eles punham o rabo entre as pernas assim que viam
aquele cretino. "Vai falar com ele!" foi o que me disseram,
rindo na minha cara. Fiquei calado. Pois fiquem sabendo,
pessoal, tinha Ia um sujeito engra‡ado, continuou Lu¡‡a aban-,
donando subitamente Kobyline, para se dirigir a todos. Essa
sujeito- contava como e que tinha sido julgado, que,6 que,
tinha respondido ao juri, e como e que choramingara falando
na mulher e nos filhos. Era um homenzarr...o, ia todo gri-~
salho. "E eu dizia: (ele que contava) Não, senhor, estou-
inoc.ehfe! mas o diabo do filho de uma cadela continuava ei.~
creve que escreve ... E então (ele que dizia), então tão
certo como eu estou inocente, tu vais +e estrepar, miseravel!
E o bandido sempre na porcaria da escrita! Então fiquei
louco (ele que dizia)" Vassia, me da linha. Esta est
R_Ore.
1 - Pois vem da cidade, respondeu Vassia es+endendo-lhe
o,novelo de linha.
1 - A linha que temos na oficina e melhor. Esta daqu¡
~ * o novall¡do que traz; va Ia alguem saber de que marafona
compra linha! continuou Luka erguendo a agulha para a
luz,- a-Fim de a enfiar.
I #
F
O 1
O
I a",
I
RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS
- Decerfo em casa da comadre delei
- Decerto.
- E então, que foi que aconteceu com o maior? per
151
guntou Koby1ine, que j6 estava complefamente esquecido.
Luka s¢ esperava por isso. Entrefanfo,.não voltou ime-
diafamenfe a hisforia, nem parecia mesmo presfar'afen‡ao
a Kob line. Primeiro enfiou vagarosamente a agulha, cruzou
displicenfam ente as pernas e fornou afinal:
- Tanto aperreei a rapaziada da Ucrania que eles aca-
baram fazendo com que o maior aparecesse. Dp manhã, eu
tinha abafado uma faquinha dum companheiro e a escondera,
para o que desse e viesse. E o maior chegou feito uma
fera. Eu então falei: "Escutem, voces que são da Ucrania,
nada de rabo enfre as pernas!" Mas ia esfavam todos mor-
rendo de medo. O maior veio aos gritos, bebedo como
uma vaca: "Quem foi que me chamou? Que esfa se pas-
sando aqu¡? a mim que procuram? Sabem que aqui eu
sou o fsar, sou Deus" - então, enquanto ele dizia que era o
fsar, que era Deus, prosseguiu Luka - eu me adiantei, cofri
o punhal na manga da blusa. "Não, Excelencia, sou eu que
lhe digo.." e enquanto isso, ia me chegando de manso,
perfinho, cada vez mais perfinho. . . "Não. não ‚ possivel,
Excelencia, como ‚ que o senhor poderia ser nosso fsar e
nosso Deus?" - "Ah, berrou o maior, então es tu o cabe‡a?"
- "Não, disse eu, e me aproximei ainda mais - não, Exce-
Iencia, exisfe apenas um Deus Onipo+enfe, que esfa em focla
parte. E quanfo ao nosso +sar, Excelencia, temos apenas
um, e foi Nosso Senhor em pessoa que o colocou por cima
de todos n6s. Esse e que e o nosso senhor, sou eu que lhe
digo. E quanfo ao senhor, Excelencia, ‚ apenas nosso maior,
nada mais, e isso pela gra‡a do fsar e dos seus meritos."
- "O que? o que?" gaguejava o horriem; não podia mais
nem falar, nem voltar a si. Isso mesmo!" repeti. E pluf!
enferrei-lha o punhal af‚ o cabo, bem no meio da barriga!
Foi uma furada e tanto! O desgra‡ado caiu ali mesmo, s6
fez ciscar um pouco com os p‚s. E eu atirei fora a arma a #
grifei para os rapazes:
i
"k #
152
DOSTOIEVSKI
- Agora, meus pafricios, me apanhem aquele punhal t
..........................................1
Devo fazer aqu¡ uma ligeira digressão. Infelizmenfe as
palavras "Sou o Deus aqu¡, sou o isar'', eram empregadas cjm
muita frequencia, antigamenfe, por cerfos chefes milifares.
Devem¢s reconhecer que hoje resfam poucos dessa especie,
ou talvez nenhum. preciso confessar fambem que * esses
,que se jactavam assim provinham em geral da tropa. Os
galões de oficial os enchiam de vento, firavam-lhes a cabe‡a
do lugar. ' Depois de muitofempo, de pra‡a, viam-se de re-
pente promovidos a oficiais, a fidalgos. E e logico que, por
falfa de h6bifo, na primeira embriaguez do exifo, 'exageravam
a imporfancia do proprio poder, - claro que apenas em rela-
‡ão aos subordinados. Porque em presen‡a dos superiores
conservavam o mesmo servilismo - j agora inufil e afˆ
mesmo desagradavel. Alguns levavam a obsequiosidade ao
ponto de dizer ao chefe, num tom singularmente meloso, que,
como haviam passado por fcdos os posfos subalfernos, sabiam
conhecer o seu lugar. , Mas, com os pequenos, tiravam a sua
forra, e se portavam com um despotismo inaudito. Não,
decerto j não h mais sujeifos capazes de grifar: "Sou o
fsar, sou Deus". E, confudo, devo observar que nada irrita
fanfo o defento ou qualquer outro subalterno como seme-
lhanfes expressões, partindo dum chefe. , Essa fatuidade,- essa
falsa convic‡ão de impunidade, desperta o odio no mais
submisso dos homens e o leva ao desespero. - uma sorte
que abusos dessa especie estejam quase desap recidos; ali s.
mesmo nos fempos antigos, havia medidas severas contra
os culposos de +ais faltas. Conhe‡o mais de um exemplo.
Em geral. nada irrifa mais os subordinados que se verem
frafados com desprezo. Certas pessoas supõem que alimen-
fando e tratando os presos de acordo com a lei, ia fizeram
o basfante. fambem um erro. Por mais aviltado que es-
'feia, fodo individuo exige. insfinfiva mente o respeifo pela sua
dignidade de homem. Sabe que e um gale, um reprobo, co-
nhece a distancia que o separa dos seus superiores, mas nem
RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS
153
as grilhefas, nem as cicatrizes do knuf lhe fazem esquecer que
‚ um homem. E j que ‚ um homem, deve ser tratado como
tal. E ai, meu Deus! um frafamenfo "humano" pode soer-
1---- --- JUL215 U 3 ~S; U- --- i_ - - - _.
aparece empanada! precisamente com esses desqra‡ados #
que nos devemos portar o mais humanamente possivel, por
amor de sua salva‡ão e de sua alegria. Encontrei chefes
dotados de grande cora‡ão e vi o efeito que eles produziam
sobre o~ humilhados. Com algumas palavras afaveis, res-
suscifa~am moralmenfe os seus homens. Ouvindo-os, os de-'
tentos se alegravam como crian‡as, e como cri"‡as se pu-
nham a adora-los. Fa‡o notar aqui que o for‡ado não apre-
cia, da parte do chefe, nem a condescendencia, nem a fa-
miliaridade exagerada. Aquilo o leva a irreverencia - a ele,
que tem fanfa necessidade de respeitar. O preso sen+e-se
orgulhoso, porexemplo, se tem um chefe condecorado, boni-
fo, bem reputado; gosta dele severo, impodante, jusfo, digno.
Gos+a de um chefe que sabe o que vale, porque um homem
desses não ofendera nunca a ninguem, e tudo correra da
m,-3!hor n, aneira.
- E então por causa disso te cozinharan-l a fogo bran-
do, heiri? perguntou calmamente Kobyline.
- Sim, realmente me cozinharam, mano velho, me cozi-
nharam de verdade. Ali, passa-me a tesoura! Escuta, pessoal,
não h maidane hoje?
- J foi tudo bebido, explicou Vassia: se a sede não
fosse tão grande, decerto havia maidane!
- Sim, sim! Em Moscou pagam os "sim" a cem ru-
blos o alqueire, zombou Luka.
- Mas quan+os +e deram pelo "servi‡o" no maiar? insis-
fiu Kobyline, obstinado na sua ideia.
- Quinhen+os a‡oites, maninho. Porem declaro ao pes-
soal que se eles não me mataram andaram bem perto, ex-
clamou Luka abandonando novamente Kobyline. Levaram-me
em procissão, para receber as minhas quinhenfas varadas. E
eu a+‚ então não sabia o que era um a‡oite. Juntou gente de
12
I
i #
154
DOSTOIEVSKI
toda parte, s~S se via o povareu correndo: "Vão a‡oitar o
bandido, o assassino!" Nem se pode mesmo dizer como o
povo e burro! O carrasco me despiu, me estirou, e gritou:
1 repl~-;£ o quS v,:~15 Ser G~----1_111 C,
e sabem o que aconfeceu? Quando bateu a primeira Iam-
bada, eu quis gritar, abrir a boca, mas não tinha voz. Perdi
a fala. Quando me deu a segunda, acredite quem quiser,
mas ouvi dizer: "Dois!" Dai, quando voltei a mim, ouvi
contar: Mezessetel" Depois disso, meninos, me levantaram
quatro vezes do cavalete para eu +ornar um pouco de f¢lego
e me atiraram agua fria por cima. Eu olhava para todos,
com os olhw esbugalhados, e pensava: "Hoje deixo o couro
'I"
aqui.
- E não morreste? perguntou ingenuamenfe Kobyl¡ne.
Luka o envolveu com um olhar de desdem absolu+o; es-
frondaram as gargalhadas.
Não se pode ser mais burro!
Esse tem uma aranha no miolo, escarneceu Luka, qu@'
parecia lamentar haver travado conversa com um individuo
daquela especie.
- , tem o miolo mole, concordou Vassia.
Luka. que tinha seis crimes na conciencia, rigo fazia medo
a ninguem; no entanto, gostaria de sier um "ferror".
Isai - Fornitch - O banho - A h¡storia
de BaMuchine
A proximava-se o Nafal. Os de+entos aguardavam as
festas com uma especie de solenidade, e, vendo-os, eu
não podia deixar de esperar como eles qualquer cousa
extraordinaria. Quatro dias antes, foram levados os presos
para o banho de vapor. No meu tempo, sobretudo durante
o primeiro ano, os de+en+os raramente se banhavam. Todos,
portanto, se alegraram e iniciaram os preparativos. Devi-
amos ir para o banho depois do rancho e naquela tarde não
haveria trabalho. Na nossa caserna nenhum se afanava tanto,
nenhum se alegrava tanto quanto Isai Fomitch Bumchfein, o
preso judeu de quem ia falei no capitulo IV. Ele gostava
de transpirar ate ao espasmo, ate ao desfalecimento. Cada #
156 DOSTOIEVSKI
vez que hoje em dia volvo ...s velhas recorda‡ões, quando
evoco as estufas (e elas merecem esse frabalho'I) no primeiro
plano do quadro aparece imediatamente o rosto do diqno,
do inesquecivel Isai, meu camarada de presidio e meu vizi-
nho de alojamento. Senhor, que grofesco inexprimivei que
era! J disse algumas palavras sobre o seu'aspecfo: cin-
quanta anos, debil, enrugado, com horrendos estigmas na
fronfe e nas faces, magro, doentio, um corpo livido de frango.
Se[i rosto exprimia uma perpetua satisfa‡ão consigo proprio,
uma auto-suficiencia quase beatifica. Não parecia lamentar
seu destino. Como era ourives de profissão e na cidade
não havia nenhum oufro, trabalhava incessantemente para os
funcionarios e ate mesmo para particulares, o que lhe rendia
algumas moedas. Não lhe falfava nada, vivia "corno rico",
sem todavia gasfar demais do seu dinheiro, *que era empres-
fado com usura ao presidio todo. Possuia um samovar,, um
colchão, chicaras e talheres. Em vez de o renegarem, os
judeus da cidade o protegiam. Nos s bados, e!~,- ia com as-
colfa ao servi‡o da sinagoga, (como o autoriza a lei). Vivia
in+eiramen+e feliz, embora esperasse com impaciencia o fim
dos seus doze anos de pena, para "casar-se". Era uma c"mi-
ca mescla de ingenuidade, tolice, astucia, imperfinencia,
simplicidade, timidez, fatuidade e imprudencia. Surpreendia-
me muito ver que os for‡ados não o levavam a rid¡culo:' ape-
nas implicavam com ele de tempos em tempos, de brincadeira.
Isai Fomifch lhes servia de perpetua dis+ra‡ão: "S6 temos
este aqui, deixem-no em paz!" diziam. E Isai Fomitch, embora
compreendesse por que diziam aquilo, ficava ufano com a
sua notoriedade, e nada divertia mais os presos. Fizera sua
entrada no presidio de maneira extraordinariamente engra‡a-
da (isso sucedera antes da minha chegada, mas alquem me
contou). Certa noite, na hora do descanso, espalhou-se o boa-
+o de que haviam trazido um iupim (1) para o corpo da guar-
da, que lhe estavam raspando a cabe‡a e em breve aparece-
ria. O presidio não confava dentro das suas paredes, então,
(1) judeu. (N. de R. Q)
RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS 157
i
nenhum judeu; e os defentos, que o esperavam com ¡mpacien-
cia, cercaram-no logo que ele surgiu a entrada. O sub-c,ficial
conduziu-o a pri~So civil e lhe mostrou o seu lugar na tarimba.
Isai Fomifch carregava um saco com pe‡as de umforme e os
seus proprios objetos. Dep"s o saco, subiu a tarimba, sen-
fou-se, com as pernas dobradas sob o corpo, sem ousar le-
vantar os olhos para ningt~em. Ao seu redor, os for‡ados es-
frugiam em gargalhadas, dizendo pilherias sobrie a ra‡a do #
nova+Q. De repente um jovem defenfoi que tinha nas mãos
uma *velha cal‡a suja, rasgada, r-emen~ada com farrapos,
atravessou o grupo, fornou lugar,ao lado de ]sai Fomifch e
ãp bateu no ombro:
- Ah, meu velho, ha seis anos que te esperol Quanto
me d s por isfo*? -, œ mostrava a cal‡a velha ao recem-
chegado.
Assim que viu o penhor que lhe apresentavam, Isai Fo-
mitch, - tão intimidado antes que nem ousava dizer pala-
vra, ou erguer os olhos para a turba de rostos zombeteiros,
fer re+ea dos,, assustadores, reunidos ao se * u redor, - Isai Fo-
mitch e~strerneceu de chofre, e pOs-se a apalpar o farrapo
com os dedos ageis. Olhou-o a luz da candeia. Todos es-
peravam o que ele ia dizer.
- Decerto não vais querer emprestar um rublo por
isto; enfrefanto as cal‡as bem o valem! continuou o "presta-
mista" piscando o olho.
ainda vai!
- Um rublo-prata não posso; porem sete copeques
Foram essas as primeiras palavras de Isai Fornitch; todo
o mundoestalou em gargalhadas.
- Sete copeques! Bolas! Da de uma vez! Mas
cuida bem do meu penhor! Respondes por ele com fua
cabe‡a!
- Com +res copeques de juros serão dez que me ficas
devendo, prosseguiu o juc[eu em voz arquejante s trˆmula,
mergulhando a mão no bolso e olhando timidamente os #
158 DOSTO(EVSKI RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS 159
outros. Tinha um medo horr¡vel, contudo queria fechar o ne-
gocio!
_uo por ' 1 -5 ires =~------
- Não, por ano, não, por mˆs!
- s um ladrão, judeu! Como te chamas?
Isai Fomitch.
Pois bem, Isai Fomi+ch, has de vencer aqui! At‚ a
vista.
Isai Fomitch examinou mais uma vez o penhor, dobrou-o,
enfiou-o cuidadosamente no saco, sob a risada incessante dos
for‡ados.
E, com efeito, embora fossem quase todos seus deve-
dores, os defenfos pareciam gostar dele; ninguem o ofendia.
Alias, ele era menos capaz de enraivecer que um pinto. Quando
constatou os sentimentos que despertava, fez-se fanfarrão,
mas com bom humor, suficientemente cOmico para nSo agas-
far ninquem. Luka, que em outros tempos conhecera muitos
judeus. o espica‡ava frequentemente, mas sem animosidade,
apenas por distra‡ão, como a gente brinca com um cãozinho,
um papagaio, um animal ensinado. lsai Fomitch, que o com-
preendia bem, não se formalizava com aquilo e respondia na
altura.
- Toma jeito, ffipim, olha que +e dou uma surra!
- Por cada pancada que me deres receberas dez de
troco, replicava bravamente lsai Fomitch.
- Sarnen+o dos diabos!
- Que mal +e faz que eu seja sarrienfo?
- Jud-eu pioffienfo!
- Posso ser pio!hento mas tenho dinheiro. Tenho os
meus cobres! cantarolava lsai na sua fala ceceada.
- Vendilhão de Cristo!
- Isso mesmo!
- Bravo, Isai Fornifchi Não o estragues, Luka, que so
temos este! gritavam os defentos.
Siberia!
- O que tu esf s precisando e de knuf, judeu! Knuf e
- J estou na Siberia!
- Ir s ainda mais long~!
- Deus +ambem não esta l ?
- Bem, l isso esta ...
- Então não faz mal: tendo Deus e dinheiro, nada mais
‚ preciso.
- Bravo, Isai Fomitchi bem se vˆ que 'valentel
es um
bradavam de novo. #
E. a despeito das zombarias, Isai Fomitch continuava a
Ibrava+e...r, Os cumprimentos lhe causavam tanta satisfa‡ão
que ele se punha a cantar, atraves da caserna, numa voz debil
de soprano: "La-la-la" numa melodia cOmica e est£pida. En-
1~uan+o durou sua deten‡ão, não cantou nunca outra cousa,
afora essa mUsica sem letra. Mais tarde, quando travou conhe-
cimento mais intimo comigo, garanflu-me sob juramento que
aquele era o hino entoado pelos seiscentos mil hebreus - do
mais mo‡o ao mais velho - durante a f ravessia do Mar Verme-
lho e que todo israelita tem ordem de o cantar nos momentos
solenes de triunfo sobre o inimigo.
Toda sexta-feira a noite os presos das outras casernas
vinham para a nossa apreciar [sa¡ Fomi+ch a celebrar o sabbat.
iE ele era de uma vaidade tão ingenua que essa curiosidade
geral o lisonjeava muito. Com ex+raordinaria afeta‡ão e
uma majestade bsfudadas, cobria a sua mesinha, ao canto,
abria o livro, acendia duas velas e resmungando palavras mis-
teriosas, envergava uma especie de estola, (cujo nome não sa-
bia pronunciar) (2). Era uma especie de marifeau de 13 colorida
que ele conservava cuidadosamente no bal.i. Punha nos pulsos
uns braceletes de couro, e na cabe‡a, segurando-a com um
cordSo, uma esp--cie de caixinha que parecia lho nascer da
testa como um como grotesco (3). E come‡ava, en13o, suas
devo‡Ees-, recitava lentamente, soltava gritos. escarrava dum
lado, piruetava, gesticulava de modo estranho e c"mico. Na
(2) O TVet ritual. (N. de P, QJ
(3) Trata-se evidentemente dos "tefilim" filacterais que os estritos observadores
da Lei judia amarram aos pulsos e ... testa, seguindo as prescri‡ões do Òxodo (Xili.
9 e 16) e do Deuteronornio (Vi. 8 - XI, 18). (N. de H. M.) #
161
160 DOSTOIEVSKI RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS i
realidade, o rifual que ele observava s¢ se tornava, ridiculo x
lhe ordenava que nesse momento mostrasse uma e pressão de
devido a exibi‡ão, aos ares que assumia. Cobria a cabe‡anobreza e felicidade perfeitas, ele tratou de obedecer,
en, as mSos e se punha a ler em vc7 c'~ sciu‡os,p;scando o oinio, rindo, e balan‡ando a cabe‡a para o visitante.
que iam aumenfando af‚ ao paroxismo; enfim, exhausfo, quaseE o maior, a prmcipio espantado, acabou rindo, e passou
uivando, inclinava sobre o livro a cabe‡a adornada com o taladiarife, chamando o judeu de idiota, enquanto Isai Fomitch
como; depois, parando de chofre os solu‡os arquejados, desa-prosseguia nos seus grifos de triunfo. Uma hora mais tarde,
fava a rir, e volfava a salmodiar em voz agora triunfante e enquanto ele ceava, pergunfei:
frˆmula de alegria. "Ele'acaba se desconjuntando!" diziam os - , E se o maior, est£pido como ‚,
se zangasse com vocˆ?
defenfos. - Qye maior?
Indaguei um dia de Isai Fomitch o que significavam os
seus solu‡os repentinamente interrompidos peila felicidade - O que! que maior? Então
não o viu?
triunfal. O judeu deliciava-se por lhe fazer essas perguntas. - Não!
Explicou-me, imediatamenfe, que o medo e os solu‡os eram - Ora, ele estava dois
dedos a frente do seu nariz!
provocados pela ruina de Jerusalem e por esse motivo a Lei Mas Isai Fomitch me
garanfiu formalmente que em abso-
ordenava que os fieis gemessem e batessem no peito com luto não se apercebera da presen‡a do
maior; suas ora‡ões
quanfa for‡a pudessem; mas, no insfan+e do mais violenfo da- o mergulhavam numa especie de
ˆxtase, e ele nada via nem
sespero.ele, Isai Fornitch, deveria de subifo e como inconcien- ouvia do que se passava ao seu redor.
temente (aquele de s£bito era +ambem prescrifo, pela lei) re- , Ainda hoje, parece que estou
a ver Isai Fomi+ch passar
cordar que uma profecia promete aos filhos de Israel a sua vol- o sabado infeiro vagueando pela
forfaleza, cuidando em não
+a para Jerusalem. Tinha então que manifesfar alegria com fazer nada, segundo as prescri‡ões
da Lei para o dia de sab-
cƒnticos e riso, dar a sua voz umaenfona‡ão de vivo prazer, e b.af. Que anedotas ¡mpossiveis que
ele me repetia quando vi-
ao rosto uma expressão solene. Essa mudan‡a repentina, essa nha da sinagoga, que noticias, que
boatos extravagantes, vin-
obriga‡ão indispensavel, encantava Isai Fomitch: via naquilo dos de Pefersburgei, - cerfo de que
os seus correligiona rios re-
uma obra-prima de engenho,.e me explicava com imenso orgu- cebiam de primeira mão tudo que lhe
con+avam!
lho essa prescri‡So sutil da Lei. Um dia; no momenfo, mais pa- Mas ia falamos demais em
Isai Fomitch.
fefico da sua ora‡ão, o maior enfrou no alojamento, em com-
panhia do oficial de guarda e dos soldados da escolta. En- A cidade possuia apenas
dois estabelecimentos de ba-
nhos. Um, mantido por um judeu, era reservado aos nofaveis,
quanto os demais for‡ados ficavam em confinencia defronte tinha cabinas de cinquenfa copeques.
O outro, destinado a
...s farimbas, Isai Fomitch redobrou a grifaria. Como o re-
plebe, era sujo, deteriorado, escuro. Era para Ia que nos leva- #
gulament" autorizava a pratica dos cultos, ele sabia que nao vam, num dia muito frio, mas de sol.
Os defenfos se alegra-
se arriscava absolutamente a nada; continuou a berrar como vam com a id‚ia de sairem do
presidic, e olharem a cidade, de
um possesso. Mas, o que mais o encantava, era ter o direito i forma que as brincadeiras e as
risadas não pararam, durante
de se esgani‡ar e gesticular assim diante do maior. Este todo o caminho. Um grande pelotão de
soldados nos escolta-
se aproximou, chegou ate a um passo de distancia do judeu. va, de armas embaladas, espanfando a
gente da rua. Quando
Isai Fomi+ch deu as costas a mesa e de p‚ diante do oficial, chegamos aos b&.~ihos, fomos
separados em dois grupos. Dada
entoou, gesticulando, o seu hino triunfal. Como a religião a esfreifeza ~e espa‡o, um dos
grupos esperaria no vesfibulo, #
162 DOSTOIEVSKI RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS 163
glacial, enquanto o outro se lavaria. Apesar disso, a sala era
tão minuscula que indagavamos como caberia ali a metade
's. Mas Pefrov n5o m-,:) leraave- sem escerar por consen-
timento de minha parte, acorreu em meu auxilio, e se ofereceu
ate para me esfregar. Seu exemplo foi seguido por outro for-
‡ado da se‡ão especial, Bakiuchine, que era chamado o "Ex-
plorador" e que me ficou gravado na lembran‡a como o mais
alegre e o mais agradavel dos companheiros. J eramos
conhecidos. Pe+rov ajudou-me at‚ a me despir, porque, por
falta de habito, eu andava devagar demais, e na antecƒmara
fazia quase tanto frio quanto no pafio. Um de+enfo novi‡o
sente geralmente enorme dificuldade em se despir sozinho.
Em primeiro lugar, ‚ preciso desatar depressa as correias queIk
prendem as grilhetas; são correias duns quatro verchok (4) de
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