TÍTULO: QB VII
AUTOR: URIS, Leon
TÍTULO ORIGINAL: QB VII
LOCAL DA PUBLICAÇÃO: Lisboa
EDITORA: Círculo de Leitores
Data da publicação: Novembro de 1980
1.ª Edição
GÉNERO: Romance
CLASSIFICAÇÃO: Estados Unidos – Século XX - Ficção
DIGITALIZADO E CORRIGIDO POR:
Aventino de Jesus Teixeira Gonçalves
Setembro de 2004
LEON URIS
QB
VII
Círculo de Leitores
Título original:
QB VII
Tradução de:
Maria Cristina Rato Sancho
Sobrecapa de:
Manuel Dias
Licença Editorial para o Círculo de Leitores
por cortesia de Distribuidora Record, S. A.
Fotocomposto em Garamond 11/12 por Novotípo.
Impresso e encadernado por Plurigraf, Lda.
no mês de Novembro de 1980.
Primeira edição: 22500 exemplares.
Só é permitida a venda aos sócios do Círculo
Dedico este livro à minha
querida esposa Jill
pelo seu vigésimo terceiro aniversário
e a Charlie Goldberg
Aspen, Colorado
16 de Abril de 1970
Nota do autor:
Na Inglaterra os profissionais das leis mantêm um protocolo
extremamente formal e um rígido sistema de etiquetas.
Não procurei prender-me a todos esses hábitos, porém
recorri a uma razoável licença literária, mantendo a minha
história dentro dos limites básicos da verdade e da credibilidade.
As personagens que descrevo são totalmente fictícias.
Leon Uris
O título desta obra e uma abreviatura de Queen’s Bench
Court VII” (Tribunal da Rainha, Sala n.º 7), tribunal
londrino que, como o leitor verá, é constituído num cenário
de acontecimentos importantes no enredo do livro,
(Nota dos Editores)
Primeira Parte
O QUEIXOSO
Capítulo primeiro
Novembro de 1945 - Monza, Itália
O cabo saiu da guarita e olhou para o campo à sua volta. Uma sombra
corria pelo capim alto na sua direcção. O guarda levou o binóculo aos olhos. O
homem, aos trambolhões, carregava uma mala velha. Acenou e gaguejou um
cumprimento em polaco.
Era um acontecimento vulgar naqueles dias. No decorrer da guerra, toda
a Europa se havia transformado num rio tumultuoso de refugiados, os de leste
indo para oeste, os de oeste indo para leste, e os campos de refugiados que iam
surgindo quase submergiam nas ondas. Centenas de milhares de escravos
polacos libertados procuravam entrar em contacto com os seus compatriotas.
Muitos vinham parar ali a Monza, no XV Grupo de Aviação Polaca Livre, da
Real Força Aérea.
- Olá! Olá! - gritou o homem enquanto atravessava o campo em
direcção da estrada poeirenta. A sua corrida transformara-se num manquejar.
O cabo caminhou até o encontrar. O homem era alto e magro, as maçãs
do rosto salientes e uma farta cabeleira branca.
- Polaco? Polaco livre?
- Sim - respondeu o guarda -, dê-me a sua mala, que eu levo-lha.
O homem apoiou-se no guarda procurando não desmaiar.
- Vamos, meu velho, vamos. Venha, sente-se na minha guarita. Vou
chamar a ambulância.
O guarda segurou-o pelo braço e conduziu-o. O homem parou de súbito e
olhou para o mastro onde tremulava a bandeira da Polónia, mesmo ao lado do
portão da entrada, e os seus olhos encheram-se de lágrimas. Sentou-se num
banco de madeira e escondeu o rosto nas mãos.
O cabo pousou a mala no chão e rodou a manivela do telefone de campanha.
- Posto n.º 4, mandem uma ambulância. É para um refugiado.
Quando o homem foi levado para o interior do campo, o guarda abanou a
cabeça. Dez por dia? Alguns dias vinham centenas deles. Que mais poderiam
fazer a não ser dar-lhes algumas refeições quentes, lavá-los, aplicar-lhes
vacinas contra as epidemias que rondavam os campos, vesti-los com roupas
usadas e depois despachá-los para um centro de refugiados onde passariam um
Inverno terrível? A Europa transformar-se-ia numa vasta câmara mortuária
quando as neves chegassem.
O quadro de avisos no clube dos oficiais apresentava, diariamente, a lista
dos refugiados recém-chegados. Esses polacos livres esperavam o milagre do
encontro com os parentes ou velhos amigos. Havia até, em certas ocasiões,
comoventes encontros entre ex-colegas de colégio. Raramente havia o encontro
entre pessoas que se amavam.
11
O major Zenon Myslenski entrou no clube vestindo ainda o seu blusão
de voo e botas forradas de pele. Foi muito bem recebido, pois, tendo abatido
22 aviões alemães, era um dos poucos ases dos polacos livres, e uma lenda
numa época de lendas. Myslenski parou automaticamente em frente do
quadro de avisos e passou os olhos pelas ordens do dia, na lista dos acontecimentos
sociais. Havia um torneio de xadrez no qual pretendia tomar
parte. Já ia a virar-se para sair quando se sentiu atraído pela frustrante lista
dos novos refugiados. Somente quatro recém-chegados neste dia. Era tudo
tão inútil.
- Eh, Zenon! - chamou alguém lá do bar. - Chegas atrasado.
O major Myslenski ficou tenso, com os olhos fixos num nome da lista dos
refugiados: ”Adam Kelno - Chegada, 5 de Novembro.”
Zenon bateu uma vez à porta, depois abriu-a violentamente. Adam Kelno
estava meio adormecido na cama de campanha. A princípio Zenon não
reconheceu o primo. Meu Deus, como ele envelhecera! Quando a guerra
começara ele não tinha nem um só cabelo branco. Agora estava muito magro
e franzino. Através duma névoa, Adam Kelno sentiu a presença de alguém.
Com esforço apoiou-se num cotovelo e piscou os olhos.
- Zenon! - murmurou.
- Primo!
coronel C. Gajnow, comandante do XV Grupo de Aviação, serviu-se
de uma grande dose de vodka enquanto examinava as páginas do interrogatório
preliminar do Dr. Adam Kelno, que requeria permissão para
ingressar nas Forças Polacas Livres.
Adam Kelno, médico. Nascido perto da aldeia de Pzetzeba, em 1905.
Formado pela Universidade de Varsóvia, na Escola de Medicina. Começou a
exercer como cirurgião em 1934.
Havia o testemunho do seu primo, o major Zenon Myslenski, de que
Kelno aderira ao movimento nacionalista polaco desde estudante. Quando
começara a II Guerra Mundial, estando a Polónia ocupada pela Alemanha,
Kelno e a sua mulher Stella tinham-se alistado imediatamente no movimento
nacionalista clandestino.
Depois de alguns meses, a sua actividade foi descoberta pela Gestapo.
Stella Kelno foi fuzilada.
Por um milagre, Adam Kelno escapou e foi mandado para o campo de
concentração de Jadwiga, situado a meio caminho, entre Cracóvia e Tornow,
no Sul da Polónia. Era um enorme complexo industrial para alimentar a máquina
de guerra alemã, utilizando o trabalho de centenas de milhares de
escravos.
O relatório dizia ainda que o Dr. Kelno se tinha transformado num chefe
12
dos médicos prisioneiros e muito havia contribuído para melhorar o primitivo
sistema hospitalar. Kelno era um médico competente e abnegado.
Quando, no fim da guerra, o sistema de extermínio foi introduzido em
Jadwiga, Kelno salvara muitos milhares de vidas, falsificando certidões e
atestados de óbito que entregava ao movimento clandestino.
Tornara-se tão proeminente que, já no fim da guerra, o oficial médico
alemão, coronel Adolph Voss, das SS, levara-o, contra a sua vontade, para
ajudá-lo a dirigir uma clínica particular na Prússia Oriental.
Ao terminar a guerra, Kelno voltou a Varsóvia, onde sofreu uma
dolorosa experiência. Os comunistas polacos tinham traído a sua pátria,
entregando-a à União Soviética. Durante a sua permanência em Jadwiga,
como membro do movimento nacionalista clandestino, Kelno travara terríveis
batalhas com o movimento comunista, também clandestino. Agora,
muitos dos médicos comunistas tinham arranjado uma farsa, acusando-o de
colaborar com os alemães. Após um pedido de prisão contra ele, Adam Kelno
fugira, atravessando a Europa até à Itália, onde contactara com os polacos
livres.
O coronel Gajnow pôs de lado o relatório e chamou a sua secretária.
- A respeito do caso Kelno – disse -, estou a organizar uma comissão
de inquérito, que será composta de cinco oficiais e à qual eu presidirei.
Procuraremos entrar em contacto com todas as forças polacas livres e outras
organizações que possam informar a respeito de Kelno, e reunir-nos-emos
daqui a três meses para uma deliberação final.
Quando a Polónia, durante a II Guerra Mundial, foi vencida e dividida
por um pacto entre a Rússia e a Alemanha, muitos milhares de soldados
puderam escapar. Em Londres formou-se um governo no exílio e vários
esquadrões de combate, tanto aéreos como de infantaria, continuaram a luta
sob o comando inglês.
Durante a guerra, também milhares de outros oficiais polacos que
procuraram asilo na Rússia foram internados, e mais tarde massacrados na
floresta de Katyn. Os soviéticos tinham um plano para se apoderarem da
Polónia e não queriam que um corpo de oficiais nacionalistas se interpusesse
no seu caminho. No final da guerra, o exército soviético acampou às portas de
Varsóvia e nada fez para ajudar os nacionalistas clandestinos durante um
combate no qual foram aniquilados pelos alemães.
Os polacos livres continuaram na Inglaterra, formando um grupo
homogéneo e justamente amargurado, tendo sempre a esperança de voltar à
sua pátria. Quando a notícia do inquérito sobre as actividades de Adam Kelno
chegou até eles, a comunidade polaca prontamente reagiu.
Aparentemente tudo parecia bastante simples. O Dr. Adam Kelno era um
nacionalista polaco que, ao voltar para Varsóvia, seria eliminado pelos
comunistas, exactamente como acontecera ao corpo de oficiais no massacre
de Katyn.
13
Nos dias posteriores à instalação do processo, vários atestados, devidamente
assinados, começaram a chegar a Monza, acompanhados do oferecimento
de testemunho pessoal.
Conheci o doutor Kelno em 1942, quando fui mandado para o campo de
concentração de Jadwiga. Adoeci e fiquei muito fraco para poder trabalhar.
Ele escondeu-me e salvou-me dos alemães. Salvou-me a vida.
O doutor Adam Kelno operou-me e cuidou de mim com o maior carinho.
O doutor Kelno ajudou-me a fugir de Jadwiga.
O doutor Kelno operou-me às quatro horas da manhã, apesar de estar tão
cansado que mal podia estar de pé. Acho que ele nunca dormia mais do que
umas escassas horas por dia. Salvou-me a vida.
No primeiro encontro da comissão, o campo foi visitado por Leopold
Zalinski, personagem lendário do movimento nacionalista clandestino. O seu
nome de guerra, Kon, era conhecido de todos os polacos. O testemunho de
» Kon dissipou todas as dúvidas. Ele jurou que Adam Kelno era um herói do
movimento nacionalista clandestino antes de ser preso e durante todos os
anos em que servira como médico no campo de prisioneiros de Jadwiga.
Baseando-se nas cartas e nos depoimentos de outras duas dúzias de testemunhos
não contraditórios, a comissão declarou-o inocente.
Numa comovente cerimónia em Monza, na qual participou grande parte
dos coronéis das Forças Livres, o Dr. Adam Kelno foi promovido a capitão e
as suas divisas foram impostas pelo seu primo.
A Polónia tinha sido tomada, mas estes homens continuavam a lembrá-la
e a sonhar.
Capítulo segundo
Sexto Hospital Polaco. Campo Foxfield Cross.
Tunbridge Wells, Inglaterra. Março de 1946.
O major Kelno saiu da sala de cirurgia andando vagarosamente enquanto
tirava as luvas. A enfermeira-chefe desatou-lhe o avental cirúrgico e enxugou
o suor que lhe escorria da testa.
- Onde está ela? - perguntou o médico.
- Na sala de espera das visitas. Adam...
- Sim?
14
- Irás ao meu apartamento?
- Sim, acho que sim.
- Esperar-te-ei.
Enquanto ele atravessava o longo e sombrio corredor, o olhar de Ângela
Brown acompanhava-o, deixando bem claro que a sua admiração por ele ia
além do nível puramente profissional. Havia pouco tempo que trabalhavam
juntos na cirurgia. Desde o princípio, ela ficara fascinada com a sua habilidade
e com aquela espécie de zelo que o levava a operar quase duas vezes mais do
que qualquer outro dos seus colegas. As suas mãos eram maravilhosas.
Tudo acontecera dum modo muito simples. Ângela Brown, uma mulher
vulgar, entre 30 e 40 anos, era uma enfermeira eficiente há já uns 10 anos.
Um primeiro casamento terminara com o divórcio. O grande amor da sua
vida fora um piloto polaco da RAF, abatido no canal da Mancha.
Por Adam Kelno, que nada tinha de parecido com o piloto de caça, ela
sentia uma espécie diferente de amor. Acontecera-lhe algo de milagrosamente
mágico quando os seus olhos encontraram os dele no momento em que lhe
estendia os instrumentos, acompanhando o movimento seguro das suas
mãos, na intimidade espiritual de quem trabalha em completa união para
salvar uma vida humana. A alegria de uma operação bem sucedida. A
amargura de um fracasso depois de uma luta difícil...
Ambos então se sentiam tão solitários, que tudo sucedeu de uma forma
muito pouco dramática, mas de um modo encantador.
Adam entrou na sala de espera das visitas. Era muito tarde. A operação
durara mais de três horas. No rosto da Sr.a Baczewski pairava uma expressão
de ansiosa espera. Adam pegou-lhe na mão e curvou-se ligeiramente ao beijá-la.
Então sentou-se ao seu lado.
- Jerzy deixou-nos. Foi tudo muito suave.
Ela assentiu com a cabeça, sem se atrever a falar.
- Quer que avise alguém, Sr.a Baczewski?
- Não! Nós não tínhamos ninguém. Fomos os únicos sobreviventes.
- Creio que devíamos instalá-la num apartamento.
Ela tentou falar mas os seus lábios começaram a tremer e só emitiu uns
sons incompreensíveis.
- Ele disse-me: ”Leve-me ao doutor Kelno... Ele conseguiu fazer-me
viver no campo de concentração... Leve-me ao doutor Kelno...”
Ângela chegou nesse momento e tomou conta da situação. Adam
murmurou-lhe que desse um calmante à Sr.a Baczewski.
- Quando conheci Jerzy Baczewski ele era forte como um touro. Era um
grande polaco. Um dos nossos melhores dramaturgos. Sabíamos que os
alemães procuravam exterminar os nossos melhores homens e por isso fizemos
tudo para mantê-lo vivo. Esta operação não era assim tão séria. Um
15
homem sadio conseguiria sobreviver, mas ele já não tinha forças, depois de
dois anos naquele serviço de sujo inferno.
- Querido, foste tu quem me ensinou que um bom cirurgião tem de ser
impessoal. Fizeste o possível...
- Às vezes duvido das minhas próprias palavras. Jerzy morreu traído.
Morreu solitário, longe da sua terra, levando consigo a lembrança de
inimagináveis terrores.
- Adam, estiveste a operar durante quase toda a noite. Vamos, querido,
é melhor beberes o teu chá.
- Prefiro uma bebida.
Serviu-se de uma forte dose, bebendo-a de um só golo e encheu novamente
o copo.
- Tudo o que Jerzy queria era ser pai de uma criança. Que diabo de gente
somos nós? Que maldita praga nos persegue? Porque não podemos viver?
A garrafa estava no fim. Ele mordiscou a mão fechada.
Ângela acariciou-lhe os cabelos brancos.
- Vais ficar comigo esta noite?
- Gostaria muito. Não quero ficar só.
Ela sentou-se no banquito a seus pés e encostou a cabeça nos seus joelhos.
- O Dr. Novak chamou-me hoje para conversar. Quer que te afaste do
hospital para descansares um pouco. Tem medo de que fiques doente.
- Que diabo pensa ele que sabe? O Dr. August Novak é um homem que
passou a vida a aparar narizes grandes e a fazer transplantações de cabelo na
cabeça dos aristocratas ingleses, na esperança de arranjar um título de cavaleiro.
Dá-me outra bebida.
- Por favor, deixa de beber.
Quando ele começou a levantar-se, ela segurou-lhe nas mãos, olhando-o
aflita, e beijou-lhe os dedos um por um.
- Não chores, Ângela, não chores, por favor!
- A minha tia tem uma vivendazita encantadora em Folkstone. Ela
ficaria contente em receber-nos.
- Talvez eu esteja, de facto, um pouco cansado - admitiu ele.
Os dias correram rápidos em Folkstone. Adam sentiu-se rejuvenescer,
passeando pelos caminhos ao longo dos rochedos à beira-mar. Do outro
lado da Mancha aparecia o vulto mal delineado da costa francesa. De mãos
dadas, sem precisarem de falar, eles caminhavam pelos atalhos ladeados de
alecrim, fustigados pelo vento, a ouvir ao longe o som da banda que tocava
no Marine Gardens. As ruazinhas apertadas tinham sido atingidas pelas
bombas, mas a estátua de William Harvey, o descobridor da circulação
de sangue, ainda estava de pé. O navio para Calais partia diariamente e
começariam imediatamente a aparecer os primeiros turistas da curta estação
de Verão.
16
O frio da noite era suavizado pelo calor do fogo crepitante, que lançava
sombras estranhas no velho tecto de madeira da vivenda. Acabara o último
dia de encantamento e amanhã eles voltariam ao trabalho no hospital.
Uma moleza súbita invadiu Adam. Ele começou a beber.
- Tenho pena que tenha acabado - disse. - Não me recordo de outra
semana tão maravilhosa.
- Não é necessário que termine hoje - murmurou ela.
- Tudo termina sempre para mim. Nunca tive nada que não fosse
arrancado de mim próprio. Todos os que já amei me foram roubados. A
minha mulher, a minha mãe, os meus irmãos. Qualquer deles que tenha sobrevivido
deve estar a viver agora uma vida de escravidão na Polónia. Não
posso ter compromissos com ninguém. Nunca mais.
- Não te pedi isso.
- Ângela, eu quero amar-te, mas, compreende, se o conseguir, vou
também perder-te.
- E que diferença faz? Assim, também acabaremos por nos separar, sem
ao menos termos tentado uma oportunidade.
- Há muito mais do que isso. Sabes bem que sim. Eu vivo no terror da
minha própria impotência... como homem... e não é a bebida que provoca
isso... É... foi tanta coisa porque passei naquele lugar...
- Comigo serás forte, Adam - disse ela com ternura.
Ele aproximou-se, acariciando-lhe o rosto, e ela beijou-lhe as mãos.
- As tuas mãos, as tuas magníficas mãos! -sussurrou.
- Ângela, dar-me-ias um filho, agora?
- Sim, meu amor, meu querido!
Ângela engravidou alguns meses depois do casamento.
O Dr. August Novak, cirurgião-chefe do Sexto Hospital Polaco, afastou-se
do cargo, retomando a sua clínica particular, e, surpreendentemente,
o Dr. Adam Kelno foi promovido ao posto de chefe do hospital, passando por
cima dum grande número de médicos mais antigos do que ele.
O trabalho administrativo não era exactamente o que Adam desejava,
mas a sua enorme responsabilidade no campo de concentração de Jadwiga
tinha-lhe proporcionado um bom treino. E, mesmo tendo de se preocupar
com orçamentos e política interna, ele não abandonou a sua carreira de
cirurgião.
Era muito agradável, então, voltar para casa. A vivenda dos Kelno, em
Groombridge Village, ficava a alguns quilómetros do hospital, em Tunbridge
Wells. O ventre de Ângela estava lindamente grande, por carregar a criança
de ambos, e nas tardes tranquilas saíam a passear de mãos dadas, sempre num
silêncio comunicativo, subindo os atalhos frondosos até ao rochedo do Sapo,
onde paravam para tomar chá num pequeno café antigo. Adam bebia muito
pouco então.
17
Numa tarde de Julho ele assinou a folha de serviço no hospital e o seu
ajudante arrumou os pacotes das compras feitas no armazém, no porta-bagagens
do carro. Ele dirigiu-se ao centro da cidade onde comprou um
ramo de rosas antes de voltar para Groombridge.
Ângela não respondeu quando tocou à campainha. Isso assustava-o
sempre. O medo de perdê-la espreitava-o por detrás de cada árvore da floresta.
Adam pousou as compras no chão e procurou a chave no bolso. Espera! A
porta não estava trancada. Ele abriu-a.
- Ângela!
A sua mulher estava sentada na beira duma cadeira da sala de estar, o
rosto cor de cinza. O olhar de Adam quedou-se nos dois homens que se
mantinham ao lado dela.
- Dr. Kelno? - perguntou um.
- Sim.
- Inspector Ewbank, da Scotland Yard.
- Inspector Henderson - disse o outro homem, mostrando a sua credencial.
- O que desejam ? O que estão a fazer aqui ?
- Temos uma ordem de prisão contra o senhor.
- Prisão?
- Sim, senhor.
- Mas do que se trata ? Que espécie de brincadeira é esta ?
O rosto zangado deles deixava notar que não era uma brincadeira.
-Prisão?... Porquê?
- O senhor ficará detido na prisão de Brixton, a aguardar a sua extradição
para a Polónia, onde será julgado como criminoso de guerra.
Capítulo terceiro
O cenário era Londres, mas o ambiente parecia ter sido importado de
Varsóvia. Ângela sentara-se na sala de espera da Sociedade dos Polacos Livres.
As paredes eram decoradas com enormes quadros representando
Pilsudski, Smigly-Rydz, Paderewski e toda uma galeria de heróis polacos.
Nas salas como esta à roda de Londres é que os polacos suficientemente felizes,
que conseguiam fugir, perpetuavam a memória da Polónia.
A gravidez de Ângela era agora bastante notória. Zenon Myslenski tentava
consolá-la, e ela torcia um lenço nas mãos nervosas. Uma porta alta
abriu-se e, de um dos escritórios, veio um secretário na direcção deles.
Ângela ajeitou o vestido. Com o andar pesado e apoiado em Zenon,
entrou na sala onde o conde Anatol Czerny os recebeu de pé. Cumprimentou
Zenon como a um velho amigo, beijou a mão de Ângela, e convidou-os a
sentarem-se.
18
- Receio que tenham perdido um tempo muito valioso ao entrar em
contacto com o governo no exílio - disse-lhes o elegante aristocrata. - A
Inglaterra não o reconhece mais, e nós não conseguimos obter qualquer
informação no Ministério do Interior inglês.
- Mas, pelo amor de Deus, o que é que está a acontecer? Alguém tem de
nos dizer alguma coisa - explodiu Ângela.
- Tudo o que sabemos é que há mais ou menos uns quinze dias chegou
aqui, vindo de Varsóvia, um tal Nathan Goldmark. Trata-se de um
comunista judeu, que é agente especial da polícia secreta polaca. Ele tem
muitas declarações com juramento de ex-prisioneiros de Jadwiga, todos eles
comunistas, a incriminar o seu marido.
- Que género de acusações?
- Eu não vi essas declarações e a Secretaria do Interior guarda um grande
sigilo em torno de tudo. Se um governo estrangeiro com o qual a Inglaterra
tem um pacto de união requer a extradição e apresenta um processo estabelecido,
eles tratam do assunto como uma questão de rotina. É essa a posição
da Inglaterra.
- Mas que espécie de acusações podem eles ter contra Adam? Vocês
leram os testemunhos da investigação de Monza. Eu estava lá - disse
Zenon.
- Bem, nós dois sabemos o que está a acontecer, não sabemos? - respondeu
o conde.
- Não, eu não compreendo absolutamente nada - disse Ângela.
- Os comunistas sentem-se obrigados a manter em funcionamento a sua
máquina de propaganda, para justificar o domínio na Polónia. O Dr. Kelno
fará o papel de bode expiatório. Que propaganda melhor terão do que provar
que um nacionalista foi criminoso de guerra?
- Meu Deus! E que podemos fazer?
- Nós vamos lutar contra isso, claro. Não estamos totalmente sem
recursos. O Ministério do Interior levará alguns dias para estudar o assunto.
A nossa primeira táctica será obter um adiamento. Sr.a Kelno, desejo a sua
permissão para contratar os serviços de uma firma de advogados que nos tem
sido muito útil em casos semelhantes.
- Claro que sim - murmurou ela.
- Chamam-se Hobbins, Newton e Smiddy.
- Oh, meu pobre Adam... Oh, meu Deus!
- Por favor, Ângela.
- A senhora está bem, Sr.a Kelno?
- Sim... lamento muito. - Ela apertou fortemente as mãos enluvadas e
soltou um profundo suspiro.
- Coragem - disse o conde Czerny. - Nós estamos na Inglaterra,
estamos a lidar com pessoas honestas e civilizadas.
19
O táxi Austin parou mesmo no centro de Pall Mall, arranjou um buraco
na bicha dos carros que vinham em sentido contrário, fez inversão de marcha
rapidamente e completou a volta em frente do Clube Reform, onde parou.
Richard Smiddy segurou com força o chapéu de coco, colocando-o na cabeça.
Pôs o guarda-chuva no braço, abriu um velho porta-moedas e contou,
cuidadosamente, o dinheiro.
- Os seis pence são para si - disse.
- Obrigado, chefe - disse o homem do táxi, enquanto levantava a
bandeira “Livre” e reconduzia o carro para o meio da rua. Abanou a cabeça
ao guardar a pequena gorjeta. Não era que ele gostasse da guerra, mas no
tempo dos americanos é que era bom.
Richard Smiddy, filho de George Smiddy e neto de Harold Smiddy, nobre
e antiga firma de advocacia, subiu as escadas até à porta de entrada do Clube
Reform. Sentia-se satisfeito consigo mesmo por ter conseguido aquela entrevista
com Robert Highsmith em menos de uma semana. Como o protocolo
exigia, o assistente de Smiddy tinha feito um pedido ao assistente de
Highsmith no Parlamento, e o encontro tinha sido marcado. Smiddy fizera
sentir ao homem que o assunto era relativamente urgente. Por um instante
Richard Smiddy pensara em ultrapassar o protocolo, e telefonar a Highsmith.
”Os americanos é que são práticos”, pensou. E abandonou a ideia.
Deixou o guarda-chuva e o chapéu ao rapaz do bengaleiro e fez um curto
comentário sobre o incrível tempo.
- O Sr. Highsmith aguarda-o, senhor - disse alguém.
Smiddy subiu as escadas até àquele famoso lugar onde Phileas Fogg tinha
começado e acabado a volta ao mundo em 80 dias e entrou no salão à direita:
Robert Highsmith, um homem pesadão vestindo uma calça, colete e casaco
mal cortados, mexeu-se na poltrona de couro gasto. Era um homem pitoresco.
Fugira à tradição de uma família da aristocracia rural, ao entrar no
mundo dos tribunais. Advogado brilhante, extremamente competente, aos
34 anos fora eleito para a Câmara dos Comuns. A sua natureza levava-o a travar
lutas constantes a favor de várias causas e sempre contra a injustiça. Era
um dos chefes do ramo britânico do Santuário Internacional, organização
instituída para a defesa dos prisioneiros políticos.
- Olá, Smiddy, sente-se, sente-se.
- Ainda bem que pôde receber-me rapidamente.
- Não foi assim tão rapidamente. Custou-me conseguir que o Ministério
do Interior adiasse o assunto. Devia ter-me telefonado, já que havia tanta
urgência.
- Pois é, de facto ainda pensei nisso.
Highsmith pediu um uísque puro e Richard Smiddy pediu chá com bolos.
- Bom, já examinei os elementos de acusação - disse Highsmith.
Querem-no por uma série de crimes. - Ajeitou os óculos na ponta do nariz,
20
passou a mão pelo cabelo despenteado, e começou a ler uma folha de papel.
- Administração de fenol aos prisioneiros, colaboração com os nazis, selecção
de prisioneiros para as câmaras de gás, participação em cirurgias experimentais,
juramentos de fidelidade à Alemanha como cidadão honorário, etc.,
etc. Parece-me um monstro sanguinário. Que tipo de homem é ele?
- Um camarada íntegro. Um bocado franco. Sabe como são os polacos...
- O que tem a sua firma a dizer a isto tudo?
- Nós estudámos o caso muito minuciosamente, Highsmith, e apostaria,
o meu último tostão na inocência dele.
- Os patifes. Bem, não vamos deixar que levem a melhor.
Santuário Internacional
, Raymond Buildings «;
Grays Inn ,;
Londres W C l
Secretário de Estado
Ministério do Interior ,
Departamento de Estrangeiros
Old Bailey, 10
Londres EC 4
Caro Sr. Clayton-Hill,
Já o tínhamos advertido anteriormente a respeito do interesse do Santuário
Internacional no caso do Dr. Adam Kelno, neste momento detido na
prisão de Brixton. A norma da nossa organização é encarar com suspeita
todos os pedidos de extradição de presos políticos para países comunistas. O ”
Dr. Kelno é uma vítima de injustiças políticas.
Depois de um estudo mais profundo do caso concluímos que não existem
bases sólidas para uma acusação do Dr. Kelno. Todas as acusações foram feitas
ou pelo governo comunista, ou por pessoas filiadas no partido comunista.
Não existiu um único caso em que os acusadores tivessem assistido aos
crimes que imputam ao Dr. Kelno. Todos esses documentos são baseados em
rumores, facto inadmissível como prova em qualquer tribunal ocidental.
Além disso, o Governo polaco não apresentou nenhuma vítima da alegada
crueldade do Dr. Kelno.
Na nossa opinião a Polónia falhou inteiramente em apresentar um
processo aceitável. As pessoas que testemunharam a favor do Dr. Kelno, ao
falar acerca do seu magnífico desempenho no campo de Jadwiga, não podem
entrar na Polónia e portanto o Dr. Kelno não terá, de forma alguma, um
Julgamento imparcial. Se a extradição for permitida, significará um assassinato
político.
21
Em nome da imparcialidade britânica, o Santuário Internacional pede a liberdade
incondicional deste homem inocente.
Atenciosamente subscrevo-me,
Robert Highsmith.
Hobbins, Newton e Smiddy ;
Advogados
Chancory Lane, 32-B
Londres WC 2
Subsecretário de Estado
Ministério do Interior
Departamento de Estrangeiros
Old Bailey, 10
Londres EC 4
Ref.a: Dr. Adam Kelno
Caro Sr. Clayton-Hill, ;
Ainda em referência ao caso do Dr. Adam Kelno, tenho o prazer de
enviar-lhe mais vinte declarações de antigos prisioneiros do campo de concentração
de Jadwiga em defesa do nosso cliente.
Agradecemos o adiamento que nos foi concedido e que permitiu-nos trazer
à luz mais 100 declarações escritas. No entanto, o Dr. Kelno está preso há
mais de 6 meses, sem qualquer processo formal contra ele.
Ficaríamos gratos que nos informassem sobre se as provas que
apresentamos são suficientes, e se com esta evidência o Dr. Kelno será libertado,
ou se teremos ainda de continuar o nosso trabalho.
Gostaria de chamar a sua atenção para um tribunal honorário composto
de representantes de todas as organizações dos polacos livres, que não só o
consideraram inocente como o proclamaram um herói nacional.
Atenciosamente, subscrevo-me,
Hobbins, Newton e Smiddy.
Na Câmara dos Comuns, Robert Highsmith foi apoiado pelos seus
correligionários, podendo assim fazer uma crescente pressão para libertar
Kelno. Formava-se uma corrente de opiniões contra aquela injustiça.
22
No entanto, na Polónia também crescia o sentimento de revolta contra a
Inglaterra que protegia criminosos de guerra. Do ponto de vista deles, o caso
Adam Kelno era assunto exclusivamente polaco, e a Inglaterra não estava a
cumprir um tratado que a obrigava a repatriá-lo para julgamento.
Quando parecia que o Santuário Internacional estava a ganhar terreno,
Nathan Goldmark, o polaco encarregue das investigações que estava em
Inglaterra a lutar pela extradição, encontrou uma inesperada testemunha.
Capítulo quarto
O céu de Oxford estava repleto de espirais e torres. Nathan Goldmark, da
polícia secreta polaca, mordiscava a mão, o rosto encostado ao vidro da janela
do comboio, enquanto os seus companheiros de viagem se preparavam para
descer, tirando as malas das prateleiras de bagagem.
Na viagem tinha lido a história de Oxford. Sabia que fora fundada no século
XII, e tinha crescido até chegar ao actual aglomerado de 31 escolas com
as suas respectivas catedrais, hospitais e instituições, todas espalhadas por
estreitas ruelas, a cidade dividida por um terrivelmente romântico riacho. A
riqueza gótica das abóbadas, os azulejos antigos, e os prefeitos, mestres,
ouvintes, estudantes e coros. Escolas como Magdalen, Pembroke e Todas as
Almas tinham histórias que ocupavam períodos de centenas de anos.
Nuffields e St. Catherine eram de décadas recentes. Todas tinham nos livros
de presenças nomes de personagens tão imortais como a própria grandeza da
Inglaterra.
Nathan Goldmark encontrou a praça de táxis e entregou ao motorista um
pedaço de papel onde estava escrito: ”Centro Médico de Radcliffe.” Apesar
do frio, ele abriu a janela quando passaram por um animado grupo de estudantes
nas suas bicicletas. Numa parede antiga tinham pintado com tinta
vermelha as seguintes palavras: “Comecem agora a segunda frente.”
Nas frias instalações do Centro Médico ele foi levado por um longo corredor
através de uma dúzia de laboratórios, até ao pequeno e desorganizado
escritório do Dr. Mark Tesslar, que o esperava.
- É melhor irmos até à minha casa - disse Tesslar. - Será melhor para
conversarmos.
O apartamento de Tesslar ficava num mosteiro agora restaurado, na abadia
de Wytham, no campo, distanciado alguns quilómetros do centro da cidade
de Oxford. Foi suficiente um instante para que o Dr. Tesslar e Nathan
Goldmark se analisassem. Ambos pertenciam a um clube único: o dos raros
Judeus polacos que sobreviveram ao holocausto de Hitler. Tesslar diplomara-se
no gueto de Varsóvia e nos campos de concentração de Majdanek e Jadwiga.
Goldmark formara-se em Dachau e Auschwitz. As linhas, fundas
23
como rios secos, que cortavam em sulcos os rostos de olhos fundos,
denunciavam o passado de um aos olhos do outro.
- Como me encontrou, Goldmark? - perguntou Tesslar.
- Por intermédio da Dr.a Maria Viskova. Ela disse-me que estava em
Oxford, a trabalhar em pesquisa.
Ao ouvir mencionar o nome de Maria, Tesslar fez vir um sorriso ao rosto
rígido e ossudo.
- Maria!... Quando foi que esteve com ela?
- Há uma semana.
- Como está?
- Bem, a sua posição parece-me bastante sólida; porém, como todos
nós, ela está a procurar os caminhos da vida. A tentar compreender o que
aconteceu.
- Eu implorei-lhe, quando fomos libertados, que deixasse Varsóvia e
viesse para Inglaterra. A Polónia não é lugar para nós, judeus. É um cemitério.
Uma enorme e vazia campa a exalar o cheiro da morte.
- Mas o senhor é ainda um cidadão polaco, Dr. Tesslar.
- Não, não tenho a menor intenção em voltar. Nunca mais.
- Será uma perda enorme para a comunidade judaica.
- Que comunidade judaica? Fantasmas a carregar cinzas?
- Será diferente agora.
- Será mesmo, Goldmark? Então porque é que eles têm uma divisão
especial do partido, para os judeus? Eu digo-lhe. Porque os polacos não podem
aceitar a culpa por tudo quanto nos aconteceu e eles têm, então, de
manter todos os judeus que sobreviveram encarcerados lá na Polónia. Veja!
Nós temos aqui judeus. Eles gostam disto aqui. Nós somos bons polacos. E as
pessoas como você fazem o trabalho sujo por eles. Vocês têm de manter uma
comunidade judaica na Polónia para justificar a vossa própria existência.
Vocês estão a ser usados. Mas, no fim de tudo, verão que os comunistas não
são melhores para vós do que foram os nacionalistas, antes da guerra. Naquele
país nós somos porcos.
- E Maria Viskova... uma comunista toda a vida?
- Também ela ficará decepcionada, antes do fim.
Goldmark queria mudar de conversa. O seu rosto contraía-se nervosamente
enquanto fumava um cigarro atrás de outro. Depois do ataque de
Tesslar, Goldmark ficara ainda mais inquieto.
Mark Tesslar coxeava ligeiramente quando agarrou a bandeja do chá das
mãos da sua empregada. Ele preparou a infusão e serviu-a.
- O motivo da minha visita a Oxford - disse Goldmark - diz respeito a
Adam Kelno.
A menção do nome de Kelno obteve uma reacção instantânea e visível em
Tesslar.
- O que há acerca de Kelno?
24
Goldmark fez uma careta, ao achar dificuldade perante a súbita importância
da sua revelação.
- O senhor conhece-o há muito tempo?
- Desde que estudámos juntos, em 1930.
- Quando o viu pela última vez?
- Quando deixou o campo de concentração de Jadwiga. Ouvi dizer que
foi para Varsóvia e depois fugiu de lá.
- Que acharia se eu lhe dissesse que ele está em Inglaterra?
- Livre?
- Não exactamente. Agora está detido na prisão de Brixton. Nós estamos
a tentar obter a sua extradição para a Polónia. O senhor deve saber como está
a situação aqui na Inglaterra com os fascistas polacos. Eles transformaram-no
numa celebridade. Conseguiram chamar a atenção dos altos escalões e obrigar
os ingleses a uma situação de espera. O senhor conheceu-o intimamente em
Jadwiga?
- Sim - murmurou Tesslar.
- Então deve estar ao corrente das acusações feitas contra ele ?
- Eu sei que ele fazia cirurgia experimental na nossa gente.
- Como sabe isso?
- Porque vi com os meus próprios olhos.
Subsecretário de Estado
Ministério do Interior
Departamento de Estrangeiros
Old Bailey, 10
Londres EC 4
Hobbins, Newton e Smiddy
Advogados
Chancory Lane, 32-B
Londres WC 2
Ref.a: Dr. Adam Kelno
Prezados senhores
O Secretário de Estado incumbiu-me de informá-los que examinou
minuciosamente todas as circunstâncias, inclusive as informações fornecidas
pelo Governo polaco. Com o recente testemunho do Dr. Mark Tesslar, feito
sob juramento, o Secretário de Estado considera que permanece a primeira
acusação. Não é da nossa competência fazer comentários quanto à justiça ou
injustiça das leis polacas, mas sim cumprir os tratados efectuados com esse
Governo.
Dostları ilə paylaş: |