com a sociedade em que nasceram. Precisamos de compreender a nature
za destes seres humanos cujas acçöes podem ser destrutivas tanto para si
próprios como para os outros, caso pretendamos resolver humanamente
os problemas que eles colocam. Nem o encarceramento nem a pena de
morte respostas que a sociedade actualmente oferece para esses indi
39
CONSTERNAÇÄO EM VERMONT
viduos contribuera para a nossa compreensäo do problema ou para a
sua resoluçäo. De facto, deviamos levar mais longe esta questäo e interro
gar nos acerca da nossa responsabilidade quando nós, individuos ditos
«noErnais», deslizamos para a irracionalidade que marcou a queda apa
ratosa de Phineas Gage.
Gage perdeu algo de exclusivamente humano: a capacidade de pla
near o seu futuro enquanto ser social. Até que ponto esteve consciente
desta perda? Poderá ser descrito como um ser consciente de si mesmo, tal
como qualquer de nós? Será sensato afirmar que a sua alma foi diminuida
ou que perdeu a sua alma? E, se assim foi, o que pensaria Descartes se ti
vesse conhecimento deste caso e possuisse os conhecimentos que hoje
possuimos sobre neurobiologia? Ter se ia interrogado acerca da glän
dula pineal de Gage?
Dois
A Revelaçäo do Cérebro
de Gage
¨ PROBLEMA
or altura do caso de Phineas Gage, os neurologistas Paul Broca,
P em França, e Karl Wernicke, na Alemanha, chamaram a atençäo
do mundo da medicina com os seus estudos sobre doentes com lesöes ce
relirais. De forma independente, quer Broca quer Wernicke propuseram
que a lesäo de uma área bem circunscrita no cérebro constituia a causa das
recentes disfunçöes linguisticas adquiridas por estes doentesl. O distúr
bio da linguagem tornou se tecnicamente conhecida por afasia. As le
söes, supuseram Broca e Wernicke, eram, pois, reveladoras das fundaçöes
neurais de dois diferentes aspectos do processamento da linguagem em
individuos normais. Sendo as suas propostas controversas e näo havendo
qualquer pressa em subscrevê las, o mundo acabou, contudo, por lhes
dar atençäo. Com alguma relutäncia e muitas correcçöes, estas propostas
foram sendo gradualmente aceites. No entanto, o trabalho de Harlow so
bre Gage, ou os comentários de David Ferrier, nunca receberam a mesma
atençäo ou despertaram com a mesma intensidade a imaeaçäo dos seus
colegas.
Existiram várias razöes para que tal tivesse sucedido. Mesmo que uma
dada tendência filosófica permitisse conceber o cérebro como a base da
mente, era dificil aceitar a perspective de que algo täo próximo da alma
A REVELAÇAO DO CÉREBRO DE GAGE 41
humana comoojufzoético, ou täo determinado em termos culturais como
a conduta social, pudesse depender significativamente de uma regiäo es
pecifica do cérebro. Para além disso, é preciso näo esquecer que Harlow
era um amador quando comparado com os Professores Broca e Wernicke,
nao sendo capaz de reunir a evidência necessária para sustentar convin
centemente o seu ponto de vista. A inexistência de uma identificaçäo do
local preciso da lesäo cerebral é o caso em que tal incapacidade se torna
manifestamente mais óbvia. Broca podia afirmar com certeza qual o local
no cérebro onde ocorrera a lesäo que tinha causada o distúrbio da lin
guagem ou afasia nos doentes. Tinha estudado os seus cérebros na
mesa de autópsias. O mesmo se passava com Wernicke, que tinha verifi
cado no estado post mortem dos seus doentes que uma porçäo posterior do
lobo temporal esquerdo estava parcialmente destruida e notado que o
aspecto das faculdades linguisticas que tinha sido afectado era diferente
daquele que tinha sido identificado por Broca. Harlow näo fora capaz de
fazer qualquer observaçäo deste género. Näo sá teve de arriscar uma re
laçäo entre a lesäo cerebral de Gage e a alteraçäo do seu comportamento
como teve também prúneiro de conjecturer acerca da própria localizaçäo
da lesäo. Näo pôde provar satisfatoriamente a quem quer que fosse que
estava certo em relaçäo ao que quer que fosse.
As dificuldades de Harlow agravaram se com a publicaçäo das re
centes descobertas de Broca. Broca mostrou que lesöes no lobo frontal
esquerdo, terceira circunvoluçäo frontal, causavam lirnitaçöes da lingua
gem nos seus doentes. A entrada e saida da barra de ferro sugeria que a
lesäo de Gage poder se ia localizar no lobo frontal esquerdo. Contudo,
Gage näo apresentava qualquer distúrbio da linguagem, ao passo que os
lobo frontal
o parietal
lobo temporal lobo occipital
Figura 2.1 B = área de Bro
ca; M = drea niotora; W = área de
Wernicke, Os quatro lobos estäo
identificados na figura. Os cri
ticos de Harlow defendiani que a
lesäo de Gage envolvia a área de
Broca, oit a drea niotora, oil mesmo
ainbas, e iisavam esta silposiçiio
para atacar a ideia de que existia
litna especializ(iç@iofiiiicional no
cérebro htitjia@io.
42 O ERRO DE DESCARTES
doentes de Broca näo registaram qualquer alteraçäo de carácter. Como
poderiamexistirresultados täodiferentes? Dadoöescassoconhecimento
da épocasobreneuroanatomiafuncional, algumaspessoaspensaramque
as lesöes se localizavam aproximadamente na mesma regiäo e que os di
ferentes resultados apenas revelavam a loucura daqueles que pretendiam
encontrar especializaçöes funcionais no cérebro.
Quando Gage faleceu, em 1861, näo lhe foi feita qualquer autópsia.
Harlow só veio a ter conhecimento da sua morte cinco anos depois. A
Guerra Civil tinha fustigado este periodo, e as noticias deste tipo näo ti
nham uma circulaçäo rápida. Harlow deve ter ficado abatido com a morte
de Gage e profundamente deprimido com a perda da oportunidade de
estudar o cérebro de Gage. Ficou abalado ao ponto de escrever à irmá de
Gage para lhe endereçar um pedido estranho: que autorizasse a exu
maçäo do corpo para que o cränio pudesse ser recuperado e guardado
como registo do caso.
Phineas Gage foi, uma vez mais, o protagonista involuntário de uma
cena macabra. A innä e seu marido, D. D. Shattuck, juntamente com um
tal Dr. Coon (que era entäo o presidente da Câmara de Säo Francisco) e
com o médico da familia, assistiram à abertura do caixäo e à remoçäo do
cränio por um coveiro. O ferro de calcar, que tinha sido colocado ao lado
do corpo de Gage, foi igualmente recuperado e enviadojuntamente com
o cränio para o Dr. Harlow. O cränio e a barra de ferro têm sido desde en
täo companheiros no Warren Medical Museum da Harvard Medical
School, em Boston.
Para Harlow, a possibilidade de exibir o cränio e o ferro foi o melhor
que consegulu para provar que o seu caso näo tinha sido uma invençäo
e que um homem com uma tal ferida tinha de facto existido. Para Hanna
Damásio, cerca de cento e vinte anos mais tarde, o cränio de Gage foi o
trampolim para um trabalho de detective que completou a tarefa inaca
bada de Harlow e que estabeleceu a ligaçäo entre Gage e a moderna inves
tigaçäo das funçöes do lobo frontal.
Ela começou por tomar em consideraçäo a trajectória geral do ferro, o
que consistiu em si mesmo num exercicio curiosa. Ao penetrar pela face
esquerda em direcçäo ao cränio, o ferro atravessou a parte posterior da
cavidade orbital esquerda (a cavidade ocupada pelo olho), situada ime
diatamente acima. Prosseguindo a sua trajectória, o ferro deve ter pe
netrado na parte frontal do cérebro perto da linha central, embora seja
dificil dizer exactamente onde. Visto a trajectória do ferro sugerir uma
inclinaçäo para a direita, o mesmo pode ter atingido primeiro o lado
esquerdo e só depois uma parte do lado direito. O sitio inicial onde se re
gistou a lesäo cerebral foi provavelmente a regiäo frontal orbital, imedia
A REVF LAÇÄO DO CÉRE13RO DE GAGE 43
tamente acima das órbitas No seu percurso, o ferro terá destruida uma
parte da superficie anterior do lobo frontal esquerdo e talvez do direito.
Por fim, à saida, o ferro terá danificado uma parte da regiäo dorsal, ou pos
terior, do lobo frontal no lado esquerdo e talvez também no direito.
As incertezas desta conjectura eram óbvias. Existia um leque de poten
ciais trajectórias que o ferro poderia ter tomado, através de um cérebro
«padräo» idealizado, e näo existia qualquer forma de saber se, ou como,
este cérebro se assemelhava ao de Gage. O problema agravava se porque,
embora a neuroanatomia preserve ciosamente relaçöes topológicas entre
as suas componentes, existera graus consideráveis de variaçäo topográ
fica individual que tomam os nossos cérebros bastante mais diferentes do
que carros feitos da mesma marca. Este ponto pode ser convenientemente
ilustrado com as paradoxais semelhanças e diferenças dos rostos hu
manos: os rostos possuem um número invariável de componentes e uma
disposiçäo espacial invariável (as relaçöes topológicas destas componen
tes säo as mesmas em todos os rostos humanos). No entanto, os rostos säo
infinitamente diversos e individualmente distinguiveis devido às pe
quenas diferenças anatómicas no tamanho, contomo e posicionamento
dessas partes invariáveis (a topografia precisa varia de rosto para rosto).
Assim, a possibilidade de variaçäo do cérebro de indivíduo para indivi
duo aumentava a probabilidade de a conjecture apresentada acima estar
errada.
Hanna Damásio procurou tirar partido da neuroanatomia modema e
das tecnologias de ponta no campo da neurovisualizaçäol. Mais concreta
mente, utilizou uma nova tecnologia, inventada por ela, para reconstruir
a três dimensöes as imagens cerebrais de seres humanos vivos. A técni
ca, conhecida por Brainvoxl, baseia se na manipulaçäo computorizada
de dados em bruto obtidos a partir de exames do cérebro por ressonän
cia magnética de alta resoluçäo. Em seres humanos vivos normais ou em
doentes do foro neurológico, esta técnica fomece uma imagem do cérebro
que näo é de modo algum diferente da imagem desse cérebro que se pode
obter na mesa de autópsias. Trata se de uma maravilha lugubre e per
tubadora. Imagine o que o principe Hamlet poderia ter feito, caso lhe
tivesse sido permitido contemplar o seu próprio quilo e meio de cérebro
meditabundo e indeciso em vez da caveira vazia que o coveiro lhe for
neceu.
44 O ERRO DE DESCARTES
Um Aparte sobre a Anatomie do Sistema Nervoso
Pode ser útil delinear aqui um esboço da anatomia do sis
tema nervoso humano. Porque perder algum tempo com este
tópico? No capitulo anterior, quando discuti a frenologia e a
relaçäo entre a estrutura e a funçäo do cérebro, mencionei a im
portäncia da neuroanatomia ou anatomia do cérebro. Realço a
de novo porque a neuroanatomia é a disciplina fondamental em
neurociência, desde o nivel microscópico dos neurónios indivi
duais (células nervosas) até ao nivel macroscópico dos sistemas
que se estendem por todo o cérebro. Näo pode haver qualquer
esperança de entendimento dos vários niveis de funcionamento
do cérebro se näo possuirmos um conhecimento pormenori
zado da geografia cerebral em escalas diversas.
lobo frontal
L
feiida inter hemisférica
lobo frontal esquerdo
hemisfério direito erdo
dien diencéfalo
cerebelo mesencéfalo
tronco cerebral troiico cerebral
medula
Figura 2.2 Cérebro humano vivo reconstriiido a três dimensies. A iinageni stipe
riorcentralmostra nosocérebrovistodefrente. Ocorpocalosoencontra seescondidopor
debaixo dafenda inter hemisférica. As imagens inferiores, à esq[lerda e à direita, mos
tram nos os dois heniisférios do inesino cérebro, separados ao meio como numa operaçäo
deabertura do cérebro. Asprincipais estruttiras anatémicas estiio ideiitificadas nafigtira.
A cobertura convolitta dos hemisférios cerebrais é o córtex cerebral.
A REVELAÇAO DO CÉRE13RO DE GAGE 45
Quando consideramos o sistema nervoso na sua totalidade,
é possivel distinguir facilmente as suas divisöes central e peri
férica. A reconstruçäo tridimensional da Figura 2.2 apresenta o
cérebro, que é a componente principal do sistema nervoso
central. Para além do cérebro, com os seus hemisíérios cerebrais
esquerdo e direito unidos pelo corpo caloso (um conjunto
espesso de fibras nervosas que liga bidireccionalmente os hemis
férios), o sistema nervoso central inclui o diencéfalo (um grupo
central de núcleos nervosas escondidos por debaixo dos
hemisférios, que inclui o tálamo e o hipotálamo), o mesencéfalo,
O tronco cerebral, o cerebelo e a espinal medula.
Figura 2.3 Duas secçjes da reconstrtiçäo de itin cérebro humano vivo obtidos por
técnicas de imagein de ressonäncia magnética (IRM) e pela técnica de Brainvox. Os pla
nos de seccionamento estäo identificados na imagein superior central. A diferença entre a
massa cinzenta (C) e a massa braiica (B) éfacilmente visivel. A massa cinzenta aparece no
córtex cerebral, qtteéa área citizenta eiivolventequepreeilcheos contortios de todas aspro
tuberäncias e cavidades na secçäo e nos ni@cleos profitndos, assim como os gänglios basais
(GB) e o tálanio (T).
46 O ERRO DE DESCARTES
O sistema nervoso central está «neuralmente» ligado a prati
camente todos os recantos e recessos do resto do corpo por
nervos, que no seu conjunto constituera o sistema nervoso peri
férico. Os nervos transportam impulsos do cérebro para o corpo
e do corpo para o cérebro. No entanto, como será discutida no
Capitulo Cinco, o cérebro e o corpo estäo também quimica
mente interligados por substäncias, como as hormonas e os
péptidos, que säo libertadas no segundo e conduzidas para o
primeiro através da corrente sanguines.
Quando se secciona o sistema nervoso central, podemos
estabelecer sem dificuldade a diferença entre os seus sectores
escuros e claros. (Figura 2.3.) Os sectores escuros säo conheci
dos como a massa cinzenta, embora a sua verdadeira cor seja
normalmente castanha e näo cinzenta. Os sectores claros säo
conhecidos como a massa branca. A massa cinzenta corres
ponde em grande parte a grupos de corpos celulares dos neurá
nios, enquanto a massa branca corresponde em larga medida
aos axónios, ou fibras nervosas, que saem dos corpos celulares
da massa cinzenta.
A massa cinzenta ocorre em duas variedades. Numa delas,
os neurónios estäo dispostos em camadas, como num bolo, for
mando um córtex. Como exemplos, temos o córtex cerebral, que
cobre os hemisférios cerebrais, e o córtex cerebeloso, que en
volve o cerebelo. Na segunda variedade de massa cinzenta, os
neurónios encontram se organizados näo em camadas mas
Míí ,fie
@ W%i
A B
Figura 2.4 A = diagraiiia da arquitectiira celiilar do córtex cerebral cotil a sila es
triittira caracteristica por camadas; B = diagrania da arqiiitectitra celiilar de um n(icleo.
A REVELAÇAO DO CÉREBRO DE GAGE 47
como nozes de caju em cacho no interior de uma taça. Neste
caso, formam um núcleo Existera grandes núcleos como o cau
dato, o putamen e o pallidum, tranquilamente escondidos nas
profundezas de cada hemisfério; ou a amigdala, oculta dentro
de cada lobo temporal; existera grandes conjuntos de núcleos
mais pequenos, como os que formam o tálamo; e pequenos nú
cleos individuais, como a substantia nigra ou o nitcleus ceruleus,
situados no tronco cerebral.
A estrutura do cérebro à qual a neurociência tem dedicado
a maior parte do seu esforço de investigaçäo é o córtex cerebral.
Este pode ser visualizado como um manto envolvente do cé
rebro cobrindo todas as suas superficies, incluindo as que se
encontram localizadas nas profundezas das fendas conhecidos
como assuras e sulcos, as quais conferem ao cérebro a sua apa
rência enrugada caracteristica. (Ver Figura 2.2.) A espessura
deste cobertor de múltiplas camadas é de cerca de 3 milimetros
e as camadas säo paralelas entre si relativamente à superficie do
cérebro. (Ver Figura 2.4.) Toda a massa cinzenta abaixo do
córtex (núcleos grandes e pequenos e o córtex cerebeloso) é
conhecida como subcortical. A parte evolutivamente modema
do córtex cerebral é designada por neocórtex. A maior parte do
córtex evolutivamente mais antigo é conhecida como córtex
limbico (ver em baixo). Ao longo do livro, irei referir com
assiduidade quer o córtex cerebral (isto é, o neocórtex) quer o
córtex limbico e as suas partes especificas.
A Figura 2.5 mostra nos um mapa do córtex cerebral fre
quentemente utilizado, elaborado com base nas suas diferentes
Figura 2.5 Um illapa das principais
areas identificados por Brodillanti nos sens
estudos de arqiiitectiira celular (citoarqiiitec
tura). Este näo é nem uin inapa defrenologia
iieiii iiin mapa contemporäneo das íitliçöes
cerebrais. Coiistititi apenas illia referência
anatémica coiiveniente. Algiiinas dreas säo
niuitopequeiiasparaserem aqiiiapresentadas,
ou estiio escondidos nas profillidezas dos regos
e sulcos. A imagens superior corresponde ao
aspecto extertio do heniisfério esquerdo, e a
imagens inferior ao aspecto in terno.
48 O ERRO DE DESCARTES
áreas citoarquitectónicas (regiöes de arquitectura celular distin
tas). Este mapa é conhecida como o mapa de Brodmann e as suas
áreas säo designadas por números.
Uma das divisöes do sistema nervoso central que referirei
com frequência é tanto cortical como subcortical e é conhecida
como o «sistema limbico». (Este termo serve para designar di
versas estruturas evolutivamente antigas e, apesar de muitos
neurocientistas terem relutäncia em usá lo, muitas vezes é coi t
veniente tê lo à mäo.) As estruturas principais do «sistema lim
bico» säo a circunvoluçäo cingulada (no córtex cerebral), a
amig dala e o prosencéfalo basal (dois conjuntos de n@icleos).
O tecido nervoso (ou neural) é constituido por células nervo
sas (neurónios), apoiadas por células da glia. Os neurónios säo
as células essenciais para a actividade cerebral. Nos nossos cé
rebros existera biliöes destes neurónios organizados em circui
tos locais, os quais, por sua vez, constituera regiöes corticais (se
estäo dispostos em camadas) ou núcleos (se estäo agregados em
grupos que näo formam camadas). Por último, as regiöes corti
cais e os núcleos estäo interligados de modo a formar sistemas,
e sistemas de sistemas, com niveis de complexidade progressi
vamente mais elevados. Para ter uma ideia da escala dos ele
mentos envolvidos, deve se ter em consideraçäo que todos os
neurónios e circuitos locais säo microscópicos, enquanto as re
giöes corticais, os núcleos e os sistemas säo macroscápicos.
Os neurónios possuem três componentes importantes: um
corpo celular; uma íibra principal de saida, o axónio; e fibras de
entrada ou denáritos. (Ver Figura 2.6.) Os neurónios estäo in
terligados em circuitos em que existe o equivalente aos fios
eléctricos condutores (as fibras axónicas dos neurónios) e aos
conectores (sinapses, os pontes nos quais os axónios estabele
cem contacto com os denáritos de outros neurónios).
Quando os neurónios se tornam activos (um estado conhe
cido na giria da neurociência como «disparo»), é propagada
uma corrente eléctrica a partir do corpo celular e ao longo do
axónio. Esta corrente é o potencial de acçäo e, quando atinge a
sinapse, desencadeia a libertaçäo de substäncias quimicas conhe
cidas por neurotransmissores (o glutamato é um desses transmis
sores). Por sua vez, os neurotransmissores actuam nos recepto
res. Num neurónio de excitaçäo, a interacçäo cooperativa de
A REVELAÇÄO DO CEREBRO DE GAGE 49
Figura 2.6 Di@grama de uni neuró io
com as suas componentes principais: corpo celli
lar, axótzio e denáritos. denáritos
orpo celular
xónio
muitos outros neurónios, cujas sinapses estäo adjacentes e que
poderäo ou näo libertar os seus próprios transmissores, de
termina se o próximo neurônio disparará ou näo, ou seja, se
produzirá o seu próprio potencial de acçäo que conduzirá à
libertaçäo do seu neurotransmissor, e assim sucessivamente.
As sinapses podem ser estimuladoras ou inibidoras. A po
tência sináptica determina a possibilidade e a facilidade com
que os impulsos continuam a ser transmitidos até ao neurónio
seguinte. Em geral, e num neurónio de excitaçäo, uma sinapse
estimuladora facilita a transmissäo de um dado impulso, en
quanto que uma sinapse inibidora o dificulta ou bloqueia".
Uma questäo de neuroanatomia que devo referir antes de
concluir este aparte prende se com a natureza das conexöes en
tre os neurónios. Näo é invulgar depararmo nos com cientistas
que desesperam de alguma vez virem a compreender o cérebro
quando säo confrontados com a complexidade das conexöes
entre os neurónios. Alguns preferem esconder se atrás da ideia
de que tudo está interligado entre si e de que a mente e o com
portamento emergem dessa conexäo caótica, de uma forma que
a neuroanatomia nunca revelará. Felizmente, estäo enganados.
Consideremos o seguinte: em média, cada neurónio possui
cerca de 1000 sinapses, embora alguns possam ter 5000 ou 6000.
Isto pode parecer um número muito elevado, mas quando con
sideramos o facto de existirem 10 biliöes de neurónios e mais de
10 tri iöes de sinapses, apercebemo i ios de que cada neurónio
por si tem de facto bem poucas conexöes. Seleccione alguns neu
rônios no córtex cerebral ou nos núcleos, aleatoriamente ou de
acordo com as suas preferências anatômicas, e descobrirá que
Fomni da Ciência 29 4
50 O ERRO DE DESCARTES
cada neurónio comunica com um pequeno grupo de outros
neurónios mas nunca com a maioria ou todos os restantes neu
rónios. Com efeito, muitos neurónios comunicam apenas com
outros neurónios na vizinhança, dentro de circuitos relativa
mente locais no seio de regiöes e núcleos corticais, e outros, ape
sar de os seus axónios se prolongarem por vários milimetros, ou
mesmo centimetros, ao longo do cérebro, apenas estabelecem
contacto com um pequeno número de outros neurónios. As
principais consequências deste arranjo säo as seguintes: (1) o
que um neurónio faz depende do conjunto* dos outros neurá
nios vizinhos no qual o prirneiro se insere; (2) o que os sistemas
fazem depende de como os conjuntos se influenciam uns aos
Dostları ilə paylaş: |