Código da Vida



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E por falar em doente grave, lembrei-me das nossas instituições políti­cas. Mais doentes do que aquela mulher esquizofrênica. Quando o PFL, em 2002, lançou a candidatura de Roseana Sarney à Presidência da República, imediatamente ela passou a liderar as pesquisas de opinião pública. Ganhava fácil do Lula e mais fácil ainda do José Serra. Até que lhe aprontaram uma das mais cínicas maroteiras da história republicana.

Fernando Henrique Cardoso mandou montar um grupo especializado e treinado para fazer espionagem. A justificativa: vigiar o controle dos preços dos remédios, o cartel dos laboratórios. José Serra, então Ministro da Saúde, havia sido perseguido pelos militares. Sabia bem como os governos eram po­derosos nessa especialidade. Fernando Henrique o convenceu a aceitar a ma­quinação porque dizia ser em favor de sua candidatura a Presidente da Repú­blica. Serra caiu na conversa.

Quando eu era advogado do grupo Simonsen, que incluía a Panair, José Serra, então presidente da UNE — União Nacional de Estudantes, procurou-me para pedir passagens de avião, dizendo que iria viajar pelo Brasil para conspirar contra os militares. Levou as passagens e, pelo jeito, cumpriu a pro­messa porque foi exilado no Chile.

Como ministro de Fernando Henrique, não evitou que se montasse um esquema discricionário do uso do poder tal e qual os militares e a pedido, ou a mando, de Fernando Henrique. Eta mundo redondo! No fundo, no fundo, Serra é um homem bom, quase ingênuo. Mas no raso sofre demais a influên­cia de Fernando Henrique. Não chega sequer a perceber que essa influência é para prejudicá-lo e muito.

Era um setor de inteligência que tinha recrutado os melhores especia­listas no ramo, inclusive um dos mais competentes, com curso na CIA e ou­tros organismos internacionais. Do grupo também faziam parte delegados, agentes da Abin, procuradores federais, técnicos em inteligência política e pessoal de apoio.

O objetivo, contudo, era montar a estratégia política da candidatura de Serra à Presidência da República e desenvolver ações de espionagem e de­núncias contra possíveis opositores. Na verdade verdadeira, o plano era con­tra o próprio Serra, que até hoje não sei se disso se apercebeu.

Os primeiros alvos foram o Ministro Paulo Renato e o Governador Tasso Jereissati, que ensaiavam como concorrentes. A revista Carta Capital de­nunciou os ensaios e os dois foram detonados. De repente, sem que estivesse previsto, o PFL lançou Roseana Sarney. Seu nome foi um impacto. Subiu nas pesquisas, Serra ficou para trás e, em todas as simulações de segundo turno, era a única capaz de derrotar Lula.

Seus telefonemas passaram a ser gravados, seus passos, seguidos, e um dossiê sujo já em circulação foi entregue ao Governador Garotinho, que anunciou ter recebido uma cópia por intermédio do tesoureiro do PSDB, de­putado Márcio Fortes.

O Ministro José Serra não se opunha à operação de Fernando Henri­que, que o embrulhava em papel de seda, pois esperava sua derrota para Lula. Aloysio Nunes Ferreira, Ministro da Justiça, era o executor na área da Polícia Federal e mandou instalar em São Luís uma sofisticada e poderosa estação de escuta, braço da polícia política, com capacidade de escutar todos os telefo­nes da Governadora do Maranhão. Essa “estação” foi descoberta, e o Ministro da Justiça justificou que se destinava a combater o narcotráfico.

São Luís nunca esteve na rota da cocaína. Nem no Rio de Janeiro havia uma estação como aquela. Vejam, caros leitores, o perigo de colocar o apara­to do Estado a serviço de uma facção política. A mesma coisa voltou a acon­tecer anos depois durante as CPIs para apurar corrupção no Governo Lula. Líderes da oposição e membros das comissões parlamentares de inquérito ti­veram seus telefones grampeados.

José Sarney, avisado pelo Senador Edison Lobão de que dois agentes da Abin estavam em São Luís, precursores da operação, ligou para o FHC e denunciou o fato. Este, com sua conhecida sinceridade, disse que ia falar ao General Cardoso, chefe do órgão. O General Cardoso disse que ia investigar. Depois disse ao Senador Sarney que “era possível”. Ele descobriu a operação.



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Enquanto isso, Roseana subia nas pesquisas. Fernando Henrique en­trou em pânico. Com os telefones grampeados, o grupo de espionagem acompanhava tudo que acontecia com a campanha de Roseana. No dia em que os representantes das agências de publicidade encarregados da campa­nha de Roseana seguiram para o Maranhão para receber suas faturas, resul­tado de programas de TV, viagens, cartazes e vídeos, o grupo de inteligência de FHC deflagrou a operação, que tinha que ser realizada em 48 horas. Obje­tivo: serem flagrados recursos no escritório de propaganda da candidata, que funcionava no escritório do seu marido Jorge Murad, sede da empresa cha­mada Lunus. Eles sabiam que lá existia uma pequena quantia arrecadada para a futura campanha eleitoral.

Neste ponto há muito mistério. Fernando Henrique repentinamente dotou-se de premonições sobrenaturais e confidenciou a alguns próceres da imprensa que “ia acontecer um escândalo”. Aloysio Nunes coordenou o ime­diato futuro e fez as previsões do chefe tornarem-se realidade.

— Espera aí, meu caro. Roseana Sarney está em primeiro lugar nas pes­quisas eleitorais. Isso que o chefe quer pode desmoralizar o Governo.

— Negativo. Se for bem feita, a coisa funciona. A bomba explodirá a candidatura da Governadora do Maranhão. Se Lula ganhar, o chefe pode dis­putar com ele em 2006. Com o povo frustrado, Lula pode ganhar, menos Roseana, que poderá vencer a futura reeleição. Roseana está estragando o nosso plano, é do PFL e filha do Sarney. Era 2006, o chefe quer ser o candidato e vencerá o barbudo fácil, pois ele fará um governo de quatro anos de trapalhadas.

— O homem mandou. E pronto. Não temos nada mais que discutir ou justificar. Temos que fazer!

Esse diálogo entre agentes do então Presidente Fernando Henrique Cardoso deu início ao mais cínico plano de degradação da moralidade polí­tica, a serviço da ambição de um homem fascinado pelo poder e inconfor­mado em ter que deixá-lo em nome da alternância democrática.

Na sua concepção de estrategista político, afastaria Roseana e deixaria Serra para perder a eleição. E ainda contaria com a inocência do próprio Serra na execução do plano, posto que, ao contrário do que aparenta, o ex-Ministro e depois Governador de São Paulo, é meio ingênuo, de boa-fé, acredita no companheiro de partido.

Pode até, numa segunda tentativa, vir a ser Presidente da República, como já chegou a Governador de São Paulo, mas não deixará de ser ingênuo e tão fácil de ser enrolado quanto Lula. Será, porém, melhor do que Fernando Henrique, esperto demais. Eu até gosto do Serra, desde quando o conheci meninão, como já contei, pedindo passagens da Panair do Brasil para conspi­rar contra os militares. Torço para que fique longe da influência de Fernando Henrique, se quiser salvar sua carreira. E sua alma. Assim poderá chegar a Presidente da República.

Roseana não podia ser candidata. Os institutos de pesquisas, todos, atestavam que ela venceria as eleições para a Presidência da República no país inteiro, a única candidatura capaz de vencer Lula.

Fernando Henrique tinha nas mãos um relatório dizendo que Ro­seana, como Governadora do Maranhão, havia presidido uma reunião da Sudam, e que o marido dela, Jorge Murad, era Secretário de Planejamento do Estado e podia ser envolvido no inquérito de uma empresa de autopeças em São Luís. A empresa não deu certo. Os empresários eram do Paraná e deram um golpe vergonhoso. Foram os únicos que pegaram vinte milhões dos cofres públicos, ficaram com eles e, até hoje, nada lhes aconteceu. Foram excluídos na denúncia dos procuradores sob o argumento de que tinham colaborado nas investigações. Delação premiada, sem interferência de juiz. Uma vergonha.

Era preciso envolver Roseana nessa história, mas de forma escandalosa, capaz de liquidar sua candidatura.

Convocaram os elementos certos da Polícia Federal dispostos a execu­tar o plano para o chefe. Era necessário, porém, a conivência de procuradores da República para abrirem inquérito e requererem busca e apreensão nos es­critórios do marido da Governadora. E qual o Juízo Federal que concordaria com esse plano imoral?

Haveria somente duas possibilidades: o Juízo Federal de Belém, onde estava a sede da Sudam, ou o Juízo Federal do Maranhão, onde os fatos te­riam acontecido e a planejada empresa de autopeças não foi instalada. Eram os únicos juízos competentes para conhecer e julgar ações relativa a tais fatos.

— Nada feito. Conheço os juizes daqueles estados. São rigorosos e in­dependentes. Vão achar a medida violenta. E contra a Governadora? Compe­tência exclusiva do Superior Tribunal de Justiça.

— Não é contra a Governadora. É contra o marido. Esse não tem foro privilegiado.

— Engano seu. Tem sim. É o Tribunal de Justiça e, no caso de interesse da União, a competência é do Tribunal Regional Federal.

— Se a gente quiser e achar o juiz certo, não tem esta história de tribu­nal competente coisa alguma. O mandado de busca e apreensão sai, a gente executa, explode a notícia. Depois deixa que os advogados fiquem discutindo a competência. As eleições já terão passado.

— E quem pode achar o juiz certo?

— A Procuradoria da República, com o devido cuidado.

— Devido cuidado?

— Claro. Nem todos os procuradores da República são capazes de prestar serviços escusos a pedido do Governo. Há alguns bravos, corretos e enérgicos, gente de nariz empinado. Mas existem os que gostam de agradar o poder. Conheço alguns e já falei com eles. O Santoro garante que vai conse­guir gente para o esquema. Já me deu a dica:

— Como?

— Tocantins. Juízo Federal de Palmas, Estado do Tocantins. Ali, a pe­dido do Ministério Público e da Polícia Federal, a gente faz o que quiser. É moleza!



E assim se fez. O Juízo de Tocantins aceitou a competência, porque os recursos da Sudam eram administrados pela Finam por meio do Banco do Amazonas, cujos estatutos dispunham que a instituição financeira estava autorizada a operar naquele estado. Coisa de malucos. E de um cinismo cruel.

Expedido o mandado de busca e apreensão, nada de precatória via correio, para o Juízo do Maranhão. Correio é perigoso. Que o diga o Roberto Jefferson. Os delegados da Polícia Federal de Brasília foram até Palmas, apa­nharam a ordem judicial, e eles próprios viajaram para São Luís. Procuraram o juiz federal local, que, intimidado, exarou o cumpra-se. Em vez de oficial de justiça para o cumprimento da maracutaia, deferiu-se aos próprios dele­gados de polícia a invasão dos escritórios de Jorge Murad, cujo crime era ser marido da Governadora do Maranhão, que, por sua vez, cometera o grave delito de estar em primeiro lugar nas pesquisas de opinião para as eleições à Presidência da República em 2002.

A revista Época publicou edição com o escândalo: fotografias de dinhei­ro encontrado nos cofres de uma empresa, como se isso fosse crime. Desta­ques em todas as televisões e rádios. Aloysio Nunes Ferreira,106 então Ministro da Justiça, declarou enfaticamente: “A Polícia Federal cumpre mandado judi­cial”. Não era ministro, mas oficial de justiça. O resto da história é conhecido. Roseana desistiu da candidatura à Presidência, apoiou Lula e candidatou-se a Senadora. Foi eleita.

Os tempos se encarregam das mudanças. Naquela época, um milhão de reais, de origem lícita, nos cofres de uma empresa constituíram grande es­cândalo. Nem sequer era caixa dois. Seriam, claro, contabilizados pela cam­panha quando começasse. No Governo Lula tomou ares de normalidade os milhões e milhões de Marcos Valério, dos dólares vindos de Cuba, ou na cue­ca, de dinheiro do bingo, dos milionários contratos de publicidade como fonte de corrupção e desvio de recursos públicos, pagamentos no exterior de alguns milhões de dólares. Virou tudo natural, água cristalina, pura e imacu­lada. Caixa dois, dinheiro não contabilizado de campanhas passadas há muito tempo, tudo normal porque costumeiro, segundo o próprio Lula afirmou em entrevista a uma jornalista em Paris.



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Quis o destino que o PT armasse plano de desmoralização contra José Serra quando candidato ao Governo de São Paulo em 2006, parecido com aquele que Fernando Henrique armou contra a Roseana Sarney em 2002. Membros da cúpula do partido e dirigentes da campanha de Lula, que se considerava eleito, resolveram auxiliar Mercadante, que concorria ao Go­verno de São Paulo e, nas pesquisas, perdia para José Serra. Negociaram com Luiz Antônio Vedoin, mediante o pagamento em dinheiro da quantia de R$1.700.000,00, a elaboração de um dossiê contra o candidato do PSDB.

Luiz Antônio Vedoin era “o capo di tutti capi”,107 chefe supremo, da qua­drilha que montava e vendia ambulâncias superfaturadas para o Ministério da Saúde e prefeituras, pagas pela União por meio de emendas orçamentárias de deputados que, para isso, recebiam propinas. Vedoin havia sido preso, mas, com a promessa de delação premiada, voltou para casa e para seus negócios. Claro que o Judiciário permitiu a escuta de seus telefones. A cúpula do PT tratou tudo por telefone.

A polícia acabou prendendo os portadores do dinheiro. Notas vivas, de reais e dólares. Não foram fotografados. A prisão se efetuou no Hotel Ibis, em São Paulo.



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Embora este fato possa fazer supor que o PT estivesse plagiando o que Fernando Henrique fez contra a Roseana, por causa do nome do hotel lem­brei-me de outro caso, que os brasileiros esqueceram. O caso de Ibsen Pi­nheiro, que presidia a Câmara de Deputados durante a CPI contra as falcatruas de Fernando Collor e que, por isto, ganhou notoriedade e condições de ser candidato a presidente da República, concorrendo com Lula, em uma de suas candidaturas.

De repente, saiu em várias revistas uma notícia escandalosa: Ibsen Pi­nheiro tinha um depósito no exterior, e não explicado, de um milhão de dólares. Documento comprobatório publicado. Ibsen caiu em desgraça, foi pro­cessado pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados e teve seu mandato cassado. Muito tempo depois, descobriu-se que a verdade era aquela por ele invocada e demonstrada: o depósito era de mil dólares. O documento havia sido falsificado para aparentar um milhão.

Quem levou o documento falso aos jornais e revistas? Waldomiro Diniz,108 homem de José Dirceu e de Mercadante, que acabou no Palácio do Planalto durante o Governo Lula e que de lá saiu porque foi divulgado um filme em que ele extorquia dinheiro de um bicheiro.

Logo, o que Fernando Henrique conseguiu fazer contra Roseana e o que contra Serra tentaram fazer é invenção do PT há muito tempo. Por não ter sido patenteada, a idéia escusa passou a ser usada pelo submundo da po­lítica e dos bandidos, como os Vedoins.

Aliás, o coordenador da campanha de Aloízio Mercadante, Hamilton Lacerda, foi quem levou a mala de dinheiro para o Hotel Ibis. Filiado ao PT há mais de vinte anos, homem de José Dirceu, não foi a primeira vez que se meteu com falsidades. Tem antecedentes. Dois deles com a falsificação de có­pias da primeira página do Diário do Grande ABC, noticiando que ele assu­mira a liderança das pesquisas eleitorais quando foi candidato a prefeito de São Caetano do Sul. Aloízio Mercadante, bom discípulo de Lula, demitiu seu coordenador e declarou não saber de nada. Mas perdeu a eleição para governador.

Ibsen Pinheiro, depois de tantos anos, voltou à Câmara dos Deputados.

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Para não ficar muito feio, no caso da Roseana Sarney, o Ministério Público Federal, por intermédio de três bem escolhidos membros, ofereceu denúncia perante o Juízo Federal de Tocantins, embolando mais umas vinte pessoas. O juiz, envergonhado, recusou-se a receber a acusação contra a Roseana. Não era em Berlim, mas em Palmas e palmas para ele. Os procura­dores da República recorreram. Foi o grande erro deles.

Roseana, já Senadora, passou a ter o Supremo Tribunal Federal como foro competente. O recurso foi distribuído ao Ministro Gilmar Mendes, jurista de excelente formação e que conhecia bem as tramas do Ministério Público quando tocado a combustível político. Ele já alertou o país para a costumeira prática do estelionato judicial.109 Era o caso. Negou provimen­to. Contra Roseana nem o juiz de Tocantins teve coragem de receber a de­núncia. Contra ela não existia nada. Apenas presidiu uma reunião da Sudam realizada em São Luís. E, contra Jorge Murad, a acusação, pasmem, era que tinha sumido com a fita na qual estaria gravada a reunião.

Dentre os vinte outros acusados, um deles, Jader Barbalho, depois de renunciar ao mandado de Senador, foi eleito Deputado Federal. Foro compe­tente, o Supremo Tribunal Federal. Para lá, remeteu-se o processo. O Minis­tro Gilmar Mendes estava prevento. Tornou-se o relator para o caso.

Resolvi entrar na briga, porque Jorge Murad continuava sendo réu e me pediu para orientá-lo na defesa. Formulei petição demonstrando que o Juízo Federal de Tocantins era totalmente incompetente para a ação penal e que, portanto, era nula a própria denúncia, porque os procuradores da República, que a subscreveram, eram também incompetentes, jurídica e gramatical­mente. Tudo não passou de uma enorme safadeza.

O Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, acompanhou o voto do Relator Ministro Gilmar Mendes e declarou a nulidade da denúncia, man­dando arquivar o processo. A grosseria do erro era tão grande e gritante que até o Ministro Celso de Mello votou a favor da tese de minha petição.

Os jornais noticiaram o resultado em matéria quase escondida, uma coluna e em página interna sem qualquer destaque. Não importa. A imprensa estava ocupada com outros escândalos, com denúncias do “mensalão” pago a deputados, CPI dos Correios e outros tsunamis de lama, causados por terre­motos cujo epicentro ninguém consegue encontrar. Ou como diz o esperto cabra da peste que chegou à Presidência da República: Sei de nada. Nadinha. Parece que ele conhece apenas o ponto G porque “todo mundo gosta de sexo”. E ninguém é de ferro, meu brother.

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Cumpri meu dever de advogado. Mas ninguém pode me censurar pelo nojo que sinto desses assuntos lambuzados de tristeza. Nossas instituições políticas são profundamente tristes. Ainda tenho esperança de que um dia haja limpeza e moralidade em nossos costumes. Tenho, sim, esperança para evitar que a dor de ver tanta falcatrua leve-me à desistência de tudo. Não de­sejo que descubram um jeito de assassinar a esperança.

Lula, cuja primeira eleição foi uma construção cerebrina da patologia intelectual de Fernando Henrique, conseguiu imensa popularidade com o Bolsa Família e com a política financeira. Passou a ser o pai dos pobres e a mãe dos bancos. Acabou com Fernando Henrique e seu plano quixotesco de voltar ao poder, uma de suas boas obras. Na campanha eleitoral de 2006, desesperado, o ex-presidente e ex-sociólogo promulgou um manifesto con­tra seu próprio partido e ousou criticar a desonestidade dos outros, inclusive a de Lula. E tivemos que assistir a esta coisa. O gambá falando da raposa em defesa do galinheiro. Aquele manifesto, porém, mereceu um comentário milimetricamente exato do jornalista Ruy Nogueira:

“O professor, que chefiou por oito anos um dos governos mais cor­ruptos e, indubitavelmente, o mais nocivo de todos os tempos, dando mostras inequívocas de sua avançada senilidade, de seu envelheci­mento desgostoso, de sua decrepitude moral perante a história, além de patológica nostalgia do poder, até agora só tinha se queixado da fal­ta imensa que lhe fazem o helicóptero presidencial e a piscina aquecida do Palácio da Alvorada. Mas, pelo que se lê, ele ainda pensa ter alguma importância em nosso cenário político. Pois, que saiba, não tem nenhuma.

Milionário, impopular, desprezado pelo próprio partido, escondido pelos candidatos do PSDB em suas propagandas na TV e no rádio, confi­nado num ‘instituto’ que ninguém leva a sério e que em nada contribui para a vida política ou intelectual do país, o sátrapa de Higienópolis vive os dias do fim, amargurado entre o seu determinismo biológico e o formidável desprezo que lhe devotam povo e história.”110

Mesmo assim, o sátrapa de Higienópolis, na campanha eleitoral de 2006, continuou agindo a seu estilo. Informado, pelo diretor do Ibope, que Geraldo Alckmin jamais ganharia de Lula, passou a lutar pela candidatura do ex-governador paulista e a um interlocutor de sua intimidade afirmou: “Va­mos colocar o Alckmin para perder. E preservar o Serra para 2010”.111

Claro que não estava pensando em Serra, mas em si mesmo, como aconteceu na primeira eleição do petista. Num país cujos eleitores lhe deram dois mandatos como Presidente da República e mais dois a Lula, tudo é pos­sível por ser muito grande o número de pascácios. E esses, por mais tolos que sejam, sem opções válidas, escolhem o menos mau. Não que Geraldo Alckmin fosse mau. É um homem simples, quase simplório. Foi Governador de São Paulo porque surgiu na esteira de Mário Covas, esse sim um líder que, mesmo sendo do PSDB, bateria Lula em qualquer condição, inclusive contra os milhões do Bolsa Família. Alckmin, porém, pertence ao partido de Fer­nando Henrique e não tem forças para tirar a carga de suas costas. Nem ora­tória tem. Perde longe de Lula, que assassina a gramática com a maior facili­dade e fascina os pascácios. Alckmin é um explicador tímido. Parece um professor dos antigos grupos escolares, que usava paletó, gravata e sapatos com meia furada. Creio que, na verdade, ele seja professor de javanês. E en­tenda que seus votos não foram seus. Foram contra Lula. Se posar de líder cai no buraco do Metrô.

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No Governo Lula, foi alugada, em Brasília, uma casa pelos antigos ami­gos de Palocci, quando prefeito de Ribeirão Preto. Ali faziam relações pú­blicas e relações privadas. Repartiam dinheiro, dizem. E tomava-se uma cachacinha. Contavam-se histórias de dólares vindos de Cuba e transportados no Brasil em caixas de bebidas mais finas do que cachaça. Grave, porém, foi o testemunho de um caseiro, Francenildo dos Santos Costa, dizendo ter visto Palocci freqüentar a casa umas dez ou vinte vezes.

Poucos dias depois de prestar o testemunho, o pobre do caseiro teve sua conta bancária violada pela própria Caixa Econômica Federal, e alguns depósitos foram acusados como suborno pago pela oposição. Polícia Federal em cima dele. Lavagem de dinheiro. O Governo, com todo o seu poderio, sua força descomunal e seu fantástico cinismo, contra um simples caseiro, mo­desto nordestino do Piauí. Depois ficou esclarecido que os depósitos tinham origem em relações pessoais com o pai dele. Coisas de família, de uma pri­vacidade também violada. Mas seu sigilo bancário havia sido devastado com o propósito de desmoralizá-lo. O extrato da conta bancária foi publicado pela revista Época, a mesma que publicou fotos do dinheiro da Roseana Sarney. Os poderosos podem. E quem pode manda em tudo. Cada qual em sua época.

O mais engraçado desta farsa partiu do presidente da Caixa Econômica Federal, que baixou portaria criando comissão de sindicância para apurar, em quinze dias, os responsáveis pela violação da conta do caseiro, quando o crime havia sito praticado por ele próprio, Jorge Matoso, que saiu do gover­no levando Antônio Palocci de cambulhada antes dos quinze dias. Não deu tempo de encontrarem um laranja para assumir a lambança. Estava esgotado o estoque de Delúbios Soares. Nenhum voluntário se apresentou.



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