ram coragem da lembran‡a de uma fuga antiga ... Sà me
refiro aqui aos condenados. Porque, entre os presos preven-
+ivos, e muito maior o numero dos que se resolvem a fugir.
Os condenados, em geral, s6 o fazem no inicio da sua
miseravel vida. Depois de dois ou +rˆs anos de presi-
RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS
A
305
dio, o for‡ado come‡a a apreciar os meses de pena que
ia fem cumprido e pouco a pouco acha que sera melhor
terminar !eg!r¡,.en'ie a pena -- forn,:~r-se mais tarde colono
numa aldeia, do que se desgra‡ar em caso de fracasso. E #
o fracasso e sempre possivel. Unicamente um for‡ado, entre
dez. consegue, evadindo-se, "mudar de sorte". Os que se
resolvem a fugir, são em geral os condenados a longas penas:
quinze, vinte anos parecem eternos, e essas criafuras estão
sempre prontas a "mudar de sorte" mesmo ao cabo de dez
anos de prisão. Enfim o ferrete na festa fambem constitue
um obst culo. "Mudar de sorte" e a expressão t‚cnica. E'
essa a ambi‡ão que o for‡ado confessa no in~errogatorio, se
e apanhado. A expressão, um pouco livresca, aplica-se ex-
celenfernenfe ao ato que designa. Todo evadido não visa
precisamente a liberdade completa, que ele sabe quase im-
possivel; pretende, principalmenfe, ou passar para outra prisão,
ou ver-se mandado para uma aldeia, ou ser julgado outra vez
por um crime cometido ao vagabundar, - em suma, ir para
qualquer parfe, conquanto não seja para a mesma ¡nfolerave!
cadeia de onde escapou. Se, durante o verSo, esses fugifi-
vos não encontram um a * brigo inesperado. para o inverno a che-
gar, se não descobrem, por exemplo, um campones que con-
sinta em asila-los, mediante um arranjo qualquer; ou se não
conseguem, as vezes ate mediante um crime, um passaporte
que lhes permita viverem onde quiserem, -+odos, quando cha-
ga o outono, a menos que fenham sido apanhados antes, +or-
nam em bandos numerosos as cidades e as fortalezas e se
fazem internar nas prisões para Ia passarem o inverno, claro
que não sem a esperan‡a de fugirem novamente, quando
chegar a primavera.
Sobre mim, fambem, a primavera exercia a sua influen-
cia. Veio-me de novo espiando avidamenfe o mundo livro
afraves das fendas da pali‡ada; ficava em pe, com a cabe‡a
apoiada a uma estaca, contemplando com obstina‡ão insa-
ciavel a erva que verdejava ao longo do fosso do recinto, e
o ceu longinquo que se +ornava cada vez mais azul. Minha #
a
306
DOSTOIEVSKI
inquieta‡ão, minha angustia, aumentavam dia a dia e o presi-
dio ia-se tornando um inferno sempre pior. O odio que mi-
nha qualidade de barine rw granjeara grai-u~lamenfe en-
fre, os for‡ados, durante os primeiros anos, enverienara-me
a vida e eu ia não a sabia tolerar. Muitas vezes, então,
pedia entrada no hospital, sem necessidade verdadeira, tão
somente para me libertar daquele odio obstinado e geral
que nada podia amortecer. "Vocˆs, harines, tem bicos de
a‡o para nos acabar com a ra‡a. . . " diziam-nos os presos.
Como eu invejava as vezes os homens da plebe que chegavam
ao presidio! Esses, logo de inicio, se viam tratados como
companheiros ...
Assim, na primavera, o fantasma da liberdade entrevista,
a alegria de toda a natureza se traduziam para mim numa fris-
feza, numa irrifabilidade aumentadas. Durante a semana
da Paixão incluiram-me entre os que deveriam fazer a Pascoa.
O velho sub-c,ficial dividira o presidio em sete series, corres-
ponden+es as sete semanas da quaresma. Cada grupo era
composto de uns trinta homens que deveriam fazer sucessiva-
mente as suas devo‡ões, e para esse fim eram dispensados
dos trabalhos. Essa semana de descanso me fez muito bem.
lemos a igreja, que ficava a pequena distancia da fortaleza,
- duas, e ate mesmo +rˆs vezes por dia. Ja ha muito tempo
que eu não -entrava numa igreja. Os oficios da quaresma,
tão familiares ... minha infancia, na casa de meu pai, as ora‡ões
solenes, as prostra‡ões, tudo isso me envolvia na alma recor-
da‡ões de ha muito apagadas, tudo me trazia evoca‡oes
da meninice. Revivo ainda o prazer que sentia quando, pe-
Ia manhã, pisando a terra gelada pelo frio da noite, nos nos
dirigiamos sob escolta para a casa de Deus. Ficavamos num
grupo perto da porta, no Ultimo lugar; não escu+avamos quase
a voz grave do diacono; e de tempos em tempos avisfavamos
por sobre a turba a casula negra ou o cranio calvo do pope.
Então eu me revia crian‡a, olhando para a gente do povo, que
formava um grupo apinhado na porta da igreja, e que
recuava servilmente ante uma dragona dourada. um se-
RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS
307
1
nhor barrigudo ou uma senhora devota de saia ro‡a-
gente, - os donos clas`primeiras filas. La na porta, #
junto ... enfrada, ao que ma parec*,d en lão, as pessoas nSo
deveriam rezar como nos lugares que nos ocupavamos; pros-
tradas no chão, oravam com fervor resignado, com perfeita
conciencia da propria humildade. E agora, era eu que lhes
ocupava o lugar, -e nem sequer o mesmo lugar: n¢s carrega-
vamos cadeias, eramos os reprobos. todos se afastavam de
n¢s, pareciam nos temer, davam-nos esmolas, e diariamente
eu descobria naquilo uma sensa‡ão agradavel, -especial i ssima,
um contentamento estranho e requintado. "Esta muito bem!"
dizia -a mim proprio. Os for‡ados rezavam com grande
fervor, e todos eles, dia apOs dia, traziam a igreja o seu mise-
ravel copeque, para um c¡rio ou para o pedi+orio. "Eu fam-
bem sou um homem, pensavam decerto, enquanto davam a
esmola; diante de Deus somos todos iguais. . . " Comunga-
mos na primeira missa. Quando o padre, segurando o cibo-
rio, recitou a ora‡ão: "Como o ladrão, -eu vos digo: lem-
brai-vos de mim, Senhor, quando esfiverdes no vosso rei-
no. . . " quase todo o nosso grupo se prosternou, com um ti-
fin+ar de ferros, +ornando essas palavras ao pe da letra.
Mas afinal chegou a Pascoa. A administra‡ão nos man-
dou dar a cada um um ovo e um peda‡o de pão branco.
Novamente as esmolas choveram sobre o presidio, outra vez
recebemos a visita do pope com a cruz, e a visita dos chefes;
de novo tivemos a gorda sopa de couves dos dias de festa,
bebedeira, o dia vadio, como no Natal - com a umca dife-
ren‡a de que agora a gente podia passear nopafio e se aque-
cer ao sol. Tudo parecia mais claro, mais vasto que no
inverno, e +ambem mais triste. Os longos dias de primavera
inferminaveis, sobretudo nos feriados; as horas de +ra-
-eram
balho passam muito mais depressa, gra‡as ao labor que as
encurta.
I
Os trabalhos do estio, com efeito, se revelaram m
mais penosos que a labuta do inverno.
Ocupavam-se princi-. #
308
O
DOSTOIEVSKI
palmenfe os for‡ados nas consfru‡ões de engenharia. Uns
edificavam, ou cavavam a ferra, colocavam tijolos, realiza-
vam trabalhos de serralheria, de marcenaria. de pinfura. Os
ou~ros *iam as c!arias preparar os tijolos, - cousa que conside-
ravamos como a mais penosa das farefas. A olaria ficava
a quatro verstas do presidio. ·s seis horas da manhã, em
cada dia da esta‡ão bonifa, um grande grupo de for‡ados
a
- cerca de cinquenfa homens - se dirigia para 15. Esco-
lhiam-se para esse gˆnero de servi‡o os simples trabalhadores
bra‡ais, isto e, os que nao tinham oficio, e portanto não per-
+enciam a nenhuma oficina. Levavam consigo o pão, pois a
distancia a que ficava a olaria impossibilifava a volfa para a
refei‡ão; assim, para se pouparem a caminhada de oito
vers+as inu+eis, ~o comiam o janfar a noite, quando regressa-
vam. Fixavam-lhes pela manhã a tarefa do dia, mas +aref-i
+ão grande que dificilmenfe a executavam. Era preciso pri-
meiro arrancar o barro, carrega-lo para a fossa, em seguida +ra-
zer agua para molhar aquele barro e arriass -lo com os pes, de-
pois enfim divid¡-lo num numero respeifavel de tijolos. duzen+os
ou duzentos e cinquenfa, se bem me lembro. 50 duas vezes fui
para esse trabalho. Os que a noite voltavam da olaria, esfa-
vam extenuados, mal satisfeitos, e a todo o momento se acu-
savam reciprocamente de se pouparem em preiuizo dos
demais. Deveriam enconfrar naquilo uma especie de consolo.
Entretanto. alguns iam de bom grado para a olaria: Ia, do
outro lado da cidade, num local descoberfo a margem do
Ir+ych, avis+ava-se uma paisagem muito mais agradavel aw
olhos que as constru‡6es do governo; ademais, podia-se fumar
livremente, e ate mesmo sesfear durante uma meia hora.
Quanto a mim, ia como antes trabalhar numa oficina, ou
preparar alabas+ro, ou carregar tijolos para os pedreiros, nas
consfru‡S.es. Em certa epoca eu tinha que fransporfar minha
carga de tijolos afˆ a margem do lrfych, a um quarfel qu;
esfava sendo edificado a cento e cinquen+a me+ros do rio:
devia afravessar o fosso da nossa forfaleza, anfes de Ia chegar.
Esse frabalho durou dois meses sem interrup‡ão. Tomei por ele
certo gosto, embora a corda com a qual amarrava os fio-
RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS
309
~ ferisse os ombros Sentia que as for‡as me cresciam:
cipio não podia senão carregar oito tijolos, que pesavam #
ca de doze libras (1); depois, consequ¡ c~egar a uma duzia e
,mesmo a quinze tijolos, - cousa que me encarifava. Para
prfar foclas as miserias daquela vida maldifa, a for‡a f¡sica
‚ menos necessaria que a for‡a moral.
F que eu ainda queria viver, depois do presidio!
Se encontrava prazer nesse frabalho, não era apenas
rq . ue ele me fortificava, mas porque se realizava na mar-
do lrfych. Era o umco local - e por isso falo nele com
frequencia - de onde se podia entrever o umverso, os
rizonfes luminosos, as livres estepes desertas, cuja nudez me
1 1 cava uma impressão estranha. Era +ambem o Unicr
1 al de onde se podia dar as costas a forfaleza, porque +odor,
,t,,.
.... outros pontos de trabalho se encontravam na vizinhan‡a
mediafa ou no inferior daquela casa sinisfra. Desde os pri-
eiros dias eu lhe +ornara odio. principalmente a algumas dˆ,.-,.
,suias dependencias: a residencia do nosso maior me parecia
~;vm local maldito, abominavel, e cada vez que lhe passav.-i
,.defronte, atirava-lhe um olhar irado. Na margem do lr+ych
,-eu podia -esquecer isso tudo, e defronfando a vastidão infi-
ifa, olhava-a como o prisioneiro espia para o mundo livre.
,pela sefeira da sua cela. Tudo ali me era querido - os raios
5,11 ,
'k e
,,cegarifes do sol nos abismos azues do c'u, as cantigas lon
1 ginquas dos kirghizes, que subiam da margem oposta. Quando
gente olhava com paciencia, acabava avistando a pobre
rfe enfuma‡ada duma baiguche (2) qualquer; conferri-
.1 . ta-se a fuma‡a que sai da tenda, e uma mulher khirguize que
1 , ~ ri
. " ¡da ao redor de dois carneiros. Tudo aquilo e pobre e sel-
tt...
Nagem, mas livre. Avisfa-se um passarinho no azul franspa-
---1"~'~',renfe do ceu, e, longa e obstinadamente, acompanha-se o seu
~,,y6o com o olhar: ei-lo que ro‡a a agua. ei-lo que se per~e no
azul, ei-lo Ia longe, como um pontinho minUsculo ... Mesmo a
,florinha doentia que eu encontrava no come‡o da primavera,
(1) Cerca de cinco quilos e meio. (N. de R. Q)
(2) A yurte ‚ a tenda dos kirghizes, povo n"made, cujos baiguches constituem
a classe mais pobre, (N. de H. M.)
'I . I #
310
DOSTOIEVSKI
em alguma fenda de rocha, me atra¡a a aferi‡ão, morbida. "
mente. A angustia daquele primeiro ano de presidic,~ ora
intoleravel, enervariM, horrivelmente amarga. Impedia-me ele
observar uma por‡ão de cousas ao meu redor. Fechava os'1'1~'
141, z
olhos, recusava-me a ver. Entre os meus companheiros f30"~'
W
fiosffs, tão odientos, não via, não descobria pessoas capazŠs-,~.'
de sentir e pensar, apesar da casca repugnante que Ilh 0k~
dissimulava a natureza real. Entre as frases venenosas, não,'~---
sabia +ambem distinguir as palavras amaveis, afetuosas, fant~J4~'
k
mais apreciaveis porque muitas vezes vinham diretamente dcw,,~:
cora‡ão de um homem que sofrera mais do que eu. Ai, Dara~N¡~
que me alongar a esse respeito? Senfia-me muito feliz quando' ? .
voltava para a fortaleza, exhausto: pelo menos dormiria 1
Porque no-verão o sono era mais tormentoso, senac, pior qu¢"`~
no inverno. Para falar verdade, nos finhamos ...s vezest'~-'
V`1
belissimas +ardes. O sol, que não parara de banhar o pafio
da fortaleza, deifava-se afinal. O ar refrescava, e depressa a . "
fria noite das estepes - fria relativamente - nos envolvia.~,~,
Os presos, -esperando que os trancassem, passeavam em
bando pelo patio. A maioria, entretanto, agrupava-se de
preferencia nas cozinhas. La, debatiam-se questões de ordem
geral, discutia-se isso, aquilo, recolhiam-se alguns boatos, md#--,
tas vezes absurdos, mas que despertavam exfraordinaria curio.-
sidade naqueles entes segregados do mundo dos vivos; assim,~`---
por exemplo, confava-se que o nosso maior fora fransferid¢. ,
Os for‡ados são credulos como crian‡as; sabem muito benv,
‚ -
que a noticia e absurda, que Kvassov, seu portador, e um
reia noforio, um mentiroso incapaz de dizer uma palavra
se possa dar credifo-, entretanto todos +ornam conta da nofr,~"
. --- 1 11
cia, emitem opinião, rejubilam-se; e, no fim, envergonharri-",~
por se haverem deixado enganar por Kvassov.
c quern o manclaria embora! exclama um tor‡a
"OifO olhos" tem as costas largas, ha de aparar o golpel,~, ",." , 2
- Sim. mas,af‚ ele +ambem fern chefes! brada um
ardente, que não +em nada de tolo, que j viu muita cousa'e
d6 a vida por discutir. #
RECORDA€OES DA CASA DOS MORTOS
313
- Os lobos não se comem uns aos oufros! resmunga um
terceiro, homem de cabelo grisalho, que +orna a sua sopa
sozinho, a um canto.
- E tu achas que os chefes virão pedir tua opinião
_para saber se podem mandar o maior as favas? acrescenta
~com impaciencia um quarto preso, vibrando com indiferen‡a
1 uma das cordas da balalaica.
- E por que não, se nos juntarmos foclos? +orna o
segundo exaltado. Mas aqui o pessoal s6 presta para bater
com a lingua, nos dentes: quando se chega aos fatos, ia não
h6 mais ninguerril
- Esse coitado parece que não sabe que esf6 no presi-
dio, retruca o focador de balalaica.
Outro dia, continuou o discufidor, sem o escutar,
~ ~;,4,¢brou um pouco de farinha. Junfaram ate o £ltimo pu-
u
nhado e levaram para vender - era um restinho. não ren-
deria nada. Porem ele soube. Fizeram um rela+orio e a farinha -
foi confiscada - "rnedida de economia!" Isso ser6 iusto?
¡1
- Mas a quem ‚ que tu querias te queixar?
- A quem? Ao inspetor que est6 para chegar.Que inspetor?
a
- verdade que es+' para chegar um inspetor, irmãos,
explicou um mo‡o for‡ado, muito bem posto, instruido, antigo
escrevente de batalhão, que j lera a "Duquesa de Ia vallier-e"
ou qualquer outro folhetim do gˆnero. Era um palha‡o eterno,
todavia os for‡ados gostavam do seu desembara‡o. E sem
prestar nenhuma aten‡ão a curiosidade geral despertada pela
noticia da futura chegada do inspetor, ele se dirigiu ao fogão'
afim de pedir a "cozinheira" uma por‡ão de figado. Os
cozinheiros vendiam sempre pratos dessa especie: comprq-
vam por -exemplo um bom peso de figado que iam cortando
em peda‡os e fritavam para os for‡ados que os podiam com-
prar.
- Dois ou quatro copeques? indagou a "cozinheira".
- Corta para quatro copeques! Se alguem ficar com
-9 boca cheia de agua não tenho nada com isso! respondeu o
22
I
I #
#
314
DOSTOIEVSKI
for‡ado. Um general, meu irmão, um general de Pefersburgo
est a caminho, vem passar revista em toda a Siberia. E'
verdade, disseram isso na casa do governador.
A noticia provocou uma sensa‡ão extraordinaria. Durante
um quarto de hora cruzaram-se perguntas sobre quem seria
esse general, que titulo usaria, se seria mais importante que
os generaisclaqui ... Falar de patentes e chefes, saber quem
fem precedencia, quem pode fazer com que os outros se cur-
vem, diante de quem o comandante fer6 que se inclinar, -
são assuntos que os for‡ados gostam de discutir. um assunto
que os entretem muito; discutem azedamenfe, injuriam-se,
chegam quase a se agarrar; pode-se supor que não +em nisso
nenhum interesse, mas ‚ pelo conhecimento minucioso dos
fatos administrativos que se mede entre eles o grau de infe-
ligencia dos individuos, da insfru‡ão adquirida antes da prisão,
do lugar ocupado na sociedade; falar das altas esferas d
igualmente uma reputa‡ão de seriedade e elegancia.
- Vocˆs estão vendo mesmo que e verdade, rapazes:
o maior vai ser posto para fora daqui! observa Kvassov, o
homenzinho vermelha‡o, exalfado eestUpido, que fora o pri-
meiro a agitar a hisforia.
- Ora! ige solta os cobres e d um jeitinho! comentou
com voz resfolegan+e o preso velhusco, que acabara de +ornar
a sua sopa de couves.
- Sim, bem pode ser! ajunta um outro. Faz muito
tempo que ele economiza, pois ia era maior antes que n¢s
chegassemos aqui. Ultimamente, anda arrastando a asa ...
filha do profopope (2).
- Mas não casou! Mosfraram-lhe a porfa, o que prova
que "Oito olhos", não tem vinfem. Imagine que lindo noivo!
Quando se levanta da cadeira, seu guarda-roupa foclo se
lavarifa com ele! Na Pascoa, perdeu tudo no jogo. Foi,
Fedka que confou.
- Isso mesmo! O camarada não gosta de soltar os
copeques, porem dessa vez ficou a nenhum!
(2) O arcipreste. (N. de R- Q.)
RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS
315
- - Ai, irmãos, coisa ruim e casamento para quem e
pobre! Entendo um pouco disso. A noite de nuPcias e curta
demais, comenfou Skurafov, que acabava de entrar na con-
verso.
- - Supões talvez que esfamos falando em ti? retrucou o #
rapaz despachado, o antigo escrevente. Tu, Kvassov, es um
cretino se pensas que um maior possa subornar um general, e
que um general venha aqui para inspecionar o maior. Cs
mesmo um idiota, rapaz!
- E que e que +em? Um general não pode recdber
nunca uma gorjeta? indaga um c‚tico.
- Certamente que não. E se recebe, não e nenhuma
bolacha quebrada.
- Claro que a bolada e grande - vai crescendo rie
acordo com a patente.
- Um general recebe grafifica‡3o de qualquer um,
afirma Kvassov com soberba seguran‡a.
- J deste gorjeta a algum general? goza Bakluchin-e,
que entra de subito. O que eu quero saber e isto: onde
foi que ia visfe um general?
- Sim, ia Vi um!
- Mentiroso!
-'Mentiroso es fui
- Bem, rapazes, se ele ia viu um, vai nos contar de que
if ' o homem. Anda, fala, eu conhe‡o focla qualidade de
, lei o e
generais!
- Vi o general Sieberf, respondeu Kvassov em tom hesi-
fanfe.
- Sieberf9 Não ha general nenhum com esse norre.
Decerfo esfas falando num que +e olhou o lombo quando te
,k a‡oitavam. Siebert poderia ser no m ximo tenenfe-coronel.
~v,`Foi o feu medo que lhe deu patente de general!
Não, escuta, grifa Skura+ov. Sou um homem serio
',,2 sou um homem casado. Havia um general Siebert em
Moscou, era alemão, mas agora e russo. Todos os anos, dia
da Assun‡ão, confessava-se a um pope. Enchia-se clagua
lr~
A
i #
316 DOSTOIEVSKI i. RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS317
como um pato - quarenta copos de agua do Moskova, lodos
os dias. Dizia-se que engulia essa agua toda para se curar
duma doen‡a, foi o seu criado de quarto clue me contou,
- Ser que ele tinha peixinhos na +ripa? indagou o preso
da balalaica.
- EsM a[! A gente falando a seric, e eles vˆm com
canalhismo. Quem e esse inspetor, irmão? perguntou Marli-
nov, um velho da se‡ão militar, que fora hussardo.
,- Tudo isso ‚ mentira, afirmou um dos c‚ticos. De
onoa ‚ que essa gente inventa tanta mentira?
- Não ‚ mentira nenhuma! explicou dogma+icamen+e
Kulikov, que at‚ então se mantivera num silencio majestoso.
Era um sujeito pesadão, duns cinquen+a anos de idade,
com fei‡ões extraordinariamente corretas e modos desdenho-
sos - cousa de que muito se orgulhava. Tinha sangue cigano
nas veias. Ve+erin rio de profissão, +ralava dos cavalos
da cidade, o que não impedia de na prisão ser bo+ecluineiro.
Tinha visto muita cousa, era inteligente, e deixava cair as pa-
lavras da boca como se fossem de ouro.
- E' a verdade pura, irmãos! continuou, no seu tom sos-
segado. Na semana passada ouvi contar isso mesmo. Uni
general est mesmo a caminho, - general dos de galão gran-
de, afim de inspecionar a Siberia de cabo a rabo. H6 de ser
a coisa de sempre: vai receber seus presentinhos, porem não
do nosso maior "Oito olhos". ~Esse não lhe ha de chegar
ri . em perto. Ha generais e h6 generais, irmãos. Ha gere-
rais de toda especie! Mas posso garantir a voces, qua,
quanto ao nosso maior, fica por aqui mesmo. Nos vamos ficar
de bico caladinho, como sempre, e nem os grandolas daqui
se atreverão a denuncia-lo. O inspetor corre focla a forta-
leza e ir6 embora sem dizer nada; depois far6 um relafor*ic,
contando que encontrou tudo aqui em perfeita ordem. . .
- Sim, entretanto o maior es+6 com medo; não e ...-toa
que anda bˆbedo desde que o dia amanhece.
- E hoje a +arde +ornou carga nova; foi Fedka que
contou.
- NãO adianta esfregar um cavalo preto para ver se,
ele fica branco! Sera que vocˆs nunca viram o maior bˆbedo,
anf,-~'7
es;
- De qualquer forma, ser6 um azar se o general nSo
fizer nada! Porque estava na hora de dar um fim naquele
bandido! comentavam os for‡ados animadissimos.
A noticia da vinda do inspetor espalhou-se num piscar de
olhos. No palio, os homens a repetiam com precipita‡ão.
Procuravam alguns mostrar silencio e sangue-frio, para se
darem ares de imporfancia. Outros ficavam indiferentes.
Nas portas das casernas ins+alavam-se os locadores de baIo- #
laica. Alguns continuavam a tagarelar, enquanto outros.
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