ColecçÃo dois mundos frederick forsyth o punho de deus cmpv tradução livros do brasil lisboa rua dos Caetanos



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tério cristão, um Skyray isolado visou o tanque à sua frente com quatro mísseis ar-terra, o qual oscilou, perdeu uma das cremalheiras e começou a arder, enquanto a tripulação em pânico o abandonava precipitadamente. Em seguida, o Skyray descreveu um largo círculo e concentrou o fogo nos restantes tanques. Badri viu o pavimento irromper na sua frente e projectou-se pela porta do camião, que, quase simultaneamente, era atingido e se desviava para a berma. Ninguém ficou ferido, mas Badri estava indignado com o arrojo do piloto e completou o percurso noutro camião. Houve tiroteio esporádico ao longo do dia, enquanto as duas divisões atravessavam a cidade de Koweit. Um grupo de oficiais koweitianos encerrou-se no Ministério da Defesa e tentou enfrentar os invasores com o modesto armamento de que dispunha. Um dos comandantes iraquianos salientou que nenhum sobreviveria se abrisse fogo com o canhão do seu tanque. Enquanto alguns dos sitiados tentavam argumentar antes da rendição, os outros despiram os uniformes e escaparam-se pelas traseiras, como civis vulgares. Um destes últimos tornar--se-ia mais tarde chefe da resistência koweitiana. A principal oposição verificou-se na residência do emir Al Sabah, embora este e a família tivessem há muito partido para o sul, em busca de refúgio na Arábia Saudita. Foi, porém, igualmente esmagada. Ao pôr-do-Sol, o coronel Osman Badri encontrava-se de costas para o mar no ponto mais setentrional da cidade, do Koweit, na Rua do Golfo Arábico, e contemplava a fachada dessa residência -o Palácio Dasman. Alguns soldados iraquianos já se achavam dentro e, de vez em quando, emergia um com um artefacto inapreciável arrancado das paredes, passando por cima dos corpos sem vida estendidos na escadaria e nos jardins, para o depositar num camião. Badri quase se sentiu tentado a guardar algo para si, mas conteve-o a herança da maldita escola inglesa que frequentara durante vários anos em Bagdade, apenas devido à amizade do pai com o britânico Martin e à admiração de tudo o que provinha da Inglaterra. -Pilhar é roubar, rapazes, e o roubo um delito. A Bíblia e o Corão proíbem-no. Portanto, não o façam. Ainda hoje conseguia recordar a voz de Mr. Hartley, director da Escola Preparatória da Fundação, dependente do consulado britânico, a perorar perante os alunos ingleses e iraquianos. Por conseguinte, devido a um director escolar, vinte e cinco anos atrás, abstinha-se de participar na pilhagem ao 45 Palácio Dasman, embora isso fizesse parte da tradição de todos os seus antepassados e os ingleses não passassem de imbecis. Ao menos, a sua permanência na escola preparatória ensinara-lhe a dominar o idioma britânico fluentemente, o que resultara útil nas suas conversas com o coronel Stenanov, o qual fora o oficial mais graduado do Grupo de Conselheiros Militares Soviéticos antes de a Guerra Fria terminar, altura em que regressara a Moscovo. Osman Badri tinha trinta e cinco anos, e 1990 revelava-se o ano mais prometedor de toda a sua vida. Como confidenciaria ao irmão mais velho: "Diante do Palácio Dasman, de costas para o Golfo, pensei: "Conseguimo-lo, pelo Profeta. Tomámos finalmente o Koweit. E apenas num dia". Tudo terminou aí." Estava redondamente equivocado. Era apenas o princípio. Enquanto Ray Walker desenvolvia penosa e ininterrupta azáfama no aeroporto de Abu Dhabi para que lhes fornecessem a passagem de regresso aos Estados Unidos, vários compatriotas seus chegavam ao fim de uma noite em claro. A sete fusos horários de distância em Washington, o Conselho de Segurança Nacional passara toda a noite em actividade constante. Outrora, costumavam reunir-se na Sala de Situação, na cave da Casa Branca, porém a tecnologia mais recente permitia-lhes trocar impressões dos diferentes locais em que se encontravam através de uma rede de vídeo secreta. Na noite anterior, ainda 1 de Agosto em Washington, as primeiras informações indicavam trocas de tiros ao longo da fronteira norte do Koweit. O facto não se podia considerar inesperado. As imagens obtidas pelos potentes satélites KH-11 da área setentrional do Golfo haviam revelado a acumulação de forças iraquianas e elucidado Washington muito mais do que o embaixador no Koweit na realidade sabia. O problema consistia em descobrir quais eram as intenções de Saddam Hussein. Ameaçar ou invadir? Tinham sido enviados frenéticos pedidos de informação à CIA, no dia anterior, porém Langíey não se mostrara minimamente prestável, limitando-se a fornecer análises repletas do advérbio "talvez", com base nas imagens de satélites recolhidas pela Organização de Reconhecimento Nacional e rumores políticos já obtidos pela Divisão do Médio Oriente do Departamento de Estado. -Qualquer burro vesgo pode obter isso -grunhiu Brent Scowcroft, director do NSC (9J. -Não temos ninguém dentro do regime iraquiano? V) National Security Council. (N. do T.) 46

A resposta a esta pergunta cifrou-se num pesaroso "não". Tratava-se de um problema abordado com frequência no passado. A resposta ao enigma surgiu antes das dez da noite, quando o Presidente George Bush se foi deitar e não recebeu mais telefonemas de Scowcroft. Já amanhecera no Golfo e os tanques iraquianos haviam ultrapassado Jahra, para penetrarem nos subúrbios a noroeste da cidade do Koweit. Foi uma noite em cheio, como os participantes recordariam mais tarde. Havia oito pessoas na rede de vídeo, em representação do NSC, Tesouro, Departamento de Estado, CIA, Chefes do Estado-Maior e Defesa. Registou-se a emissão de uma série de ordens, que foram executadas. Entretanto, uma série similar provinha de uma reunião convocada apressadamente pelo COBRA (Anexo da Sala de Informações do Conselho de Ministros) (10), em Londres, que se achava a cinco horas de distância de Washington, mas apenas a duas do Golfo. Todos os bens financeiros iraquianos no estrangeiro foram congelados por ambos os governos, assim como (com o acordo dos embaixadores koweitianos nos dois países) os do Koweit, para que nenhum governo fantoche a soldo de Bagdade pudesse movimentá-los. Estas decisões imobilizaram biliões e biliões de petrodólares. O Presidente Bush foi acordado às 4.45 de 2 de Agosto para assinar os documentos. Em Londres, Margareth Thatcher, há muito levantada e activa, fizera o mesmo antes de embarcar no avião para os Estados Unidos. Outro passo importante consistiu em reunir o Conselho de Segurança das Nações Unidas em Nova Iorque para condenar a invasão e ordenar a retirada imediata do Iraque, o que foi efectuado através da Resolução 660, assinada às 4.30 da mesma madrugada. Terminada a conferência da rede de vídeo, perto da alvorada, os participantes dispuseram de duas horas para ir a casa, tomar banho, fazer a barba, mudar de roupa e regressar à Casa Branca para assistir, às 8.00, à reunião plenária do NSC, presidida por George Bush. Entre os recém-chegados, figuravam Richard Cheney, da Defesa, Nicholas Brady, do Tesouro, e o procurador-geral Richard Thornburgh. Bob Kimmitt continuou a representar o Departamento de Estado, porque o secretário, James Baker, e o sub-secretário, Laurence Eagleburger, estavam ausentes da cidade. O chefe do Estado-Maior General, Colin Powell, regressara da Florida acompanhado do general responsável do Comando H Cabinet Office Briefing fíoom Annexe. (N. do T.) 47 Central, um homem alto e possante, do qual muito se ouviria falar posteriormente. Norman Schwarzkopf encontrava-se ao lado do general Powell, quando entraram. O presidente abandonou a reunião às 9.15, quando Ray e Maybelle Walker se achavam finalmente no ar e sobrevoavam a Arábia Saudita, rumo a noroeste e à segurança. George Bush embarcou num helicóptero em direcção à base da Força Aérea Andrews, onde se transferiu para o aparelho Air Force One e partiu para Aspen, Colorado. Estava previsto que pronunciaria uma conferência sobre as necessidades dos Estados Unidos no capítulo da defesa. Na realidade, tratava-se de um tema apropriado, porém o dia revelar-se-ia muito mais atarefado do que estava previsto. Durante a viagem, recebeu um telefonema do rei Hussein da Jordânia, um dos vizinhos mais obscuros do poderoso Iraque. O rei haxemita encontrava-se no Cairo, para conferenciar com o presidente egípcio Hosni Mubarak. Hussein suplicou desesperadamente que a América concedesse aos Estados Árabes alguns dias para tentarem resolver a situação sem uma guerra e propôs uma conferência de quatro países, que incluiria Bubarak, ele próprio, Saddam Hussein e o rei Fahd, da Arábia Saudita, que presidiria aos trabalhos. Declarou-se convicto de que semelhante reunião bastaria para que o ditador iraquiano retirasse as suas forças armadas do Koweit pacificamente. No entanto, tornavam-se necessários três ou mesmo quatro dias e nenhuma condenação pública do Iraque por qualquer das nações participantes. Bush replicou: - De acordo. Tem o meu apoio. -Só que o infortunado presidente não se encontrara com a dama de Londres, que o aguardava em Aspen. Esse encontro realizou-se naquela noite. A Dama de Ferro não tardou a aperceber-se de que o seu bom amigo estava na iminência de transigir. Em duas horas, enfiou o cabo de uma vassoura tão profundamente na perna esquerda da calça do presidente, que emergiu quase à altura do colarinho da camisa. - Não podemos de modo algum permitir que ele leve a sua avante, George. Colocado perante aqueles olhos azuis penetrantes e o tom da voz cortante, tendo o zumbido do condicionador de ar como fundo, George Bush admitiu que os Estados Unidos também perfilhavam essa posição. Mais tarde, fontes próximas deixaram transparecer que estava menos preocupado com a artilharia e blindados de Saddam Hussein do que com a interlocutora britânica. A 3 de Agosto, a América trocou algumas palavras discre- 48

tas com o Egipto. Foi recordado ao Presidente Mubarak até que ponto as suas forças armadas dependiam do armamento americano, o quantitativo que o Egipto devia ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional e a forma como os Estados Unidos costumavam apoiar as suas pretensões. A 4 do mesmo mês, o governo egípcio emitia uma declaração em que condenava abertamente a invasão de Saddam Hussein. Ante o desalento -embora não surpresa -do rei da Jordânia, o déspota iraquiano recusou comparecer à conferência de Jeddah e sentar-se ao lado de Homi Mubarak, sob a presidência do rei Fahd. Para o rei da Arábia Saudita, a atitude constituiu uma brutal manifestação de despeito no seio de uma cultura que se orgulhava da sua elaborada cortesia. O rei Fahd, que encobria um cérebro político particularmente sagaz por detrás de maneiras a todos os títulos deferentes, não ficou contente. Este foi um dos factores que fez abortar a conferência de Jeddah. O outro dizia respeito ao facto de o monarca saudita ter mostrado fotografias americanas tiradas do Espaço que provavam que o exército iraquiano, longe de conter o seu avanço, continuava a avançar para sul em direcção à fronteira saudita, na área meridional do Koweit. Tencionaria invadir também a Arábia Saudita? Os dados aritméticos batiam certo. Este último país possuía as maiores reservas de petróleo do mundo. Em segundo lugar, figurava o Koweit, com mais de uma centena de anos de reservas aos actuais níveis de produção. Em terceiro, o Iraque. Ao tomar o Koweit, Saddam Hussein invertera as posições. Além disso, 90 por cento dos poços e reservas do petróleo saudita situavam-se no extremo nordeste do reino, em volta de Dharran, Al-Khobar e Jubail e no interior destes portos. O triângulo localizava-se no caminho das divisões da Guarda Republicana, e as fotografias demonstravam que continuavam a entrar outras no Koweit. Por sorte, Sua Majestade nunca descobriu que as fotografias tinham sido forjadas. As divisões próximas da fronteira continuavam a avançar, porém os tractores haviam sido eliminados. A 6 de Agosto, o reino da Arábia Saudita pediu formalmente o envio de tropas aos Estados Unidos para defesa do seu território. As primeiras esquadrilhas de caças-bombardeiros partiram para o Médio Oriente no mesmo dia. Principiaram a operação Protecção no Deserto. 49 O brigadeiro Hassan Rahmani apeou-se do carro de comando e subiu apressadamente os degraus do Hotel Hilton, que fora prontamente requisitado para quartel-general das forças de segurança iraquianas no Koweit ocupado. Divertia-o, enquanto transpunha a porta de vaivém e entrava no átrio, naquela manhã de 4 de Agosto, o facto de o Hilton se situar junto da embaixada americana, com ambos os edifícios virados para as águas azuis do Golfo Arábico. A admirável vista era tudo o que o pessoal da embaixada obteria por algum-tempo, pois, por sugestão dele, fora imediatamente cercada por forças da Guarda Republicana, situação que se manteria. Não podia evitar que diplomatas estrangeiros transmitissem mensagens do interior do seu território soberano aos respectivos governos, além de que sabia perfeitamente que não possuía os supercomputadores necessários para decifrar os códigos mais sofisticados como os que os ingleses e americanos utilizavam. Mas, como chefe da contra-espionagem da Mukhabarat, podia providenciar para que dispusessem de pouco material interessante para transmitir, limitando as suas observações à vista de que desfrutavam das janelas. Subsistia, evidentemente, a possibilidade de obterem informação de compatriotas ainda em liberdade no Koweit, pelo telefone. Outra prioridade máxima: tomar as providências necessárias para que todas as comunicações telefónicas com o exterior fossem cortadas. E daí, não -conviria mais colocar as linhas sob escuta, mas os seus homens mais experientes encontravam-se todos em Bagdade. Entrou na suite que estava reservada à equipa da contra-espionagem, despiu o dólman, entregou-o à ordenança que trouxera as suas duas malas de documentos e aproximou-se da janela para contemplar a marina do Hilton, com a piscina a antecedê-la. Decidiu que iria dar um mergulho mais tarde, mas mudou imediatamente de ideias ao ver dois soldados encherem lá os cantis e outros dois a urinar, não muito longe dos primeiros, o que o levou a soltar um suspiro de resignação. Com trinta e sete anos, Rahmani era alto e elegante, bem--parecido, de rosto impecavelmente escanhoado -não suportava sequer a hipótese de usar um bigode afectado como o de Saddam Hussein. Sabia que se encontrava na actual posição devido à sua competência inquestionável e não em virtude de qualquer tipo de bajulação política -um tecnocrata num mundo de cretinos guindados a lugares de realce graças a manobras escusas. Amigos estrangeiros tinham-lhe perguntado com frequência por que servia aquele regime. A interrogação costumava 50

surgir nas ocasiões em que ele os embriagava parcialmente, no bar do Hotel Rashid ou num local mais isolado. Convivia com esses indivíduos, porque fazia parte da sua profissão. Mas conservava-se sempre sóbrio. Não objectava às bebidas alcoólicas por motivos religiosos. Em regra, pedia gim com água tónica e certificava-se de que o barman lhe servia apenas esta última. Por conseguinte, sorria ante a pergunta, encolhia os ombros e replicava que se orgulhava de ser iraquiano, pelo que não podia servir qualquer outro governo. Intimamente, sabia perfeitamente bem por que trabalhava para um regime cujos luminares, salvo raras excepções, desprezava. Se existia alguma emoção nele, concentrava-se naquele país e no seu povo-o povo vulgar, que o Partido Baath há muito deixara de representar. No entanto, a razão fundamental consistia em que queria triunfar na vida. Para um iraquiano da sua geração, existiam poucas opções. Podia opor-se ao regime e demitir-se do cargo que exercia, para auferir um salário modesto numa actividade civil obscura no estrangeiro ou permanecer no Iraque. O que conduzia a três opções. Opor-se ao regime e terminar a existência nas câmaras de tortura do animal que dava pelo nome de Ornar Khatib, criatura que detestava, consciente de que o sentimento era plenamente retribuído; tentar sobreviver como homem de negócios independente numa economia hermética; ou continuar a sorrir aos idiotas e guindar-se a uma posição confortável graças ao seu cérebro e talento. Não via nada de censurável na terceira opção. Era como fizera Reinhard Gehlen, que servira primeiro Hitler, depois os americanos e finalmente os alemães-ocidentais; ou Marcus Wolf, ao serviço dos comunistas da Alemanha Oriental sem acreditar numa única palavra do que diziam. Ele, Rahmani, vivia para o jogo de xadrez em que se envolvera, os movimentos intrincados de espiar e contra-espiar. O Iraque constituía o seu tabuleiro pessoal, e sabia que outros profissionais espalhados pelo mundo compreenderiam a sua posição. Afastou-se da janela, sentou-se à secretária e começou a escrever. Havia muitíssimo que fazer para que o Koweit se tornasse razoavelmente seguro como décima nona colónia do Iraque. O seu primeiro problema residia no facto de não saber quanto tempo Saddam Hussein tencionava permanecer no Koweit, e duvidava de que ele próprio fizesse uma ideia concreta a esse respeito. Não havia necessidade de montar uma vasta operação de contra-espionagem, vedando todas as eventuais fugas de segurança, se o Iraque acabasse por se retirar. 51 Estava persuadido de que Saddam lograria o seu intento. Todavia, isso implicaria uma actuação revestida de um mínimo de diplomacia. A primeira diligência tinha de consistir em participar na reunião do dia seguinte em Jeddah, a fim de adular o rei Fahd e proclamar que o Iraque apenas pretendia um tratado justo sobre o petróleo e acesso ao Golfo, após o que recolheria a Bagdade. Assim, conservando tudo em mãos árabes e os americanos e ingleses fora do assunto por todo o preço, Saddam poderia confiar na preferência árabe para continuar a falar até que o inferno congelasse. O Ocidente, acabaria por se cansar e deixá-los resolver a situação, e, desde que o petróleo continuasse a fluir para criar o smog que os sufocava, os anglo-saxões ficariam contentes. A menos que o Koweit fosse brutalizado selvaticamente, os media desinteressar-se-iam do caso, o regime de Al Sabah seria esquecido no exílio algures na Arábia Saudita, os kowei-tianos reatariam as suas vidas sob um novo governo e a conferência sobre a retirada do Koweit poderia apresentar declarações mais ou menos bombásticas durante uma década, até que se perdessem no campo da banalidade. Sim, seria possível consegui-lo, mas com o tacto indispensável. O tacto de Hitler: "Pretendo apenas um acordo pacífico com as minhas exigências; esta é a minha última ambição territorial." O rei Fahd cairia na esparrela. Ele e Hussein da Jordânia terminariam por se desinteressar da sorte dos kowei-tianos como Chamberlain fizera em relação aos checos, em 1938. Só que Saddam era, estratégica e diplomaticamente, uma nulidade. Acabaria por proceder sem a prudência conveniente e contribuir para a destruição do petróleo e prosperidade inerente durante uma geração, ao brindar o mundo ocidental com um fait accompli. E o Ocidente significava a América, com os ingleses a seu lado, e, no fundo, eram todos anglo-saxões. Rahmani conhecia-os bem. Os cinco anos que passara na Escola Preparatória Adisiya de Mr. Hartley permitira-lhe aprender o inglês fluente em que se exprimia, a compreensão do temperamento britânico e o hábito anglo-saxão de aplicar um murro no queixo sem aviso prévio. Levou a mão ao queixo em que recebera um murro, num passado distante, e soltou uma risada seca que fez estremecer a ordenança, no outro lado da sala. Onde se encontraria agora o sanguinário Mike Martin? Por fim, debruçou-se sobre a tarefa que tinha entre mãos. Do milhão e oitocentos mil habitantes do Koweit, somente seiscentos mil eram koweitianos. Podiam juntar-se-lhes outros tantos palestinianos, alguns dos quais se manteriam leais ao 52

país, enquanto outros alinhariam ao lado do Iraque, porque a OLP o fizera, embora um número elevado se abstivesse de qualquer manifestação e se concentrasse unicamente em sobreviver. Havia também trezentos mil egípcios, muitos dos quais decerto trabalhavam para o Cairo, o que, actualmente, equivalia a fazê-lo para Washington ou Londres, e duzentos e cinquenta mil paquistaneses, indianos e fílipinos, na sua maioria empregados de escritório ou domésticos. E, por último, cinquenta mil cidadãos da Primeira Guerra Mundial -ingleses, americanos, franceses, alemães, espanhóis, suecos, dinamarqueses, etc. E ele devia suprimir a espionagem estrangeira. Rahmani emitiu um suspiro saudosista. Bons tempos aqueles em que as mensagens significavam mensageiros e telefones. Como chefe da contra-espionagem, podia encerrar as fronteiras e cortar as ligações telefónicas.,Agora, qualquer imbecil com um satélite tinha possibilidade de marcar dígitos num telefone celular ou num computador modem e falar para a Califórnia. A fonte era difícil ou impossível de localizar ou interceptar, a menos que se dispusesse de equipamento sofisticado, como não acontecia na contra-espionagem iraquiana. Não merecia a pena perder tempo a tentar o impossível, embora ele tivesse de fingir que o fizera e fora bem sucedido. O principal alvo teria de consistir em impedir a sabotagem activa, a morte de iraquianos e destruição do seu equipamento e formação de um movimento de resistência. E necessitava de evitar que uma eventual organização clandestina recebesse auxílio do exterior sob a forma de homens, know-how ou equipamento. Neste aspecto, teria de enfrentar os seus rivais da AMAM, polícia secreta, instalada dois pisos abaixo dele. Inteirara-se naquela manhã de que Khatib, instalara o rufia do Sabaawi, indivíduo particularmente brutal, como chefe da AMAM no Koweit. Se algum resistente koweitiano lhe caísse nas mãos, os gritos resultantes das torturas ouvir-se-iam na fronteira. Por conseguinte, Rahmani concentrar-se-ia apenas nos estrangeiros. Naquela manhã, o Dr. Terry Martin terminou a aula na Escola de Estudos Orientais e Africanos (SOAS) H, faculdade da Universidade de Londres na Govven Street, pouco antes do meio-dia e recolheu à sala comum dos docentes. Quando ia a entrar, cruzou-se com Mabel, secretária que partilhava com dois outros professores de estudos arábicos. -Tenho um recado para si, Dr. Martin. -Ela procurou na pasta, apoiada ao joelho erguido e extraiu um pedaço de (") School of Oriental and African Studies. (N. do T.) 53 papel. -Este senhor telefonou e disse que tinha urgência em lhe falar. Uma vez na sala comum, ele pousou os apontamentos sobre o califado de Abassid que utilizara na aula e serviu-se do telefone público ao canto. Uma voz feminina quase musical atendeu ao segundo toque e limitou-se a enunciar o número. Não mencionou qualquer nome de assinante -apenas o número. Mr. Stephen Laing está? -perguntou Martin. -Quem deseja falar-lhe? O Dr. Martin. Terry Martin. Ele telefonou-me. Perfeitamente, Dr. Martin. Um momento, por favor. Ele enrugou a fronte. Ela estava ao corrente do telefonema e do seu nome. No entanto, Martin não fazia a menor ideia de quem pudesse ser Stephen Laing. Por fim, surgiu uma voz de homem, do outro lado do fio. -Fala Stephen Laing. Estou-lhe imensamente grato por telefonar com tanta prontidão. Fomos apresentados, há algum tempo, no Instituto de Estudos Estratégicos. Na altura em que você pronunciou a brilhante alocução sobre a persistente aquisição de armamento pelo Iraque. Tem algum compromisso para o almoço? Laing, quem quer que fosse, adoptava uma maneira de se exprimir difícil de refutar. Hoje? Agora? A menos que tenha outros planos. Qual era a sua ideia? Sanduíches, no refeitório -disse Martin. - Não aceitaria um decente linguado meuníère, no Scotts? Suponho que conhece o estabelecimento? Na Mount Street. Na verdade, conhecia um dos restaurantes mais selectos e dispendiosos de Londres, cuja especialidade era o peixe. A vinte minutos dali, de táxi. E ele adorava o peixe. Além de que o Scotts se achava fora do alcance do seu salário académico. Estaria Laing porventura ao corrente destes pormenores? Pertence ao ISS (12)? -acabou por perguntar. Explico-lhe tudo durante o almoço, doutor. Digamos à uma? Até já. -E a ligação foi cortada. Quando Martin entrou no restaurante, o chefe dos empregados de mesa acudiu ao seu encontro. - Dr. Martin? Mr. Laing aguarda-o. Queira acompanhar-me. A mesa situava-se a um canto sossegado, onde se podia conversar fora do alcance de ouvidos indiscretos. Laing -alto e magro, de fato cinzento-escuro, gravata de uma tonalidade mais clara e cabelo grisalho ralo-indicou uma cadeira ao convidado e, com um leve movimento de cabeça, a garrafa de (I2) Institute for Strategic Studies. (N. do T.) 54

Meursault gelado no respectivo balde metálico, ao que Martin acedeu com um leve gesto. - Suponho que não pertence ao Instituto, Mr. Laing? Este não se mostrou minimamente embaraçado. Aguardou que o empregado servisse o vinho e se afastasse e ergueu o copo. - Na realidade, pertenço à Century House. Isso contraria-o? O Serviço de Contra-Espionagem Britânico tem a sede na Century House, um edifício de aspecto algo decrépito a sul do Tamisa, entre o Elephant and Castle e a Old Kent Road, que não corresponde à natureza das actividades que se supõe desenrolarem-se no seu interior e tão labiríntico que os visitantes não necessitam de utilizar os seus passes de segurança -em poucos segundos, perdem-se e acabam por implorar misericórdia. - Não, desperta-me apenas o interesse -replicou Martin. Na verdade, somos nós que estamos interessados. Incluo-me entre os seus admiradores. Tento manter-me a par das inovações, mas não estou tão elucidado como você. Custa-me a querer -declarou, embora se sentisse intimamente lisonjeado. É absolutamente exacto -insistiu Laing. -Linguado para dois? Excelente. Espero ter lido todas as suas comunicações apresentadas ao Instituto, ao pessoal dos Serviços Unidos e na Chatham. Além de, claro, os dois artigos publicados na Survíval. Ao longo dos cinco anos precedentes, apesar da sua juventude,, com apenas trinta e cinco anos, o Dr. Martin tornara-se cada vez mais solicitado para apresentar comunicações eruditas em estabelecimentos como o Instituto de Estudos Estratégicos, o Instituto dos Serviços Unidos e à outra instituição de estudos intensivos de assuntos estrangeiros, Chatham House. Survíval era a revista do ISS, e vinte e cinco exemplares de cada uma das suas edições seguiam automaticamente para o Departamento do Estrangeiro e da Comunidade, na King Charles Street, cinco dos quais tomavam o rumo da Century House. O interesse de Terry Martin por aquela gente não se devia à sua excelência escolástica sobre a Mesopotâmia medieval, mas ao segundo chapéu que usava. Em obediência a mera curiosidade pessoal, principiara, anos atrás, a estudar as forças armadas do Médio Oriente, frequentando exposições de métodos de defesa e cultivando amizades entre fabricantes e seus clientes árabes, onde o seu fluente arábico lhe permitira estabelecer muitos contactos. Passados dez anos, era uma enciclopédia ambulante do tema que escolhera para os tempos livres, 55


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