Casa dos mortos



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DOSTOIEVSKI

o nosso presidio. Num dos lados da pali‡ada um portão,

sempre fechado, sempre guardado por uma sentinela, não

se abre sendo a vista -de uma ordem afim de dar passaqem

aos presidiarios que vão para o trabalho.

' Alem desse portão, havia o mundo luminciso da liber-

dade. E, de dentro, aquele mundo nos parecia como u m

conto de fadas, como uma miragem. O nosso mundo noda

tinha de analogo com esse outro! eram leis, costumes, habUs

carafer¡sticos, uma casa morta-viva, uma vida a parte c~

homens a parte. E e esse recanto quˆ desejo, desc.rever.

Quando se -penetra no recinto, distinguem-se Ia diversas

,consfru‡6es.- Dos dois lados do grande patic, se erguem

amplas- constru‡ões de madeira de um s6'andar. ~ão s

casernas. L6 vivem os for‡ados, separados em c~ate orias.

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No fundo do patio seeleva uma edifica‡ão do mesmo genero,



a cozinha, dividida em duas pe‡as, e, mais afr6s, um barra¡-

cão que, sob o mesmo feto, abriga a adega, a despensa

e o celeiro. O centro do pafio forma uma especie de pra‡a

ampla, nua e plana. Os de+en+os Ia se reunem para a chama-'

da, pela manhã, ao meio-dia e a +arde, e, ...s vezes, afˆ'

ex+emporaneamen+e quando os soldados da guarda são des-~-,

confiados ou gostam de fazer contas. Entre as cons+ru‡õe~s',

e a pali‡ada ainda ha um espa‡o consideravel. Nesse frech'ƒ'

e que, nas horas de descanso, alguns defentos sombrios, poucO,

sociaveis, vão passear, e, longe de todos os olhos, mergulham

nos seus pensamentos. Quando eu os encontrava no decorrer

dessas passeios, gostava de lhes perscrutar os rostos som-

brios e estigmatizados, a lhes imaginar as preocupa‡ões. Um

deles passava o seu tempo livre a contar as estacas da cerca‡

Eram quinhen+as, contudo ele as conhecia de cor. Cada uma

das estacas lhe significava um dia. Descontava uma di ria-

mente e, assim, contando as que restavam, podia com um

olhar calcular o tempo que ainda passaria -nos +rabalh¢s.

Quando terminava um dos lados do hexagono, nao escondia

a sua alegria, res+ava-lhe ainda mais de um ano de espera:

mas o presidio e uma boa escola de paciencia. Assisti ce~

vez um presidiario, !iber+o ap¢s vinte anos de pena, despe- #

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RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS



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dir-se dos colegas. Alguns ainda lhe recordavam a chegada,

quando jovem, descuidoso, não se preocupava com o crime

nem com o castigo. E ei-lo que partia agora com a cabe‡a

grisalha, um rosto sombrio e triste de velho. Passou silen-

ciosamente por nossos seis alojamentos: quando penetrava

em cada um deles, murmurava uma ora‡ão diante do icone;

depois, fazia uma reverencia profunda, ate a cintura, diante

dos de+en+os, pedindo-lhes que não guardassem de si, uma

lembran‡a rtia. Lembro-me +ambem de um preso, um cam-

ponˆs siberiano, que fora abastado. Uma tarde, chamaram-

no a porta. Seis meses antes ele soubera, magoado, que

sua mulher +ornara a casar. Agora, era ela propria que o

mandava chamar para lhe dar*uma esmola. Conversaram

dois minutos, , rebentaram em pranto, e despediram-se para

sempre. Ainda lhe veio o rosto quando voltou ... caserna ...

Sim, realmente o presidio ‚ uma boa escola de pac¡encia.

Quando chegava o crepusculo, fechavam-nos, todos, nas

nossas casernas. E nunca me deixou de ser penoso sair do

patic, para o alojamento. Candeias de sebo espalhavam uma

luz ba‡a pela sala comprida, baixa, sa+urada dum odor

nauseabundo. Não consigo compreender, hoje em dia, como

pude passar, ali, dez anos. Na especie de tarimba que ser--

via de leito comum a trinta de nos, todo o meu dominio se

reduzia ao espa‡o de +res fabuas.

Quero crer que naquela sala toda variedade de cr¡mes

se achava representada. A maior parte dos deten+os se

co‡npunha de condenados civis. Esses individuos, privados

para sempre dos seus direitos de cidadão, membros ampu-

+ados da sociedade, tinham o rosto marcado com. ferro em

brasa, estigma eterno do reprobo. Demoravam de oito a

dez anos no presidio, depois eram mandados na qualidade

de colonos pqra qualquer recanto esquecido da Siberia.

Havia +am bem 'criminosos vindos do ex‚rcito; mas, segundo

o costume das "companhias correcionais", esses conservavam

os seus direitos civis. Condenados por um lapso de tempo

bastante curto, uma vez cumprida a pena, reintegravam o

seu posto num batalhão siberiano. Muitos dentre eles não

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DOSTOIEVSKI

tardavam a reaparecer, apos novo crime grave - mas

por vinte anos, dessa vez. Formavam a se‡ão dos "reinci-

dentes", que fambem não eram privados dos seus direitos

civ¡s.

No inverrro. ~echavam-nos muito cedo: passavam-se pelo



menos quatro horas antes que todos dormissemos. E, afˆ

então, quantos gritos, quantas risadas, quanto palavrão! o

retidir das grilhefas, o cheiro imundo, a fun~arada espessa, as

cabe‡as raspadas, as caras marcadas com ferro em brasa, as

roupas em farrapos, tudo nessumava vergonha, infamial. . :

A1 o home`rn tem a vida bem rija! "Um ser que se habi-

tua a tudo" e, segundo o ‡reio, a melhor defini‡ão que se

possa dar do homem.

Nosso presidic, reunia uma media de duzentos e cin-

quenfa defenfos: uns chegavam, outros sa¡am, outros mor-

riam. Quanta gente havia Ia! Cada provincia, cada re-

gião da Russia, creio bem que tinha ali o seu representante.

Viam-se afˆ alguns nativos das montanhas do C6ucaso.

Eram todos classificados de acordo com a gravidade e a

dura‡ão da pena. Havia, enfim, uma ultima se‡ão, bas-

tante numerosa, a dos veteranos do crime, na maioria mili-

+ares ... Era chamada a "se‡ão especial". Para 16 envia-

vam criminosos de toda a Russia. Ignorando o limite da

sua pena, consideravam-se a si proprios condenados ... pri-

são perpetua. Segundo a lei deveriam fornecer um fraba-

lho duplo ou friplice. Eram mantidos no presidio, enquanto

esperavam a organiza‡ãc, de trabalhos for‡ados particular-

mente penosos. "Vocˆs es+So aqui por algum tempo, di-

ziam ‚les aos outros presidiarios; nos estamos para a vida

infeira". Segundo ouvi dizer, essa se‡ão foi suprimida:

teriam mandado embora todos os datidos civis, conservando

apenas os militares. Mudan‡a de administra‡ão, C 16gico.

O que descrevo, portanto, são cousas de outrora, praticas

abolidas, fatos ia h6 muito esquecidos.

Sim, ia h6 muito tempo. Tudo isso hoje me parece

um sonho. Recordo minha chegada ao presidio. Era -uma

tarde de dezembro: a noite ia cair, os presidiarios volta-

a

RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS



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vam da tarefa diaria, preparavam-se para a chamada. Um

sub-of¡c¡al de-grandes bigodes abriu-mŠ a porta daquela es-

tranha moradia onde eu deveria passar tantos anos, suportar

emo‡ões de tal ordem, que seria incalwz de compreendˆ-las

se as não experimentasse. Por exemplo, não poderia conce- #

ber nunca o tormento espantoso de não la*er ficar so - um

minuto que fosse - durante os dez anos em que estive preso.

No trabalho - uma escolta - na prisão,---a companhia

de duzentos outros presos - e nem uma vez a solidão! E,

de qualquer modo, tinha que me afazer a isso!

Havia Ia assassinos ocasionais e matadores de profissão,

malandros e capitães de bandidos. Havia gatunos, batedo-

res de carteira, vagabundos, cavaleiros de inclus+ria e viga-

ristas- Havia +ambem alguns deles que nos deixavam per-

plexos.- por que estariam ali? Contudo cada um tinha a

sua historia, hisforia tão perturbada e confusa quanto o ama-

nhecer apOs uma noite de bebedeira. Alias, eles pouco fa-

lavam do passado, não gostavam de o narrar, procuravam

ate nao o rememorar . Jamais. Conheci entre os presidia-

rios alguns assassinos, tão satisfeitos, +ão descuidosos, que,

nunca, (pode~~se-ia apostar com seguran‡a) a ~conciencia

os atormentara um s0 instante. Mas havia tambem outros

de rosto sombrio, quase sempre mudos. Em resumo, quase

ninguem falava sobre a vida pre+eri+a, e a curiosidade não

pertencia nem aos costumes, nem as regras da casa. Toda-

via, de tempos em tempos, um defen+o que queria desabafar

confiava um segredo qualquer a um vizinho, que o ouvia fria-

mente, de cara fechada. Ninguem, ali, poderia causares-

11

panfo a n¡nguem. "N6s ca sabemos ler e escrever 1 diziam



os presos com uma especie de c¡nica satisfa‡ão.

Lembro-mo que um dia um bandido, bebedo (arranja-se

bebida algumas vezes, no presidio) se pos a contar como as-

sassinara um garoto de cinco anos: seduzira-o com um brin-

quedo, depois levara-o para um galpão e Ia o degolara. A

caserna inteira, qXe a principio rira das suas pilherias, soltou

um brado, e o homem foi obrigado a calar a boca: aquele

brado unƒnime não era um sintoma de indigna‡ão. Significava #

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RECORDA€OES DA CASA DOS MORTOS 17

apenas que não se devia falar "naquilo", que falar "naquilo"

era inadmissivel. Devo observar, ali s, que aquela genfe de nada. Viviam apenas peICS

aparencias. Mas muitas

(4 vezes, com esparifosa rapidez, a cara mais insolenfe cedia

tinha alguma instru‡ão, no sentido literal da palavra. Pelo lugar a uma expressão de chapada covardia. Havia por

menos a mefade dentre eles sabia ler e escrever. E onde, 16 homens naturalmente forfes; eram Simples e sem rodeios.

na Russia, em qualquer agrupamento popular, se enconfrarão Porem, coisa estranha, alguns davam mosfras de umaikidade

.duzentos e cinquenfa individuos metade dos quais saiba ler quase doentia. A gloriola, a exferioridade, tinham prio-

e escrever? Soube, depois, que alguem concluiu, segundo ridade sobre tudo. A maioria deles era apavorantemente

esses dados, Jue a instru‡ão perde os homens. Erro grave, pervertida. As calunias, os mexericos, não* paravam nun-

creio eu. V preciso procurar em oufra causa as razões desse ca: aquilo era um inferno, uma verdadeira reprodu‡ão do

desvio moral. Com efeito, a insfru‡ao provoca a presun‡ao t rtaro. Ninguem, enfrefanfo, ousaria insurgir-se contra as

no povo; mas isso, no meu entender, não ‚ um defeito, e regras e habifos consagrados. Alguns espirifos de forma‡ao

abunda em focla parfe. especial tinham dificuldades em se submeter, contudo subme-

Disfinguiam-se as se‡oes pelos +raios. Em uma das fiam-se. Chegavam-nos ¡ndividuos, que, dominados pela vai-

se‡ões metade do casaco era pardo escuro- e a oufra cin- dade, haviam ultrapassado todos os limifes, e perpetrado os

za, enquanto as cal‡as tinham uma perna cinza e a o ra seus crimes como que

involunfariamen+e, como num delirio,

pardo escuro. Um dia, durante o frabalho, uma 'rapariga, como numa embriaguez. Mas n¢s depre~sa os domavamos, -

vendedora de kalafch (1) aproximou-se dos defenfos, olhou- domavamos ate aqueles que tinham sido o ferror de cidades e

os longamenfe, e p"s-se a rir: aldeias. Olhando em forno de si, o "novato" depressa com-

- Ai, como e feio! exclamava. Não tinham pano preendia que não caira em lugar propicio a surpresas, e não

que chegasse para a roupa deles - nem do prefo, nem demorava a adotar o tom comum. Esse tom se caraferi-

do pardo! zava por uma dignidade estranha e especialissima, que ne-

Oufros usavam um casaco de 13 cinzenfa, com mangas nhum dos habitantes do presidio poderia abandonar. Dir-

pardas. Tambem as cabe‡as eram raspadas de maneiras se-ia que a situa‡ão de presidiario representava um titulo,

diversas: em alguns a metade do cranio raspado ia de alfo e, at‚ mesmo, um fifulo de honra! Nenhum sinal de vergo-

a baixo, em outros, ia de traves. nha ou arrependimento. No+ava-se en+refanfo um simula-

Ao primeiro olhar descobria-se uma infensa semelhan- cro de docilidade, - mais ou menos oficial, - cerfo

‡a entre os membros daquela esfranha famiia. As per- raciocinio franquilo. "Somos

condenados, não soubemos

sonalidades mais salientes, as mais originais, os que domi- -viver em liberdade; agora, femos que nos arrasfar atrav‚s

navam, mau grado seu - procuravam, esbafer-se, adaptar- da "rua verde" (2), femos que ficar -em fila para a chamada.

se ao diapasão do presidio. Salvo alguns individuos 'cuja Quem não deu ouvidos ao pai e a mãe acaba obedecendo

inesgofavel alegria granjeava o desprezo geral, todos ao rufar do fambor. Quem não aprendeu a bordar com

os presos eram sombrios, ariscos, invejosos, presun‡osos, fio de ouro, acaba quebrando pedra." Tudo isso se dizia

fanfarrões,. suscepfiveis e exfremamenfe formalisfas. Para e se repetia muifas vezes, como maximas, como anexins,

eles, a suprema qualidade consistia em não se espantarem mas nunca em tom serio Eram apenas palavras. Have-

ria um £nico presidiario que reconhecesse a propria delin-

(1) Pãozinho de trigo em forma de cadeado. Os kalatchi de Moscou são

:11

afamados. V. p g. 46. (N. de H. MJ (2) A explica‡ão dessa expressão vem ... p s. 257. (N. de R. Q-) i



11

i; #


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. 41


DOSTOIEVSKI

quencia? Se alguem de fora se atrevesse a censurar a um

preso os seus delitos. ou o injuriasse (cousa aliU rara no ca-

rafer russo) receberia insultos sem fim. E que mestres eram

os presidiarios erri materia de insultos e invectivasi Injuria-

vam requinfa da mente, sutilmente, arfisficamente. Levavam

o insulto ate a ciencia, aplicavam-se em descobrir palaffiw

menos ofensivas pela forma que pela id‚ia, pelo sentido, pelo

espiri+o-, era perfeito como um veneno! E as rixas perpetuas

desenvolviam consfantemenfe essa cienc¡a. Como +raba-

lhavam sob o azorrague, focla aquela gente era pregui‡osa

e depravada'. Se não o eram anteriormente, depressa o fi-

cavam. Reunidos ali, confra a vonfade, continuavam sem-

pre estranhos uns aos outros.

"O diabo gastou +rˆs pares de lapfi (3) para nos frazer

aqu¡", diziam referindo-se a si proprios; por isso a calunia,

a infriga, os mexericos, a inveja, o odio, ocupavam o primeiro

plano naquela vida condenada. A mais intrigante das co-

madres de suburbio não feria a labia de alguns daqueles ban-

didos.


Encontravam-se entre eles, repito-o, ~ximas de boa ferri-

pera, de uma intrepidez a toda prova, habituados a dobrar

os outros diante de si. Esses gozavam da uma estima espon-

fanea; e por seu lado, embora muito ufanos da sua gloria,

esfor‡avam-se por não molesfar ninguem, por jamais se lan-

‡arem em brigas inufeis, portavam-se com absoluta dignida-

de, eram quase sempre corda+os e obedientes as ordens, -

não por principio, ou por conciencia do dever, mas por uma

especie de tratado, do qual reconheciam as vantagens re-

ciprocas. E a administra‡ão, com esses, sabia ser pruden-

te. Lembro-me que um dos nossos colegas, homem valente,

com fendencias de fera, foi chamado um dia para o verga-

lho. Era no verão, na hora do descanso. Como chefe he-

diafo do presidio, o maior compareceu ao corpo da guai---da,

que ficava junfo ... porta de entrada, afim de assistir ... pu-

ni‡i'o. Esse maior era para os detidos um enfe fatal: con-

(3) E~O de alPargatas feitas em geral de corti‡a de b‚tula. (N. de PI QJ

RECORDA€OES DA CASA DOS MORTOS

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seguia fazˆ-lOs fremer diante de si. Sua severidade raiava



a extravagancia,' e ele "se afira,^ a genfe", segundo a ex-

pressão dos presos. -0 seu maior recurso para causar ter-

ror era o olhar de lince, ao qual nada se podia escon- #

der. Aquele'homem via ate mesmo sem olhar. Mal en-

frava no presidio ia sabia o que se estava passando no ex-

fremo oposfo do recinfo. Os presos o chamavam Mito

olhos". E seu sistema de nada adiantava, pois aqueles pro-

cessos diabolicos serviam apenas para fornar os homens ain-

da mais furiosos. Se não houvesse acima dele um gover-

nador condescendente, razoavel, que lhe moderava os im-

pulsos selvagens, o maior feria provocado grandes desgra-

‡a s. Nem compreendo mesmo como ‚ que pode chegar

são e salvo ao fim da carreira; e verdade que s0 foi refor-

mado depois-de passar por um julgamento (4).

O preso ficou l¡vido quando o chamaram. o Em geral

oferecia corajosamente o dorso as varas; aturava o castigo

sem dizer palavra, depois erguia-se como se nada aconfece-

ra, igual a um filosofo que encara friamente a sua. pouca

sorfe. E, aliU, com ele, tomavam-se precau‡ões. Mas, da-

quela vez, o homem se julgava no seu direito. Ficou l¡vido,

pois, e sem que os soldados da escolta o percebessem, feve

tempo de enfiar na manga um +rinchefe de sapateiro, muito

afiado. As facas e outros insfrumenfos cortantes nos eram

proibidos. Não relaxavam a esse respeito, davam buscas fre-

quenfes, imprevisfas, minuciosas: e os delinquentes incorriam

is. 1


em puni‡ões crue . porem, dific¡limo apanhar o que um

ladrão infenfou esconder; 'a despeito das buscas, as facas e

outros insfrumen+os indispensaveis não. desapareciam. E os

que eram confiscados, imediatamente se viam subsfifuidos.

Os fidos todos correram ao patio, de cora‡ão ba-

fendo, para olhar a cena. Cada um sabia que, daquela vez,

Petrov não tencionava se deitar sob as varas, e que chegara

(4) Dostoievski copiou esses tipos da vida real. O norne do maior era Krivtsoy;

o governador era o general Grave. (N. de H. M.)

O #


RECORDA€OES DA CASA DOS MORTOS

20

DOSTOIEVSKI



a derradeira hora do maior. Mas no ultimo momento, o

maior subiu ao carro e foi embora, encarregando da execu-

‡ão da pena outro oficial. "Foi Deus que o salvou", excla-

maram os defenfos. Quanfo a Petrov, suportou passivamen-

te os a‡oites. Seu furor abrandara com a partida do ho-

mem. O defento man+em-se humilde e obedien+e ate certo

limite, porem esse limite não deve ser ultrapassado. Não

h6 nada mais curioso que os seus subilos arrancos de irrita~

‡ão, de rea‡ão. Dado individuo, que durante anos placida-

mente suportou os castigos mais atrozes, se enfurecg de re-

pente por uma ninharia, por uma bagatela, por um nada.

Um estranho pode consider -lo doido, - e realmente mui-

+os assim o julgam.

Ja disse que durante os meus anos de presidio jamais

constatei entre os meus companheiros o menor remorso, o

menor r~e de conciencia; no seu foro intimo, a maioria

deles considerava que agira bem. Isso e um fato. Eviden-

temente, a vaidade, os maus exemplos, as bravatas, o res-

peito humano, devem, nesse caso, ser levados em conside-

ra‡ão. Mas, por outro lado. quem se pode gabar de ha-

ver sondado essas almas decaidas, de ter descoberto no

seu misterio o que fica escondido ao universo inteiro? De

qualquer forma, porem, no decorrer de tantos anos, eu de-

vera ter surpreendido em alguns daqueles cora‡aes um indicio

qualquer de sofrimento, de desespero. E, positivamente, na-

da descobri.  claro que não se devem fazer julgamentos

de -acordo com id‚ias preconcebidas, e decerto a filosofia

do crime e mais completa do que se imagina. O presidio,

os trabalhos for‡ados, não melhoram o criminoso; apenas o

castigam, e garantem a sociedade contra os atentados que

ele ainda poderia cometer. O presidio, os trabalhos for‡a-

dos, desenvolvem no criminoso apenas o odio, a sede dos

prazeres proibidos, e uma +errivel indiferen‡a espiritual.

Por outro lado, estou convencido de que o famoso sistema

celular consegue atingir apenas um resultado enganador, apa-

rente. Suga a seiva vital do individuo, enerva-lhe a alma, en-

fraquece-o, assusfa-o, e depois nos apresenta como um mo-

O

21



.delo de negenera‡ão, de arrependimento, O que e apenas uma

mumia ressequida e meio louca.

 claro quˆ i delinquente rebelado contra a sociedade #

a odeia; considera quase sempre que e ele quem +em razão

e ela que erra. O castigo que lhe impuseram permite-lhe

alias considerar-se absolvido, quite para com os homens.

Pode-se afinal encarar a cousa sob um ƒngulo que da azo

quase a inocentar o culpado. Entretanto, todo o mundo re-

conhecera qua, em toda parte, desde o inicio das eras, e sob

qualquer legisla‡ão, houve crimes que sempre foram consi-

derados crimes, e que serão olhados como tais, enquanto

o homem for homem. E so no presidio ouv¡ contar com

uma risada infarifil, irresistivelmente alegre, as a‡ões mais-

espantosas, mais desnaturadas, as fa‡anhas mais monstruosas,

mais infames. Certo parricida, especialmente, jamais me

saira da lembran‡a. De origem fidalga e antigo funciona-

rio publico, exercera junto ao pai sexagenario o papel de fi-

lho prodigo. Seu procedimento era +ao desregrado, suas

dividas +ao escandalosas, que o pai, mais de uma vez, teve

que o conter e censurar. Mas o velho possuia uma gra*,

uma casa, e o filho o suspe^va de guardar economias:

matou-o. O crime so foi descoberto um mes depois. Du-

c

ranfe todo esse mes, o criminoso (que alias avisara as au-



toridades da desapari~ão do vielho) entregou-se a mais de-

senfreada orgia. Enfim, na sua ausencia, a policia desco-

briu o corpo coberto de fabuas, num canal de esgoto que

atravessava o pa+io em toda a sua extensão. O cad;sver

estava vestido, preparado; a cabe‡a encanecida, degolada,

fora colocada no seu lugar, sobre o +ronco, e sob ela o assas-

sino pusera um travesseiro. O rapaz não confessou, foi de-

gradado, privado dos seus t¡tulos de nobreza, condenado a

vinte anos de trabalhos" for‡ados. Durante todo o tempo

em que o conheci nunca o vi senão em excelente disposi‡ão

d-- espirifo, jovialissimo. Sem ser um tolo, era a criatura mais

estouvada, mais leviana, mais descuidosa deste mundo. Nun-

ca observei nele nenhum tra‡o especial de crueldade. Os

defen+os o desprezavam, não pelo crime, no qual ele não

1 1

J

I #



DOS TO I EV.SK I

falava nunca, mas por sua leviandade, por sua falta de com-

posfura. Na ' palestra, aconfecia-lhe- referir-se ao pai. Uma

vez, falando-me do robusto f¡sico heredifario da familia, dia-

se: "Cito como exemplo o aufor dos meus dias, que ate

ao fim jamais se queixou de uma doen‡a". Uma insensibili-

dade fão bestial parece quase impossivel. Chega a ser um

fen"meno. Ja não e um crime, e uma falha orgƒnica, uma

monsfruosidade f¡sica e moral ainda não classificada pela

ciencia. Eu não podia, e 16gico, acredifar na culpabilidade da-

o~ mas algumas pessoas da sua provincia, que de-

quele mo‡


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