, ninguern se resol-

veria a ma+61o se não houvesse surgido uma circuns+ancia

especial. Não sei dizer de onde ele viera nem quem o +rou-

xera ao presidio, ainda cabrifinho. Dentro de alguns dias,

RECORDA€OES DA CASA DOS MORTOS

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1 todos o adoravam, tornara-se o nosso divertimento. Des-



: C¢br 1 lu-se um pretexto para o guardar: era indispensavel um

bode na cavalari‡a (2). Entretanto, não era na cavalari‡a

que cio vivia, e sim primeiro nas cozinhas, depois, em toda

, paria. Essa criatura graciosa e estouvada acorria a pri-

. ~' ~ira chamada, saltava sobre bancos e mesas, lutava a chi- #

fradas co

m os for‡ados, provocava incessantemente alegria

e, risadas. Certo dia, quando os chifres de Vaska ia haviam

atingido um tamanho regular, Babai, o lezghiano, que estava

~,;~ ~ sentado na entrada de uma das casernas, resolveu lutar com

s~ , -61

e, frente a frente. Durante muito tempo mediram for‡as;

esse o passatempo favorito dos for‡ados. De sWito,

Vada saltou no degrau mais alto, e sem deixar ao adversario

o tempo de se por em guarda. erguido sobre as patas tra-

seiras, marrou com os chifres na nuca de Babai, com tanta

destreza e for‡a, que Babai rolou escada abaixo, para gran-

de alegria dos assistentes e do proprio vencido. Eram

todos loucos pelo animal. Quando Vaska atingiu a idade

nubil resolveram, depois de consulta geral ser¡ssima, que o

bode seria submetido a uma determinada opera‡ão que os

nossos veferinarios sabiam praticar com mestria. "Pelo

menos assim não h6 de feder!" explicavam os presos. ApOs

a opera‡ão, Vaska engordou demais. Al s, enchiam-no de

comida. Enfim, fransformou-se num lindo bode, grande e

,gordo, com chifres de no+avel grossura. Gostava de dar

,cabriolas, ao caminhar. Ele fambem nos acompanhava ao

trabalho, para divertimento dos for‡ados o das pessoas que

enconfravamos. Todo o mundo conhecia Vaska, o bode do

presidio. As vezes, por exemplo, se frabalhavamos ... margem

do rio, um de nos colhia ramos de junco e outras folhagens,

ou flores, no fosso, para enfeitar Vaska. Entrela‡avam-lhe

flores e ramos em +orno dos chifres, +eciam-lhe qrinaldas em

redor do corpo. , Na hora da volta, Vaska caminhava sempre

em frente da coluna, pimp5o, enfeitado, e os de+enfos que

lhe acompanhavam o passo, orgulhavam-se dele, ao cruzar

(2) O bode ‚ considerado mascote nas cavalari‡as russas. (N. de H. M.)

1 . 1


1

I #


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com os transeuntes. O amor que tinham pelo bode era f50

intenso que alguns de n6s, como crian‡as, pensaram em lhe

dourar os chifres. Perguntei um dia a Akinn Akimifch, o

melhor dourador do presidio depois de lsai Fomitch, se real-

mente a cousa era praficavel. Akim fitou o animal com

aferi‡ão, refletiu um bom instante, disse que seria possivel,

sim, mas que o dourado não seguraria, e o resultado não

pagaria o trabalho. E o projeto ficou nisso. Vaska po-

deria ter vivido muito, e morreria de asma e velhice, talvez.

Um dia, porem. o maior, no seu carro, encontrou na estrada

um grupo de for‡ados que voltavam do trabalho, precedidos

por Vaska, engrinaldado e altivo.

- Para! berrou ele. De quem e esse bode?

Explicaram-lhe.

- O que? Um bode no presidio? Sem oermissão

minha? Sub-oficiali

O sub-oficial apareceu, e recebeu ordem imediata de

abater o bode. A pele seria vendida no mercado, a quantia

apurada recolhida a caixa do presidio, e a carne refor‡aria a

sopa dos presos. Discufiu-se muito, lamentou-se Vaska, mas

ninguem se atreveu a infringir as ordens do maior. Mataram

pois o nosso bode Ia do outro lado da fossa do lixo. Sua

carne. comprada em bloco por um dos de+enfos, nos rendeu

um rublo e cinquenta copeques - dinheiro que seria empre-

gado em kalafchi. Depois de preparar um saboroso assado,

o comprador de Vaska o vendeu a retalho, e todos que dele

comeram o acharam excelente.

Durante algum tempo possuimos +ambem uma aguia das

estepes, de +amanho pequeno. Alguem a trouxera ferida, e

em m s condi‡ões. Todos os for‡ados a foram ver, porque

a aguia não podia voar. Sua asa direita pendia por terra

e uma das garras estava quebrada. Ainda revejo os olhos

furiosos que ela deitava ao grupo de homens ao seu redor.

Tinha o bico recurvo entreaberto, pronta a vender caro a

vida. Quando a quiseram examinar, afas+ou-se, mancando,

RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS

335

do numa perna e agitando a asa valida, procurando o



mais afastado do recinto, e se encostou ... cerca.

~u trˆs meses seguidos sem sair do lugar. No cornejo,

1 , ¡3/4 . -la frequentemente, a‡ulando contra ela

, --- presos iam visita

,,,- o, nosso Chari¡k. O cão se atirava ... aguia com furor, mas #

--- ~)~enta evidentemente aproximar-se muito, o que divertia

P,4~ ~~ rdinariamente os for‡ados., "Que animal! diziam. Não

o*ao


um tolo!" Aos poucos, entretanto, Chark curando-se

do, come‡ou a atormentar realmente a aguia, segu-

-a pela asa doente. A ave se defendia altiva e seiva-

te com todas as for‡as, com o bico e as garras, como

rainha ferida; encostada ao seu canto, fixava os curiosos

lhe chegavam perto. Enfim, cansaram-se dela, abando-

m-na, esqueceram-na. Contudo, diariamente se via no

'1~11~, ~~ OU canto um peda‡o de carne fresca e uma tigela de agua:

allguem ainda a cuidava. Durante alguns dias ela não quis

1 , : - so alimentar, depois aceitou a comida, mas nunca das mãos

de ninguem, nem na presen‡a de qualquer um. Mais de uma

vez a observei de longe. Vendo o vazio fazer-se ao seu

'ireclor, supondo-se sozinha, ela se resolvia a sair do seu canto,

` o saltitava dez passos ao longo da pali‡ada: voltava depois

~...-,,_- dto ponto de saida, como se estivesse fazendo um passeio

i"nico. Assim que me avistava, corria, capengando, sal-

'~4ando como lhe era possivel ate o seu canto imutavel. E.

- 1 ~--


. ` 1mediafameriM, com a cabe‡a

erguida, o bico aberto, a plu-

ada, preparava-se para o combate. Meus ca

magem eri‡

rinhos foram inufeis, não consegui amans‚i-la, ela bicava, de-

recusava-se a tocar na carne que eu lhe estendia, e

1,1 , , ,,enquanfd me mantinha inclinado sobre ela, não deixava

e

de me fitar com seu olhar feroz e penetrante. Odien+a



solifaria, esperava a morte, todavia continuava a desafiar

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foclo o mundo, a se manter inconciliavel. Afinal, ap6s dois

meses de esquecimento, os for‡ados a recordaram, e a onda

1de simpatia revelou-se de maneira inesperada: resolveram

carrega-ia dal¡.

- At16 porece ‡Qnos‡Q! ex‡lamQu um dos presos,

I #


#

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DOSTOIEVSKI

- Ora ora descobm+- *-

41

e o ---so sozin oe mas a agu,



uma ave, enquanfo n¢s somos gente. . .

- A - guia, irmãos, ‚ a rainha das florestas... foi c

me‡ando Skuratov, contudo, daquela vez n¡nguern quer

escut -lo.

Uma farde, quando o fambor rufava para a saida a

frabalho, seguraram a ave enferma, apertaram-lhe o bic

€om a mão, porque ela procurava debater-se e bicar, e

levaram afˆ ao basfião. Os doze for‡ados que formavam

grupo estavam curiosiss¡mos por ver aonde a aguia iria. Cov

sa estranha: estavam fão satisfeitos quanto se eles proprio

estivessem sendo solfos.

- õ desgra‡ada, a gente lhe quer fazer um bem,

ela d bicada! disse o homem que segurava a aguia, contem-

plando quase com amor a ave m~l¢vola.

- Solta-a, M¡k¡fkal

- - Nem o diabo a segurava! Essa precisa de liberdade

s0 quer liberdade!

Do alto do fafude, atiraram a aguia para a esfepe.

Era no fim do outono, o dia esfava frio e nevoento. O vento

soprava na estepe nua, e gemia atrav‚s dos altos fefos e da

erva ressequida. A aguia pos-se logo a andar, sacudindo o

asa machucada, como se tivesse pressa em fugir fão longo

quanto seus olhos alcan‡avam. Os for‡ados lhe seguiam

curiosamenfe a cabe‡a que emergia acima do mafo rasfeiro,

- Hein! Olhem aquilo! exclamou um deles, pensativo.

- Nem se volfa para tr s! Nem uma vez se voltou

para tr s, irmãos, tarifa pressa +em dˆ fugir!

- Julgavas que ela havia de se virar para te dizer mui.

fo obrigada?

- Ela est sentindo o cheiro da liberdade, est faro-

jando o c‚u!

- Sim, a liberdade!

- Perdeu-se de vista!

ue e que voces es+go esperando? A caminho!

grifaram os soldados, e os for‡ados todos se encaminharam'

em silencio para o fraboffio,

f

4

#



I #

O

- O1,



1.

1~, µa~.


A queixa

ome‡ando este capitulo, o editor das memorias do fale-

c ciclo Alexandi- Pefrovitch Goriantchikov sente-se no

dever de transmitir ao leitor a seguinte comunica‡ão:

No primeiro capitulo das "Recorda‡ões da Casa dos

,,Mortos" foram feitas certas referencias a um parricida de

origem nobre; apareceu como exemplo da insensibilidIade

corri que alguns for‡ados aludem aos crimes que perpetraram.

Esse parricida, segundo o vimos, jamais confessou o assassinio,

porem as narrativas das pessoas que conheciam minuciosa-

,menfe toda a his+oria do caso lhe estabeleciam a culpabili-

dade de modo tão irrefu+avel que ninguem a poderia por em

duvida. Essas mesmas pessoas contaram ao autor das "Re-

corda‡6es" que o culpado era um ¡nd¡viduo desregrado,

crivado de dividas, e matara o pai acˆso pe~a ansia de herdar

V

f



I I #

340


DOSTOIEVSKI

mais depressa. Alias, toda a cidade natal do parricidŠ*ra

i , , 1

unƒnime em narrar a hisforia, cousa de que o editor



corda‡Ses" se informou ampla a ver2;camenfe. Enfim, o !‡ku-

for das "Recorda‡ões" afirmava que no presid¡o o assassino

mantinha um bom humor consfante, que se mostrava levia~o,

esfouvado, - mas nada tinha de tolo, e não se notava n~le

nenhuma crueldade especial. E então, o autor das "Rec‡~r-

cla‡ões" comenta: "E por isso eu não podia acreditar na

sua culpabilidade!" i,

Ha alguns dias, o edifor das "Recorda‡ões" recebeu

1 V,

da Siberia a noticia de que esse "parricida" tinha as mios



limpas de sangue e cumprira dez anos de pena no pres¡dio

sem os merecer. A propria justi‡a oficial proclamou-lhe

a inocencia; os verdadeiros assassinos µciram descoberf,61 e

confessaram o crime; o infeliz foi -solto. O editor não p"de

por em duvida a aufenficidade dessa noticia. Mas ‚ inutil

discufi-la mais. Que adianta deplorar essa exisfencia mufi-

lada em plena juventude, por acusa‡ão fão horrenda! Que

adiarifa alongarmo-nos sobre a profundidade fragica desse

fato! Ele sozinho fala alto bastante e torna desnecessario

insistir. Pensamos, en+refan+o, que se tais erros ocorrem, a

sua simples possibilidade da um novo e poderoso relevo ...s

cenas da Casa dos Mortos.

J disse que acabei afinal por me habifuar ... minha

sifua‡ão. Todavia esse "afinal" foi duro de, :-,+*,,--*.-,, exigiu-me

.1- 1

quase um ano, o ano mais abominavel da minha vida. E



por isso esse ano se gravou em minha memoria, nos seus de-

falhes mais Infimos. Parece-me que cada hora, uma atr s

da outra, me deixou marca. Ja contei ali s que nenhum for-

‡ado se poderia "habifuar" aquela vida ... Lembro-me que,

no decorrer desse primeiro ano, muifas vezes perguntei a

mim mesmo: "E os outros? terão a alma tão calma quanfo

parece ... primeira vista?" Essa questão me preocupava

muifo. Como j o mencionei, todos os for‡ados viviam"al-i

.não como em sua casa., mas como numa estalagern,, como

numa parada. Os proprios condenados a prisão perpefua,

.1 quer fossem agitados ou apaticos, sonhavam com qualquer

1 :~ ` ossivel, que, porem, lhes aconteceria. Essa continua

Cousa irrip

inquieta‡ão, simulfaneamenfe dissimulada e perceptivel, esse

esse impaciente ardor de esperan‡a que se frafa in-

iamerte e era tão quimerico que se assemelhava a #

io, - tudo tinha em si elementos bastantes para es-

ate ...s pessoas mais praticas. Eram tra‡os que

vam ...quele local um aspecto e um carafer excepcionais.

-por exemplo um de nos, mais pueril ou mais impaciente,

punha repentinamente a descobrir seus sonhos, a proclamar

o que todos pensavam em voz baixa, imediata e bru+almenfe

~,o calavam, cobriam-no de apodos: mas fenho a cerfeza de

,,I


que os seus perseguidores mais encarni‡ados eram justamente

Os que consfruiam a sos os mais insensatos castelos no ar.

J confei, alias, que os individuos sinceros e simples de es-

pirifo eram considerados enfre n6s como sinisfros imbecis,

merecedores apenas de desprezo. Na maioria, eram foclos

muito azedos, muito suscepfiveis, e por isso odiavam em

massa os bons camaradas desprovidos de amor-proprio.

Afora esses poucos tagarelas ingenuos e sem malicia, todo o


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