ColecçÃo dois mundos frederick forsyth o punho de deus cmpv tradução livros do brasil lisboa rua dos Caetanos



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33 pequeno punhado de pessoas. Não um projecto de engenharia civil, mas militar. Pode ser? O General Ali Musuli, da unidade de engenharia, empertigou-se e fixou o olhar no peito do Presidente. Com o maior orgulho, Sayid Rais. Escolha o seu melhor homem. Sei quem é, sayidi. Um coronel. Brilhante na construção e logro. O russo Stepanov disse que era o seu melhor aluno de maskírovka de todos os tempos. Nesse caso, que venha à minha presença. Não aqui, mas em Bagdade, dentro de dois dias. Eu próprio o nomearei. É um servidor fiel? Leal ao partido e à minha pessoa? Totalmente, sayidi. Morreria pelo seu Presidente. Assim como todos vós, espero. -Registou-se uma pausa e Saddam acrescentou com brandura: -Confiemos em que a situação não chegue a esse ponto. Como ponto final da reunião, funcionou perfeitamente. O Dr. Gerry Buli regressou a Bruxelas a 17 de Março, exausto e deprimido. Os colegas pensavam que a depressão se devia ao seu desaire na China. Mas havia algo mais. Desde que chegara a Bagdade, mais de dois anos atrás, deixara-se convencer, porque se tratava do que queria acreditar, que o programa dos foguetes e a peça Babilónia se destinavam ao lançamento de pequenos satélites com instrumentos para a órbita da Terra. Compreendia pelo menos os enormes benefícios em amor-próprio e orgulho para todo o mundo árabe, se o Iraque lograsse a proeza. Além disso, resultaria lucrativo e abriria o caminho para que o país lançasse satélites de comunicações e meteorológicos para outras nações. Segundo ele entendera, o plano consistia em a peça Babilónia disparar o seu míssil-satélite para sudoeste, sobre o resto do território iraquiano, a Arábia Saudita e o sul do Oceano Índico, até ficar em órbita. Fora para isso que Buli o concebera. Vira-se obrigado a concordar com os colegas em que nenhuma nação ocidental o encararia desse modo. Depreenderiam que se tratava de uma arma militar. Daí o subterfúgio de encomendar as peças para formar o cano, a culatra e o mecanismo de recuo. Somente ele, Gerald Vincent Buli, conhecia a verdade, que era muito simples: não poderia ser utilizada como arma de lançamento de obuses explosivos convencionais, por gigantescos que fossem. Antes de qualquer outra consideração, a peça Babilónia de cano de 156 metros não podia permanecer rígida sem apoios. Precisava de um munhão, ou apoio, ao longo das 26 secções 34 do cano, mesmo que, como previa, este último se situasse num ângulo de 45 graus com a montanha. Sem eles, o cano tombaria como um esparguete amolecido e desconjuntar-se-ia à medida que as junções se abrissem. Por conseguinte, não podia aumentar ou diminuir a sua elevação ou deslocar-se lateralmente. E, portanto, ficaria impossibilitada de atingir uma variedade de alvos. Para modificar o ângulo -para cima e para baixo ou para os lados -teria de ser desmontada, o que consumiria semanas. Mesmo para proceder à limpeza e recarregá-la entre dois disparos demoraria duas semanas. Por outro lado, os repetidos disparos desgastariam o altamente dispendioso cano. Por último, a Babilónia não podia ser oculta a um contra--ataque. Cada vez que disparasse, uma coluna de chamas com 90 metros de altura brotaria do cano, visível de todos os satélites e aviões. As suas coordenadas estariam em poder dos americanos dentro de escassos segundos. E as ondas de choque da reverberação seriam captadas por qualquer bom sismógrafo em lugares tão distantes como a Califórnia. O problema de Buli consistia em que, depois de dois anos no Iraque, chegara à conclusão de que, para Saddam Hussein, a ciência só tinha uma aplicação-nas armas de guerra e poder que elas proporcionavam, e nada mais. Então, por que carga de água financiava a Babilónia? Só poderia ser disparada uma vez antes que bombardeiros de retaliação a reduzissem a fragmentos, e apenas um satélite ou um obus convencional. Foi na China, na companhia do cordial George Wong, que decifrou o mistério. Seria a última equação que resolvia. 35

CAPÍTULO 2



O longo Ram Charger rolava velozmente na auto-estrada de Qatar em direcção a Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos. O condicionador de ar mantinha o interior fresco, e o condutor dispunha dos acordes dos seus números de música country favoritos a fazer vibrar a atmosfera, provenientes do leitor de cassettes, a recordarem-lhe a terra nata!. Depois de Ruweis, havia o campo aberto, com o mar à esquerda visível apenas intermitentemente entre as dunas, e à direita o vasto deserto que se estendia em centenas de arenosos e inóspitos quilómetros no sentido de Dhofar e o Oceano Índico. Sentada ao lado do marido, Mrs. Maybelle Walker contemplava, extasiada, o deserto ocre-castanho que parecia fervilhar ao sol do meio-dia. Ele, Ray, conservava o olhar fixo na estrada. Consagrado à exploração petrolífera desde sempre, cansara-se de ver desertos. "Quem vê um vê todos", costumava resmungar, quando a esposa emitia uma das suas frequentes exclamações de admiração perante vistas e sons inteiramente novos para ela. No entanto, para Maybelle Walker, era tudo novidade e, embora colocasse na bagagem, antes da partida de Oklahoma, medicamentos em quantidade suficiente para abrir uma sucursal da Eckerd, adorara cada minuto da digressão de duas semanas ao Golfo Arábico. Tinham começado no norte, no Koweit, seguido para sul em direcção à Arábia Saudita, atravessado Khafji e Al-Khobar, cruzado a área pantanosa até ao Bahrain, depois retrocedido através de Qatar e entrado nos EAU. Em cada paragem, Ray Walker procedera a uma "inspecção" superficial da delegação da sua companhia -razão aparente da viagem -, enquanto ela recorria a um guia e visitava os pontos de interesse turístico. Sentia-se muito corajosa ao percorrer as ruas estreitas tendo apenas um homem branco como companhia, inconsciente de que 36

correria muito mais perigo em qualquer das cinquenta cidades americanas do que entre árabes do Golfo. O que via encantava-a, na sua primeira e provavelmente última viagem fora dos Estados Unidos. Admirava os palácios e minaretes, maravilhava-se com a torrente de ouro exposta nos souks e abismava-se com a vaga de rostos e vestes multicoloridas que redemoinhavam à sua volta, nos bairros antigos. Tirara fotografias a tudo e todos para poder mostrar no Clube das Senhoras na terra natal onde estivera e o que vira, e prestara a devida atenção à recomendação do representante da companhia em Qatar para não fotografar um árabe do deserto sem a sua autorização, pois alguns ainda acreditavam que a objectiva de uma máquina capturava parte da alma da pessoa visada. Recorda a si própria com frequência que era uma mulher feliz e dispunha de muitos motivos para tal. Casara quase logo após o liceu com o homem que a acompanhava regularmente durante cerca de dois anos e desfrutava de uma posição sólida numa empresa petrolífera de que agora era vice-presidente. Possuíam uma bela vivenda nos arrabaldes de Tulsa e uma casa de praia para as férias em Hatteras, entre o Atlântico e Pamlico Sound, no norte da Califórnia. Fora um bom matrimónio de trinta anos, recompensado com um belo filho. E, agora, isto: uma digressão de duas semanas, a expensas da firma, através daquela mescla de vistas, sons, cheiros e experiências exóticas de outro mundo -o Golfo Arábico. A estrada é boa -observou, enquanto subiam uma encosta sob o sol ardente. Se a temperatura dentro do carro não excedia os vinte graus, ultrapassava sem dúvida os quarenta no deserto. Nem se podia esperar outra coisa -redarguiu o marido. -Fomos nós que a construímos. A companhia? Não. O Tio Sam, gaita. Ray Walker tinha o hábito de acrescentar a palavra "gaita", quando fornecia uma informação. Conservaram-se imersos em sociável silêncio, enquanto Tommy a aconselhava a apoiar sempre o seu homem, (6) como ela nunca deixara de fazer e tencionava continuar assim ao longo da aposentação. Com cerca de sessenta anos, Ray Walker entrara nesse período com uma pensão substancial e alguns excelentes títulos da Bolsa, além de que a companhia, como prova de gratidão, lhe oferecera uma viagem em primeira classe, com todas as H Alusão a uma passagem da canção Stand By your man, popularizada nos anos setenta. (N. do T.) 37 despesas pagas, ao Golfo, para "inspeccionar" as várias dependências ao longo da costa. Embora também nunca tivesse visitado a área, via-se forçado a admitir que se sentia menos impressionado do que a esposa com o que se lhe deparava, mas congratulava-se com a satisfação dela. Ansiava por visitar Abu Dhabi e Dubai o mais rapidamente possível e embarcar no avião com destino aos Estados Unidos, com escala em Londres. Aí, ao menos, poderia pedir um Bud gelado sem ter de o fazer à socapa numa delegação da companhia. O islão podia ser muito agradável para algumas pessoas, mas depois de permanecer nos melhores hotéis do Koweit, Arábia Saudita e Qatar e ser informado de que não serviam bebidas alcoólicas, ele perguntava-se que espécie de religião era aquela que impedia uma pessoa de tomar uma cerveja fria num dia escaldante. Trajava como considerava próprio de um homem ligado a assuntos petrolíferos no deserto-botas altas, jeans, cinturão, camisa e Stetson, O que não se tornava inteiramente necessário, pois era na realidade um químico do controlo de qualidade. Consultou o conta-quilómetros: faltavam cento e vinte quilómetros para o desvio de Abu Dhabi. Vou parar para urinar, querida -anunciou a meia-voz. Mas tem cuidado -advertiu Maybelle.-Deve haver escorpiões por aí. Duvido que possam dar saltos de mais de meio metro de altura-replicou ele, e soltou uma gargalhada com o comentário jocoso. Ser mordido por um escorpião na ponta do membro... Não podia deixar de contar essa aos rapazes, quando regressasse. - És terrível, Ray -acusou ela, mas também achou graça. O marido encostou o Ram Charger à berma da estrada deserta, desligou o motor e abriu a porta. A onda de calor irrompeu para o interior do carro como se proviesse de uma fornalha. Após um segundo de hesitação, apeou-se e tratou de fechar a porta imediatamente, para impedir a saída do ar fresco que restava. Maybelle conservou-se sentada, enquanto Ray se encaminhava para a duna mais próxima e puxava o fecho da braguilha. De súbito, arregalou os olhos na direcção do pára-brisas e murmurou: -Não posso perder isto, meu Deus. -Pegou na Pentax, 7) Chapéu de feltro de configuração similar ao dos vaqueiros. (N. do T.) 38

abriu a porta do seu lado e saiu. -Achas que ele se importa se o fotografar, Ray? Este, que se voltava para o outro lado, entretido a conceder uma das maiores satisfações de um homem de meia-idade, replicou: - Vou já, querida. A quem te referes? O beduíno encontrava-se no meio da estrada, aparentemente procedente de entre duas dunas, tendo surgido como que por artes mágicas. Maybelle Walker conservava-se junto do pára--choques da frente, de máquina fotográfica na mão, indecisa. O marido deu meia volta, ao mesmo tempo que puxava o fecho da braguilha para cima, e fixou o olhar no homem. - Não sei. Suponho que não. Mas não te aproximes muito. É capaz de ter pulgas. Vou ligar o motor. Tira a fotografia e se ele reagir mal salta para dentro. Depressa. Instalou-se ao volante e ligou o motor, com o que o con-dicionadòr de ar recomeçou a funcionar, o que constituiu um alívio. Maybelle Walker deu alguns passos para a frente e levantou a máquina fotográfica à altura do rosto. - Posso tirar-lhe o retrato?-aventurou. -Máquina fotográfica? Fotografia? Um estalido, e já está. Para o meu álbum de recordações. O homem permanecia imóvel e calado, fitando-a sem pestanejar. O outrora branco djellaba, cheio de nódoas e pó, prolongava-se dos ombros até quase aos pés, enquanto o keffiyeh lhe cobria o rosto, do nariz até ao pescoço. Os olhos negros brilhavam como carbúnculos. Maybelle já dispunha de muitas fotos para enriquecer o álbum, mas nenhuma de um beduíno tendo o deserto como pano de fundo. Corrigiu a posição da máquina fotográfica, sem que o homem se movesse. Enquanto espreitava pelo visor, perguntava-se se conseguiria alcançar o carro a tempo, se o árabe se precipitasse para ela. Clique. - Muito obrigada -agradeceu, em voz não totalmente firme. Ele mantinha-se imóvel. Maybelle começou a recuar em direcção ao carro, com um sorriso. "Sorria sempre", recordava-se de ter lido no Readers Digest, como recomendação aos americanos quando confrontados por alguém que não falava inglês. - Acaba lá com isso, querida -chamou o marido. - Acho que não há novidade -disse ela, abrindo a porta. A cassette chegara ao fim, enquanto ela tirava a fotografia, o que desligou automaticamente o rádio. A mão de Ray Walker 39 estendeu-se para a ajudar a subir para o carro, que em seguida se pôs velozmente em marcha. O árabe viu o carro afastar-se, encolheu os ombros e encaminhou-se para detrás da duna onde estacionara o seu Land--Rover camuflado. Instantes depois, abandonava igualmente o local, rumo a Abu Dhabi. Para quê tanta pressa? -perguntou Maybelle.-Ele não tencionava atacar-me. Não é isso que me preocupa. -Ray Walker assumira uma expressão grave, preparado para enfrentar qualquer emergência internacional. -Seguimos para Abu Dhabi e tomamos o primeiro avião para casa. O Iraque invadiu o Koweit, esta manhã, gaita. Os tipos podem chegar aqui a todo o momento. Eram dez horas da manhã, tempo do Golfo, de 2 de Agosto de 1990. Doze horas antes, o coronel Osman Badri aguardava, tenso e excitado, junto de um tanque de combate T-72, perto de um pequeno aeródromo chamado Safwan. Embora o ignorasse na altura, a guerra pela posse do Koweit começaria e terminaria aí, em Safwan. Ao lado do aeródromo, que tinha pistas, mas nenhuma construção, estendia-se, a auto-estrada norte-sul. Na parte norte, que ele percorrera três dias atrás, situava-se a encruzilhada onde os viajantes podiam seguir para leste em direcção a Basra ou noroeste, rumo a Bagdade. Na parte sul, a estrada prolongava-se directamente através do posto fronteiriço do Koweit, a oito quilómetros de distância. Do ponto onde se encontrava, voltado para sul, ele avistava o ténue clarão de Jahra e, para além, do outro lado da baía, as luzes da cidade do Koweit. Estava excitado, porque chegara a hora da sua pátria. O momento de castigar a escumalha koweitiana pelo que fizera ao seu país, pela guerra económica não declarada, pelos prejuízos financeiros e pela extraordinária arrogância. Ao longo de oito sangrentos anos, o Iraque impedira as hordas da Pérsia de invadir o norte do Golfo e pôr termo ao seu luxuoso estilo de vida. E a recompensa de agora consistia em assistir impassível, enquanto os koweitianos se apoderavam de uma porção muito superior à que lhes competia do petróleo do campo partilhado de Rumailah. Deveriam limitar-se a uma posição quase de indigência, ao mesmo tempo que o Kcweit excedia as suas quotas de produção e aviltava os preços? Deveriam sucumbir docilmente, enquanto os cães de Al Sabah insistiam no pagamento do miserável empréstimo de quinze milhares de milhões de dólares concedido ao Iraque durante a guerra? 40

Não, o Rais abarcara a situação da forma correcta, como sempre. O Koweit era, historicamente, a décima nona província do Iraque -sempre fora, até que os ingleses tinham traçado a maldita divisória na areia, em 1913, e criado o emirado mais próspero do mundo. Agora, o Koweit seria reclamado, naquela noite, e Osman Badri faria parte da operação. Como engenheiro do exército, não se encontraria nas primeiras linhas, mas achar-se-ia perto, com as suas unidades de sapadores, tractores e outro material irresistível, para rasgarem o caminho, se porventura os koweitianos tentassem bloqueá-lo. Em todo o caso, o reconhecimento aéreo não revelara qualquer obstrução. Não obstante, as tropas de engenharia estariam presentes, comandantes por Osman Badri, para abrir o caminho aos blindados e infantaria motorizada da guarda republicana. A poucos metros do lugar em que se encontrava, a tenda do comando de campanha estava cheia de oficiais superiores, que se debruçavam sobre mapas e introduziam pequenas alterações de última hora no plano de ataque, enquanto aguardavam a ordem para avançar do Rais, em Bagdade. Osman Badri já trocara impressões com o seu comandante--general Ali Musuli, responsável por todo o corpo de engenharia do exército iraquiano, ao qual devia obediência absoluta por o ter recomendado para o "serviço especial", em Fevereiro passado. Pudera assim assegurar ao chefe que os seus homens estavam totalmente equipados e prontos para entrar em acção. Enquanto conversava com Musuli, aparecera outro general e fora apresentado a Abdullah Kadiri, comandante da unidade de blindados. Vira, à distância, o genera) Saadi Tumah Abbas, comandante da elite da guarda republicana, entrar na tenda. Na sua qualidade de membro leal do partido e idólatra de Saddam Hus-sein, ficara perplexo ao ouvir Kadiri articular entre dentes "oportunista político". Como se podia admitir uma coisa daquelas? Porventura Tumah Abbas não era íntimo de Saddam Hussein, recompensado por ter vencido a batalha crucial de Fao, que assinalara a derrota final dos iranianos? O coronel Gadri afastara do espírito a ideia de que a vitória se devera ao agora general Maher Rashid. À sua volta, soldados e oficiais das divisões de Tawakkulna e Wledina da Guarda achavam-se reunidos em número elevado, na escuridão. Os pensamentos dele recuaram à memorável noite de Fevereiro em que o general Musuli o afastara do seu cargo. Achava-se convencido de que seria agora reintegrado. -O Presidente quer falar consigo -anunciou Musuli, bruscamente.-Mandá-lo-á chamar. Vá para as instalações dos oficiais e esteja disponível dia e noite. Badri mordeu os lábios. Que fizera? Que dissera? Nada de 41 menos leal, sem margem para a mínima dúvida. Teria sido falsamente denunciado? Não, o Presidente não pretenderia falar com alguém em semelhante situação. O infractor ver-se-ia simplesmente nas mãos dos brutais agentes da Brig, a temível Amn-al-Amm de Khatib, para ser-lhe administrada uma lição. Ao ver-lhe a expressão apreensiva, Musuli rompeu a rir, os dentes brilhantes sob o espesso bigode preto que muitos oficiais usavam em imitação ao de Saddam Hussein. - Não se preocupe. Ele tem uma missão para si. Uma missão especial. E tinha, de facto. Menos de vinte e quatro horas mais tarde, Badri fora chamado às instalações dos oficiais superiores, onde o aguardava um longo carro de comando preto, com dois homens da Amn-al-Khass, brigada de guarda-costas do Presidente. Conduziram-no directamente ao palácio presidencial para o encontro mais emocionante e momentoso da sua vida. O palácio situava^se então na esquina das ruas Kindi e 14 de Julho, perto da ponte do mesmo nome, que assinalava a data do primeiro dos dois coups de Julho de 1968, o qual levara ao poder o Partido Baath e pusera termo ao domínio dos generais. Badri foi introduzido numa sala de espera, onde o conservaram durante duas horas. Revistaram-no minuciosamente duas vezes, antes de ser levado à presença do Presidente. No momento em que os guardas que o ladeavam se detiveram, apressou-se a imitá-los, após o que procedeu à saudação, que se prolongou por três segundos, e retirou o barrete da cabeça, para o colocar debaixo do braço. Em seguida, conservou-se perfilado. - Com que então, é você o génio maskirovka, hem? Haviam-lhe recomendado que não fitasse o Rais nos olhos, mas quando este se lhe dirigiu não o pôde evitar. Saddam Hussein estava bem disposto. O olhar do jovem oficial na sua frente brilhava de amor e admiração, óptimo, não tinha nada a temer dele. E, em tom pausado, revelou ao engenheiro o que pretendia, enquanto o peito deste último se dilatava de orgulho e gratidão. Ao longo de cinco meses, esforçara-se por cumprir o prazo impossível e conseguira-o com dois dias de antecedência. Dispunha de todas as facilidades que o Rais lhe prometera. Tudo e toda a gente se encontravam ao seu dispor. Se necessitasse de mais aço ou betão, bastar-lhe-ia telefonar a Kamil para o seu número secreto, e o genro do Presidente trataria de o comprazer imediatamente através dos recursos do Ministério da Indústria. Se precisasse de mais mão-de-obra, enviar-lhe-iam centenas de operários, sempre coreanos ou vietnamitas. 42

À parte os coolies, (8) ninguém utilizava a estrada, pois esta, que seria mais tarde destruída, destinava-se apenas aos camiões que transportavam material. Todos os outros seres humanos, à excepção dos condutores de pesados, chegavam em helicópteros russos MIL, e só depois de se acharem no seu destino retiravam as vendas aos passageiros, operação que se repetia no regresso. Esta maneira de proceder tanto se aplicava ao iraquiano mais humilde como ao mais importante. Fora o próprio Badri que escolhera o local, após dias de reconhecimento aéreo de helicóptero nas montanhas. Acabara por optar pela área elevada na Jebal Hamreen, onde as colinas da cordilheira Hamreen se convertiam num maciço, sobranceiro à estrada para Saluaymaniyam. Ele trabalhara vinte horas diárias, dormira desconfortavelmente no local, maltratara, ameaçara, bajulara e subornara os seus homens para que operassem maravilhas, do que redundara a conclusão dos trabalhos antes do termo de Julho. Em seguida, haviam sido removidos todos os vestígios do que acontecera, sobretudo o mínimo fragmento de aço susceptível de reflectir os raios solares e despertar a atenção de alguma personagem indesejável que sobrevoasse o local. As três aldeias em redor tinham sido completadas e habitadas, com as suas cabras e ovelhas. Por último, a estrada foi eliminada total e eficientemente e a paisagem readquiriu o aspecto primitivo. Ou quase. Com efeito, ele, Osman Badri, coronel de engenharia, herdeiro da perícia que contribuíra para erigir Nínive e Tiro, estudioso do grande Stepanov da Rússia, mestre de maskirovka, a arte de dissimular algo para que parecesse outra coisa ou absolutamente nada, construira para Saddam Hussein a Qaala, a Fortaleza. Ninguém a podia ver, nem sabia onde se situava. Antes do seu encerramento, assistira à montagem do impressionante canhão cujo cano parecia alcançar as estrelas. Quando tudo ficou concluído, partiram todos, ficando apenas a guarnição, que viveria aí. Ninguém sairia a pé. Quem tivesse de chegar ou partir, fá-lo-ia de helicóptero, e sempre de olhos vendados. Os pilotos e tripulantes permaneceriam encerrados numa única base aérea, sem visitas nem telefone. Assim, com a paisagem em volta restituída ao aspecto anterior, a Fortaleza foi abandonada ao seu isolamento. Embora não fosse do conhecimento de Badri, os operários que tinham chegado de camião tinham sido levados neste meio de transporte e depois transferidos para autocarros com janelas opacas. Num local isolado, os veículos, que continham três mil (8) Trabalhadores assalariados, indianos ou chineses. (N. do T.) 43 trabalhadores asiáticos, detiveram-se e os guardas abandonaram-nos. Quando as explosões abalaram os montes circundantes, ficaram sepultados para sempre. Depois, os guardas foram abatidos por outros. Todos tinham visto a Qaala. As evocações de Badri foram interrompidas por uma erupção de gritos provenientes da tenda de comando, e circulou o aviso de que chegara o momento do ataque. Ele correu para o seu camião e subiu para o lugar do passageiro, ao mesmo tempo que o condutor ligava o motor. A viatura conservou-se imóvel, enquanto as duas divisões da Guarda que precederia a invasão enchiam a atmosfera de ruído" e os T-72 russos abandonavam o aeródromo em direcção ao Koweit. Tudo se desenrolou virtualmente como numa carreira de tiro, segundo explicaria mais tarde ao irmão Abdelkarim, coronel e piloto de "caça" da força aérea. O frágil posto de polícia da fronteira foi esmagado sem dificuldade. Às duas da madrugada, a coluna encontrava^se bem internada em território kowei-tiano e continuava a rolar para sul. Se o Ocidente estava convencido-de que se limitariam a capturar as desejadas ilhas de Warbah e Bubiyan, a fim de Bagdade dispor do há muito ansiado acesso ao Golfo, equivocava-se redondamente. As ordens emanadas de Bagdade eram bem claras: conquistar todo o território. Pouco antes da alvorada, registou-se um recontro de tanques na pequena vila petrolífera de Jahra, a norte da cidade do Koweit. Os koweitianos lutaram com denodo e bem e mantiveram em respeito a nata da guarda republicana durante uma hora, mas não tinham a menor possibilidade de triunfar. Os poderosos T-72 soviéticos esmagaram os T-55 chineses. Os defensores perderam os seus vinte tanques noutros tantos minutos e os sobreviventes acabaram por bater em retirada. Osmar Badri, que observava o embate de longe, não podia prever que, um dia, aqueles T-72 das divisões de Medi na-e Tawakkulna seriam por sua vez esmagados pelos Challenger e Abrams dos ingleses e americanos. Ao amanhecer, as primeiras unidades penetravam nos subúrbios a noroeste da cidade do Koweit e dividiam os seus efectivos para cobrir as quatro auto-estradas de acesso -a de Abu Dhabi, ao longo da costa de Jahra, entre os subúrbios de Granada e Andalus, e a Quinta e Sexta rodovias circulares, mais a sul. Finalmente, convergiram para a parte central do Koweit. O coronel Badri quase não era necessário, pois não havia escavações para os seus sapadores abrirem, nem obstruções para fazer voar com dinamite ou pontes para reconstruir. Somente numa ocasião a sua vida correu perigo. Quando rolava através de Sulaibikhat, muito perto do cemi- 44

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