De descartes



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rebral, o hipotálamo regula o meio interno (iníernal milieu   o termo e o

concerto, que j à usei anteriormente, devem se ao biólogo pioneiro Claude

Bernard), que se pode visualizar como o conjunto de todos os processos

bioquimicos que estäo a ocorrer num organisme num dado momento. A

vida depende de estes processos bioquimicos serem mantidos dentro de

limites adequados, uma vez que os afastamentos excessivos desses li 

mites, em pontos chave do seu perfil composta podem resultar em

doença ou morte. Por sua vez, o hipotálamo e as estruturas inter rela 

cionadas säo regulados näo só pelos sinais neurais e quimicos de outras

regiöes do cérebro mas também por sinais quimicos com origem em di 

versos sistemas do corpo.

Esta regulaçäo quimica é especialmente complexe, como o exemplo

que a seguir se apresenta ilustrará: a produçäo de hormonas pela glän 

dula tirôide e pelas supra renais, sem as quais näo podemos viver, é

parcialmente controlada por sinais quimicos da gländula pituitária. A pi 

tuitária é, ela própria, controlada em parte por sinais quimicos libertados

REGULAÇAO BIOLOGICA E SOBREVrvENCIA 135


pelo hipotálamo na corrente sanguines, próximo da pituitária, e o hi 

potálamo é controlada em parte pelos sinais neurais do sistema límbico

e, indirectamente, do neocórtex. (Considere se a importäncia da seguinte

observaçäo: a actividade eléctrica anormal de determinados circuitos do

sistema limbico durante as crises epilépticas provoca näo sO um estado

mental anormal mas também profundas anormalidades hormonais que

podem levar a toda uma série de problemas no corpo, como os quistos do

ovário.) Em contrapartida, cada hormona no fluxo sanguines actua sobre

a gländula que a segregou, assim como sobre a pituitária, o hipotálamo e

outras zonas do cérebro. Por outras palavras, os sinais neurais däo origem

a sinais quimicos, que por sua vez däo origem a outros sinais quimicos,

que podem alterar o funcionamento de muitas células e tecidos (incluindo

os do cérebro) e alteram os circuitos reguladores que deram início ao

proprio ciclo. Estes diversos mecanismos reguladores encaixados uns nos

outros tratam de gerir as condiçöes do corpo a nivel local e global, de mo 

do a que os constituintes do organisme, das moléculas aos órgäos, funcio 

nem dentro dos parâmetros necessa'rios para a sobrevivência.

Os diversos niveis de regulaçäo säo interdependentes ao longo de

várias dimensöes. Por exemplo, um determinada mecanismo pode de 

pender de um outro mais simples e ser influenciado por um mecanismo

de complexidade idêntica ou superior. A actividade no hipotálamo pode

influenciar a actividade neocortical, directamente ou através do sistema

limbico, e o inverse também acontece.

Consequentemente, como se poderia esperar, verifica se uma do 

cumentada interacçäo cérebro corpo e vislumbram se também inte 

racçöes mente corpo. Considere se o seguinte exemplo: a tensäo mental

crónica, um estado relacionado com a actividade de numerosas sistemas

cerebrais ao nivel do neocórtex, do sistema limbico e do hipotálamo, pare 

ce levar à produçäo excessiva de uma substäncia quimica, o péptido rela 

cionado com o gene da calcitonina, ou CGRP (do inglês, calcitonin gene 

 related peptide), nas terminaçöes nervosas subcutäneasl. Como con 

sequencia, o CGRP reveste em excesso a superficie das células de Langer 

hans, que säo células relacionadas com o processo imunitário e têm por

funçäo a captura dos agentes infecciosos e a sua entrega aos linfócitos para

que o sistema imunológico possa combater a sua presença. Quando se

encontrem completamente cobertos pelo CGRP, as células de Langerhans

säo desactivadas e deixam de cumprir a sua funçäo protectora. O resul 

tado final é uma maior vulnerabilidade do corpo à infecçäo, agora que a

entrada principal se encontra pior defendida. Ehá outros exemplos de in 

teracçäo mente corpo. A tristeza e a ansiedade podem alterar de forma

notória a regulaçäo das hormonas sexuais, provocando näo sá mudanças

136 O ERRO DE DESCARTES


no impulso sexual mas também variaçöes no ciclo menstrual. A perda de

alguem que se ama profundamente, mais uma vez um estado dependente

de um processamento cerebral alargado, leva a uma depressäo do sistema

imunológico a ponto de os individuos se tornarem mais atreitos a in 

fecçöes e, em consequência directa ou indirecta, mais susceptiveis de

desenvolver determinados tipos de cancro3. Pode se morrer de desgosto,

na realidade, tal como na pöesia.

Claro que a influência no sentido inverse, a de substäncias quimicas

do corpo no cérebro, também tem sido observada. É bem sabido que o ta 

baco, o alcool e as drogas (médicas ou näo) penetram no cérebro e alteram

o seu funcionamento, alterando deste modo também a mente. Algumas

das acçöes de substäncias quimicas do corpo incidem directamente sobre

os neuronios ou sobre os seus sistemas de apoio; algumas incidem de

forma indirecta, por via dos neuronios neurotransmissores mediadores,

localizados no tronco cerebral e no proséncefalobasal, a quejá fizemos re 

ferência. Ao dispararem, esses pequenos conjuntos deneurónios libertam

uma dose de dopamina, norepinefrina, serotonina ou acetilcolina em vas 

tas regiöes do cérebro, incluindo o córtex cerebral e os gänglios basais. A

situaçäo assim estabelecida pode ser imaginada como um conjunto de

mecanismos de rega por aspersäo bem concebidos, libertando cada um a

sua substäncia quimica em determinados sistemas e, dentro dos sistemas,

em determinados circuitos com determinados tipos e quantidades de re 

ceptoreS4 . Alteraçöes na quantidade e distribuiçäo de um desses trans 

missores, ou mesmo mudanças no equili'brio relative dos transmissores

num determinada local, podem influenciar a actividade cortical de forma

rápida e profunda, dando origem a estudos de depressäo ou euforia, ou

até de mania. (Ver Capitulo Sete.) Os processos de pensamento podem ser

retardados ou acelerados; a profusäo de imagens evocadas pode dimi 

nuir ou aumentar; a criaçäo de novas combinaçöes de imagens pode ser

favorecida ou bloqueada. A capacidade de concentraçäo num determi 

nado conteúdo mental varia em concordäncia.

TRISTAO, ISOLDA E O FILTRO DO AMOR

Lembram se da história de Tristäo e Isolda? O enredo gira em torno

da transformaçäo da relaçäo entre os dois protagonistes. Isolda pede à

criada, Brangena, que lhe prepare uma poçäo letal, mas, em vez disso, ela

prepare lhe um «filtro de amor», que tanto Tristäo como Isolda bebem


REGULAÇÄO BIOLOCICA E SOBREVIVENCIA 137


sem saberem o efeito que irá produzir. A misteriosa bebida liberta neles

a mais profunda das paixöes e arrasta cada um deles para um extase que

nada consegue dissipar nem sequer o facto de ambos estarem a trair in 

famemente o bondoso rei Mark. Na sua ópera Tristäo e Isolda, Richard

Wagner captou a força da ligaçäo entre os amantes numa das passagens

mais exaltantes e desesperadas da história da música. Devemos interro 

gar nos sobre o que o atraiu para esta história e por que motivo milhöes

de pessoas, durante mais de um século, têm partilhado o fascinio de Wag 

ner por ela.

A resposta à primera pergunta reside no facto de a composiçäo cele 

brar uma paixäo semelhante a uma outra real que ocorreu na vida de

Wagner. Wagner e Mathilde Wesendonk tinham se apaixonado de forma

näo menos insensata, se considerarmos que Mathilde era a mulher do

generoso benfeitor de Wagner e que Wagner era um homem casado.

Wagner tinha sentido as forças ocultas e indomáveis que por vezes se con 

seguem sobrepor à vontade própria e que, na ausência de explicaçöes

mais adequadas, têm sido atribuidas à magia ou ao destine.

A resposta à segunda questäo é um desafio ainda mais atraente.

Existera, de facto, poçöes nos nossos organismos e cérebros capazes de

nos impor comportamentos que podemos ser capazes, ou näo, de elimi 

nar através da chamada força de vontade. Um exemplo elementar é a

substäncia quimica oxitocinal. No caso dos mamiferos, seres humanos

incluidos, esta substäncia é produzida tanto no cérebro (nos núcleos su 

praóptico e parvoventral do hipotálamo) como no corpo (nos ovários ou

nos testiculos). Pode ser libertada pelo cérebro a fim de participar, por

exemplo, directamente ou por interpostas hormonas, na regulaçäo do

metabolismo; ou pode ser libertada pelo corpo, durante o parto, durante

a estimulaçäo sexual dos órgäos genitais ou dos mamilos ou ainda du 

rante o orgasme, quando actua näo sá sobre o proprio corpo mas também

sobre o cérebro. O seu efeito näo fica em nada atrás do efeito dos elixires

lendários. De um modo geral, influencia toda uma série de comportamen 

tos higiénicos, locomotores, sexuais e maternos. Mais importante ainda

para a minha tese, facilita as interacçöes sociais e induz a ligaçäo entre os

parceiros amorosos. Um bom exemplo encontra se nos estudos de Tho 

mas Insel sobre o arganaz, um roedor com uma belíssima pelagem. Após

um namoro fulminante e um primeiro dia de copulaçäo repetida e apai 

xonada, o macho e a fêmea tornam se inseparáveis até à morte. O macho

adquire uma disposiçäo hostil e quesilenta em relaçäo a qualquer outra

criatura que näo seja a sua amada e mostra se habitualmente muito

prestável em torno do ninho. Uma ligaçäo deste género näo é apenas uma

adaptaçäo agradável, é também uma adaptaçäo que traz muitas vantagens

138 O ERRO DE DESCARTES


em muitas espécies, uma vez que mantém unidos aqueles que têm de

cuidar da prole e contribui ainda para outros aspectos da organizaçäo so 

cial. Näo há dúvida de que os seres humanos estäo constantemente a usar

muitos dos efeitos da oxitocina, conquanto tenham aprendido a evitar,

em determinados circunstäncias, aqueles efeitos que podem vir a näo ser

bons. Näo se deve esquecer que o filtro de amor näo trouxe bons re 

sultados para o Tristäo e a Isolda de Wagner. Ao fim de três horas de

espectáculo, sem contar com os intervalos, eles encontram uma morte

desoladora.
Podemos agora acrescentar à neurobiologia do sexo, a respeito da qual

se sabe já bastante, os primórdios da neurobiologia do afecto e, munidos

de ambos, lançar um pouco mais de luz sobre o complicado conjunto de

estudos e comportamentos mentais a que chamamos amor.

O que está aqui emjogo, nas combinaçöes dos circuitos massivamente

recorrentes que apresentei em esboço, é uma série de circuitos fechados

defeedbackefeedforwardem que alguns dos circuitos säo de natureza pura 

mente quimica. Talvez o dado mais significative acerca desta combinaçäo

seja o facto de as estruturas do cérebro intervenientes na regulaçäo bioló 

gica básica fazerem igualmente parte da regulaçäo do comportamento e

serem indispensáveis à aquisiçäo e ao normal funcionamento dos pro 

cessos cognitivos. O hipotálamo, o tronco cerebral e o sistema limbico

intervêm na regulaçäo do corpo e em todos os processos neurais em que

assentam os fenómenos mentais, como, por exemplo, a percepçäo, a

aprendizagem, a memória, a emoçäo e o sentimento e ainda   como pro 

porei mais adiante   o raciocinio e a criatividade. A regulaçäo do corpo,

a sobrevivência e a mente estäo intimamente ligados. F sta interligaçäo ve 

rifica se ao nivel do tecido biológico e utilize sinais quimicos e eléctricos,

qualquer deles dentro da res extensa de I)escartes (o dominio fisico em que

ele inclui o corpo e o meio envolvente mas näo a alma näo fisica, que

pertence à res cogitans). Curiosamente, essa interligaçäo ocorre de forma

intensa näo muito longe da gländula pineal, no interior da qual Descar 

tes procurou em tempos aprisionar a alma incorpores.

REGULAÇAO BIOLOGICA E SOBREVIVENCIA 139


PARA ALÉM DOS IMPULSOS E DOS INSTINTOS

Até que ponto os impulsos e os instintos podem, por si só, garantir a

sobrevivência de um organisme parece estar dependente da complexi 

dade do meio ambiente e da complexidade do organisme em questäo.

Encontramos entre os animais, dos insectes aos mamiferos, exemplos

inequivocos de como enfrentar com sucesso formas especiíicas do meio

ambiente com base em estratégias inatas, sendo que essas estratégias

incluem com frequência aspectos complexes da cogniçäo e comporta 

mento social. Näo paro de me maravilhar com a complicada organizaçäo

social dos nossos primos afastados, os macacos, ou com as soíisticadas

práticas sociais de muitas aves. No entanto, quando consideramos a nossa

própria espécie e os meios ambientes bem mais variados e imensamente

irnprevisiveis em que temos conseguido sobreviver, verificamos que de 

pendemos de mecanismos biológicos de base genética altamente evolui 

dos, assim como de estratégias supra instintivas de sobrevivêncla que se

desenvolveram em sociedade, transmitidas por via cultural, e requerem,

para a sua aplicaçäo, consciência, deliberaçäo racional e força de vontade.

É por isso que a fome, o desejo e a raiva explosiva dos seres humanos näo

prosseguem livremente para a alimentaçäo desenfreada, a violência

sexual e o assassinio, pelo menos nem sempre, dado que um organisme

humano saudável se tenha desenvolvido numa sociedade em que as

estratégias de sobrevivência supra instintivas sejam activamente trans 

mitidas e respeitadas.

Há milénios que os pensadores ocidentais e orientais, religiosos ou

nao, têm estado conscientes deste facto; mais perto da nossa época, o tema

preocupou tanto Descartes como Freud, para referir apenas dois nomes.

O controlo das inclinaçöes animais através do pensamento, da razäo e da

vontade é o que nos torna humanos, segundo As Paixöes da Alma de

Descartes'. Estou de acordo com a sua formulaçäo, só que, onde ele es 

pecificou um controlo alcançado por um agente näo fisico, eu vejo uma

operaçäo biológica estruturada dentro do organismo humano que em

nada é menos cornplexa, admirável ou sublime. A criaçäo de um superego

que integraria os instintos nos ditames sociais foi a formulaçäo encon 

trada por Freud em O Mal Estar na Civilizaçäo, superego esse que se

encontrava liberto do dualismo cartesiano, ainda que de modo algum te 

nha sido explicitado em termos neurais7. A tarefa que se apresenta aos

neurocientistas de hoje é a de descobrir a neurobiologia que suporta as su 

pra regulaçöes adaptativas, ou seja, estudar e compreender as estruturas

cerebrais necessárias para se ter um conhecimento cabal dessas regula 

140 O ERRO DE DESCARTES


çöes. Näo viso reduzir os fenómenos sociais a fen(5menos biológicos, mas

antes debater a forte ligaçäo entre eles. Quero sublinhar que, muito em 

bora a cultura e a civilizaçäo surjam do comportamento de individuos

biolágicos, esse comportamento teve origem em comunidades de indi 

viduos que interagiam em meios ambientes especificos. A cultura e a civi 

lizaçäo näo podiam ter surgido a partir de indivíduos isolados, näo

podendo por isso serem reduzidas a mecanismos biolôgicos e ainda me 

nos a um subconjunto de especificaçöes genéticas. A compreensäo destes

fenómenos requer näo só a biologia e a neurobiologia mas também as

ciências sociais.

Existera nas sociedades humanas convençöes sociais e regras éticas

acerca e acima das convençöes, e regras que a biologia por si já propor 

ciona. Esses niveis de controlo adicionais moldam o comportamento ins 

tintivo de forma a este poder ser adaptado com flexibilidade a um meio

ambiente em rápida e complexe mutaçäo e garantir a sobrevivência do in 

dividuo e dos outros (especialmente se pertencerem à mesma espécie) em

circunstäncias em que uma das respostas pré estabelecidos no repertório

natural se revelaria contraproducente imediata ou eventualmente. Os

perigos que advêm dessas convençöes e regras podem ser imediatos e di 

r ectos (danos fisicos ou mentais) ou remotos e indirectes (perda futura,

vergonha). Muito embora estas convençöes e regras tenham de ser

transmitidas apenas através da educaçäo e da socializaçäo, de geraçäo em

geraçäo, suspeito que as representaçöes neurais da sabedoria que in 

corporam e dos meios para implementar essa sabedoria se encontram

ligados, de forma inextrincável, à representaçäo neural dos processos

biolôgicos inatos de regulaçäo. Vejo um «trilho» a ligar o cérebro que re 

presenta uma ao cérebro que representa a outra. Naturalmente que esse

trilho é constituida por conexöes entre neurónios.

Creio ser possivel poder entrever, para a maior parte das regras éticas

e das convençöes sociais, independentemente do grau de elevaçäo das

suas metas, um elo significative com metas mais simples, assim como com

impulsos e instintos. E qual a ligaçäo para tal elo? Porque as consequên 

cias de se alcançar ou näo um objective social aperfeiçoado contribuera

(ou pelo menos säo percebidas como contribuindo), ainda que indirecta 

mente, para a sobrevivência e para a qualidade dessa sobrevivência.

Quererá isto dizer que o amor, a generosidade, a bondade, a compai 

xäo, a honestidade e outras caracteristicas humanas louváveis näo säo

mais do que o resultado de uma regulaçäo neurobiológica que é orientada

para a sobrevivência e que é consciente mas egoista? Será que isto nega a

possibilidade do altruisme e anula o livre arbitrio? Quererá isto dizer que

näo existe amor verdadeiro, amizade sincera, compaixäo genuina? De

REGULAÇAO BIOLOGICA E SOBREVIVENCIA 141


modo algum. O amor é verdadeiro, a amizade sincera e a compaixäo ge 

numa se eu näo mentir em relaçäo ao que sinto, se eu realmente me sentir

apaixonado, amigável e compadecido. Talvez eu fosse mais merecedor de

elogios se alcançasse estes sentimentos através de um puro esforço inte 

lectual e de uma pura força de vontade, mas näo vejo qualquer problema

se a minha actual natureza me ajudar a atingi los mais rapidamente e me

íizer simpático e honesto sem esforço. A verdade do sentimento (que diz

respeito à correspondência entre o que faço e digo e aquilo que tenho em

mente) e a grandeza e beleza do sentimento, näo säo postas em perigo pela

realizaçäo de que a sobrevivência, o cérebro e uma educaçäo apropriada

têm imenso a ver com os motivos pelos quais nós experienciamos tais

sentimentos. O mesmo se aplica em grande medida ao altruisme e ao livre

arbitrio. O facto de sabermos que existera mecanismos biológicos subja 

centes ao comportamentohumanomais sublimen~aolmpoe uma reduçäo

simplista deste comportamento aos rudimentos da neurobiologia. De

qualquer modo, a explicaçäo parcial da complexidade recorrendo a algo

menos complexe näo significa qualquer tipo de depreciaçäo.

O quadro que estou a estabelecer para os seres humanos é o de um

organisme que surge para a vida dotado de mecanismos automáticos de

sobrevivência e ao qual a educaçäo e a aculturaçäo acrescentam um

conjunto de estratégias de tomada de decisäo socialmente permissiveis e

desejáveis, os quais, por sua vez, favorecem a sobrevivência   melho 

rando de forma notável a qualidade dessa sobrevivência   e servem de

base à construçäo de uma pessoa. A nascença, o cérebro humano inicia o

seu desenvolvimento dotado de impulsos e instintos que incluem näo

apenas um kit fisiológico para a regulaçäo do metabolismo mas também

dispositivos básicos para fazer face ao conhecimento e ao comportamen 

to social. Ao terminar o desenvolvimento infantil, o cérebro encontra se

dotado de niveis adicionais de estratégias para a sobrevivência. A base

neurofisiológica dessas estratégias adquiridas encontra se entrelaçada

com a do repertório instintivo, e näo sá modifica o seu uso como amplia

o seu alcance. Os mecanismos neurais que sustentam o repertório supra 

 instintivo podem assemelhar se, na sua concepçäo formal geral, aos que

regem os impulsos biológicos e ser também restringidos por estes últi 

mos. No entanto, requerem a intervençäo da sociedade para se tomarem

naquilo em que se tomam, e estäo por isso relacionados tanto com uma

determinada cultura como com a neurobiologia geral. Além disso, fora

dessa dupla condicionante, as estratégias supra instintivas de sobrevi 

vência criam algo exclusivamente humano: um ponto de vista moral que,

quando necessário, pode transcender os intéresses do grupo ou até mes 

mo da própria espécie.

Sete
Emoçöes e sentimentos


omo se traduz em termos neurobiológicos o que foi apresentado

C no final do capitulo anterior? Os dados sobre a regulaçäo bioló 

gica mostram que as selecçöes de respostas de que os organismos näo têm

consciência e que, por conseguinte, näo säo deliberadas ocorrem constan 

temente nas estruturas cerebrais evolutivamente mais antigas. Os orga 

nismos cujos cérebros incluem apenas aquelas estruturas arcaicas e säo

destituidos de estruturas evolutivamente modernas   como os répteis,

por exemplo   executam sem dificuldade essa selecçäo de respostas.

Podemos entender a selecçäo de respostas como uma forma elementar de

tomada de decisäo, desde que fique bem claro que näo se trata de um self

consciente a efectuar a decisäo, mas sim de um conjunto de circuitos

neurais.

É, no entanto, bem sabido que, quando os organismos sociais se vêem

confrontados com situaçöes complexes e säo levados a decidir em face da

incerteza, têm de recorrer a sistemas no neocórtex, que é o sector mais

moderno do cérebro em termos evolutivos. Existe uma notável correlaçäo

entre a expansäo e a subespecializaçäo do neocórtex, e a complexidade e

imprevisibilidade dos meios ambientes com os quais os individuos con 

seguem lidar em virtude dessa expansäo. Assume particular releväncia,

neste ponto, uma importante descoberta de john Allman: independente 

mente do tamanho do corpo, o neocórtex dos macacos que se alimentam

de frutos é maior que o dos macacos que se alimentam de folhas'. Os

macacos que se alimentam de frutos têm de possuir uma memória mais

rica para que se possam recordar de quando e onde procurar frutos

EMOÇOFS E SENTIMENTOS 143


comestiveis, para näo encontrarem árvores sem frutos ou com fruta es 

tragada. Os seus neocórtices majores sustentam maior capacidade de

memória factual do que necessitam.

É täo evidente a discrepäncia entre as capacidades de processamento

das estruturas cerebrais «baixas e antigas>, e das @

deu lugar a uma opiniäo aparentemente sensata acerca das responsabili 


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