De descartes



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consciência. Täo pouco o interesse no selfsignifica que outros aspectos da

consciência sejam menos importantes ou menos susceptiveis de estudo

pela neurobiologia. O processa de criaçäo de imagens, assim como o

estado de vigilia necessário à formaçäo dessas imagens, säo täo relevantes

como o self, o qual experienciamos como sendo o conhecedor e o dono des 

sas imagens. Todavia, o problema da base neural do self e o problema da

base neural para a formaçäo das imagens näo se situam ao mesmo plano,

em termos cognitivos ou neurais. Näo se pode ter um selfsem vigilia, aten 

çäo e formaçäo de imagens, mas tecnicamente pode estar se desperto e

atento e formar imagens em sectores do cérebro e da mente ao mesmo

tempo que se tem um selfdiminuido. Em casos extremos, a alteraçäo pato 

lógica da vigilia e da atençäo provoca estupor, estado vegetativo e coma,

que säo estudos em que o self desaparece completamente, como o de 

monstraram Fred Plum e jerome Posner numa descriçäo clássica". Mas

podem registar se alteraçöes patológicas do self sem uma quebra desses

processos básicos, como se verifica em doentes com certos tipos de epi 

lepsia ou anosognosia complets.

Cabe aqui uma palavra de esclarecimento antes de prosseguirmos: ao

O CÉREBRO DE UM CORPO COM MENTE 245


usar a noçäo de self, näo estou de modo algum a sugerir que todo o con 

teúdo das nossas mentes seja inspeccionado por um único conhecedor

central e por um único proprietário central, e muito menos que semelhan 

te entidade se possa situar num único local do cérebro. No entanto, o que

estou a afirmar é que as nossas experiências tendem a apresentar uma

perspectiva consistente, como se de facto existisse um proprietário e

conhecedor central para a maioria, mas näo todos, dos conteúdos mentais.

Concebo que esta perspectiva se encontra enraizada num estado biolá 

gico relativamente estável e incessantemente repetida. A origem da es 

tabilidade reside na estrutura e no funcionamento predominantemente

invariáveis do organisme e em elementos, em lenta mutaçäo, dos Jados

autobiográficos.

A base neural para o self, tal como a concebo, consiste na reactivaçäo

continua de pelo menos dois conjuntos de representaçöes. Um deles diz

respeito às representaçöes de acontecimentos chave na autobiografia de

um individus, na base das quais é possivel reconstituir repetidamente

uma noçäo de identidade por activaçäo parcial em mapas sensoriais dota 

dos de organizaçäo topográfica. O conjunto de representaçöes disposi 

cionais que descreve qualquer das nossas autobiografias envolve um

grande número de factos categorizados que definem a nossa pessoa: o que

fazemos, do que e de quem gostamos, quais os tipos de objectes que

usamos, que locais e acçöes costumamos frequentar e realizar com maior

frequência. Este conjunto de representaçöes poderia ser concebido como

o tipo de ficheiro que J. Edgar Hoover era perito em preparar, só que se

aplica aos córtices de associaçäo de várias zonas cerebrais e näo ao preen 

chimento de pastas ministeriais. Além disso, acima destas categorizaçöes

estäo os factos únicos do nosso passado que säo constantemente activa 

dos como representaçöes localizadas: onde moramos e trabalhamos, qual

é exactamente o nosso trabalho, o nosso nome e os nomes dos parentes

chegados e amigos, da cidade, do pais, e assim por diante. Por último,

temos na memória disposicional recente um conjunto de acontecimentos

recentes, juntamente com a sua continuidade temporal aproximada, e

também um conjunto de planos e alguns acontecimentos imaginários que

queremos que aconteçam. Os planos e os acontecimentos imaginários

constituera aquilo que designo por uma «Memória do futuro possivel»,

que é preservada nas representaçöes disposicionais tal como qualquer

outra memória.

Em suma, a reactivaçäo constante de imagens actualizadas sobre a

nossa identidade (uma combinaçäo de memórias do passado e do futuro

planeado) constitui uma parte considerável do estado do self tal como o

concebo.

246 O ERRO DE DESCARTES


O segundo conjunto de representaçöes subjacentes ao selfneural con 

siste nas representaçöes primordiais do corpo de um individus, a que já

aludi: näo só aquilo que o corpo tem sido em geral mas também o que o

corpo tem sido ultimamente, antes mesmo dos processos que levam à per 

cepçäo do objecto X (este aspecto é importante: como iremos ver, estou

convencido de que a subjectividade depende, em grande parte, das altera 

çöes que têm lugar no estado do corpo durante e após o processamento

do objecto X). Abrange necessariamente os sentimentos de fundo do

corpo e os sentimentos emocionais. A representaçäo colectiva do corpo

constitui a base para um «concerto» de self, tanto quanto uma colecçäo de

representaçöes da forma, tamanho, cor, textura e gosto podem constituir

a base para o concerto de laranja ou de limäo. Os sinais iniciais do corpo,

tanto na evoluçäo da espécie como no desenvolvimento individual,

ajudaram a formarum«conceitobásico» do self; esteconceitobásicocons 

tituiu a estrutura de referência de tudo o resto que pudesse acontecer ao

organisme, incluindo os estudos actuais do corpo que foram contintia 

mente integrados no concerto do self, tornando se imediatamente estudos

passados. (Foram o antecedente e a base da noçäo do self tal como foi

formulada por Jerome Kaganl.) O que nos está a acontecer agora está, de

facto, a acontecer a um concerto de self baseado no passado, incluindo o

passado que era actual há apenas um instante atrás.

A cada momento que passa, o estado do self vai sendo construido a

partir da base. É um estado de referência evanescente, e de tal forma é

refeito continua e consistentemente que o seu proprietário nunca chega a

saber que ele está a ser refeito, iá menos que aconteça algo de problemático

durante esse processa. A sensaçäo de fundo agora ou a sensaçäo de uma

emoçäo agora juntamente com os sinais sensoriais näo corporais aconte 

cem ao concerto do self enquanto este está a ser instanciado na actividade

coordenada de múltiplas regiöes cerebrais. Mas o nosso self ou, melhor

ainda, o nosso meta selfsó «tem conhecimento» do que acontece «agora»

um instante depois. As afirmaçöes de Pascal sobre o passado, o presente

e o futuro, com que dei inicio ao Capitulo Oito, captam esta essência de

modo lapidar. O presente está continuamente a tornar se passado, e, no

momento em que nos apercebemos disso,já estamos noutro presente, que

foi gasto a planeur o futuro e assenta nos degraus do passado. O presente

nunca está aqui. Estamos irremediavelmente atrasados para a cons 

ciência.

Por último, deixe me abordar a questäo que é talvez a mais delicada

nesta discussäo. Por que passe de magia é que uma imagem do objecto X

e um estado do self, que existera ambos como activaçöes momentäneas de

representaçöes topograficamente organizadas, geram a subjectividade

O CÉREBRO DE UM CORPO COM MENTE 247


que caracteriza as nossas experiências? Farei uma previsao quanto à

resposta dizendo que isso depende da criaçäo de uma descriçäo feita pelo

cérebro e da exibiçäo imagética dessa descriçäo. A medida que as imagens

correspondentes a uma entidade acabada de detectar (i. e., um rosto) se

väo formando nos córtices sensoriais iniciais, o cérebro reage a essas

imagens. Isto sucede porque os sinais provenientes dessas imagens sao re 

transmitidos a diversos núcleos subcorticais (por exemplo, a amigdala e

o tálamo) e a diversas regiöes corticais; e porque esses núcleos e essas re 

giöes corticais contêm disposiçöes que respondem a determinados tipos

de sinais. O resultado final é o de que as representaçöes disposicionais nos

núcleos e regiöes corticais säo activados e, como consequência, induzem

um conjunto de mudanças no estado do organisme. Estas mudanças, por

sua vez, alteraram momentaneamente a imagem corporal, perturbando

deste modo a instanciaçäo actual do concerto do self.

Embora o processa de resposta envolva conhecimento, esse processa

näo implica certamente que qualquer componente do cérebro «saiba» que

estäo a ser criadas respostas à presença de uma entidade. Quando o cére 

bro desenvolve um conjunto de respostas a uma entidade, a existência de

uma representaçäo do selfnäo faz que o selfsaiba que o organisme que lhe

corresponde está a responder. O self, tal como o descrevi, nada pode saber.

No entanto, um processa que poderiamos designar por meta selfpoderia

saber, desde que (1) o cérebro criasse uma descriçäo da perturbaçäo do esta 

do do organisme resultante das suas próprias respostas à presença de uma

imagem; (2) criasse uma imagem do processa de perturbaçäo, e (3) a imagem

do selfperturbado surgisse conjuntamente ou em rápida interpolaçäo com

a imagem que desencadeou a perturbaçäo. Em sintese, a descriçäo a que

me refiro diz respeito à perturbaçiio do estado do organisme como um re 

sultado das respostas que o cérebro dá à imagem do objecto X. A descriçäo

näo utiliza linguagem verbal, embora possa ser traduzida em linguagem

verbal.


Para que haja subjectividade, näo basta ter uma imagem isolada,

mesmo que invoquemos a atençäo e o conhecimento, porque tanto um

como o outro säo propriedades de um selfcapaz de experienciar imagens,

i. e., um selfque toma conhecimento das imagens a que acede. Ter imagens

e self também näo é suficiente. Dizer que a imagem de um objecto é

conduzida às imagens que constituera o self, ou que estäo com elas corre 

lacionadas, näo säo afirmaçöes de grande utilidade. Em que consistera a

referência ou a correlaçäo, ou o que realizam? A maneira como sur e a

subjectividade em semelhante processa continuaria a ser um mistério.

Considere agora as seguintes possibilidades. Considere, em primeiro

lugar, que o cérebro possui um terceiro conjunto de estruturas neurais

248 O ERRO DE DESCARTES


que näo é nem o que sustenta a imagem de um objecto nem o que sustenta

as imagens do self, mas que está interligado com ambas de forma reci 

proca. Por outras palavras, um conjunto intermediário de neurónios, a

que chamámos zona de convergência e que invocámos como o substrato

neural para a criaçäo de representaçöes disposicionais em todo o cérebro,

nas regiöes corticais e nos núcleos subcorticais. Recorde a noçäo de corre 

tor de Bolsa que invoquer no Capitulo Sete.

Imagine, em seguida, que esse intermediário recebe sinais tanto da

representaçäo do objecto como das representaçöes do self, à medida que o

organisme é perturbado pela representaçäo do objecto. Por outras palavras,

imagine que o conjunto interrnediário está a construir uma representaçäo

disposicionaldoselfdiiranteaalteraçäo resultanteda respostadoorganismoa um

objecto. Näo haveria nada de misterioso nesta representaçäo disposicio 

nal, que seria exactamente do mesmo tipo das que o cérebro parece saber

criar, conservar e remodelar com incrivel pericia. De igual modo, sa 

bemos que o cérebro dispöe de toda a informaçäo necessária à criaçäo

dessa representaçäo disposicional: logo após termos visto um objecto,

desenhamos uma sua representaçäo nos córtices visuais iniciais, evoca 

mos também muitas representaçöes do organisme a reagir ao objecto, em

várias regiöes somatossensoriais.

A representaçäo disposicional de que estou a falar näo é criada ou

percebida por um homúnculo e, como sucede com todas as disposiçöes,

tem a capacidade de reactivar, nos côrtices sensoriais iniciais a que está

associada, uma imagem somatossensorial do organisme a reagir a um

determinada objecto.

Por último, considere que todos os ingredientes que tenho estado a

descrever   um objecto que está a ser representado, um organisme a

reagir ao objecto da representaçäo e um estado do selfno processa de alte 

raçäo em virtude da resposta do organisme ao objecto   säo retidos

simultaneamente pela memória de trabalho e pela atençäo, em paralelo

ou em rápida interpolaçäo, nos córtices sensoriais iniciais. Proponho que

a subjectividade emerge durante esta última fase, quando o cérebro está

a produzirnäo só i inagens de um objecto e imagens das respostas do orga 

nismo ao objecto mas um terceiro tipo de imagem, a do organisme no acto

de perceber e responder a um objecto.

Odispositivoneuralminúno capaz de produzirsubjectividadeneces 

sita assim de córtices sensoriais iniciais (incluindo os somatossensoriais),

regiöes de associaçäo cortical sensorial e motora e núcleos subcorticais

(especialmente tálamo e gänglios basais) com propriedades de conver 

gência.


Este mecanismo neural básico näo necessita da linguagem. A cons 

O CÉRE13RO DE UM CORPO COM MENTE 249


truçäo do meta self que estou a esboçar é puramente näo verbal, trata se

de uma visäo esquemática dos principais protagonistas a partir da pers 

pectiva que é exterior a ambos. Com efeito, esta perspectiva intermediá 

ria constitui, momento a momento, um documento narrativo näo verbal

do que está a acontecer a esses protagonistas. A narrativa pode ser

efectuada sem linguagem através da utilizaçäo dos instrumentos re 

presentacionais dos sistemas sensorial e motor no espaço e no tempo. Näo

vejo qualquer razäo para duvidar que os animais sem linguagem efec 

tuem este mesmo tipo de narrativa.

Os seres humanos dispöem de capacidades narrativas de segunda or 

dem, proporcionadas pela linguagem, que podem produzir narrativas

verbais a partir das näo verbais. A forma apurada da subjectividade hu 

mana resultaria deste último processa. A linguagem pode näo estar na

origem do self, mas está sem dúvida na origem do eu (I).

Näo tenho conhecimento de qualquer outra proposta cientiíica para

uma base neural da subjectividade, mas, dado que esta constitui um

aspecto chave da consciência, cabe referir aqui, ainda que muito breve 

mente, em que medida a minha proposta se relaciona com outras nesta

área.

A hipótese de Francis Crick sobre a consciência concentra se sobre o



problema da criaçäo das imagens e näo considera a subjectividade. Crick

nao ignorou o problema da subjectividade. Simplesmente, decidiu näo o

considerar, por agora, por duvidar que possa ser abordado de uma forma

expérimental. As suas reservas e as suas cautelas säo legitimas, mas

preocupa me o facto de, ao adiarmos a consideraçäo da subjectividade,

podermos näo interpretar correctamente os dados empiricos relativos à

criaçäo e à percepçäo de imagens.

Por outro lado, a hipôtese de Daniel Dennett debruça se sobre o nivel

mais alto da consciência, sobre os produtos terminais da mente. Concorda

que existe um self, mas näo considera a sua base neural e prefere de 

bruçar se sobre os mecanismos pelos quais poderia ser criada a nossa

corrente de consciência. É interessante notar que, a esse nivel do processa

Dennett utiliza uma noçäo de construçäo sequencial (a sua máquina

joyceana virtual), que näo é parecida com a noçäo de construçäo de

únagens que uso a um nivel mais baixo e inicial. Tenho a certeza, no entan 

to, de que o meu dispositivo de criaçäo da subjectividade näo é a maquina

virtuel de Dennett.

A minha proposta possui uma caracteristica em comum com o ponto

de vista de Gerald Edelman sobre a base neural da consciência, nomea 

damente, o reconhecimento de um self biológico imbuido de valor.

(Edelman tem estado praticamente sozinho entre os teóricos contempo 

250 O ERRO DE DESCARTES


räneos na importäncia que atribuiu ao valor inato dos sistemas bioló 

gicos.) Contudo, Edelman restringe o self biológico aos sistemas ho 

meostáticos subcorticais (ao passo que eu o integro nos sistemas factuais

de base cortical e decido que alguns produtos da sua actividade se tornam

sensaçöes). Os processos que concebo e as estruturas que proponho para

os levar a efeito säo, por conseguinte, diferentes. Além do mais, näo sei até

que ponto a minha noçäo de subjectividade coincide com a noçäo de cons 

ciência primária de Edelman.


William James, que acheva que nenhuma psicologia racional podia

duvidar da existência de selves pessoais e que acreditava que o pior que

uma psicologia poderia fazer era destitui los de significado, ficaria satis 

feito ao descobrir que, hoje em dia, eles säo plausiveis, muito embora näo

haja ainda hipóteses provadas quanto à base neural do self.

Onze
Uma paixäo

pela razäo

ugeri no inicio do livro que os sentúnentos exercera uma forte in 

S íluência sobre a razäo, que os sistemas cerebrais que säo neces 

sários aos primeiros se encontram enredados nos sistemas necessários à

segunda e que estes sistemas especificos estäo interligados com os que re 

gulam o corpo.

Os factos que apresentei sustentam, de um modo geral, estas hi 

póteses, mas nem por isso elas deixam de ser hipóteses, propostas na

esperança de que possam levar ao prosseguimento da investigaçäo e

possam ser sujeitas a revisäo à medida que novas descobertas forem

surgindo. Com efeito, os sentimentos parecem depender de um delicado

sistema com múltiplas componentes que é indissociável da regulaçäo

biológica; e a razäo parece, na verdade, depender de sistemas cerebrais

especificos, alguns dos quais processam sentimentos. Assim, pode exis 

tir um elo de ligaçäo, em termos anatómicos e funcionais, da razäo aos

sentimentos e destes ao corpo. É como se estivéssemos possuidos por uma

paixao pela razäo, um impulso que tem origem no cerne do cérebro, atra 

vessa outros níveis do sistema nervoso e, finalmente, emerge quer como

sentimento quer como influências näo conscientes que orientam a to 

mada de decisäo. A razäo, da prática à teórica, assenta provavelmente

neste impúlso natural através de um processa que faz lembrar o dominio

de uma técnica ou de uma arte. Retire se o impulso, e näo é mais possivel


252 O ERRO DE DESCARTES


alcançar essa pericia. Mas o facto de se possuir esse impulso näo faz de

nós, automaticamente, peritos.

No caso de estas hipóteses se virem a confirmas haverá implicaçöes

socioculturais para a noçäo de que a razäo näo é de modo algum pura?

Creio que há e que säo claramente positivas.

Conhecer a releväncia das emoçöes nos processos de raciocinio näo

significa que a razäo seja menos importante do que as emoçöes, que de 

va ser relegada para segundo plano ou deva ser menos cultivada. Pelo

contrário, ao verificarmos a funçäo alargada das emoçöes, é possivel

realçar os seus efeitos positivos e reduzir o seu potencial negativo. Em

particular, sem diminuir o valor da orientaçäo das emoçöes normais, é na 

tural que se queira proteger a razäo da fraqueza que as emoçöes anormais

ou a manipulaçäo das emoçöes normais podem provocar no processa de

planeamento e decisäo.

Näo creio que o conhecimento das emoçöes nos tome menos interessa 

dos na verificaçäo empirica. Pelo contrário, o maior conhecimento da

fisiologia da emoçäo e da sensaçäo pode tornar nos mais conscientes das

armadilhas da observaçäo científica. A formulaçäo por mim apresentada

näo diminui a nossa determinaçäo em controlar as circunstäncias ex 

ternas em proveito dos individuos e da sociedade, ou a nossa vontade de

desenvolver, inventer ou aperfeiçoar os instrumentos culturais com que

podemos melhorar o mundo: a ética, o direito, a arte, a ciência, a tecnolo 

gia. Por outras palavras, nada na minha formulaçäo leva a que se aceitem

as coisas tal como säo ou estäo. Devo realçar este aspecto, pois a referên 

cia às emoçöes cria com frequêncla a imagem de uma percepçäo virada

para a própria pessoa, de um certo desinteresse pelo mundo em redor e

de toleräncia para as insuficiências de desempenho intelectual. Na ver 

dade, essa perspectiva encontra se nos antipodes da minha, pelo que

constitui uma preocupaçäo a menos para aqueles que, como o biólogo

molecular Gunther Stent, pensam, justificadamente, que a atribuiçäo de

um valor excessive às emoçöes pode resultar numa menor determinaçäo

no cumprimento do pacto faustiano que tem trazido progresse à humani 

dadel.

O que me preocupa, de facto, é a aceitaçäo da importäncia das emoçöes



sem qualquer esforço para compreender a sua complexe maquinaria

biológica e sociocultural. Podemos encontrar o melhor exemplo desta ati 

tude na tentativa de explicar sentimentos magoados ou comportamentos

irracionais através de causas sociais superficiais ou através da acçäo dos

neurotransmissores, duas explicaçöes que predominam no discurso

apresentado pela comunicaçäo social visual e escrita; e na tentativa de

corrigir problemas pessoais e sociais com drogas médicas e näo médicas.

UMA PAIXAO PELA RAZAO 253


É precisamente esta falta de compreensäo da natureza das emoçöes e da

razäo (uma das caracteristicas mais salientes da «cultura da queixa»*2)

que suscita alarme.

A concepçäo de organisme humano esboçada neste livro e a relaçäo

entre emoçäo e razäo que emerge dos resultados aqui discutidos suge 

rem, no entanto, que o fortalecimento da racionalidade requer que seja

dada uma maior atençäo à vulnerabilidade do mundo interior.

A um nivel prático, a funçäo atribuida às emoçöes na criaçäo da racio 

nalidade tem implicaçöes em algumas das perguntas com que a nossa so 

ciedade se defronta actualmente, entre elas a educaçäo e a violência. Näo

é este o local para uma abordagem adequada destas questöes, mas devo

dizer que os sistemas educativos poderiam ser melhorados se se insistisse

na ligaçäo inequivoca entre as emoçöes actuais e os cenários de resultados

futuros, e que a exposiçäo excessiva das crianças à violência, na vida real,

nos noticiários e na ficçäo audiovisual, desvirtua o valor das emoçöes na

aquisiçäo e desenvolvimento de comportamentos sociais adaptativos. O

facto de tanta violência gratuita ser apresentada sem um enquadramento

moral só vem reforçar a sua acçäo dessensibilizadora.


O ERRO DE DESCARTES

Näo teria sido possivel apresentar a minha participaçäo nesta con 

versa sem ter invocado Descartes como símbolo de um conjunto de ideias

acerca do corpo, do cérebro e da mente que, de uma maneira ou de outra,

continuam a influenciar as ciências e as humanidades no mundo ociden 

tal. A preocupaçäo é dirigida tanto à noçäo dualista com a qual Descartes

separa a mente do cérebro e do corpo como às variantes modernas desta


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