De descartes



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pessoas estäo a mentir, e para tal procure se leva las a negar o conheci 

mento de um certo objecte ou rosto, o que pode produzir involuntaria 

mente uma resposta de condutividade dérmica.

O nosso estudo pretendia determinar, antes de mais, se doentes como

Elliot eram ainda capazes de originar respostas de condutividade dér 

mica. Seria o seu cérebro ainda capaz de desencade@ir uma alteraçäo no

estado somático? Para respondermos a esta questäo, comparámos doen 

tes com lesöes no lóbulo frontal, individuos normais e doentes com lesöes

noutras zonas do cérebro em condiçöes experimentais que originam infa 

livelmente uma resposta de condutividade dérmica. Uma dessas condi 

çöes experimentais é designada por,

um individus com um som inesperado, como, por exemplo, bater palmas,

ou com um claräo luminoso súbito provocado por uma lâmpada estro 

boscópica que pisca rapidamente. Um outro indicador fiável de norma 

218 O ERRO DE DESCARTES


lidade relativamente ao mecanismo de condutividade dérmica é um acto

fisiolôgico simples como o respirar fundo.

Verificámos rapidamente que todos os nossos doentes com lesäo no 16 

bulo frontal eram capazes de desenvolver respostas de condutividade

dérmica nestas condiçöes. Por outras palavras, parece que nos doentes

com lesäo frontal nada de essencial fora afectado no mecanismo neural

básico através do qual säo produzidas as reacçöes de condutividade dér 

mica.


Procurámos saber em seguida se os doentes com lesöes no lóbulo fron 

tal eram c.apazes de produzir respostas de condutividade dérmica a um

estimulo que requeria uma avaliaçäo do seu conteúdo emocional. Por que

razäo? Porque doentes como Elliot apresentavam uma lirnitaçäo na sua

experiência da emoçäo e porque sabiamos, de estudos anteriores em in 

dividuos normais, que, quando somos expostos a estimulos com um ele 

vado conteúdo emocional, eles produzem infalivelmente fortes respostas

de condutividade dérmica. Estas respostas säo geradas quando vemos

cenas de horror ou de dor fisica, ou fotografias dessas cenas, ou quando

vemos imagens sexuais explicitas. Podemos conceber a resposta de con 

dutividade dérmica como a parte subtil e imperceptivel de um estado do

corpo que, se se desenvolver completamente, nos dará a nitida sensaç~ao

de excitaçäo e estimulo  pele de galinha, em algumas pessoas. Mas é im 

portante termos presente que as alteraçöes de condutividade dérmica säo

apenas uma parte da modificaçäo do estado do corpo e que a existência

destas alteraçöes näo garante que nos demos conta de uma nitida altera 

çäo do estado do corpo. O que parece suceder, no entanto, é o seguinte:

se näo tivermos uma resposta de condutividade dérmica, nunca chega 

remos a ter consciência do estado do corpo que é caracteristico de uma

determinada emoçäo.

Montámos uma experiência de forma a podermos comparar doentes

com lesöes frontais tanto com individuos normais como com doentes sem

lesäo frontal, certificando nos de que os individuos se encontravam nive 

lados por idade e educaçäo. Os indivíduos deveriam assistir à projecçäo

de uma sucessäo de diapositivos enquanto estavam confortavelmente

sentados numa cadeira, ligados a um poligrafo, sem dizerem nem fa 

zerem nada. Muitos dos diapositivos eram perfeitamente banais, mos 

trando paisagens tranquilas ou padröes abstractos. Contudo, de vez em

quando, de forma aleatória, era passado um diapositive com uma ima 

gem perturbadora. A experiência decorreu enquanto havia diapositives

para ver (várias centenas). Antes de a projecçäo se iniciar, os individuos

foram informados de que deveriam estar atentos, dado que, mais tarde,

durante um periodo de debriefing, lhes seria pedido que nos dissessem o

TESTES A HIPOTESE DO MARCADOR SOMATICO 219


que haviam visto e sentido e até a ordem relative em que tinham visto

determinadas imagens durante a experiencia.

Os resultados foram inequivocosl. Os individuos sem lesäo frontal  

quer os normais quer aqueles com lesöes que näo afectavam os lóbulos

frontais   produziram um grande número de respostas de condutivi 

dade dérmica às imagens perturbadoras mas näo às únagens tranquilas.

Pelo contrário, os doentes com lesäo frontal näo conseguiram produzir

qualquer resposta de condutividade dérmica. Os seus registos eram

planos. (Ver Figura 9.1.)

Antes de tirarmos conclusöes precipitadas, decidimos repetir a expe 

riência com diferentes imagens e diferentes pessoas e repetir também a

experiência com as mesmas pessoas numa ocasiäo diferente. Nenhuma

destas manipulaçöes alterou os resultados. Repetidamente, nas condi 

çöes atrás descritas, os doentes com lesöes frontais näo davam qualquer

resposta de condutividade dérrnica às imagens perturbadoras, embora

conseguissem depois discutir, pormenorizadamente, o conteúdo dos dia 

positivos e até mesmo recordar se da posiçäo em que determinados dia 

ail


A A A A
x y

Figura 9.1   O perfil das respostas de conátitividade dérniica eni controlos ilormais

sem lesiio cerebral (X) e em doentes com lesöes no lóblilofrontal (Y) ao assistirem a iinia

seqtiência de imagens, alg imas das quais com umforte conteúdo emocional (identificadas

por A, para «alvo», debaixo do número do estimulo, i. e., SIA) e outras sem esseforte coti 

teúdo einocional. Os controlos normais produziram respostas de grande amplitude após

a visäo das it agens «emocioiiais», mas näo após as nezitras. Os doentesfrontais niio rea 

giram a qualquer delas.


positivos tinham surgido na sequência. Conseguiram descrever, por pa 

lavras, o medo, a repugnäncia ou a tristeza relativamente às imagens que

viram, e conseguiram dizer nos o momento em que uma determinada

220 O ERRO DE DESCARTES


imagem surgira relativamente a uma outra, ou o momento em que uma

dada imagem surgira relativamente na sequência global de diapositivos.

Näo havia dúvida de que estes individuos tinham est@ido atentos à exibi 

çäo dos diapositivos, que tinham compreendido o conteúdo das imagens

e que os concertos nelas representados se encontravam disponíveis para

eles a vários niveis   näo só sabiam o que til iha sido exibido (por

exemplo, um homicidio) como sabiam também que a maneira como o ho 

micidio estava representado continha um elemento de horror, ou que se

devia ter pena da vitima e lamentar que semelhante situaçäo pudesse ter

acontecido. Por outras palavras, um dado estimulo produzira, na mente

dos individuos com lesäo frontal que participaram na experiência, uma

abundante evocaçäo de conhecimentos pertinentes à situaçäo exibida no

diapositive. No entanto, ao invés do que se passou com os individuos de

controlo, os doentes com lesäo frontal näo apresentaram uma resposta de

condutividade dérmica. A análise estatistica das diferenças de resposta

revelou se extremamente significative.

Durante uma das primeras entrevistas, um dos doentes, de forma

espontänea, confirmou nos que faltava algo mais do que a resposta de

condutividade dérmica. Salientou que, depois de ver todas as imagens,

apesar de ter a noçäo de que o seu conteúdo era perturbador, näo se sen 

tia de todo perturbado. Consideremos a importäncia desta revelaçäo. Eis

aqui um ser humano ciente näo só do sentido manifeste das imagens e do

seu significado emocional implfcito, mas ciente também de que näo

«sentia» como dantes em relaçäo ao significado implicite. O doente estava

a dizer nos, muito simplesmente, que a sua carne já näo reagia a estes te 

mas como reagira em ocasiöes anteriores. Que, de certa forma, saber liäo

significa propriamente sentir, mesmo quando nos apercebemos de que algo

que sabemos deveria fazer nos sentir de uma determinada maneira mas

näo faz.

A ausência sistemática de respostas de condutividade dérmica, junta 

mente com o testemunho de doentes com lesöes frontais no que respeita

ao sentiments, convenceu nos, mais do que qualquer outro resultado, de

que valia a pena continuer a estudar a hipótese do marcador somático.

Com efeito, o que parecia verificar se era que o conhecimento daqueles

doentes se encontrava disponivel em toda a sua extensäo, excepte ao ni 

vel disposicional que relaciona um determúlado íacto com o mecanismo

de recriaçäo de uma resposta emocional. Na ausência dessa ligaçäo autó 

noma, os doentes eram capazes de evocar o conhecimento factualmas nao

de produzir um estado somático ou, pelo menos, um estado somático de

que tivessem consciência. Tinham acesso a um extenso repertório factual,

mas näo conseguiam experienciar uma sensaçäo, isto é, o «conheci 

TESTES A HIPOTESE DO MARCADOR SOMATICO 221


mento» de como os seus corpos se deveriam comportar em relaçäo ao

conhecimento factual evocado. E, como estes individuos tinham sido

anteriormente normais, conseguiam aperceber se de que o seu estado

mental já näo era o mesmo, de que algo lhes faltava.

No seu todo, as experiências sobre a resposta de condutividade dér 

mica proporcionaram nos uma contrapartida fisiológica mensurável,

quer da reduçäo na ressonäncia emocional que haviamos observado

nestes doentes quer da reduçäo dos sentimentos que eles experien 


ciavarn 

ASSUNÇÄO DE ISCOS.

AS EXPERIENCIAS DO JOGO

Uma outra abordagem que adoptámos para testar a hipótese do mar 

cador somático recorreu a uma tarefa concebida pelo meu estudante de
pás doutoramento Antoine Bechara. Sentindo se frustrado, como todos

os investigadores, com a natureza artificial da maioria das tarefas neu 

ropsicológicas experimentais, Antoine queria desenvolver um meio para

avaliar os resultados da tomada de decisöes que fosse o mais parecido

possivel como uma situaçäo da vida real. O ardiloso conjunto de tarefas

que ele concebeu, e que posteriormente aperfeiçoou em colaboraçäo com

Hanna Damásio e Steven Anderson, ficou conhecido no nosso labora 

tório, como era de prever, pelas «Experiências do jogo»2. De um modo

geral, o teatro das experiências é festivo, näo se assemelhando nada às fas 

tidiosas manipulaçöes da maioria das outras situaçöes experimentais 

Tanto as pessoas normais como os doentes gostam da situaçäo, e a na 

tureza da experiência dá azo a episódios curiosos  Recorás me de um

distinto visitante de olhos esbugalhados e boquiaberto que entrou no meu

gabinete depois de ter percorrido o laboratório onde estava a decorrer a

experiência. «Estäo a jogar à batota!», informou me num sussurro 
Na experiência básica, o individus, designado por «Jogador», senta 

 se diante de quatro baralhos de cartas etiquetados com as letras A, B, C

e D. Ojogador recebe um empréstimo de 2000 dólares (um bom fac simile

de dinheiro) e é informado de que o objective do jogo que vai jogar é

perder o menos possivel daquele dinheiro e tentar ganhar o máximo

possivel. O jogador näo sabe o número total de passos necessários para

terminer o jogo. O jogador é também informado de que toda e qualquer

carta que tirar terá como resultado o ganho de uma importäncia em


222 O ERRO DE DESCARTES


dinheiro e que, de vez em quando, ao virar determinadas cartas, receberá

dinheiro mas terá também de pagar uma determinada quantia ao inves 

tigador que conduz a experiência. A quantia a ganhar ou a pagar com uma

determinada carta sá é revelada depois de a carta ser virada. Näo é forne 

cida qualquer outra instruçäo. Täo pouco é revelado o valor do que j@l foi

ganho ou perdido; também näo é permitido ao individus tomar qualquer

apontamento.

O que o jogador poderá vir a descobrir é o seguinte: por cada carta

virada do baralho A ou B, recebe se a quantia de 100 dólares, enquanto

por cada carta do baralho C e D virada sá se recebe 50 dólares. O Jogador

pode virar as cartas de qualquer dos baralhos na ordem que preferir. Cer 

tas cartas dos baralhos A e B (os que pagam 100 dólares) requerem que o

Jogador efectue um pagamento elevado, atingindo, por vezes, os 1250

dólares. De igual modo, certas cartas nos baralhos C e D (os que däo 50 dó 

lares) impöem também um pagamento, mas as quantias säo mais peql ie 

nas, em média inferiores a 100 dólares. Estas regras nunca säo reveladas

nem alteradas. Ojogador näo sabe que ojogo terminará ao fim de 100jo 

gadas. Näo pode prever, de início, o que irá acontecer, nem pode manter

em mente o valor de ganhos e perdas enquanto decorre o jogo. Tal como

na vida, em que uma grande parte do conhecimento com que construimos

o nosso futuro se vai tornando acessivel pouco a pouco, à medida que a

experiência decorre, reina a incerteza. O nosso conhecimento   e o do Jo 

gador   é moldado tanto pelo mundo com que interagimos como por in 

fluências do nosso próprio organisme, por exemplo, a nossa preferêncla

natural por ganhos em vez de perdas, por recompensa em vez de castigo,

por um risco baixo em vez de um risco alto.

É interessante ver o que as pessoas normais fazem na experiência.

Começam por virar cartas dos quatro baralhos em busca de padröes e

pistas. Depois, talvez atraidas pela experiência da recompensa elevada ao

virar cartas dos baralhos A e B, começam por revelar uma preferência por

aqueles baralhos. No entanto, gradualmente, dentro das trinta primeras

jogadas, mudam a preferência para os baralhos C e D. Em regra geral,

mantêm esta estratégia até ao fim, embora alguns possam voltar espora 

dicamente a escolher os baralhos A e B, para logo retomarem o rumo de

 icçäo aparentemente mais rudente.
p

Nunca é possivel aos jogadores fazerem um cálculo rigoroso dos ga 

nhos e das perdas. Em vez disso, a pouco e pouco, väo se apercebendo de

que alguns baralhos   designadamente o A e o B   säo mais,

do que os outros. Poder se ia dizer que intuem que as penalizaçöes

menores nos baralhos C e D lhes permitem majores vantagens a longo

prazo, apesar do menor ganho inicial. Sabemos agora que existe, antes da

TESTES A HIPOTESE DO MARCADOR SOMATICO 223


conceptualizaçäo consciente das regras do jogo, um processo näo cons 

ciente que gradualmente vai formulando uma «previsao» do resultado

das jogadas e vai «empurrando» o jogador, de inicio discretamente, mas

depois de forma cada vez mais forte, para os bons baralhos, dizendo lhe

sem dizer que o castigo ou a recompensa está prestes a vir, se uma de 

terminada jogada for, de facto, efectuada. Em suma, näo se tr@ita de um

processo plenamente consciente ou de um processo plenamente näo

consciente. Säo necessários estes dois tipos de processamento para o fun 

cionamento do cérebro de um bom decisor.

O comportamento dos doentes com lesöes frontais nesta experiencla

foi revelador. A sua atitude no jogo de cartas foi semelhante aquilo que,

com frequência, tinham feito na vida real depois de sofrerem a lesäo cere 

bral, e, como é de esperar, diferente daquilo que teriam feito antes da

lesäo. O seu comportamento revelou se diametralmente oposto ao dos

individuos normais.

Apôs uma amostragem geral preliminar, os doentes com lesöes fron 

tais viravam sistematicamente mais cartas dos baralhos A e B e cada vez

menos cartas dos baralhos C e D. Näo obstante a maior quantidade de di 

nheiro que recebiam depois de virar cartas A e B, as multas que tinham de

pagar constantemente eram täo elevadas que entravam em falência a

meio do jogo e necessitavam de contrair mais empréstimos junto do

investigador que conduzia a experiência. No caso de Elliot, este compor 

tamento é particularmente notável porque, por um lado, ele continua a

descrever se como uma pessoa conservadora e que f@iz apostas de baixo 

 risco e porque, por outro lado, até mesmo os individuos normais que

reconhecem ser jogadores de alto risco agiram de modo bastante mais

prudente. Além disso, no final do jogo, Elliot sabia quais os baralhos que

eram maus e quais os que eram bons. Repetida a experiência alguns me 

ses depois, com cartas diferentes e com etiquetas diferentes nos barilhos,

Elliot cometeu o mesmo tipo de erros, comportando se no jogo tal como

na vida real.

Este é o primeiro teste laboratorial em que os doentes com lesöes fron 

tais falham redondamente.

Por que razäo teve esta experiência sucesso onde as outras falharam?

Provavelmente porque constitui uma imitaçäo aproximada da vida real.

A experiência é efectuada em tempo real e assemelha se a jogos de cartas

reais. Toma em consideraçäo o castigo e a recompensa e inclui de forma

central valores monetários. Faz o individus enveredar por uma procura

de vantagens, coloca riscos e oferece escolhas, mas näo diz como, quando

224 O ERRO DE DESCARTES


ou o que escolher. Está cheia de incertezas, e a única forma de minimizar

essas incertezas consiste em criar palpites, estimativas de probabilidade,

através de todos os meios viáveis, visto näo ser possivel um cálculo

preciso.


Os mecanismos neurofisiolôgicos subjacentes a este comportamento

säo fascinantes, em particular nos doentes com lesöes frontais. É bastante

claro que Elliot estava empenhado na sua tarefa, atento, cooperativo e

interessado no resultado. De facto, ele queria gaiihar. O que o levou entäo

a fazer escolhas täo desastrosas? Tal como em relaçäo aos seus outros

comportamentos, näo podemos invocar nem a falta de conhecimentos

nem a falta de compreensäo da situaçäo. A medida que o j ogo progredia,

as premissas encontravam se constantemente disponiveis. Quando perdia

1000 dólares, tinha de se aperceber desse facto, visto que pagava a multa

CONTROLOSNORMAIS

CD

CD
Q)


A B c 1)
DOENTES FRONTAIS
>

T

CD



CD

A 13 c D


Figura9.2 Umgráficodebarrascoitiosresiilta osdatarefa ojqgorelativosacada

baralho.Oscontrolosnormaisprefere@ii,deiiianeirt7geral,osbaralhosCeD,eliqilaiitoos

doentesfrontaisfazeni o oposto. As difereiiças silo sigiiificativas.
ao observador. Mesmo assim, continuava a escolher os baralhos lhe que

davam 100 dólares de cada vez, o que lhe trazia mais perdas cada vez que

era penalizado. Näo podemos sequer sugerir que uma continuaçäo do

jogo impusesse uma sobrecarga adicional da memória, porque os cons 

tantes resultados negativos ou positivos eram bem explicites. A medida

TESTES A HIPOTESE DO MARCADOR SOMATICO 225


que iam acumulando as perdas, Elliot e os outros doentes com lesöes fron 

tais tiveram de fazer empréstimos, prova manifesta do rumo negativo do

seu jogo. E, no entanto, insistiam em efectuar as escolhas menos vanta 

josas durante muito mais tempo do que qualquer outro grupo de indivf 

duos até entäo observados nessa tarefa, incluindo diversos doentes com

lesöes cerebrais fora dos lobos frontais.

Os doentes com grandes lesöes noutras zonas do cérebro jogam como

os controlos normais desde que consigam ver e compreender as instru 

çöes. Isto sucede até com os doentes que têm limitaçöes na linguagem. Um

doente com um grave defeito de expressao, provocado por disfunçäo no

córtex temporalesquerdo, nunca deixou de manifestar a sua preocupaçäo

enquanto esteve a jogar na sua linguagem afásica e entrecortada, acerca

de näo conseguir entender tudo o que se estava a passar. No entanto, o seu

perfil de actuaçäo foi irrepreensivel. Escolheu, sem hesitar, aquilo que a

sua racionalidade perfeitamente intacta o levou a escolher.

O que terá sucedido nos cérebros dos doentes com lesöes frontais?

Apresento em seguida uma lista de possiveis mecanismos alternativos:
1 . Ao contrário do que sucede com os individuos normais, dei 

xaram de ser sensiveis ao castigo e säo controlados apenas

pela recompensa.

2. Tornaram se täo sensíveis à recompensa que a sua mera pre 

sença os leva a desprezar o castigo.

3. Continuaram sensiveis ao castigo e à recompensa, mas ne 

nhuma destas coisas contribui para o desenvolvimento de

previsöes automáticas ou deliberadas acerca dos resultados

futuros e, em resultado disso, as opçöes recompensadoras

säo preferidas.


Ao tentar seleccionar de entre estas possibilidades, Antoine Bechara

desenvolveu uma outra experiência que consistia na inversäo dos esque 

mas de recompensa e castigo. Agora, o castigo figurava em primeiro lu 

gar, sob a forma de pagamentos, por parte dojogador, de cada vez que era

virada uma carta, enquanto a recompensa surgia esporadicamente com o

virar de algumas cartas. Tal como sucedeu no caso do primeiro jogo, dois

baralhos conduziam a ganhos e dois conduziam a perdas. Nesta sua nova

tarefa, Elliot agiu de forma parecida com a dos indivíduos normais e o

mesmo sucedeu com os outros doentes frontais. Por outras palavras, näo
Fo@um da Ciêneia 29   15

226 O ERRO DE DESCARTES


podia estar correcta a ideia de que Elliot e outros doentes com lesöes fron 

tais eram insensíveis ao castigo.

Foram aduzidos outros dados contra a hipótese da insensibilidade ao

castigo a partir de uma análise qualitativa da actuaçäo dos doentes na pri 

meira tarefa. Os perfis mostravam que, imediatamente após efectuar um

pagamento penalizador, os doentes evitavam o baralho de onde viera a

carta má, tal como o faziam os individuos normais, mas depois, ao con 

trário dos normais, voltavam ao baralho mau. Este aspecto sugere que os

doentes ainda eram sensiveis ao castigo, embora os efeitos dessa sensibi 

lidade näo durassem muito tempo.


MIOPIA PARA O FUTURO

Para um observador externe, os mecanismos esboçados na terceira

hipótese fariam os doentes parecerem muito mais preocupados com o

présente que com o futuro. Privados das previsöes do futuro, estes

doentes säo em grande parte controlados pelas perspectives imediatas e

revelam se, na verdade, insensiveis ao futuro. Isto sugere que os doentes

com lesöes frontais sofrem de um exagero profundo da tendência básica

e normal para nos determos com O presente em vez de nos virarmos para

o futuro. Mas ao passo que em individuos normais e socialmente adap 

tados esta tendência se encontra sob controlo, especialmente nas situa 

çöes que se revestem de importäncia pessoal, a dimensäo da tendência

toma se täo grande nos doentes frontais que eles sucubem facilmente.

Poderiamos descrever a situaçäo destes doentes como uma «miopia para

o futuro», um concerto que foi proposto para explicar o comportamento

de individuos sob a influência do alcool e outras drogas. A inebriaçäo


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