sabia se deveria
ou não telegrafar para bordo.
- Leia-o.
- “Processo de libelo contra O Holocausto, abrangendo o autor, o editor
e o impressor, movido por Sir Adam Kelno, ex-prisioneiro médico do campo
de concentração de Jadwiga, devido a referências a ele na página 167. Kelno
esteve envolvido num processo de extradição em Londres 19 anos atrás, foi
absolvido e mais tarde agraciado com o título de cavaleiro pelo Governo
inglês. Mande-nos toda a sua fonte de informações imediatamente. Kelno
exige a retirada de toda a edição em venda. A menos que possa provar as suas
alegações, nós estaremos envolvidos num caso muito sério. Assinado, David
Shawcross.”
Terceira parte
Instruções aos advogados
Prefácio
A grande Londres, abrange a cidade de Londres e 32 distritos, entre os
quais estão a antiga cidade de Westminster e o Distrito Real de Kensington, e
outros locais famosos como Chelsea, Harrow, Hammersmith, Lambeth e as
chamadas pitorescas Tower Hamlets (aldeias da Torre).
A City de Londres é um diminuto feudo duns poucos de quilómetros quadrados,
ao longo do Tamisa, indo da ponte de Waterloo até à ponte da Torre.
A City é autónoma e todos os anos ela renova o seu estatuto com grande
pompa, pagando à Coroa 6 ferraduras, 61 cravos de ferradura, um macho e
uma podadeira. No interior dos seus 700 acres, o Lord Mayor é o soberano e
só reconhece a superioridade da Coroa. Quando o Rei ou a Rainha atravessam
os limites, devem parar e esperar a permissão oficial e as boas-vindas do Lord
Mayor.
Toda aquela gente, com as vestes cerimoniais, longas cabeleiras postiças e
amplas togas, faz um contraste engraçado com as jovens empregadas, de
mini-saia.
Nos tempos antigos, os vários sindicatos de pescadores, ferreiros, lojistas
e outros, elegiam os oficiais de Londres, que usavam togas e empunhavam
bastão, ceptro e espada, que representavam as suas posições na escala social.
Os limites da City são fixos e o mais proeminente deles é a estátua do grifo,
onde o Strand se torna Fleet Street, em frente às Cortes Reais. A tradição
mandava que o pai levasse o seu filho até aos limites da cidade e lhe desse uma
boa palmada, a fim de que se lembrasse sempre das limitações das suas
viagens. Essa cerimónia chamava-se ”bater os limites”. Dentro dos seus
mágicos quilómetros, a City abrange Fleet Street, famosa como centro
mundial do Jornalismo, a Old Lady of Threadneedle Street, como é alcunhado
o Banco de Inglaterra. Lloyd’s Petticoat Lane, a Torre de Londres, a
Catedral de S. Paulo, o Old Bailey, conhecida mundialmente como a mais
famosa das cortes criminais, e os grandes mercados de peixe. Toda essa área
encontra-se sob a protecção cerimonial de guardas armados de lanças. Nos
dias normais, ela é policiada por guardas de mais de 1,90 m de altura, com
marcas especiais no capacete, para os distinguir dos outros polícias londrinos.
Há ainda uma outra grande instituição na City, as Cortes Reais de Justiça,
e três das quatro Escolas de Direito. Assim como a City é independente
da grande Londres, também as Escolas de Direito são independentes da City.
As Escolas de Direito foram instaladas há vários séculos, quando os Cavaleiros
Templários (irmãos de armas sagrados), receberam permissão em
1099 para ali habitar, a fim de que “continuassem os seus votos de castidade
e pobreza”, temperados por muitas aventuras sangrentas. Em 1312 foi
extinta por ordem do papa, mas os Templários subsistem, até hoje, na Fraternidade
Maçónica, cujos mações livres têm o privilégio de Cavaleiro
Templário.
139
Com a queda dos Templários, em 1200, os advogados tomaram conta do
Templo. Nessa época, os advogados e os médicos eram considerados como
padres e a lei era de natureza canónica.
A Carta Magna e o Rei Henrique III acabaram com a maioria das leis
canónicas que, depois dum certo tempo, tornaram-se leis comuns. As Escolas
tomaram, então, permanente posse da educação jurídica e do mundo jurídico.
Há um verso antigo que explica as escolas:
A Escola Gray para passear
A Escola Lincoln para uma parede
O Templo Interior para um jardim, :
O Templo Médio para um vestíbulo.
O Vestíbulo do Templo Médio está assustadoramente repleto de brasões.
Foi lá que se representou, pela primeira vez, a peça de Shakespeare Noite de
Reis. A grande mesa, abaixo do estrado, foi fabricada com a madeira da fragata
de Sir Francis Drake, a Golden Hind, e nela sentaram-se Elizabeth e os
seus almirantes. Por baixo do símbolo do Carneiro Sagrado, Oliver Goldsmith,
o Dr. Johnson e Blackstone davam as consultas e Chaucer escreveu os
Contos de Canterbury. A Declaração da Independência americana foi assinada
por cinco dos membros do Templo Médio. Nos seus jardins iniciou-se a
Guerra das Duas Rosas, que duraria 30 anos.
O Vestíbulo é a parte mais importante e característica do Templo Médio.
Duma enorme extensão, de altura colossal, o seu tecto é todo de traves de
madeira entalhada, no estilo elisabetiano. Foi construído, em 1574, algum
tempo antes da Invencível Armada, um grande biombo de madeira entalhada
que abrangia a largura toda do recinto. Filas e filas de pesadas mesas atravessam
o Vestíbulo, de lado a lado, até ao estrado. As suas paredes são de madeira
adornada com os brasões dos Tesoureiros e Leitores. Do estrado, os
Decanos do Templo presidiam a jantares sóbrios e a orgias desgovernadas.
Dos lados e ao fundo, catorze vitrais com os brasões dos Lord Chancellors, do
Templo Médio. E, do alto das paredes, os retratos pintados por Hogarth e
Van Dyke, contemplam tudo.
Atravessando um pequeno pátio, deixa-se o Templo Médio e entra-se no
Templo Interior, cujo marco principal é a Capela dos Cavaleiros Templários,
que data de 1185. Ao escapar, milagrosamente, dos grandes incêndios que
destruíram a City durante a Idade Média, ela foi soterrada durante a blitz.
Hoje, brilhantemente restaurada, é uma das poucas igrejas circulares da
Inglaterra, tendo sido copiada do Santo Sepulcro, de Jerusalém, com o chão
em mármore do século XIII, com retratos de cavaleiros e uma série de
colunas de grotescas cabeças de pedra, que representam as almas do Inferno.
Perto destas, ficavam as células onde os pobres, os devedores e outros peca-
140
dores eram deixados a morrer de fome, enquanto contemplavam os cavaleiros
nas suas piedosas orações. Christopher Wren embelezou-a com uma nave
rectangular.
Muitas coisas no Templo Interior foram destruídas e reconstruídas depois
dos incêndios e guerras. Mas o que o tornam glorioso para sempre, são os
seus nomes: Charles Lamb, William Makepeace Thackeray, Boswell e
Charles Dickens. Os seus edifícios e pátios têm nomes interessantes: Hare
Court, Figtree Court, Ram Alley e King’s Bench Walk, com toda a sua
(imensa relva em direcção ao Tamisa.
Ambas as alas do Templo, Médio e Interior, são separadas do exterior e
do movimento de Fleet Street e do Victoria Embankment pelas muralhas e
(portões de Christopher Wren.
A Escola Lincoln fica na parte detrás das Escolas de Direito, entre High
Holborn e Carey Street, num terreno antigamente ocupado pelos Abades e
que hoje é conhecido por Chancery Lane. Quando o Arcebispo de Canterbury
lhes mudou o nome para Abades Negros, as suas casas foram trespassadas
para Henry de Lacy, conde de Lincoln, em 1285. O centro dos campos
pastorais da Escola Lincoln é o Velho Vestíbulo, construído em 1489, ainda
intacto e usado como sala de conferências. Aqui estiveram William Pitt,
Disraeli, Cromwell e o mártir Thomas More, que foi um dos nove
primeiros-ministros e um dos vinte Lord Chancellors,
Do outro lado de High Holborn, uma rua que recebeu o nome por causa
do caminho aberto pelo grande incêndio, e logo a seguir aos limites da City,
fica o quadrângulo da quarta Escola, a Gray’s. Foi a casa de Sir Francis
[Bacon. Hoje é pouco usada pelos advogados e a maioria dos seus escritórios é
alugada por procuradores. .
As Quatro Escolas fazem parte da grandeza e da história da Inglaterra.
Elas formam a Universidade de Direito e, além da sua própria individualidade,
possuem bibliotecas enormes, onde representam cenas fictícias
de tribunais. As escolas são visitadas por protectores reais e pelos seus alunos,
em número muito grande, e fazem banquetes, onde os novos advogados são
[diplomados.
Enquanto o mundo rodopia à sua volta eles continuam a viver numa
austeridade quase monástica, vestidos com as suas togas e seguindo a tradição
de ir para a guerra juntos, num Regimento das Escolas de Direito.
Em cada um dos edifícios, o Conselheiro da Rainha ou o jurisconsulto
mais antigo ”lidera” os jovens nas várias câmaras. Muitas vezes dois advogados
da mesma câmara tornam-se opositores, cada qual a fazer o seu pequeno
discurso dum dos lados da sala da Corte.
Algumas pessoas dizem que esta é uma sociedade particular de debates e
que esses 2000 advogados são muito privilegiados, e que os milhares de
[exemplos da lei habitual são muito arcaicos e complexos.
141
No entanto, aqui estuda-se a lei com dedicado amor. O advogado defende
a causa por um preço estipulado e não pode exigir mais nada ao cliente. Não
pode ser accionado pelo que diz no tribunal. Também não pode pôr uma acção
em tribunal contra os clientes, quando não é pago.
Nas Escolas de Direito não existe corrupção.
O advogado é julgado por um homem que foi escolhido entre os
Conselheiros da Rainha, num tribunal livre de abusos.
Quando um novo estudante é aceito numa das câmaras para iniciar os seus
estudos, notificam-no severamente de que se encontra na casa dos Cavaleiros
Templários, entre reis e rainhas, homens de estado e juízes, filósofos e escritores.
Ele vai ser ensinado pelos catedráticos ou Decanos e vai ser o depositário
da sabedoria do Leitor ou do conferencista-chefe.
Um jovem, ou qualquer pessoa de mais idade, que possua um diploma e
algumas centenas de libras, pode entrar para uma Escola e ser orientado por
um dos mestres nas câmaras.
Muitos dos brilhantes advogados não podem prender-se aos detalhes da
redacção dos processos e, então, algum novo aluno aproveita o ensejo para
cair nas boas graças do mestre, pesquisando e redigindo, de forma clara,
concisa e tecnicamente perfeita, os autos dos processos.
O estudante procura ser o mais discreto possível. Lê os trabalhos do
mestre, pesquisa trechos de leis, acompanha-o ao tribunal e trabalha longa e
exaustivamente.
Aprende também a conhecer profundamente todos os meandros da lei.
Desenvolve a habilidade de tomar notas rápidas e correctas durante as sessões
de tribunal, e de antecipar as perguntas do mestre. Isto dura um ou mais anos.
Há os estudos, o comparecimento a um certo número de jantares na Escola, e
os debates em tribunais fictícios.
Algumas vezes os estudantes têm sorte, e conseguem uma rábula a ajudar
um advogado ”júnior” (bacharel) sobrecarregado de trabalho. Então,
podem preparar-lhe a causa e até advogar algum processo de pouca importância,
no condado.
Cada grupo de câmaras possui de dois a vinte advogados e é dirigido por
um funcionário, um homem da mais alta importância, que pode ajudar o
estudante na sua carreira ou deixá-lo criar mofo. Ele negoceia em benefício
dos advogados, nos escritórios dos procuradores, designa as causas, estabelece
os preços e trabalha mediante uma comissão nos honorários.
Quando o jovem e inteligente estudante já se tornou necessário, ao defender
causas menores, e por mostrar um espírito empreendedor, o funcionário
começará a mandar-lhe algum trabalho.
Para progredir, o estudante escreve para os jornais de leis e procura unir o
seu nome a alguma firma de direito.
Depois de ter sido diplomado, ele torna-se um ”júnior” e então é
142
designado para uma das câmaras, onde trabalhará com outros dez ou mais
”juniores” debaixo da tutela dum eminente Conselheiro da Rainha. Os jovens
promissores têm uma carreira garantida. Em cinco anos poderão ter a
sua própria sala numa das câmaras. Um dia, depois duma demonstração
especial de talento, o Conselho da Rainha recompensá-lo-á com uma mala
vermelha, na qual ele poderá levar a sua toga, a sua cabeleira postiça e os seus
livros.
Ao fim de quinze ou mais anos como “júnior”, a Coroa pode nomeá-lo
Conselheiro da Rainha. A toga de tecido vulgar é abandonada e o Conselheiro
da Rainha ”enverga a seda”.
Como Conselheiro da Rainha, ele apenas advogará as causas já preparadas
pelos ”juniores”.
Quando chegam aos 50 e tal anos, os Conselheiros da Rainha podem ser
nomeados para a cadeira de juiz e, automaticamente, são consagrados Cavaleiros.
É o mais alto grau da carreira jurídica.
Mas também pode acontecer que continue como advogado ”júnior” até
morrer.
Capítulo primeiro
Outubro de 1945
Parliament Square inundara-se de sons dos majestosos sinos, que proclamavam
um novo ano jurídico, com o tradicional e antigo cerimonial.
A guerra tinha terminado e a Inglaterra tinha sobrevivido, com o império
intacto. Os ingleses dedicavam-se à tarefa de limpar o centro de Londres dos
escombros deixados pelas bombas dos hunos. Dentro de pouco tempo, tudo
pertenceria ao passado. Voltariam a ordem e a tradição, como das outras vezes.
Havia uma propaganda sobre o bravo mundo novo que estava a surgir,
mas esta espécie de novidade acompanhava sempre o fim das guerras. Para a
Inglaterra não haveria nenhuma mudança dinâmica. Eles gostavam das coisas
tranquilas, sem aqueles rasgos emocionais que tanto encantavam os latinos e
os levantinos. Fora de qualquer dúvida, a nova era seria exactamente igual à
antiga.
Se alguém duvidava disto, apenas teria de presenciar os acontecimentos
daquele dia, e então compreenderia o que era a Inglaterra. Dentro dos grandes
muros da Abadia de Westminster, o Lord Chancellor, resplandecente na sua
toga preta e dourada, conduzia os juízes da Inglaterra e os advogados, numa
cerimónia sagrada. Enquanto rezavam, a pedir a bênção divina para as determinações
da justiça, os Católicos Romanos pertencentes ao mesmo ramo
também rezavam uma missa vermelha na sua catedral.
Os grandes portões da Abadia abriram-se. A procissão começava. Quem a
conduzia era o portador da clava, um homem alto e magro, de aparência
sombria. Depois vinha o portador do selo real. Ambos usavam calças tufadas
na altura dos joelhos, sapatos com fivelas e uma enorme quantidade de
rendas.
Após eles, Lord Ramsey, o Lord Chancellor, cansado pela envergadura do
seu ofício. O pajem seguia o lento e solene passo do Lord Chancellor, a atravessar
a ampla avenida até à Casa dos Lords.
Segue-se o brilhante cortejo dos juízes: o Lord Chief Justice, cuja gola de
arminho é segura pela pesada corrente dourada da Casa de Lancaster. A
seguir, o Master of the Rolls, o famoso lugar-tenente do Lord Chancellor e a
figura mais importante nas Chancery Courts, e os outros, por ordem
hierárquica, todos com calças tufadas e sapatos de fivela, com as enormes cabeleiras
postiças. Depois, o Presidente da Divisão de Custódia, Divórcio e
Almirantado, e os Juízes dos Tribunais de Apelação, com as suas pesadas
togas pretas e douradas, e os Juízes do Supremo, de togas vermelhas.
Uma longa fileira de advogados ”sénior”, os Conselheiros do Rei, com
togas de seda preta e grandes cabeleiras postiças, remanescentes da era da
Rainha Ana. Por fim, os advogados ”júnior”.
144
São recebidos na Galeria Real da Casa dos Lords, depois de atravessarem a
avenida desde a parte este da abadia.
Nesta época de mudanças, ouve-se dizer muito que a lei está obsoleta,
num santuário particular, acessível apenas aos que dela vivem; precisa de reformas
prementes e está sufocada pelos seus próprios rituais antigos.
Ouve-se falar que a lei comum está repleta de símbolos de outras épocas.
No entanto, ao aproximar-se o seu milésimo ano de uso, seria difícil
argumentar que ela poderia ter sido suplantada por qualquer outro sistema de
inspiração humana.
Também seria difícil negar que ela atende as modernas necessidades de
justiça, com precisão e rapidez.
A alma da justiça inglesa é o Lord Chancellor e, nesta altura, é Cyrill
Ramsey que atingiu o cume da profissão ao tomar posse dum cargo que parece
exigir demais dum único homem. A sua cabeça carrega três coroas.
O Lord Chancellor é um dos poucos homens do mundo a ter encargos em
todos os ramos do governo. Como o mais alto juiz da Inglaterra, Lord Ramsey
é o líder de toda a estrutura jurídica inglesa. Ele recomenda os juízes e indica
os advogados ”júnior” que entrarão nos exaltados domínios interiores dos
Conselheiros do Rei.
Ele é o porta-voz da Casa dos Lords e preside esta, sentando-se no antigo
Woolsack, símbolo do seu lugar no Parlamento.
Ele é o mais importante conselheiro jurídico da Coroa.
Também é membro do Gabinete.
No Parlamento, aconselha o trâmite das novas leis..Como conselheiro e
membro do gabinete, é responsável pela execução das leis; como juiz, faz
cumprir a lei.
Está aprisionado num grandioso apartamento, no Parlamento, com vista
para o Tamisa. Daí encabeça uma centena de comités para reformas legais,
para a tutela de fundos públicos, para a administração da educação jurídica,
para obtenção de ajuda legal para proteger hospitais, universidades e sociedades
jurídicas e de caridade. Como se isto não bastasse, Lord Ramsey e todos
os outros Lord Chancellors que o antecederam, está preso a uma série de
obrigações do cerimonial. E por isto tudo, recebe um salário anual de 35 000
dólares.
No entanto, como o tradicional ”guardião da consciência do Rei”, é o
herdeiro duma época de grandiosidade, não se curvando diante de nada, nem
de tensões, nem de tragédias, nem nunca mostrando qualquer exuberância
pública. A dignidade é o seu atributo. É o guardião das tradições.
Era difícil para o cidadão inglês que acompanhava tudo isto, neste dia,
acreditar que mudanças dinâmicas estavam a ser processadas. Começava o
novo ano jurídico. Ramsey cumprimentou todos os seus juízes e advogados,
reconhecendo-os pelos longos anos de contactos pessoal e profissional. Foi
indagado por Anthony Giray, Conselheiro do Rei.
145
Ramsey tinha na sua mesa a nomeação de Gilray, para juiz da Corte
Suprema. Era uma nomeação justa, pois Gilray valia o seu peso em ouro.
Há dez anos, uma das primeiras obrigações de Ramsey como Lord Chancellor,
tinha sido a de promover Gilray a Conselheiro do Rei. ”Vestir a
seda”, era como se dizia quando um ”júnior” passava a Conselheiro.
Gilray fora sempre muito superior à média, nos seus pequenos discursos
diante do tribunal. Assim que fosse nomeado juiz, Gilray seria sagrado
Cavaleiro, automaticamente, como todos os juízes supremos o são e faria
juramento, recebendo uma cadeira na Divisão do Tribunal do Rei da Corte
Suprema.
- Lord Ramsey - disse Anthony Gilray, estendendo uma mão esguia.
-Olá, Tony, é bom ver-te de volta do exército.
- É bom regressar.
- O que é que achas disto?
- Oh, está tudo na mesma. A Inglaterra não muda.
Capítulo segundo
Janeiro de 1966
O Sr. Bullock, chefe de escritório da firma Hobbins, Newton e Smiddy,
contactou o Sr. Rudd, o funcionário de Sir Robert Highsmith, Conselheiro da
Rainha e marcou uma consulta na câmara deste, no Templo Médio, Essex
Court, n.º 4.
Robert Highsmith adquirira fama durante aqueles anos, como um dos
maiores advogados em casos de libelo, e por causa do seu contínuo trabalho a
favor dos prisioneiros políticos, tinha sido consagrado Cavaleiro.
Apesar da sua imagem, ele gostava daquelas salas pobremente mobiladas,
com as paredes sujas e os tapetes com cores esbatidas. Até havia um aquecedor
eléctrico para ajudar o aquecedor a gás, que era insuficiente. O único sinal
de elegância, como em muitas outras salas de advogados, era a grande mesa
vitoriana, com tampo de couro.
No entanto, parado no seu estacionamento privativo, estava um Rolls-Royce
novo.
Sir Robert Highsmith e Sir Adam Kelno tentaram atravessar, com penetrantes
olhares, a barreira dos anos. Sir Robert estava mais grisalho, mais
gordo e não tão careca. O livro O Holocausto estava aberto sobre a mesa.
- Não me parece haver dúvidas quanto à questão da acusação. Grosso
modo, parece-me impossível que eles consigam uma defesa. No entanto, devemos
ter em consideração que o parágrafo ofensivo ocupa um pequeno
espaço dum livro de 700 páginas. Será que o grande público poderá identificar
o senhor, um eminente cidadão, consagrado Cavaleiro de Inglaterra, como a
pessoa mencionada aqui, fazendo passar-se por médico de nacionalidade não
identificada em Jadwiga?
- Talvez não - respondeu Adam Kelno -, mas o meu filho e o meu
pupilo reconheceram-me.
-Accionado por dano, o veneno da acusação poderá pesar bastante e ser
muito pessoal.
- O dano é interior... aqui... - disse Adam a apontar o coração.
- O que estou a tentar dizer-lhe é que nós estaremos a abrir uma caixa de
Pandora. Se a parte contrária decidir contestar, teremos nós a certeza de não
sermos atingidos? As suas mãos estão completamente limpas?
- O senhor deveria saber isso melhor do que ninguém - respondeu
Adam. - Penso que essas frases foram escritas neste livro seguindo aquele
mesmo contexto de me empurrar para o desespero. Mas, pelo menos agora,
eu posso lutar, não num tribunal fictício na Polónia, mas aqui, sob a justiça
inglesa.
-Não lhe parece pouco provável que eles tentem contestar isto? -perguntou
Smiddy.
- Se esta acção tiver um preço muito alto, talvez eles contestem. Tudo
depende do que Sir Adam pretende.
- Pretendo? Para além do horror de Jadwiga, estive na prisão de Brixton
e servi dezassete anos em Sarawak. Fui para lá por causa deles. Não cometi
nenhum erro. O que pensa o senhor que eu deva pretender?
- Muito bem - disse Sir Robert, mas eu estou numa posição em que
me sinto obrigado a temperar a sua paixão com o realismo da situação. O
senhor compreende-me?
- Sim.
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