De descartes



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para este estado, que era uma condiçäo impotente de estupor em que o

conhecimento era substi@do por aquela 'agonia positiva e activa'.»

«(Agonia positiva e activa» foram as palavras usadas por William James

para descrever a sua própria depressäo.)

A outra clarificaçäo: apresentei a minha perspectiva de quais podem

ser as componentes essenciais de um sentimento, em termos cognitivos e

neurais; só a investigaçäo futura permitirá determinar se ela está correcta.

Mas näo expliquer como sentimos um sentimento. A recepçäo de um

conjunto alargado de sinais sobre o estado do corpo nas zonas cerebrais

apropriadas é o começo necessário mas näo suficiente para os sentimen 

tos serem sentidos. Tal como sugeri ao discutir as imagens, uma outra

condiçäo para essa experiência é a correlaçäo entre a representaçäo do

corpo que está em curso e as representaçöes neurais que constituera o self.
Forum da Ciência 29   11

162 O ERRO DE DESCARTES


Um sentimento em relaçäo a um determinada objecto baseia se na sub 

jectividade da percepçäo do objecto, da percepçäo do estado corporal

criado pelo objecto e da percepçäo das modificaçöes de estilo e eficiência

do pensamento que ocorrem durante todo este processo.


Enganando o cérebro

Que evidência temos a favor da afirmaçäo de que os estudos

do corpo provocam sentimentos? Parte da evidência encontra 

 se em estudos neuropsicológicos que correlacionam a perda

de sentimentos com lesöes em regiöes cerebrais necessárias à

representaçäo dos estudos do corpo (ver Capitulo Cinco), mas

estudos efectuados em individuos normais säo também revela 

dores neste aspecto, em particular os de Paul Ekman 14. Quando

Paul Ekman deu instruçöes a individuos normais sobre o modo

de moverem os seus músculos faciais, «compondo» uma

expressäo emocional especiíica nos seus rostos sem que eles es 

tivessem inteirados da sua intençäo, o resultado foi o de que os

individuos experienciaram um sentimento correspondente à

expressäo. Por exemplo, uma expressäo facial feliz composta de

forma tosca e incompleta levou a que os indivíduos sentissem

«felicidade», uma expressäo facial zangada a que sentissem

«raiva» e assim sucessivamente. Isto é de facto impressionante

se considerarmos que eles apenas detectavam expressöes fa 

ciais imprecisas e fragmentárias, e que, como näo estavam a

aperceber se ou a avaliar qualquer situaçäo real que pudesse

desencadear uma emoçäo, os seus corpos näo podiam ter, à par 

tida, o perfil visceral que acompanha uma emoçäo verdadeira.

A experiência de Ekman sugere ou que um fragmente do

padräo corporal caracteristico de um estado emocional é sufi 

ciente para produzir um sentimento do mesmo sinal ou que o

fragmente desencadeia subsequentemente o resto do estado do

corpo e conduz ao sentimento. Curiosamente, nem todas as

partes do cérebro se deixam enganar, por assim dizer, por um

conjunto de movimentos que näo é produzido através dos

meios habituais. Novos dados provenientes de registos electro 

fisiológicos mostram nos que os sorrisos simulados originam

padröes de ondas cerebrais diferentes dos padröes criados

EMOÇOES E SENTIMENTOS 163


pelos sorrisos verdadelrosll. A primera vista, a descoberta elec 

trofisiológica pode parecer contradizer a descoberta feita na ex 

periência anteriormente citada, mas näo é bem assim: embora

relatassem um sentimento adequado ao fragmente de expres 

säo facial, os individuos estavam plenamente cientes de que nao

se sentiam felizes ou zangados em relaçäo a algo em particular.

Näo nos conseguimos enganar a nós próprios, tal como näo con 

seguimos enganar os outros quando sá sorrimos por cortesia, e

é exactamente isso que o registo eléctrico parece estabelecer cla 

ramente. Pode ser também por este motivo que tanto grandes

actores como cantores de ópera conseguem sobreviver à simula 

çäo das emoçöes exaltadas a que se submetem com regulari 

dade sem perderem o controlo.

Perguntei a Regina Resnik, a mais notável intérprete lirica de

Carmen e Clitemnestra no após guerra, e veterana de mil noites

musicais de côlera e loucura, se tinha sido muito dificil separar 

 se das emoçöes exorbitantes das suas personagens. Nada difi 

cil, respondeu ela, depois de se ter inteirado dos segredos da sua

técnica. Ninguém imaginaria, ao vê la e ouvi la, que estava

apenas a «retratar» fisicamente a emoçäo em vez de a «sentir».

Mas confessa que uma vez, ao interpretar A Rainha de Espadas,

de Tchaikovsky, sozinha no palco escuro, preparada para a cena

de morte por susto da Velha Condessa, actriz@antora e perso 

nagem se fundiram e conheceu o verdadeiro terror.


VARIEDADES DE SENTIMENTOS

Tal como referi no inicio deste capitulo, existera muitas variedades de

sentimentos. A primera variedade baseia se nas emoçöes   sendo as

mais universais a Felicidade, a Tristeza, a Cólera, o Medo e o Nojo   e cor 

responde a perfis de resposta do estado do corpo que sao, em grande

medida, pré organizados na acepçäo de James. Quando o corpo se con 

forma aos perfis de uma daquelas emoçöes, sentimo nos felizes, tristes,

irados, receosos ou repugnados. Quando os nossos sentimentos estäo as 

sociados a emoçöes, a atençäo converge substancialmente para sinais do

corpo, e há partes do corpo que passam do segundo para o primeiro plano

da nossa atençäo.

Uma segunda variedade de sentimentos é a que se baseia nas emoçöes

164 O ERRO DE DESCARTES


que säo pequenas variantes das cinco atrás mencionadas: a euforia e o êx 

tase säo variantes da felicidade; a melancolia e a ansiedade säo variantes

da tristeza; o pänico e a timidez säo variantes do medo. Esta segunda

variedade de sentimentos é sintonizada pela experiência quando grada 

çöes mais subtis do estado cognitivo säo conectadas com varlaçöes mais

subtis de um estado emocional do corpo. É a ligaçäo entre um conteúdo

cognitivo intricado e uma variaçäo num perfil pré organizado do estado

do corpo que nos permite sentir gradaçöes de remorso, vergonha, vin 

gança, Schadenfreude*, e assim por diante".

Variedades de Sensaçöes


Sentimentos de Emoçöes Universais Básicas

Sentimentos de Emoçöes Universais Subtis

Sentimentos de Fundo

Sentimentos de näo


Proponho que exista também uma outra variedade de sentimentos

que suspeito ter precedido as outras na evoluçäo. Chamo lhe sentimento

de fundo (background) porque tem origem em estados corporais de «fun 

do@> e näo em estados emocionais. Näo é o Verdi da grande emoçäo, nem

o Stravinsky da emoçäo intelectualizada, mas antes um minimalista no

tom e no ritmo, o sentimento da própria vida, a sensaçäo de existir. Espero

que a noçäo possa ser útil para a análise futura da fisiologia dos senti 

mentos.


De âmbito mais restrito que os sentimentos emocionais atrás descritos,

os sentú nentos de fundo näo säo nem demasiado positivos nem demasia 

do negativos, ainda que se possam revelar agradáveis ou desagradáveis.

Muito provavelmente, säo estes sentimentos, e näo os emocionais, que

sentimos com mais frequência ao longo da vida. Apenas nos damos conta

subtilmente de um sentimento de fundo, mas estamos suficientemente

conscientes dele para sermos capazes dizer de imediato qual é a sua quali 

dade. Um sentimento de fundo näo é o que sentimos ao extravasarmos de

alegria ou desanimarmos com um amor perdido; os dois exemplos corres 

pondem a estados do corpo emocionais. Ao invés, um sentimento de

fundo corresponde aos estados do corpo que ocorrem entre emoçöes.

Quando sentimos felicidade, cólera ou outra emoçäo, o sentimento de


* Em alemäo no original: satisfaçäo maliciosa. (N. da T.)

EMC)ÇOES E SENTIMENTOS 165


fundo foi suplantado por um sentimento emocional. O sentimento de

fundo é a nossa imagem da paisagem do corpo quando esta näo se encon 

tra agitada pela emoçäo. O concerto de «humor», apesar de relacionado

com o de sentimento de fundo, näo a capta plenamente. Quando os senti 

mentes de fundo näo mudam ao longo de horas e dias e tranquilamente

näo se alteram com o íluxo e o refluxo do conteúdo dos pensamentos, o

conjunto de sentimentos de fundo contribui provavelmente para um hu 

mor bom, mau ou indiferente.


Se tentar imaginar por um instante qual seria a sua situaçäo setti sen 

timentos de fundo, näo terá quaisquer dúvidas quanto à noçäo que estou

a introduzir. Defendo que sem eles o âmago da nossa representaçäo do self

seria destruido. Permita me explicar por que penso assim.

Tal como indiquer as representaçöes dos estados do corpo actuais

ocorrem em múltiplos córtices somatossensoriais nas regiöes insular e

parietal e também no sistema Iímbico, hipotálamo e tronco cerebral. Estas

regiöes, tanto no hemisfério esquerdo como no direito, säo coordenadas

por conexöes de neurónios, predominando o hemisfério direito sobre o

esquerdo. Há ainda muito que descobrir a respeito das especificaçöes

exactas das conexöes deste sistema (infelizmente, é um dos sectores

menos estudados do cérebro dos primatas), mas uma coisa é certa: a

representaçäo complexe dos estados do corpo à maneira que väo ocor 

rendo está distribuida por uma série de estruturas, tanto em zonas

subcorticais como zonas corticais. Uma boa parte dos sinais vindos das

visceras termina em estruturas que se poderiam designar por «näo carto 

grafadas», muito embora exista informaçäo visceral suficientemente bem

cartografada que nos permite detectar dor ou desconforto em áreas

identificáveis do corpo. Se, por um lado, é verdade que os mapas que o cé 

rebro traça para as visceras säo menos rigorosos do que os que faz para

o mundo exterior, a falta de rigor e os casos de erro de localizaçäo têm sido

exagerados, em grande medida através da evocaçäo de fenómenos como

a «dor reflexa» (isto é, sentir uma dor no braço esquerdo ou no abdómen

durante um enfarte do miocárdio, ou uma dor sob a omoplata quando se

regista uma inflamaçäo da vesicula biliar). Quanto aos sinais provindos

dos músculos e das articulaçöes, terminam em estruturas topografica 

mente cartografadas.
A par dos mapas dinâmicos do corpo de acesso imediato (on line),

existera mapas um pouco mais estáveis da estrutura geral do corpo que

representam a propriocepçäo (sensaçäo articular e muscular) e a intero 

cepçäo (sensaçäo visceral), e que constituera a base da nossa noçäo de


166 O ERRO DE DF SCARTES


imagem do corpo. Estas representaçöes säo de acesso näo imediato (ofí li 

iie), säo disposiçöes, mas é possível activa las nos córtices somatossen 

soriais topograficamente organizados, lado a lado com a representaçäo,

on line, dos estados corporais do agora, a fim de permitirem uma ideia do

que os nossos corpos tendem a ser e näo do que sao no momento presente.

A melhor evidência deste tipo de representaçäo é o fenómeno do membro

fantasme, a que anteriormente aludi. Após uma amputaçäo cirúrgica,

alguns doentes imaginam que o membro ausente ainda lá se encontra.

Conseguem até sentir alteraçöes imaginárias no estado do membro

inexistante, tal como determinado movimento, dor, temperatura, etc. A

minha interpretaçäo deste fenómeno é a de que, na ausência de infor 

maçäo on line acerca do membro ausente, prevalece a informaçäo on line

provinda de uma representaçäo disposicional daquele membro: ou seja,

a reconstruçäo através do processo de evocaçäo de uma memória ante 

riormente adquirida.

Talvez aqueles que acreditam que, em condiçöes normais, muito

pouco do estado do corpo aparece na consclêncla queiram reconsiderar

essa posiçäo. É certo que näo temos constantemente consciência de todas

as partes do nosso corpo porque as representaçöes dos acontecimentos

exteriores, através da vista, do ouvido e do tacto, assim como as imagens

geradas intemamente, nos distraem da representaçäo constante e ininter 

rupta do corpo. Mas o facto de o foco da nossa atençäo poder estar, nor 

malmente, onde quer que seja mais necessário para o comportamento

adaptativo, näo significa que näo haja representaçäo do corpo, como se

pode confirmar facilmente quando o inicio súbito de uma dor ou de

desconforto volta a transferir para o corpo o foco da nossa atençäo. A sen 

saçäo corporal de fundo é continua, embora mal demos por ela visto näo

representar uma parte especifica de algo no corpo mas antes um estado

geral de quase tudo que se encontra nele. No entanto, essa representaçäo

imparável do estado do corpo é o que nos permite responder pronta 

mente à questäo especifica «Como se sente?» com uma resposta que tem

a ver com o facto de nos sentirmos bem ou näo. (Repare que a pergunta

näo é o simples «Como está?», a que se pode responder de forma cortês

e superficial sem se fazer qualquer mençäo ao estado corporal pessoal.) O

estado de fundo do corpo é continuamente apreciado e, por isso, gostaria 

mos muito de saber o que sucederia se, de repente, ele desaparecesse; se

nos perguntassem como nos sentimos e descobrfssemos que nada sa 

biamos sobre o nosso estado de fundo; se, ao doer nos uma perna, o

desconforto assim sentido fosse uma percepçäo isolada, liberta na mente,

em vez de ser uma sensaçäo integrada na imagem de um corpo a cuja tota 

lidade temos facilmente acesso. É sabido que mesmo a suspensäo muito

EMOÇOES E SENTIMENTOS 167


mais simples e relativamente circunscrita da propriocepçäo, que pode ser

provocada por uma doença nos nervos periféricos, origina uma ruptura

profunda dos processos mentais. (Oliver Sacks apresentou uma descriçäo

evocativa de um desses doentes 17. ) Será de esperar, entäo, que uma perda

ou uma modificaçäo mais geral da sensaçäo bem radicada do estado do

corpo geral causará um distúrbio ainda maior, e é isso que, efectivamente,

acontece.

Como foi descrito no Capitulo Quatro, alguns doentes com anosogno 

sia prototipica e completa perdem a noçäo do seu estado clinico geral.

Desconhecem que estäo a sofrer os efeitos invariavelmente devastadores

de uma doença grave, a maior parte das vezes um acidente vascular ce 

rebral ou um tumor que se forma no próprio cérebro ou que é metástase

de um cancro noutra parte do corpo. Näo reconhecem que estäo paralisa 

dos, mesmo quando se däo conta de que nao mexem os membros, por

exemplo, quando confrontados com a realidade e obrigados a ver a imobi 

lidade da mäo e do braço esquerdo. Näo se apercebem das consequencias

da sua situaçäo clinica e o futuro n~ao os preocupa  As suas manifestaçöes

emocionais säo limitadas ou inexistentes e os sentimentos   por sua pró 

pria verificaçäo ou por inferência de um observador   säo igualmente

nulos.


O tipo de lesäo cerebral em anosognósicos desse tipo resulta na falha

da intercomunicaçäo entre as regiöes que intervêm no levantamento do

estado do corpo, e, com alguma frequência, na própria destruiçäo de algu 

mas destas regiöes  Estas regiöes situam se todas no hemisfério direito,

apesar de receberem informaçöes tanto do lado direito do corpo como do

lado esquerdo. As regiöes chave situam se na insula, no lóbulo parietal

e na substäncia branca que contém, quer as ligaçöes entre elas quer, além

disso, as ligaçöes para e do tálamo, para e do córtex frontal, e para os gän 

glios basais.

Usando a noçäo de sentimento de fundo, posso agora indicar o que, em

meu entender, sucede na anosognosia. Incapazes de aproveitar a in 

fonnaçäo que recebem do corpo, os anosognósicos näo conseguem actua 

lizar a representaçäo dos seus corpos e, consequentemente, reconhecer,

de forma imediata e automática, através do sistema somatossensorial,

que a realidade da sua situaçäo corporal se alterou. Säo capazes de formar

ainda uma imagem mental de como eram os seus corpos, que se encontra

agora desactualizada. E, como o seu corpo estava bem, é isso que acabam

por descrever quando interrogados.

Os doentes com membro fantasma podem afirmar que sentem ainda

o membro ausente mas apercebem se de que, efectivamente, ele näo está

lá. Näo sofrem de uma ilusäo ou de uma alucinaçäo; na verdade, é o seu

168 O ERRO DE DESCARTES


sentido da realidade que os leva a queixarem se do seu estado incómodo.

Mas os anosognósicos näo possuem capacidade de verificaçäo automá 

tica da realidade: säo diferentes, ou porque o seu estado envolve infor 

maçäo acerca de todo o corpo em vez de envolver informaçäo acerca de

uma parte, ou porque envolve informaçäo visceral mais do que qualquer

outra, ou por ambos os motivos. A ausência de sinais actualizados do

corpo leva näo sé a afirmaç  öes irracionais sobre os defeitos motores mas

também a emoçöes e sentimentos inadequados em relaçäo ao estado de

saúde. Estes doentes näo parecem nada preocupados com o seu estado,

chegando mesmo alguns a revelar se extremamente jocosos, outros par 

ticularmente sorumbáticos. Quando säo obrigados a raciocinar sobre o

seu estado com base nos novos factos que lhes säo apresentados por

outras vias, verbalmente ou através da confrontaçäo visual directs, re 

conhecem por momentos a sua nova situaçäo mas nao tardam a esquecer

essa percepçäo. De certa forma, o que näo @, de modo naturel e au 

tomático através do sentimento näo pode ser conservado na mente.

Os doentes com anosognosia oferecem nos a imagem de uma mente

privada da possibilidade de sentir o presente estado corporal, em especial

no que se refere a sentimentos de fundo. Avento a hipótese de o self des 

tes doentes, incapaz de detectar os sinais actuais do corpo na referência

de base do corpo, ter deixado de ser integral. O conhecimento da identi 

dade pessoal encontra se ainda presente e é recuperável sob a forma de

linguagem: os anosognôsicos lembram se de quem säo, onde vivem e

trabalharam, conhecem os que lhes säo chegados. Mas essa fonte de infor 

maçäo näo pode ser usada para raciocinar correctamente sobre o actual

estado pessoal e social. A teoria que estes doentes criam acerca das suas

mentes e das mentes dos outros encontra se em estado deplorável, irre 

vogavelmente desactualizada e desfasada da época histórica em que eles

e os seus observadores se encontram.

A continuidade dos sentimentos de fundo encaixa se no facto de o or 

ganismo vivo e a sua estrutura serem contínuos enquanto for mantida a

vida. Ao invés do nosso meio ambiente, cuja constituiçäo muda, e ao in 

vés das imagens que criamos em relaçäo a esse meio ambiente, que säo

fragmentárias e condicionadas por circunstäncias externas, o sentimento

de fundo refere se sobretudo a estados do corpo. A nossa identidade

individual está ancorada nesta ilha de uniformidade viva e ilusária em

contraste com a qual nos apercebemos de uma infinidade de outras coisas

que manifestamente mudam em tomo do organisme.


EMOÇOES E SENTIMENTOS 169


O CORPO COMO TEATRO DAS EMOÇOES

Uma das criticas feitas a William james refere se à ideia de que usamos

sempre o corpo como teatro para as emoçöes. Muito embora acredite que

em muitas situaçöes as emoçöes e os sentimentos actuam precisamente

desse modo, da mente / cérebro para o corpo, e de volta à mente / cérebro,

estou também convencido de que em inúmeros momentos o cérebro

aprende a forjar uma imagem simulada de um estado «emocional» do

corpo sem ter de a reconstituir no corpo propriamente dito. Além disso,

como discutimos anteriormente, a activaçäo de núcleos neurotransmis 

sores no tronco cerebral e as suas respostas passam ao lado do corpo,

«transpôem no», ainda que, de forma bastante curiosa, os núcleos neuro 

transmissores façam parte essencial da representaçäo cerebral da regu 

laçäo do corpo. Existera, pois, mecanismos neurais que nos ajudam a

sentir «como se» estivéssemos a passar por um estado emocional, como

se o corpo estivesse a ser activado e alterado. Esses mecanismos per 

mitem nos transpor (by pass) o corpo e evitar um processo lento e consu 

midor de energia. Podemos evocar com eles uma espécie de sentimento

apenas dentro do cérebro. Duvido, no entanto, que esses sentimentos se 

jam iguais aos que correspondem a um estado real do corpo.

Os mecanismos «como se>@ devem desenvolver se enquanto cresce 

mos e nos adaptamos ao nosso meio ambiente. A associaçäo entre uma

determinada imagem mental e um substituto de um estado do corpo deve

ter sido obtida a partir da repetiçäo da associaçäo de imagens de determi 

nadas entidades ou situaçöes com imagens de estados do corpo acabados

de ocorrer. Para que uma imagem especifica desencadeie o «mecanismo

de transposiçäo», foi necessário fazer o processo passar no teatro do

corpo, leva lo, por assim dizer, a percorrer o circuito do corpo. (Ver

Figura 7.6.)

Por que é que os sentimentos «como se» deveräo ser sentidos de

maneira diferente? Vou apresentar pelo menos uma razäo que me leva a

pensar que assim seja. Imagine a situaçäo de uma pessoa normal ligada

a um poligrafo, que é um instruments laboratorial que permite avaliar a

configuraçäo e a magnitude das reacçöes emocionais sob a forma de grá 

ficos continues. Imagina agora essa pessoa a participarnuma experiência

psicológica durante a qual o examinador irá considerar determinadas res 

postas correctas e merecedoras de alguma recompensa, ou incorrectas e

merecedoras, por isso, de algum castigo. O individus, ao ser informado

de que uma determinada acçäo que terá efectuado durante a experiencla

está certa e que vai ser recompensado, gera uma resposta que surge como

170 O ERRO DE DESCARTES


uma curva. A curva tem uma forma especfíica, inicio, rampa de cresci 

mento, chegada a um determinado patamar superior. Passado algum

tempo, outra acçäo efectuada pelo individus suscita um castigo, o que ori 

gina também uma reacçäo. Mas, desta vez, a forma da curva é diferente

e a rampa sobe mais do que no exemplo anterior. Um pouco depois, outra

acçäo desencadeia um castigo mais pesado, e näo só a curva de reacçäo é

diferente como a agulha dá uma guinada no papel e quase sai da super 

ficie de registo.

Figura7.6 Umdiagrama

do «circuito pelo corpo» (body

loop) e do circuito «como se».

Tanto no painel do circuito do

corpocomo nodocircuito «como

se»,océrebroérepresentadopelo

perimetro negro superior e o

corpo pelo inferior. O processo

nocircuito «comose» transpoeo


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