são os senhores que devem decidir. Não se apressem. Os meus empregados
servir-lhes-ão alimentos e refrescos. Agora há um assunto final. O Governo
da Polónia, por intermédio do seu embaixador, considera o Registo Médico
de Jadwiga como um documento de grande importância e deseja que lhe
seja entregue, para que possa ser exibido nos seus museus. O Embaixador
da Polónia concedeu-nos o direito de ficar com o registo, até que o júri chegue
a uma deliberação. Por favor, tenham todo o cuidado ao manuseá-lo.
Não deixem que a cinza dos cigarros caia sobre ele, nem café ou chá. Não
gostaríamos que as futuras gerações da Polónia pensem que um júri britânico
tratou com indiferença este documento. Podem agora deliberar.
Era meio-dia. Aqueles ingleses de vulgar aparência saíram da sala e a
porta da sala do júri fechou-se atrás deles.
Adam Kelno e Abraham Cady tinham chegado ao fim da sua batalha.
À uma e meia, Sheila Lamb entrou a correr na sala de consultas, para
avisar que o júri tinha regressado. O corredor estava repleto de repórteres, os
quais deviam obedecer às regras que proibiam qualquer entrevista ou fotografia,
na sala do julgamento. Mas um deles não conseguiu resistir.
- Sr. Cady - disse -, o senhor acha que esta rapidez com que os jurados
chegaram a uma decisão, significa ter ganho a questão?
- Neste caso, ninguém ganhará - respondeu Abe -, todos nós seremos
vencidos.
Ele e Shawcross empurraram a multidão que se aglomerava na entrada do
tribunal, para alcançarem a sala de audiências. Ao lado deles estava Adam
Kelno.
Gilray fez um sinal ao associado que se aproximou do banco dos jurados.
- Os senhores já chegaram a um veredicto?
- Sim - foi a resposta.
- E este é o veredicto de todos?
- Sim, é.
- A decisão é favorável ao queixoso, Sir Adam Kelno, ou aos acusados,
Abraham Cady e David Shawcross?
- Decidimos em favor do queixoso, Sir Adam Kelno.
- E concordaram todos no valor da indemnização?
- Sim, concordámos.
- Qual será ela?
- Concedemos a Sir Adam Kelno a moeda menor da Inglaterra.
Capitulo trigésimo nono
Ângela entrou de rompante no escritório onde Adam estava sentado,
imóvel.
- Terry voltou e está a arrumar as malas.
A correr, Adam saiu e subiu as escadas, abrindo a porta do quarto onde
Terry acabava de fechar a mala.
- Não estou a levar muitas coisas - disse Terry-, só o indispensável.
- Vais voltar para a Mary?
- Vou-me embora com ela.
- Para onde?
- Ainda não sei. Vou sair de Londres, de Inglaterra. Ângela saberá para
onde formos.
Adam atravessou-se no seu caminho.
- Exijo que me digas para onde vais!
- Vou para o meio dos leprosos - gritou ele. - Se tiver de ser médico,
serei como o Dr. Tesslar!
- Vais mas é ficar aqui!... Tens de me ou vir...
- O senhor enganou-me, doutor...
- Enganei ? Mas eu fiz isto tudo por tua causa e do Stephan...
- Estou-lhe agradecido. Agora, deixe-me passar.
-Não!
- O que é que o senhor vai fazer? Cortar os meus testículos?
- Tu... tu... tu és como todos os outros! Também queres acabar comigo.
Pagaram-te para que me abandones. É a mesma conspiração!
- O senhor é um sanguinário paranóico, que passou a vida a destruir os
órgãos dos judeus, para se vingar do seu pai. Não é assim, Sir Adam?
Adam esbofeteou-o na boca.
- Judeu! - gritou. E bateu-lhe outra vez. - Judeu! Judeu! Judeu!
Capítulo quadragésimo
Abe abriu a porta do apartamento. Thomas Bannister estava na soleira.
Entrou em silêncio e dirigiu-se para a sala, seguindo Cady.
- Tinha marcado um encontro comigo - disse Bannister. - Fiquei à sua
espera.
- Eu sei. Lamento imenso. Quer um uísque?
- Sim, obrigado. Por favor, sem gelo. Puro.
Bannister tirou o casaco enquanto Abe servia a bebida.
- Sabe uma coisa? Já estou farto de dizer adeus. Já disse adeus em todos
os tons. E agora fui levar a minha filha, que embarcou para Israel.
- Tenho pena de não me ter despedido dela. Parece uma rapariga encantadora.
Gostaria de tê-la conhecido melhor. As notícias de Israel são muito
alarmantes.
Abe encolheu os ombros.
- Nós aprendemos a viver com isto tudo. Quando estava a escrever O
Holocausto, Shawcross ficava em palpos de aranha quando acontecia uma
nova crise e implorava-me que lhe mandasse o manuscrito. Disse-lhe: “Não
se preocupe, porque quando tiver acabado de escrever este livro» os judeus
estarão ainda em apuros.”
- Deve ser extenuante.
- Escrever ou ser judeu?
- Referia-me a escrever. É como se mergulhasse nas pessoas e filmasse o
que elas são por dentro.
- A coisa é mais ou menos assim, Bannister. Tenho evitado de o ver,
porque você assusta-me.
Bannister sorriu.
- Bom, nunca pensei pô-lo no banco das testemunhas.
- Sabe em quem tenho pensado?
- Adam Kelno!
- Como sabe?
- Porque também estou a pensar nele.
- Highsmith tem razão, não acha? - disse Abe. - Qualquer um de nós
poderia ter feito o que ele fez. Um homem simples, preso numa armadilha.
Que diabo teria eu feito?
- Penso que sei.
- Eu não tenho a certeza. O mundo não tem assim tantos Daniel Dubrowski,
Mark Tesslar, Parmentier, Viskova e Van Damm. Falamos muito
em coragem, mas acabamos por urinar nas calças.
- Há muitas mais pessoas com coragem, do que está a querer admitir.
- Eu esqueci uma - disse Abe. - Thomas Bannister. Na noite em que
fez a lista das minhas responsabilidades, não se incluiu no rol. E não teria sido
o tiro de misericórdia, se o povo inglês tivesse de ficar sem si, como primeiro-ministro?
- Quanto a isso... cada um tem de fazer o que acha que está certo.
- Porquê? Porque Kelno moveu esta acção? Claro, sei que ele tem de ser
o maior peixe do aquário. Como ele se sente inferior, tem de procurar lugares
onde seja superior aos outros. Em Sarawak, em Jadwiga, na clínica de
operários em Londres.
- Kelno? É uma trágica figura - disse Bannister. - É óbvio que tem
uma paranóia qualquer. Assim, não pode ter nenhum tipo de introspecção.
Julgo que não diferencia o certo do errado.
- E o que é que terá sido que fez com que ele ficasse assim?
- Talvez alguma crueldade sofrida quando era criança. A Polónia
tornou-o anti-semita. Foi uma válvula para a sua doença. Sabe, Cady, os
cirurgiões são uma fauna muito estranha. As vezes parece-me que se
alimentam de sangue. A cirurgia satisfez as suas necessidades, enquanto
se encontrou num país civilizado. Mas quando se coloca um homem num
lugar onde toda a ordem social foi abolida, ele transforma-se num monstro.
Então, quando voltou para a sociedade civilizada e retomou a sua posição de
correcto cirurgião, esqueceu o que ficou para trás, sem ter consciência da
culpa.
350
- Depois de tudo quanto ouvi naquele tribunal - disse Abe -, depois de
compreender ao que as pessoas podem ser obrigadas a fazer, e depois de ver
que o holocausto continua sempre e sempre, sinto que estamos a destruir o
nosso mundo e que, jamais, nos poderemos salvar. Poluímos o nosso planeta
e todas as criaturas que vivem nele. Juro por Deus, estamos a destruir-nos
uns aos outros. Em minha opinião, já passámos dos limites de tempo e de
espaço e, agora, já não é uma questão de ”se” mas de ”quando” tudo irá
acabar. E, da forma como nos estamos a comportar, acho que Deus deve
andar muito impaciente.
- Oh, Deus tem bastante paciência - disse Thomas Bannister. - Nós,
mortais, somos tão pomposos que vivemos a imaginar que, em toda a eternidade
e em todo o imenso universo, somos os únicos que sofremos a experiência
humana. Sempre acreditei que tudo isto já aconteceu antes e aqui
mesmo nesta terra.
- Aqui?... Como?
- Bom, na mente de Deus, o que é que representará um bilião de anos, a
mais ou a menos? Talvez já tenha havido outras civilizações, há milhões e
milhões de anos, das quais nada se sabe. E depois de se destruir esta civilização
em que estamos a viver, tudo recomeçará, daqui a uns 100 milhões de
anos, depois do mundo se ter recomposto. Pode ser que uma dessas civilizações,
digamos, daqui a uns 5 biliões de anos, dure para toda a eternidade
porque os homens aprenderam a tratar-se bem uns aos outros.
O telefone interrompeu-os. O rosto de Abe ficou muito tenso. Escreveu
um endereço e disse que estaria lá dentro duma hora. Pensativo, pousou o
auscultador no descanso.
- Era Terrence Campbell. Quer ver-me.
- Ora, isso não deveria surpreendê-lo. Sabe, se nós vamos continuar a
viver mais algum tempo neste planeta, será por causa deles, do filho de
Kelno, do seu filho e da sua filha. Enfim, não o vou prender mais tempo.
Ainda vai ficar em Londres?
- Dentro de alguns dias devo ir para Israel. Vou recomeçar a minha
carreira de correspondente de guerra.
Apertaram as mãos.
- Não posso dizer-lhe que tenha sido o meu cliente mais paciente, mas
foi interessante - disse Bannister e, pela primeira vez na sua vida, parecia
não conseguir encontrar as palavras certas. - Compreende o que quero dizer,
não?
- Sei muito bem o que quer dizer, Tom.
- Felicidades, Abe.
”Quando fui encontrar-me com Terrence, pedi ao motorista do táxi para
parar no tribunal. Isto é natural. Queria dizer adeus à única coisa digna que
fiz, em toda a minha vida. Enfrentar esse processo.
351
”Não posso contradizer a teoria de Bannister de que já houve outras civilizações
iguais à nossa. Que o que está a acontecer, acontecerá outra vez.
Quando esta civilização acabar, lamentarei imenso, por causa de Londres.
“Na rua do tribunal e um pouco mais adiante, fica a igreja de St. Clement’s
Dane. É a igreja da Real Força Aérea. Durante a guerra, conheci-a bem.
Cheguei a escrever alguns artigos sobre ela. A St. Clement’s Dane é o
exemplo do que Thomas Bannister estava a dizer. Foi construída pelos
Dinamarqueses em 871, quando foram expulsos para lá das muralhas da cidade,
por Alfredo, o Grande. Foi depois destruída. Foi reconstruída por
Guilherme, o Conquistador e destruída outra vez. Reconstruída na Idade Média
e destruída pelo incêndio de 1680. Reconstruída por Christopher Wren,
manteve-se até que os bombardeiros alemães a destruíram durante a II Guerra
Mundial. E, finalmente, foi reconstruída.
”Como era aquela canção de adormecer que Samantha costumava cantar
para as crianças?
”A flor nasce da semente,
Dizem os sinos de São Clemente.
Você deve-me um dinheirinho,
Dizem os sinos de São Maninho. , ;
Pague com rapidez que é da lei.
Dizem os sinos de Old Bailey.
Quando tiver um bom palpite,
Dizem os sinos de Stepney,
Agora pobre estou,
Dizem os sinos de Bow.
Aí vem o guarda para deitá-lo no leito
; Aí vem o carrasco para matá-lo com jeito. ”
Tel Aviv, 6 de Junho de 1967 (AP).
O Ministério da Defesa de Israel anunciou que foram leves as suas baixas
na luta que destruiu a aviação árabe. Entre os mortos destaca-se o sargento
(capitão) Ben Cady, filho do famoso escritor.
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