Corte interamericana de direitos humanos


Fatos provados a respeito da investigação disciplinar contra a senhora Atala



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Fatos provados a respeito da investigação disciplinar contra a senhora Atala





  1. Em 17 de março de 2003, a Presidenta do Comitê de Juízes do Tribunal de Julgamento Oral Penal de Villarrica levou ao conhecimento do Ministro Visitante do Tribunal de Recursos de Temuco, senhor Lenin Lillo, “uma situação específica ocorrida em 12 de março de 2003". Nesse escrito, a Presidenta do Comitê de Juízes informou que a senhora Atala havia pedido a uma de suas subalternas que “transcrev[esse], redig[isse] e imprimi[sse] ofícios em nome do Juizado de Letras e de Menores de Villarrica, nos quais se pediam diligências no processo de guarda […] em que essa magistrad[a era] parte litigante”. Além disso, declarou que “proced[eu] à realização de uma reunião de caráter privado com a magistrad[a] Atala Riffo […] salientando a improcedência de sua atitude bem como sua ingerência numa esfera atribuída a outro Tribunal, no qual ela não era juíza, mas parte demandada”.239




  1. Naquele mesmo dia, e em 19 de março de 2003, o Plenário do Tribunal de Recursos de Temuco designou o senhor Lillo240 para uma visita extraordinária ao Tribunal Penal de Villarrica, onde a senhora Atala ocupava o cargo de juíza. A esse respeito, declarou que “essa visita obedec[ia] a dois fatos fundamentais: um dizia respeito às notícias veiculadas nos jornais ‘Las Últimas Noticias’ […] e ‘La Cuarta’ […] nas quais se fazia referência à condição de lésbica que se atribuía em determinadas publicações à [senhora] Atala;”241 o outro se referia aos fatos relatados na denúncia de 17 de março de 2003.




  1. Depois de realizada a visita ao Juizado no qual a senhora Atala era titular, o senhor Lillo apresentou um relatório ao Tribunal de Recursos de Temuco,242 mediante o qual informou a respeito de três fatos supostamente irregulares, a saber: i) “utilização de meios e de pessoal para cumprir diligências decretadas pelo juiz […] de menores”; ii) “utilização indevida do carimbo do Tribunal”, e iii) “notícias veiculadas na imprensa”. A respeito do primeiro fato, apresentou um relato dos fatos informados pela Presidenta do Comitê de Juízes e concluiu que esses fatos “eram graves, no parecer des[se] visitante especial, porquanto a senhora […] Atala […], prevalecendo-se de meios e de pessoal do Tribunal do qual faz [p]arte, se envolveu diretamente no cumprimento de ações decretadas no processo perante o Juiz de Menores”. Em relação ao segundo fato, o senhor Lillo declarou que “rev[estia] especial gravidade, porque a Juíza Karen Atala ha[via] excedido o limite de suas atribuições com sua atitude, ao utilizar elementos do Tribunal que est[avam] subordinados a terceiros para favorecer pessoas relacionadas com seu círculo de amizades”.




  1. Por último, o senhor Lillo fez referência às notícias veiculadas nos Jornais “Las Últimas Noticias” e “La Cuarta”, nas quais se deu a conhecer à opinião pública a demanda de guarda, fazendo referência “à relação lésbica” que a senhora Atala “manteria com outra mulher”.




  1. Sobre esses fatos, o senhor Lillo concluiu em seu relatório que:

não é intenção deste visitante emitir juízo de valor a respeito da inclinação sexual da Magistrad[a] Atala; entretanto, não se pode desconhecer o fato de que sua peculiar relação afetiva transcendeu o âmbito privado ao terem sido divulgadas as notícias anteriormente citadas, o que claramente prejudica a imagem tanto da senhora Atala como do Poder Judiciário. Todo o exposto reveste uma gravidade que merece ser observada pelo Ilustríssimo Tribunal.243




  1. Em 2 de abril de 2003, o Tribunal de Recursos de Temuco aprovou a visita realizada pelo senhor Lillo e formulou acusações contra a senhora Atala a respeito dos três fatos supostamente irregulares citados no relatório.244 Posteriormente, em 9 de maio de 2003, o Tribunal de Recursos expediu “uma séria advertência pela utilização de meios e de pessoal para cumprir diligências decretadas pelo Juiz de Letras de Menores […] numa causa na qual era uma das partes na controvérsia”.245



  1. Direito à igualdade e à proibição da discriminação



Alegações das partes


  1. Os representantes alegaram que a senhora Atala “mantinha uma relação estável de casal que não se diferenciava de outras relações de casal, a não ser pelo fato de que sua companheira era do mesmo sexo”, e que, portanto “a ordem de investigar e de realizar uma visita ao Tribunal no qual trabalhava a Juíza Atala baseava-se exclusivamente numa rejeição discriminatória de sua orientação sexual”.




  1. O Estado argumentou que “o relatório do Ministro Lillo ao plenário do Tribunal de Recursos de Temuco contém uma série de antecedentes graves que justificam a ‘séria advertência”, e que essa advertência à senhora Atala “não tem relação com sua homossexualidade, mas diz respeito a denúncias e fatos constatados pelo Ministro Lillo, completamente alheios a ela”.


Considerações da Corte


  1. O Tribunal destaca que o Tribunal de Recursos de Temuco recebeu, em 17 de março de 2003, uma denúncia contra a senhora Atala pelo uso de meios e de pessoal do Juizado para assuntos de interesse pessoal (par. 210 supra). Entretanto, a Corte observa que, de acordo com o exposto no relatório do Ministro visitante, outras considerações foram feitas para levar a cabo a visita ao local de trabalho da senhora Atala, todas elas referentes à sua orientação sexual, pois se relacionavam com “as notícias no jornal ‘La Cuarta’, de 28 de fevereiro de [2003], e em ‘Las Últimas Noticias’, de 1º de março [de 2003], nas quais se d[eu] a conhecer à opinião pública o conteúdo de uma demanda de guarda iniciada pelo [senhor López] contra sua esposa […] porque esta última manteria uma relação lésbica com outra mulher”.246 De maneira que um dos motivos da visita ao local de trabalho da senhora Atala era constatar o veiculado pelas notícias de imprensa a respeito de sua orientação sexual.




  1. A Corte observa que a investigação disciplinar e a visita extraordinária mencionadas têm fundamento legal nos artigos 544, parágrafo 4,247 559,248 e 560249 do Código Orgânico de Tribunais. Ao ser um dos propósitos da visita indagar sobre a orientação sexual da senhora Atala, com base nas notícias da imprensa, constata-se um tratamento diferenciado em detrimento da senhora Atala ao incorporar como matéria investigável no processo disciplinar sua orientação sexual e sua relação com uma pessoa do mesmo sexo.




  1. O Estado alegou que, finalmente, a “advertência” do Tribunal de Temuco se baseou “exclusivamente” na “utilização de meios e de pessoal para cumprir diligências decretadas” pelo Juizado encarregado do processo de guarda, razão pela qual a senhora Atala não teria sido punida, segundo essa alegação, por um fato relacionado com sua orientação sexual. No entanto, o Tribunal constata que no relatório preparado pelo Ministro visitante, o qual foi posteriormente aprovado pelo Tribunal de Recursos de Temuco, e que serviu de base para a formulação de acusações contra a senhora Atala, salientou-se que “não se pode desconhecer o fato de que sua peculiar relação afetiva transcendeu o âmbito privado ao terem sido divulgadas as notícias anteriormente citadas, o que claramente prejudica a imagem tanto da [senhora] Atala como do Poder Judiciário. Todo o exposto reveste uma gravidade que merece ser observada pelo […] Tribunal”.250 Portanto, embora a senhora Atala não tenha sido punida expressamente pelo Tribunal de Temuco por sua orientação sexual, esse aspecto fez parte das considerações incorporadas ao relatório do Ministro visitante, as quais não foram desautorizadas ou questionadas pelo Tribunal de Temuco.




  1. No entanto, a respeito do fim legítimo que se visava com essa investigação, no relatório apresentado não se especificou com clareza o motivo da visita no que dizia respeito ao questionamento da orientação sexual, porquanto apenas foi feita referência às notícias da imprensa que haviam sido publicadas. Nesse sentido, embora o fim legítimo não tenha sido explicitado no relatório, do exposto se poderia chegar a inferir que, mediante o questionamento a respeito da orientação sexual da senhora Atala, se procurava proteger a “imagem do Poder Judiciário”. Entretanto, a alegada proteção da “imagem do Poder Judiciário” não pode justificar uma diferença de tratamento baseada na orientação sexual. Além disso, a finalidade que se invoque ao praticar uma diferença de tratamento desse tipo deve ser concreta e não abstrata. No caso concreto, o Tribunal não observa relação alguma entre um desejo de proteger a “imagem do Poder Judiciário” e a orientação sexual da senhora Atala. A orientação sexual ou seu exercício não podem constituir, em nenhuma circunstância, fundamento para a condução de um processo disciplinar, pois não existe relação alguma entre o correto desempenho do trabalho profissional da pessoa e sua orientação sexual.




  1. Portanto, ao ser discriminatória uma diferenciação num questionamento disciplinar relacionado com sua orientação sexual, a Corte conclui que o Estado violou o artigo 24, em relação ao artigo 1.1 da Convenção Americana, em detrimento de Karen Atala Riffo.




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