perdeu muitas
aulas por causa do processo.
--Vou até à casa de Mary -disse Adam.
- Não, não vás - disse Ângela. - Eu fui lá depois da sessão de hoje. Há
dias que Mary não o vê. Adam, eu sei o que é que está a afligi-lo. Esses
advogados são muito hábeis em desvirtuar tudo. Faz parte da sua profissão.
Mas o júri vai saber distinguir a verdade, como os teus clientes já o fizeram.
Eles estão do teu lado. Por favor, não bebas tanto. Terry está quase a
chegar.
- Pelo amor de Deus, mulher, deixa-me beber até estourar, uma vez na
vida, sem ficares para aí a reclamar. Eu bato-lhe? Eu faço alguma loucura?
- Olha que vais ter aquele pesadelo...
- Talvez não, se beber bastante.
- Adam, escuta-me... Amanhã terás que ser forte, naquele tribunal.
Terás que ser forte enquanto Tesslar testemunhar.
- Olá, Ângela... Olá, doutor.
Terry entrou cambaleando e atirou-se para cima do sofá.
- Como sabem, eu não bebo como o filho do meu pai. Sempre pensei que
meu pai podia beber por nós dois.
- Onde tens estado metido?
- A beber.
- Sai da sala, Ângela - ordenou Adam.
- Não vou sair - respondeu ela.
- Nós não precisamos de um juiz, Ângela - tartamudeou Terry. - Isto
é um assunto de médico para médico.
Ela saiu mas deixou a porta entreaberta.
- O que é que há, Terry?
- Coisas.
- Que coisas?
Terry baixou a cabeça e a sua voz saiu aos solavancos, quase que irreconhecível.
- A sombra da dúvida desceu sobre mim - resmungou. - Doutor...
eu... eu não estou interessado na decisão do júri... Quero que o senhor me
diga... O senhor fez aquilo?
Adam levantou-se, desvairado, cheio de raiva. Atirou-se ao rapaz de
punhos fechados, e esmurrou-o. Terry curvou-se sobre si mesmo, sem tentar
defender-se.
- Filho da puta!... Deveria ter-te espancado já há anos...
Os seus murros caíam por todo o corpo de Terry, que escorregou do sofá e
ficou estendido no chão. Adam levantou o pé e deu-lhe um pontapé na altura
das costelas.
- Deveria ter-te espancado como o meu pai fazia comigo... Era assim que
ele me surrava... Assim!
321
- Adam! - gritou Ângela, ao pôr-se em frente de Terry para protegê-lo.
- Meu Deus! - Adam gemeu angustiado, ajoelhando-se. - Perdoa-me,
Terry... perdoa-me...
A manhã estava tensa. Highsmith e Bannister batiam-se em duelo sobre
um aspecto legal. Na noite anterior Mark Tesslar tinha chegado de Oxford.
Jantou tranquilamente com Susanne Parmentier e Maria Viskova e depois
Abe, Shawcross, Ben e Vanessa foram ter com eles para tomarem o café
juntos.
- Eu sei - disse Mark Tesslar - o que Highsmith pretende fazer. Mas
não deixarei que ele me atrapalhe quando falar da noite de 10 de Novembro.
- Eu não sei se posso exprimir o que sinto a seu respeito - disse Abe. Penso
que o senhor é o homem mais corajoso e nobre que já conheci.
- Coragem? Não. É que eu já ultrapassei o sofrimento - respondeu
Mark Tesslar.
Durante a manhã, Chester Dicks examinou o depoimento de Susanne
Parmentier, interrogando-a sem fazer muita pressão.
Depois, durante o intervalo do meio-dia, Shawcross, Cady, Ben, Vanessa
e Lady Sarah Wydman foram almoçar na Three Tuns Tavern. Beberam muito
e petiscaram qualquer coisa de comida. Josephson tinha saído, depois da
sessão, para ir buscar Mark Tesslar ao hotel.
Adam Kelno foi o primeiro a chegar ao tribunal. Estava com o olhar vidrado,
sob o efeito de tranquilizantes. Olhou para a mulher e para Terry, na
primeira fila de espectadores, implorando com os olhos enquanto a sala se
enchia até não caber mais ninguém.
- Silêncio.
Anthony Gilray sentou-se e, depois de receber as mesuras da assembleia,
fez sinal a Thomas Bannister. Neste momento, Josephson entrou a correr e
foi direito à mesa dos procuradores. Alexander, ao ouvir o que ele dizia, ficou
vermelho, e escreveu um bilhete que passou a Bannister, que se sentou, totalmente
atordoado. Brendon O’Conner curvou-se, apanhou o bilhete e
levantou-se.
- Meritíssimo - disse -, a nossa testemunha a seguir seria o Dr. Mark
Tesslar. Acabamos de ser informados que o Dr. Mark Tesslar morreu com
um colapso cardíaco, em frente do seu hotel. Gostaríamos que o Meritíssimo
nos concedesse um intervalo...
- Tesslar... morto?
- Sim, Meritíssimo.
Capítulo trigésimo segundo .
O apartamento em Colchester Mews estava escuro quando Vanessa abriu
a porta a Lady Sarah. Abe levantou a vista, confuso. Todos estavam com os
olhos vermelhos, de tanto chorar.
- Abe, não encares isto como uma culpa tua - disse Sarah. - Ele já
estava doente há muito tempo.
- Não é só por causa do Dr. Tesslar - disse Vanessa. - A Embaixada
entrou em contacto com Ben e Yossi, esta tarde. Eles têm que voltar, imediatamente,
para Israel e apresentarem-se aos superiores. É a mobilização.
- Meu Deus! - Ficou de pé ao lado de Abe, alisando-lhe os cabelos. Abe,
sei como deves estar a sentir-te, mas temos que tomar certas decisões.
Toda a gente está reunida no meu apartamento.
Ele levantou-se, agarrou no casaco e vestiu-o.
Estavam todos em casa de Lady Sarah: Thomas Bannister, Brendon
O’Conner, Jacob Alexander, Lorraine e David Shawcross, Josephson, Sheila
Lamb, Geoffrey, Pam Dodd e Cecil Dodd. Oliver Lighthall também lá estava,
a compartilhar o sofrimento geral. Havia ainda outros quatro: Pieter Van
Damm e a sua família.
Abe abraçou Van Damm e ficaram assim, unidos, a bater no ombro um
do outro, por alguns instantes.
- Vim de Paris logo que soube da notícia - disse Pieter. - Preciso de
prestar o meu testemunho amanhã.
Abe ficou no meio da sala e pediu a todos que o escutassem.
- Desde que me envolvi neste caso - disse ele com voz rouca - que me
vejo a desempenhar um papel de chamariz de um museu de horrores. Abri
feridas antigas, recordei pesadelos, intrometi-me na vida de pessoas que
mereciam que as deixassem em paz. Queria convencer-me a mim mesmo que
poderia preservar-lhes o anonimato. Mas este aqui é um homem que toda a
gente conhece. Sabem uma coisa? Quando perdi um olho, aconteceu-me algo
estranho. Gente que nunca tinha visto, procurava brigar comigo, na rua, nos
bares. Quando as pessoas sabem que estamos aleijados, os seus instintos
sanguinários aparecem à superfície, e nós ficamos como animais feridos no
deserto, à mercê das hienas e dos abutres.
- Permita-me interrompê-lo - disse Bannister. - Todos sabemos que
vai haver problemas para a vida de Pieter Van Damm. Felizmente, a lei
inglesa toma em consideração todas essas ocasiões excepcionais. Temos um
processo chamado in camera. Trata-se de um testemunho prestado à porta
fechada. Poderemos entrar e pedir que o tribunal seja encerrado ao público.
- E quem poderá ficar lá dentro?
- O juiz, os jurados, o assistente do juiz e os representantes jurídicos de
ambas as partes.
- E o senhor pensa, realmente, que isto será capaz de garantir o segredo?
323
Eu não acredito. Pieter, sabe como as coisas podem ser cruéis. Acredita que
poderia tocar para 3000 pessoas numa sala de espectáculo, sabendo que estavam
a olhar para a sua virilha? Bem, uma coisa eu sei. Não me responsabilizarei
por privar o mundo da música de Pieter Van Damm.
- O que é que lhe aconteceu, Cady - interrompeu Alexander irritado.
- Acha-se encantado com a ideia do martírio. Penso que está a entusiasmar-se,
ao pensar que é um novo Cristo e ao querer tornar-se imortal
por meio de um linchamento.
- Está muito cansado! -respondeu Abe, referindo-se a si próprio.
Tem trabalhado demais!
- Meus senhores - disse Bannister -, não podemos dar-nos ao luxo de
brigarmos uns com os outros.
- Vamos, vamos... - interveio Shawcross.
- Sr. Cady - disse Bannister -, o senhor ganhou o respeito e a admiração
de todos nós. É um homem sensato e deve perceber quais serão as
implicações se não concordar em deixar o Sr. Van Dam depor. Considere, por
um instante, a possibilidade de Adam Kelno vencer. Poderá exigir uma
grande indemnização. O senhor será, então, o responsável pela ruína do seu
melhor amigo, David Shawcross, que verá terminada a sua brilhante carreira
de editor de um modo bastante desastroso. Porém, muito mais importante do
que a sua falência e a de Shawcross, será o significado, para o mundo, da vitória
de Kelno. Isto será um insulto para todos os judeus vivos. Um insulto a
essas mulheres corajosas que vieram até cá prestar o seu depoimento. Um
insulto aos que morreram assassinados por Hitler. O senhor será o responsável
por tudo isto.
- Há ainda um outro aspecto do problema - disse Oliver Lighthall. - A
vitória de Kelno teria um terrível significado para a ética médica. Os médicos
poderiam citar o seu exemplo como justificação para as suas irresponsabilidades.
- Portanto - disse Bannister, a sua posição, por mais correcta que lhe
pareça, está agora repleta de responsabilidades contrárias, ainda mais importantes.
Abe examinou-os, um a um. Era o seu pequeno e cansado grupo de
idealistas sinceros.
- Senhoras e senhores do júri - disse uma voz que gemia de pesar -,
gostaria de fazer uma declaração, citando as palavras de Thomas Bannister,
conselheiro da Rainha, quando disse que ninguém, por mais imaginativo que
fosse, poderia acreditar na Alemanha de Hitler, antes de a ver surgir. E disse,
ainda, que se os povos civilizados soubessem o que Hitler tencionava fazer, o
teriam detido. Bem, estamos em 1967, e os Árabes juram, todos os dias, que
hão-de completar a obra de Hitler. Certamente o mundo não permitirá um
novo capítulo neste holocausto. Há o certo e o errado. É certo que as pessoas
queiram sobreviver. É errado querer-se destruí-las. Parece muito simples.
Mas só no reino dos céus é que existe essa preocupação com a justiça. No
324
reino da terra o que existe são os poços de petróleo. Bem, agora o mundo deveria
estar horrorizado com o que sucede no Biafra. O mau cheiro do homicídio
está por toda a parte. Certamente que, depois do que aconteceu na
Alemanha de Hitler, o mundo deveria mexer-se e não permitir o genocídio
no Biafra. No entanto, esta questão não pode ser resolvida pela lógica quando
os interesses da Inglaterra, na Nigéria, entram em conflito com os da França,
no Biafra. E, afinal, senhoras e senhores do júri, trata-se apenas de gente preta
que mata gente preta.
“Gostaríamos de pensar - continuou Abe - que Thomas Bannister
estava certo quando disse que um maior número de pessoas, inclusive entre
os alemães, deveria ter-se arriscado a sofrer punições, recusando-se a obedecer
a certas ordens. Gostaríamos de saber que houve um protesto, e
perguntamos: “Por que razão os alemães não protestaram?” Bem, hoje em
dia os jovens andam nas ruas, a protestar contra o Biafra e o Vietname e
o princípio que permite ao homem matar outro homem por meio de guerras.
E nós perguntamos-lhes: “Durante quanto tempo vão andar a protestar? Por
que razão não entram já para o Exército e matam como os vossos pais mataram?”
”Vamos, por alguns momentos, esquecer que nos encontramos confortavelmente
instalados na Inglaterra. Estamos no campo de concentração de
Jadwiga. O coronel das SS Thomas Bannister chamou-me ao seu escritório e
disse-me: “Olhe lá, tem que concordar em destruir Pieter Van Damm. É
claro que isto vai ser feito in camera.” O Alojamento V era um lugar tão
secreto como o tribunal. Afinal, não se faz esta espécie de coisas em público.
E, mais uma vez, cito as palavras de Thomas Bannister: “Há um instante na
vida do ser humano em que a própria vida deixa de ter significado se for dirigida
para a mutilação e o aniquilamento de outro ser humano.” E afirmo,
senhoras e senhores do júri, que eu não poderia causar um mal ou um dano
maior à vida deste homem do que fazê-lo vir depor à barra das testemunhas.
Para terminar, declino, muito respeitosamente, assassinar a honra de Pieter
Van Damm.
Abe virou-se, e andou em direcção à porta.
-Pai! - chamou Vanessa, abraçando-se a ele.
- Deixa-me sozinho, Vanessa - disse Abe.
Ao chegar à rua, parou para tomar fôlego.
- Abe! Abe! -chamou Sarah, que conseguiu alcançá-lo. - Vou buscar
o meu carro.
- Não quero ir na porcaria do Bentley. Quero uma porcaria de um táxi
Austin.
- Abe, por favor, deixa-me ficar contigo.
- Senhora, eu vou ao Soho, onde apanharei uma piela e depois agarro
numa puta e vou dormir com ela.
- Eu serei a puta! -exclamou ela, abraçando-o. -Posso morder, gri-
325
tar, arranhar e praguejar, e tu vais babar-te em cima de mim, bater-me e
chorar... E então abraçar-te-ei.
- Oh, Deus... Meu Deus... - murmurou ele, ao abraçá-la. - Estou
com medo.
Capítulo trigésimo terceiro
Havia uma expressão de crueldade no rosto de Adam Kelno, quando da
sua mesa de queixoso encarou Abraham Cady. Os seus olhares cruzaram-se.
Adam Kelno sorriu levemente.
- Silêncio!
O juiz Gilray sentou-se.
- Estamos chocados e penalizados com a morte súbita do Dr. Mark
Tesslar, mas nada podemos fazer quanto a isto. Quais são as suas intenções,
Sr. Bannister? O senhor vai considerar o seu depoimento como uma prova?
- Isso não será necessário - respondeu Bannister.
Gilray piscou os olhos, surpreso. Highsmith encetou antecipadamente
uma longa batalha jurídica, e ficou sem saber que dizer.
Shimshon Aroni sentou-se junto de Abe e passou-lhe um bilhete: Eu sou
Aroni, Trouxemos Sobotnik.
- Em que posição se encontra, Sr. Bannister? - perguntou o juiz.
- Tenho uma nova testemunha, Meritíssimo.
O sorriso abandonou o rosto de Adam Kelno e o coração começou a bater-lhe
com mais força.
- Há uma série de circunstâncias muito excepcionais em torno desta
testemunha, Meritíssimo - continuou Bannister -, e gostaria de contar
com o seu auxílio para este caso. Esta testemunha ocupava um lugar de destaque
num país comunista e, ontem à noite, fugiu com a família. Chegou a
Londres, às três horas da manhã, pediu e obteve asilo político. Há mais de um
ano que procurávamos este homem, mas não tínhamos conseguido localizá-lo
até ter aparecido em Londres.
- A sua vinda a este tribunal foi por livre e espontânea vontade?
- Não tenho a menor ideia sobre os motivos que o levaram a fugir, Meritíssimo.
- Qual é então o nosso problema? Se a testemunha se apresentou, não há
razão para um mandado judicial. Se está aqui contra a sua vontade, seria um
ponto difícil de resolver, pois não sabemos se deve ser submetido às leis
inglesas, mesmo que se trate de um asilado.
- Não, Meritíssimo. O problema é que, quando ocorre um pedido de
asilo político, há um tempo de reclusão, até se verificar a reabilitação do asilado.
Não podemos excluir a possibilidade de alguma manobra desonesta, e, por
326
isso, esta testemunha veio ao tribunal acompanhada por alguns agentes da
Scotland Yard.
- Compreendo. E estão armados?
- Sim, Meritíssimo. Tanto a Scotland Yard como o Ministério dos
Negócios Estrangeiros acham que devemos protegê-lo durante todo o tempo.
- É muito perturbador pensar que qualquer coisa de insólito possa
acontecer num tribunal inglês. Não gosto de tribunais fechados. Gostamos de
anunciar a nossa justiça abertamente. O senhor quer sugerir que esta testemunha
deve ser ouvida in camera?
- Não, Meritíssimo. O facto de termos discutido este assunto, e de todos
saberem da presença de homens armados da Scotland Yard, já é uma maneira
de garantir que nada de insólito possa ser tentado.
- Bem, não gosto de ver homens armados aqui no meu tribunal, mas não
mandarei evacuá-los. Vou sujeitar-me às circunstâncias um tanto excepcionais.
Chame a sua testemunha, Sr. Bannister.
- Vai testemunhar em checoslovaco, Meritíssimo.
Adam Kelno procurou recordar-se do nome de Gustuv Tukla. As pessoas
que se aglomeravam em pé, ao fundo da sala, foram separadas por dois detectives.
Entre eles estava um homem com cara abatida, amedrontada. Todas
as entradas do tribunal eram guardadas por detectives da Scotland Yard.
Quando a neblina levantou, Adam Kelno sentiu que ia sufocar. A tremer,
escreveu um bilhete que passou a Smiddy: Detenha-o.
- Impossível - murmurou Smiddy. - Controle-se. - Smiddy passou
um bilhete a Sir Robert: Kelno está apavorado.
A mão de Gustuv Tukla tremia enquanto jurava, e depois sentou-se no
banco das testemunhas. Olhava à volta desesperado como um animal, enquanto
o intérprete checo prestava juramento.
- Antes de continuarmos - disse o juiz Gilray -, é óbvio que esta
testemunha se encontra num estado de grande tensão. Não posso tolerar que
o apressem. Senhor intérprete, por favor, diga ao Sr. Tukla que está em
Inglaterra, num tribunal de Sua Majestade, e que não será incomodado.
Informe-o que só responda às perguntas quando tiver a certeza de que as
entendeu.
Tukla conseguiu sorrir, com esforço, e fez um sinal de assentimento na
direcção do juiz. Deu o seu endereço de Brno e disse que tinha nascido em
Bratislava, onde vivera até a guerra rebentar.
- Que profissão exerceu até hoje?
- Era um dos directores da fábrica Lenine, um grande complexo industrial
com muitos milhares de operários.
O juiz Gilray tentou deixar a testemunha mais à vontade, conversando
sobre alguns artigos que tinha lido acerca da Feira Industrial de Brno, e a
reputação checa neste ramo.
- O senhor era, até ao momento em que fugiu, membro do partido
comunista? - perguntou Bannister.
327
- Era director distrital da Comissão Industrial e membro do Comité
Nacional, do mesmo grupo.
- Esse posto é muito importante, não é?
;,,. -Sim.
- O senhor era membro do partido comunista quando começou a guerra?
- Não. Alistei-me no partido em 1948, quando fui trabalhar em Brno,
como engenheiro.
- O senhor mudou de nome?
- Sim.
- O senhor poderia dizer-nos em que circunstâncias é que isto aconteceu?
- Quando me prenderam, o meu nome era Egon Sobotnik. Tinha sangue
judeu, pelo lado do meu pai. Depois da libertação, mudei de nome porque não
queria ser encontrado.
- Porquê?
- Por causa das coisas que fiz quando estive prisioneiro no campo de
concentração de Jadwiga.
- Gostaria que nos dissesse como foi parar a Jadwiga.
- Fugi para Budapeste quando os alemães entraram em Bratislava. Vivi
com documentos falsos. Fui apanhado pela polícia húngara e mandado de
novo para Bratislava. A Gestapo mandou-me para Jadwiga, onde fui trabalhar
para o agrupamento médico. Isto foi em fins de 1942.
- Quem era o seu superior?
- O Dr. Adam Kelno.
- Está aqui no tribunal?
Sobotnik apontou com o dedo trémulo. O juiz explicou-lhe que o estenógrafo
não podia transcrever um gesto.
- É aquele ali.
- Em que se ocupava?
- Do secretariado. A maior parte do tempo fazia relatórios. Depois passei
a arquivar os casos médicos e cirúrgicos.
- O senhor foi, alguma vez, procurado pelo movimento clandestino? Refiro-me
ao Movimento Clandestino Internacional. Compreendeu a minha
pergunta?
- Dá-me licença, Meritíssimo, que explique à testemunha? - perguntou
o intérprete.
- Sim.
Dialogaram e Tukla moveu a cabeça e respondeu:
- O Sr. Tukla entendeu a pergunta. Diz que havia um pequeno movimento
clandestino constituído por um grupo de oficiais polacos e um outro,
maior, do qual fazia parte gente de todo o mundo. Tinha sido procurado no
Verão de 1943 e disseram-lhe que estavam muito preocupados com as experiências
que se faziam no centro médico. Durante toda a noite, ele e um
Durante toda a noite, ele e um judeu holandês chamado Menno Donker,
copiaram os relatórios das operações que
328
tinham sido efectuadas, naquele dia, no Alojamento V, e entregaram-nos a
um representante do movimento.
- O que fazia ele, depois?
- Não estou muito certo, mas o plano era conseguir levar estas informações
para fora do campo.
- Era um trabalho arriscado.
- Pois era. Menno Donker foi descoberto.
- Sabe o que aconteceu a Donker?
- Foi castrado.
- Compreendo. E o senhor não achava estranho os alemães quererem
guardar relatórios sobre essas coisas?
- Os alemães tinham a mania dos relatórios. Ao princípio, porque estavam
certos de que iam ganhar a guerra. Depois, porque pensavam que, se
fizessem relatórios falsos, poderiam explicar muitas mortes.
- Durante quanto tempo fez o senhor esses relatórios?
- Comecei em 1942 e continuei até ao dia em que fui libertado, em
1945, Tinha cinco cadernos.
- Bem, voltando atrás. O senhor disse que mudou não só de nome como
também de identidade, depois da guerra, devido às coisas que tinha sido
obrigado a fazer em Jadwiga. Pode falar-nos a respeito disso?
- Ao princípio, só trabalhava como secretário. Depois, Kelno descobriu
que eu fazia parte do movimento clandestino. Felizmente, não descobriu que
eu fazia contrabando com os relatórios sobre as suas experiências cirúrgicas,
enviando-os para fora do campo. Fiquei apavorado. Podia denunciar-me às SS.
Então, obrigou-me a fazer uma porção de coisas.
- Como?
- Segurar os pacientes enquanto lhes aplicava a raquidiana. Até me
obrigou a dar injecções na espinha.
- Treinou-o para isso?
- Não. Apenas me mostrou como se fazia.
- Que mais o obrigaram a fazer?
- Segurar os pacientes enquanto lhes retiravam o esperma.
- O senhor quer dizer, segurar os rapazes nos quais se enfiava um pedaço
de madeira no recto, para provocar a saída de esperma?
- Sim.
- Quem fazia isso?
- O Dr. Kelno e o Dr. Lotaki.
- Quantas vezes viu o senhor o Dr. Kelno fazer essas experiências?
- Pelo menos umas 50 vezes. E de cada vez usava vários rapazes.
- E eles sofriam?
- Terrivelmente - disse Tukla, baixando os olhos.
- E isso era feito em homens sãos, antes de terem levado a raquidiana e
de serem operados para as experiências?
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- Meritíssimo - disse Highsmith -, o Sr. Bannister está a dirigir a
testemunha.
- Vou perguntar de outra maneira - disse Bannister O Dr. Adam
Kelno estava a colaborar com os alemães nas experiências?
- Sim.
- E como soube?
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