E têm toda a razão--assentiu Lomax.-Precisam de cinco anos, só com uma cascata, ou mesmo mais. Um mínimo de três, com duas. Mas suponhamos que estão a empregar calutrões em tandem. Se fosse chefe do programa da bomba do Iraque, como actuaria? Não desse modo-asseverou, principiando a enrolar novo cigarro. -Em Londres, explicaram-lhe que se começa com o bolo amarelo, que se considera zero por cento puro, e tem de se refinar até 93 por cento de pureza para conseguir uma qualidade apropriada para a bomba? Martin recordou o Dr. Hipwell, com a sua nuvem de fumo do cachimbo, que numa sala do subsolo de Whitehall dissera precisamente a mesma coisa. Sim, informaram-me disso. Mas não se preocuparam em acrescentar que a purificação de zero até vinte consome a maior parte do tempo? Não referiram que à medida que a pureza aumenta, o processo se torna mais rápido? Não. Pois é verdade. Se eu dispusesse de calutrões 6 centrifugadoras, não as poderia utilizar em tandem. Teria de o fazer em sequência. Faria circular o urânio básico através dos calutrões para o passar de zero a vinte ou talvez vinte e cinco por cento de pureza e depois usava-o para alimentar as novas cascatas. Porquê? Reduziria o tempo de refinação nas cascatas num factor de dez. Ponderou o que acabava de ouvir, enquanto Lomax chupava o cigarro. - Nesse caso, quando lhe parece que o Iraque poderá ter os trinta e cinco quilos de urânio puro? - Depende de quando começaram com os calutrões. Martin voltou a reflectir. Quando os "jactos" israelitas haviam destruído o reactor iraquiano de Osirak, Bagdade adoptara duas políticas: de dispersão e duplicação, espalhando os laboratórios por todo o país, para não poderem voltar a ser bombardeados e recorrendo a uma técnica de cobertura-de-todas-as--possibilidades na compra e experimentação. O bombardeamento de Osirak acontecera em 1981. Lomax pegou num pedaço de madeira pouco maior que uma lasca e começou a efectuar traços no chão. -Os tipos têm algum problema com o abastecimento de bolo amarelo, o alimento básico? - Não, o alimento abunda. 340 É natural-grunhiu.-Quase se pode comprar em qualquer supermercado. -Fez uma pausa e indicou a fotografia com o fragmento de madeira. -Isto mostra cerca de vinte calutrões. Eles não têm mais? Talvez tenham. Não o sabemos. Admitamos que se resumem a esses. Portanto, desde 1983? -É uma suposição básica. Continuou a riscar no chão com a madeira. ? -O nosso amigo Hussein tem escassez de energia eléctrica? Martin pensou na geradora de cento e cinquenta megavá-tios no lado do deserto oposto a Tarmiya e na sugestão do Buraco Negro de que o cabo seguia para lá pelo subsolo. De modo algum. Nós tínhamos. Os calutrões absorvem uma quantidade enorme para poderem funcionar. Em Oak Ridge, construímos a maior geradora alimentada a carvão jamais concebida, e mesmo assim tivemos de recorrer à rede pública -Lomax efectuou mais alguns traços no chão. -E a respeito de fio de cobre? Podiam comprá-lo no mercado aberto. Os ímanes gigantescos exigem milhares de quilómetros de fio de cobre. Durante a guerra, não conseguimos obtê-lo. -Era todo absorvido pela produção militar. Sabe como a Lawrence resolveu o problema? Não faço a menor ideia. --Pedimos emprestadas ao Forte Knox todas as suas barras de prata e fundimo-las para conseguir o fio. No final da guerra, devolvemos-lhas. -Completou os cálculos e endireitou-se.-Se reunissem vinte calutrões em 1983 e fizessem o bolo amarelo por eles até 1989, para depois pegarem em urânio puro a trinta por cento e alimentarem com ele a centrifugadora durante um ano, conseguiriam os seus trinta e cinco quilos com noventa e três por cento de pureza em Novembro. Deste ano? Não, meu amigo. Do ano passado. Martin consultou o relógio, quando iniciava a viagem de regresso. Meio-dia. Oito horas da noite em Londres. Paxman já devia ter abandonado o local de trabalho. Infelizmente, ele não sabia o seu número do apartamento. Podia aguardar doze horas em São Francisco ou partir já. Optou pela segunda alternativa e chegou a Heathrow às Onze da manhã de 28 de Janeiro, para se encontrar com Paxman às 12.30. Duas horas mais tarde, Steve Laing reunia-se de urgência com Harry Sinclair, na embaixada em Grosvenor Square, e, 341 às 15.00, o chefe de posto de Londres da CIA falava por uma linha directa e extremamente segura com o subdirector (Operações), Bill Stewart. Só na manhã de 30 de Janeiro, Bill Stewart conseguiu obter um relatório completo para o DCI. Webster. Bate tudo certo -comunicou ao antigo juiz do Kansas. -Enviei homens à cabina perto da montanha Cedar, e o velhote, Lamox, confirmou-o. Encontrámos o artigo original. Estava arquivado. Os registos de Oak Ridge corroboram esses discos e calu-trões. Como foi possível? -perguntou o DCI. -Como se explica que nunca nos déssemos conta? Bem, a ideia deve ter partido de Jaafar Al-Jaafar, o patrão iraquiano do programa. Além de Harwell, em Inglaterra, também se treinou no CERN, nos arrabaldes de Genebra. É um acelerador de partículas gigantescas. E daí? Os calutrões são aceleradores de partículas. De qualquer modo, toda a tecnologia dos calutrões passou ao domínio público, em 1949. Desde então, basta apresentar o pedido para a poder consultar. E os calutrões... onde foram comprados? Aos poucos, sobretudo à Áustria e França. As aquisições não despertaram suspeitas devido à natureza antiquada da tecnologia. A fábrica foi construída por jugoslavos. Como estes exigiram planos para se orientar, os iraquianos forneceram-lhes os de Oak Ridge. Explica-se assim que a Tarmiya seja uma réplica. Quando aconteceu tudo isso? -Em oitenta e dois. Por conseguinte, o que esse agente... como se chama?... Jericó O que ele comunicou corresponde à verdade? Limitou-se a revelar o que alegou ter ouvido Saddam Hussein dizer numa reunião secreta. Receio já não podermos excluir a possibilidade de que, desta vez, o homem não mentiu. E pusemo-lo a andar? Exigia um milhão de dólares por esta informação. Nunca pagámos uma quantia tão astronómica, e na altura parecia... Mas é uma pechincha atendendo à sua natureza. O DCI levantou-se e moveu-se em direcção à janela panorâmica. As faias estavam desnudas e, no vale, o Potomac deslizava em direcção ao mar. (") Director of Central Intelligence: Director da Informação Central. (N. do T.) 342 Providencie para que Chip Barber regresse a Riade e veja se existe alguma maneira de restabelecer o contacto com Jericó. Há um intermediário: um agente britânico infiltrado em Bagdade que se faz passar por árabe. Mas sugerimos à Century House que o mandasse sair de lá. Esperemos que ainda não o tenha feito. Precisamos de retomar os negócios com Jericó. Não se preocupe com os fundos. Eu autorizo-os. Onde quer que esse diabólico dispositivo esteja oculto, temos de o localizar e bombardeá-lo, antes que seja tarde. - Muito bem. Quem... quem vai informar os generais? Webster suspirou. - Avisto-me com Colin Powell e Brent Scowcroft, dentro de duas horas. "Antes tu do que eu", reflectiu Stewart, enquanto se retirava. CAPÍTULO 18
OS dois homens da Century House chegaram a Riade antes de Chip Barber, procedente de Washington. Steve Laing e Simon Paxman apresentaram-se antes da alvorada, depois de tomarem o voo da noite em Heathrow. O chefe de posto em Riade, Julian Gray, aguardava-os no seu habitual carro anónimo e levou-os à vivenda onde ele tinha virtualmente residido, apenas com visitas esporádicas para ver a esposa, durante cinco meses. Ficou surpreendido com o reaparecimento súbito de Paxman de Londres e ainda mais de Steve Laing, para coordenarem uma operação que fora encerrada. Na vivenda, por detrás de portas fechadas, Laing revelou a Gray a razão pela qual Jericó tinha de ser localizado e reactivado sem demora. Então, o filho da mãe sempre dizia a verdade! Temos de partir desse princípio, embora não disponhá-mos de provas -admitiu Laing. -Quando é o espaço de escuta de Martin? Entre as onze e um quarto e a meia-noite menos um quarto. Por razões de segurança, há cinco dias que não contactamos com ele. Contávamos que aparecesse na fronteira, a todo o momento. Esperemos que ainda não tenha saído de lá. De contrário, estamos enterrados em trampa até às orelhas. Haveria necessidade de o reinfiltrar, o que poderia demorar uma eternidade. Os desertos iraquianos estão cheios de patrulhas. Quantas pessoas estão ao corrente disso? -perguntou Gray. - O menor número possível, situação que se deve manter. Fora estabelecido um grupo de necessidade-de-saber muito restrito entre Londres e Washington, mas para os profissionais ainda era demasiado numeroso. Na capital americana, havia o 344 Presidente e quatro membros do seu gabinete, além do presidente do Conselho de Segurança Nacional e o dos chefes de Estado-Maior General. A estes deviam juntar-se quatro homens em Langley, um dos quais, Chip Barber, seguia para Riade. Ò infortunado Dr. Lomax tinha um hóspede indesejado na sua cabana, para se assegurar de que não se verificava o menor contacto com o mundo exterior. Em Londres, a notícia chegara ao conhecimento do Primeiro--Ministro, John Major, o secretário do gabinete, dois membros deste último, enquanto na Century House havia três homens ao corrente. Em Riade, havia agora três na vivenda do SIS e Barber, que não tardaria a juntar-se-lhes. Entre os militares, a informação limitava-se a quatro generais -três americanos e um britânico. O Dr. Terry Martin contraíra um acesso diplomático de gripe e residia confortávelmente numa casa segura do SIS no campo, cuidado por uma governanta de ares maternais e três vigilantes de tendências menos familiares. Doravante, todas as operações contra o Iraque respeitantes à localização e destruição do dispositivo que os aliados supunham ter a designação de código de Quth-ut-Allah, o Punho de Deus, seriam empreendidas sob a capa de medidas activas destinadas a liquidar o próprio Saddam Hussein ou qualquer outra razão plausível. Na verdade, já se haviam efectuado duas tentativas do género. Tinham sido identificados dois alvos em que o presidente iraquiano poderia residir, pelo menos temporariamente. Ninguém podia dizer com exactidão quando, porque ele se deslocava com a rapidez e subtileza de um fogo-fátuo de um esconderijo para outro, quando não se encontrava no bunker de Bagdade. Vigilância aérea constante concentrava-se nos dois lugares. Um era uma vivenda no campo a sessenta quilómetros de Bagdade e o outro um enorme lar móvel convertido numa caravana de guerra e centro de planeamento. Numa ocasião, os vigilantes aéreos tinham visto baterias de mísseis móveis e blindados ligeiros que se posicionavam em torno da vivenda. Uma esquadrilha de Strike eagles entrou em cena e destruiu-a. Tratava-se de um falso alarme -a ave não se encontrava naquela gaiola. Na segunda vez, dois dias antes do final de Janeiro, a enorme caravana fora vista mover-se para outro local. Seguiu-se novo ataque, com idêntico resultado. Em ambas as ocasiões, os pilotos expuseram-se a riscos elevados, pois a artilharia iraquiana ripostou furiosamente. 345
O malogro do extermínio do ditador deixou os aliados perante um dilema. Desconheciam por completo os movimentos exactos de Saddam Hussein. A verdade era que, à parte um número reduzido de guarda--costas pertencentes ao Amn-al-Khass, comandado pelo seu próprio filho, Kusay, ninguém fazia a menor ideia do paradeiro do Rais. Na realidade, transitava de um lado para o outro, a maior parte do tempo. Apesar da convicção de que se achava no seu bunker subterrâneo durante as incursões aéreas inimigas, não parava lá muito demoradamente. No entanto, a sua segurança estava garantida por uma série de elaborados estratagemas. Em várias ocasiões, era "visto" pelas suas próprias e entusiásticas tropas, quando na verdade não passava de um dos seus sósias, capazes de serem tomados por Saddam pelas pessoas que não pertencessem ao seu círculo íntimo. Não admirava, pois, que os aliados não conseguissem localizá-lo. Não obstante, tentaram... até à primeira semana de Fevereiro. A partir de então, foram canceladas todas as tentativas de assassínio, e os militares nunca compreenderam porquê. Chip Barber chegou à vivenda britânica em Riade pouco depois do meio-dia de final de Janeiro. Após as saudações da praxe, os quatro homens sentaram-se, dispostos a aguardar a hora em que tentariam contactar com Mike Martin, se ainda estivessem em Bagdade. Suponho que nos impuseram um prazo? -observou Laing. Vinte de Fevereiro. O general Schwarzkopf quer fazer avançar as suas tropas nessa data. Vinte dias. -Paxman assobiou em surdina. -O Tio Sam vai assumir a responsabilidade? Exacto. O director já autorizou a transferência de um milhão de dólares para a conta de Jericó. Pela localização do dispositivo infernal, admitindo que existe e é só um, pagaremos ao filho da mãe cinco milhões. Cinco milhões de dólares? -exclamou Laing.-Mas nunca ninguém pagou tanto por informações confidenciais. Que quer? -Barber encolheu os ombros. -Jericó é um mercenário. Só lhe interessa o dinheiro. Então, que o mereça. Há um estratagema no meio de tudo isto. Os árabes regateiam e nós não. Cinco dias depois de ele receber a mensagem, bai- 346 xamos a fasquia meio milhão cada vinte e quatro horas, até que ele nos forneça a localização exacta. Os três ingleses entregaram-se a reflexões sobre a quantia que representava muito mais do que os salários de todos durante uma vida inteira. - Bem, isso deve acelerar-lhe a marcha -reconheceu, por fim, Laing. A mensagem foi redigida durante o fim da tarde e princípio do serão. Primeiro, tinha de ser estabelecido contacto com Mike Martin, o qual deveria confirmar em linguagem codificada que ainda se encontrava lá e desfrutava de liberdade. Depois, Riade revelar-lhe-ia a oferta a Jericó pormenorizadamente e salientaria a urgência da operação. À hora do jantar, comeram quase por mera formalidade, dominados pela tensão que imperava na sala. Às sete e meia, Simon Paxman dirigiu-se à cabana da rádio com os outros e pronunciou a mensagem para o gravador, que lhe acelerou a velocidade e reduziu para dois segundos de duração. Dez segundos depois das onze e um quarto, foi enviado um breve sinal, que significava "Está à escuta?". Três minutos mais tarde, registou-se uma minúscula "erupção". O prato do satélite captou-a e quando foi reduzida à velocidade normal soou a voz de Mike Martin: "Urso Preto à Montanha Rochosa. Escuto." Houve uma explosão de alívio na vivenda em Riade. - Tem-se mantido lá durante catorze dias -admirou-se Barber. -Por que carga de água não se pôs a andar, quando lho ordenámos? - Porque é casmurro -murmurou Laing.-E ainda bem. Entretanto o radiotelegrafista enviava nova mensagem. Precisava de cinco palavras de confirmação, embora o oscilógrafo lhe indicasse que o tipo de voz condizia com o de Martin e este não se exprimia sob pressão. Com efeito, catorze dias são mais do que o suficiente para abalar o espírito de um homem. A mensagem era tão breve quanto possível nas circunstâncias: "De Nelson e do Norte, repito, de Nelson e do Norte. Terminado." Escoaram-se mais cinco minutos. Em Bagdade, Martin agachava-se no chão da sua barraca no recinto da embaixada soviética. Depois de escutar o blip de som fugaz, proferiu a resposta, comprimiu-a na habitual "erupção" e transmitiu-a para a capital saudita. Os três homens ouviram-no dizer: "Cantemos o nascer do brilhante dia." O radiotelegrafista sorriu. 347 É ele, sem a menor dúvida. Vivo em liberdade. Isso é algum poema?-perguntou Barber. -Sim, o segundo verso, que diz na realidade: "Cantemos o nascer do novo dia." Se o pronunciasse correctamente, significaria que tinha uma arma apontada à cabeça. O radiotelegrafista enviou a mensagem final e cortou a comunicação. Talvez não obedeça aos costumes locais -disse Barber, abrindo a pasta-, mas a vida diplomática goza de certos privilégios. Ena, Dom Perignon! -exclamou Gray. -Langley pode permitir-se esses luxos? Langley acaba de atirar cinco milhões de notas verdes para a mesa de póquer. Por conseguinte, acho que pode oferecer-lhes umas gotas da rija. É uma atenção inesperada -comentou Paxman, secamente. Uma única semana produzira uma transformação quase radical em Edith Hardenberg -ou melhor, uma semana e os efeitos de estar apaixonada. Graças ao encorajamento moderado de Kárim, visitara um cabeleireiro em Grinzing, que lhe conferira um aspecto totalmente diferente à cabeça. Por outro lado, o amante orientou-a na escolha de uma larga variedade de produtos de beleza e modo correcto e mais eficiente de os aplicar. No banco, Wolfgang Gemutlich assistia à metamorfose com estupefacção crescente, acentuada pela segurança, até então inexistente, com que se comportava no trabalho. Todavia, ele julgava saber o que sucedera. Uma das estouvadas colegas convencera-a a entrar em despesas. Sim, a chave de tudo residia nisso: gastar dinheiro. E a experiência ensinara-lhe que o corolário de semelhante maneira de proceder só poderia consistir no infortúnio, o que o levava a recear o pior. A timidez natural dela não se evaporara por completo, pelo menos no banco. Mas na presença de Karim, quando se encontravam sós, revelava uma exuberância que a surpreendia. Por conseguinte, as sessões de amor passaram gradualmente de unilaterais para uma entusiástica e arrebatadora participação mútua. Na noite de 3 de Fevereiro, ele apresentou-se no apartamento com uma caixa oblonga envolta em papel brilhante e uma fita artística. 348 Não deves fazer isto, Karim. Gastas demasiado dinheiro. O meu pai não tem problemas materiais -replicou ele, tomando-a vigorosamente nos braços. -Concede-me uma mesada generosa, como sabes. Preferias que a gastasse em boi t es? -Não sejas tonto. -Edith pegou na caixa. -Posso ver o que é? - Foi para isso que o trouxe. A princípio, não compreendeu de que se tratava. O conteúdo parecia constituir um conjunto de sedas, rendas e diferentes cores. Quando se lhe fez luz no espírito, porque vira anúncios em revistas, corou com intensidade. Oh, não posso, Karim! Nem pensar! Podes, sim. Vai para o quarto e vê se te servem. Prometo não espreitar. Pousou a oferta na cama e contemplou-a com enlevo. ela, Edith Hardenberg, usar aquilo? Nunca! Havia meias, porta-ligas, cuecas, soutiens e camisas de dormir curtíssimas. Manteve-se quase uma hora fechada no quarto, até que, envolta num roupão, abriu a porta. Karim pousou a chávena de café, levantou-se, aproximou-se e olhou-a por um momento. Em seguida, estendeu a mão para o cinto do roupão e desfez lentamente o nó. Ela tornou a corar, mas não se opôs. -Tens um aspecto sensacional, gatinha -sussurrou Karim. Depois de fazerem amor, Edith levantou-se da cama e dirigiu-se à casa de banho. Quando reapareceu, acercou-se dele, que continuava deitado, sentou-se na borda da cama e fez deslizar o dedo ao longo da leve cicatriz que tinha num dos lados do queixo, resultante de uma queda que dera na estufa de flores do pai, em Amman. Ele sorriu, pegou-lhe na mão e acariciou o anel que ela usava no dedo mindinho, oferecido pela mãe. Que fazemos esta noite?-perguntou ela. Vamos sair. Ao Bristol, por exemplo. Comes demasiados bifes. Karim desferiu-lhe uma leve palmada na coxa. São estes bifes que mais aprecio. Bem, vou-me vestir. Edith levantou-se e observou-se ao espelho. Como podia ter mudado tanto? Como conseguira convencer-se a usar lingerie? De súbito, compreendeu. Fizera-o por Karim. Por ele, não recuaria perante qualquer sacrifício. O homem que amava e lhe retribuía o afecto, merecia tudo dela. 349 ;: Departamento de Estado dos Estados Unidos 1 Washington, DC 20520 -?.-. MEMORANDO PARA: James Baker, Secretário de Estado DE: Grupo Político de Contra-Espionagem e Análise ASSUNTO: Assassínio de Saddam Hussein DATA: 5 de Fevereiro de 1991 : cvs CLASSIFICAÇÃO: Só para os olhos ; , ; ; Decerto não lhe passou despercebido que, desde o início das hostilidades entre as Forças Aéreas da Coligação provenientes da Arábia Saudita e Estados vizinhos e a República do Iraque, se efectuaram duas, provavelmente mais, tentativas para, eliminar o presidente iraquiano Saddam Hussein. Foram todas perpetradas por meio de bombardeamento aéreo e exclusivamente pelos Estados Unidos. Por conseguinte, este grupo considera urgente enumerar as prováveis consequências de uma tentativa bem sucedida para assassinar o referido dirigente do Iraque. A sequela natural seria, obviamente, que o regime que sucedesse à actual ditadura do partido Baath se achasse sob os auspícios das forças da Coligação e assumisse a forma de um governo humano e democrático. Estamos convencidos de que semelhante esperança é enganadora. Em primeiro lugar, o Iraque não é, nunca foi, um país unido. Há pouco mais de uma geração, não passava de um ninho de lutas entre tribos rivais. Contém, em partes quase iguais, duas seitas potencialmente hostis do Islão, as fés sunitas e xiitas, além de três minorias cristãs, a que se deve juntar a nação curda, a forte, vigorosamente empenhada na obtenção da independência. Em segundo, nunca houve a mais remota experiência de democracia no país, que passou de turco para haxemita e para o domínio do partido Baath, sem o benefício de um interlúdio de democracia como nós a entendemos. Assim, na eventualidade do termo repentino da actual ditadura através do assassínio, há dois cenários realistas. O primeiro consiste numa tentativa para impor do exterior um governo de consenso que abarcasse todas as principais facções em termos de uma coligação de base ampla. Em conformidade com a óptica deste grupo, uma estrutura dessa natureza sobreviveria no poder por um lapso de tempo extremamente limitado. As tradicionais e antigas rivalidades não tardariam a destruí-la. Os curdos aproveitariam a oportunidade, negada desde 350 longa data, para optar pela secessão e estabelecimento da sua própria república no norte. Um governo central fraco em Bagdade baseado no acordo por consenso seria impotente para impedir essa tendência. A reacção turca seria previsível e furiosa, porque a sua própria minoria curda ao longo do território fronteiriço se apressaria a juntar às do outro lado da fronteira para uma resistência reforçada ao domínio turco. A sueste, a maioria xiita em torno de Basra e Shatt-al-Arab encontraria bons motivos para efectuar aberturas a Teerão. O Irão sentir-se-ia tentado a vingar a chacina dos seus jovens na recente guerra Irão-iraque, aceitando-as, na esperança de anexar o sueste iraquiano em face da incapacidade de Bagdade. Os Estados do Golfo pró-ocidentais e a Arábia Saudita precipitar-se-iam em algo muito próximo do pânico ante a perspectiva de o Irão se aproximar da fronteira do Koweit. Mais a norte, os árabes do Arabistão iraniano fariam causa comum com os seus homólogos do outro lado da fronteira, no Iraque, atitude que seria vigorosamente reprimida pelo Ayatollah, em Teerão. Temos assistido com preocupação crescente à guerra civil entre sérvios e croatas, na antiga Jugoslávia. Até agora, a luta não se estendeu à Bósnia, onde aguarda uma terceira força sob a forma dos muçulmanos bósnios. Quando chegar aí, como acabará por acontecer, a chacina será ainda mais implacável. Não obstante, este grupo crê que quanto se passa na Jugoslávia ficará a perder de vista em comparação com o cenário agora desenhado de um Iraque em desintegração total. Em semelhante eventualidade, podemos contar com uma guerra civil em território iraquiano e áreas circundantes e desestabilização total do Golfo. Só o problema dos refugiados atingiria cifras astronómicas. O único outro cenário viável consiste em Saddam Hussein ser sucedido por um general ou membro de alto nível da hierarquia do Baath. No entanto, como todos eles são tão sanguinários como o actual Rais, torna-se difícil descortinar que vantagens adviriam da substituição de um monstro por outro. A solução ideal, embora de modo algum perfeita, tem, pois, de sér a conservação do statu quo no Iraque, com a supressão de todas as armas de destruição maciça e o poder convencional degradado ao ponto de não constituir uma ameaça para um Estado vizinho durante o mínimo de uma década. Poderá argumentar-se que a persistência das infracções aos direitos humanos por parte do presente regime iraquiano, se se lhe permitir a sobrevivência, se tornará ainda mais preocupante. Sem a menor dúvida. Contudo, o Ocidente tem assis- 351 tido a eventos terríveis na China, Rússia, Vietname, Tibete, Timor Leste, Camboja e muitas outras partes do mundo. Não é possível aos Estados Unidos impor humanidade a escala universal, a menos que estejam dispostos a participar numa guerra global permanente. O resultado menos catastrófico da actual guerra no Golfo e eventual invasão do Iraque consiste, portanto, na sobrevivência no poder de Saddam Hussein como único chefe de um território iraquiano unificado, embora militarmente castrado com vista a uma agressão estrangeira. Por todas as razões expostas, este grupo recomenda o termo de todos os esforços para assassinar o Rais do Iraque ou marchar sobre Bagdade e ocupar o país. Respeitosamente,